SUMÁRIO
1.A versão do nº4 do artigo 7º do CIMT decorrente da Lei nº56/2023 apenas produz efeitos a factualidades produzidas na vigência da mesma.
2.O prazo de três anos previsto no nº4 do artigo 7º do CIMT na versão anterior à Lei nº56/2023 constitui-se como prazo de caducidade do direito, podendo-se efetuar pedido de anulação de liquidação de IMT no momento que se entender dentro dos três anos, no caso do preenchimento dos requisitos legais da isenção.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. António Cipriano da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular no processo identificado em epígrafe, decide o seguinte:
I. Relatório
1. Em 04 de novembro de 2024, A..., LDA, pessoa coletiva n.º..., com sede na..., n.º..., ...-... Lisboa, (doravante designada por “Requerente” ou “Sujeito Passivo”) veio ao abrigo do disposto do n.º 1 do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (adiante abreviadamente designado por RJAT), apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, (“PPA”) em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à declaração da ilegalidade do ato de indeferimento tácito de recursos hierárquicos que tinham por objeto a Reclamação Graciosa n.º ...2024... sobre a liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 12.350,00, resultante da declaração n.º 2023/...; a Reclamação Graciosa n.º ...2024... sobre a liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 12.187,50, resultante da declaração n.º 2022/... e Reclamação Graciosa n.º ...2024... sobre a liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 7.097,57, resultante da declaração n.º 2023/..., peticionando que sejam anuladas as liquidações impugnadas, com o reembolso do imposto indevidamente pago com as demais consequências legais, designadamente o reembolso do montante de imposto indevidamente pago, bem como dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos.
2. No dia 05 de novembro de 2024 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
3. No dia 14 de janeiro de 2025 foi constituído o Tribunal Arbitral.
4. Em 15 de janeiro de 2025, foi a Requerida notificada nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.
5. Em 14 fevereiro de 2025 a Requerida juntou aos autos a sua Resposta e o Processo Administrativo.
6. Em 24 de fevereiro de 2025 foi a Requerente notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria das exceções suscitadas pela Requerida na sua resposta.
7. Em 18 de março de 2025 o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º RJAT, dando a possibilidade às partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas (simultâneas) no prazo de 15 dias.
7. Em 09 de Abril a Requerente juntou alegações.
II. Posição das partes
II.1. Posição da Requerente
A Requerente fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
a) A Requerente na sequência de indeferimento liminar por ofícios de 20/05/2024 das Reclamações Graciosa nº...2024..., nº...2024..., nº...2024... sobre as liquidações IMT nº..., nº..., nº ..., apresentou no Portal das Finanças Recursos Hierárquicos ao abrigo do artigo 66º CPPT.
b) A Requerente não foi notificada das decisões expressas de tais Recursos Hierárquicos até ao momento da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que entende que se presume o indeferimento tácito, nos termos do disposto no artigo 66º nº3 e 5 do CPPT.
c) Constituindo objeto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral as decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas deduzidas pela Requerente, onde a AT se pronuncia expressamente quanto à legalidade das liquidações reclamadas, e objeto mediato, as próprias liquidações de IMT, cuja anulação, a final, aqui igualmente se requer.
d) A Requerente pugna pela tempestividade do PPA, alegando para o efeito que tendo sido notificada da rejeição liminar das reclamações graciosas em 20/05/2024, apresentando Recursos Hierárquicos em 23/05/2024 e não tendo sido notificado de decisão sobre os mesmos, operou a presunção de indeferimento tácito dos recursos hierárquicos em 06/08/2024. Cumprindo a Requerente o prazo de 90 dias para pronúncia arbitral previsto no artigo 102º, n.º 1, alínea d) do CPPT ex vi artigo 10º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
e) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que, no âmbito da sua atividade, se dedica à compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
f) A Requerente por escrituras públicas celebradas em 02/05/2023, 21/07/2022 e 31/01/2023 adquiriu três frações autónomas no concelho de Lisboa para revenda, liquidando e pagando: IMT no valor de 12.350,00 €, resultante da declaração de imposto n.º 2023/...; IMT no valor de 12.187,50 €, resultante da declaração de imposto n.º 2022/...; e IMT no valor de 7.097,57 €, resultante da declaração de imposto n.º 2023/... .
g) A Requerente revendeu por escritura pública as três frações autónomas respetivamente em 02/05/2023, 06/03/2023 e 31/01/2023, apresentando Reclamações Graciosas onde requereu o reembolso do imposto pago aquando da aquisição para revenda, por entender estarem preenchidos os pressupostos da isenção prevista no artigo 7º do CIMT.
h) A AT rejeitou liminarmente as três Reclamações Graciosas apresentadas pela Requerente por intempestividade, considerando não estar cumprido o pressuposto da tempestividade, pois o reembolso do IMT não foi requerido no prazo de 120 dias contados da revenda, conforme estipulado no n.º 4 do artigo 70º do CPPT, por remissão do n.º 4 do artigo 7º do CIMT.
i) Contudo, a AT não deixou de apreciar os restantes pressupostos da isenção do IMT pela aquisição de prédios para revenda, e de analisar as cópias das escrituras de compra e venda dos prédios apresentadas pela Requerente.
j) A AT reconhece expressamente que a Requerente exercia a atividade de compra a venda de imóveis para a qual se encontrava coletada, pagou o IMT, e que os imóveis adquiridos se destinavam à revenda,
k) Ou seja, a AT reconheceu expressamente que o único fundamento da rejeição limiar das Reclamações Graciosas era a intempestividade, estando os restantes pressupostos que conferiam o direito à isenção do IMT cumpridos.
l) Na versão em vigor à data dos factos, o n.º 4 do artigo 7º do CIMT previa o seguinte: “Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transação.”
m) Com a Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro a norma supra citada foi alterada, com as alterações a produzirem efeitos a partir do dia 07/10/2023 – artigo 55º da Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro.
n) Tal norma inovatória não estabelece expressamente qualquer novo prazo para o exercício do direito ao reembolso do IMT.
o) No caso em apreço, a Requerente adquiriu os três prédios, pagou o IMT devido, e revendeu-os em datas anteriores à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro.
p) A Requerente sabia, à data das transações, que tinha direito ao reembolso do IMT, e que não havia qualquer impedimento de o exercer. Direito este que foi constituído em momento anterior à entrada em vigor das aludidas alterações ao n.º 4 do artigo 7º do CIMT
q) A aplicação deste novo prazo às situações fácticas aqui em apreço – como a AT fez nas Reclamações Graciosas – viola o direito da Requerente em obter o reembolso do IMT, já devidamente constituído, em absoluto incumprindo do disposto no n.º 3 do artigo 12º da LGT.
r) A aplicação da nova redação do n.º 4 do artigo 7º do CIMT a factos ocorridos em momento anterior à sua entrada em vigor e a direitos constituídos também em momento anterior, é inconstitucional por violação do princípio da certeza e da segurança jurídica.
s) Pelo que a interpretação que a AT faz do n.º 4 do artigo 7.º do CIMT, de que ali se contém um prazo inovatório para o exercício do direito de requerer o reembolso é inconstitucional por violação do princípio da Segurança Jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, porquanto tal norma jurídica não possui um mínimo de certeza, previsibilidade, determinação e estabilidade.
t) Concluindo a Requerente que a interpretação do n.º 4 do artigo 7.º do CIMT no sentido de que estabelece um prazo de 120 dias para o exercício do direito, viola o princípio da proporcionalidade, o princípio do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva, o princípio da igualdade e o princípio do Estado de direito democrático, respetivamente consagrados nos artigos 18.º, n.º 2; 20.º, n.º 1 e 4; 13.º e 2.º da CRP. Atento o exposto, deve ser declarada a ilegalidade das supra identificadas liquidações de IMT.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
a) A Requerida pugna pela procedência de exceção perentória de “intempestividade do pedido por falta de objeto”, alegado para o efeito que a Requerente conforme foi informada não deu entrada de qualquer recurso, mas apenas a cópia da decisão da Reclamação Graciosa.
b) Ora, a manifestação de intenção de recorrer, sem a junção de articulado em que ainda que sucintamente se indique as normas que considera violadas e sem fundamentar de facto e de direito, as motivações do recurso, não se pode considerar como Recurso Hierárquico.
c) Por essa razão, também a AT não ficou constituída no dever de decidir, conforme previsto no artigo 56º da LGT, tanto mais que, informou a Requerente, da falta de junção do Recurso Hierárquico nos três pedidos.
d) A Requerida pugna pela procedência de exceção dilatória inominada de erro de forma de processo cujo reconhecimento, de acordo com o n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º do CPPT, obsta ao conhecimento do mérito e conduz à absolvição da parte contrária, da instância.
e) Tendo as reclamações graciosas sido rejeitadas liminarmente por intempestividade e, sabendo que não houve decisão expressa no procedimento de Recurso Hierárquico, terá de se considerar que não foi apreciada a legalidade dos atos tributários de liquidação.
f) Assim sendo, estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, pelo que, consequentemente, também não o poderá ser por via arbitral, meio de resolução de litígios alternativo àquele.
g) Concomitantemente, a Requerida entende que se verifica a incompetência material do Tribunal Arbitral. Entende a Requerida que estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT. Nestes termos tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à instância arbitral pois, o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
h) Afirma a Requerida que o está em causa no presente pedido de pronúncia arbitral é saber qual o prazo que a requerente disponha para apresentar o requerimento a que se refere o n.° 4 do artigo 7.° do CIMT.
i) Deverá considerar-se que, em face da alteração legislativa, a questão colocada nos presentes autos se encontra esclarecida, em conformidade com o disposto no n.° 4 do art.° 70.° do CPPT e em resultado da nova redação, confirmativa/clarificadora, conferida ao n.° 4 do artigo 7.°, pela Lei 56/2023, de 6 de outubro.
j) Pois que, tendo o legislador manifestado expressa e claramente a sua vontade no sentido da aplicação ao procedimento de anulação da liquidação no âmbito da "Revenda", (a tramitação do procedimento de reclamação graciosa contido no CPPT) confirmando/clarificando, ainda, que à data da revenda - que deverá constar do documento comprovativo da transação - constitui facto superveniente nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 4 do artigo 70.° daquele diploma.
k) Sendo que, a data da revenda constitui o termo inicial de 120 dias do prazo para o interessado poder requerer a anulação do IMT pago, nos termos e fundamentos previstos no n.° 4 do art.° 7.° do CIMT).
l) Em suma, à luz de todo o exposto forçoso é concluir que não tem a Requerente razão, nos argumentos apresentados, não padecendo os atos aqui em dissídio de qualquer vício.
m) Face ao exposto, não podemos concordar com a invocada inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade, do princípio da certeza e da segurança jurídica, do princípio da igualdade e do princípio do Estado de direito democrático, respetivamente consagrados nos artigos 18.°, n.° 2; 20.°, n.° 1 e 4; 13.° e 2.° da CRP.
n) Concluindo a Requerida que os atos em crise não padecem de qualquer ilegalidade pelo devendo ser considerada como improcedente a pretensão da Requerente e a Entidade Requerida absolvida de todos os pedidos.
III. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2 alínea a) do RJAT.
As partes gozam de capacidade e personalidade jurídica, são legítimas, (artigo 4.º e 10.º n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
A Requerente tem personalidade e capacidade tributária e encontra-se regularmente representada.
A Requerida goza de personalidade e capacidade tributárias, tem legitimidade e encontra-se regularmente representada (cf. artigos 4.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
A Requerida suscitou exceções dilatórias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, que serão avaliadas após a apreciação da matéria de facto.
IV. Matéria de Facto
IV.1. Factos Dados com Provados
Com base nos elementos constantes dos autos com interesse para a decisão deram-se por provados os seguintes factos:
a) A Requerida é uma sociedade comercial por quotas com o CAE Principal: 68100-R3 que tem por objeto social a compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr. doc nº5 junto ao PPA).
b) A Requerente no âmbito da sua atividade por escritura pública celebrada em 02/05/2023, adquiriu pelo preço de €190.000,00 a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao rés-do-chão direito, destinado a comércio, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da dita freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da freguesia de ..., tendo sido declarado que o prédio se destinava à revenda (cfr. doc nº6 junto ao PPA).
c) Pela supra mencionada aquisição em b) a Requerente liquidou e pagou o valor de IMT de €12.350,00 (cfr. doc nº7 junto ao PPA).
d) Por escritura pública celebrada em 02/05/2023 a Requerente revendeu o prédio identificado em b) (cfr. doc nº8 junto ao PPA).
e) A Requerente no âmbito da sua atividade por escritura pública celebrada em 21/07/2022, adquiriu por €186.500,00 a fração autónoma designada pelas letras “BQ”, corpo 3, sexto andar, porta A, destinada a escritório, do prédio urbano sito na Rua ..., números ... a ..., ... e..., ..., ... a ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da dita freguesia (cfr. doc nº9 junto ao PPA).
f) Pela supra mencionada aquisição em e) a Requerente liquidou e pagou o valor de IMT de €12.187,50 (cfr. doc º10 junto ao PPA).
g) Por escritura pública celebrada em 06/03/2023 a Requerente revendeu o prédio identificado em e) (cfr. doc nº11 junto ao PPA).
h) A Requerente no âmbito da sua atividade por escritura pública celebrada em 31/01/2023, adquiriu por €320.000,00 a fração autónoma designada pela letra “C”, destinada a comércio, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na..., número ... a..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da dita freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (cfr. doc nº12 junto ao PPA).
i) Pela supra mencionada aquisição em h) a Requerente liquidou e pagou o valor de IMT de €7.097,57 (cfr. doc º10 junto ao PPA).
j) Por escritura pública celebrada em 31/01/2023 a Requerente revendeu o prédio identificado em h) (cfr. doc nº11 junto ao PPA).
k) A Requerente em 06/05/2024 apresentou Reclamação Graciosa n.º ...2024..., contra a liquidação de IMT n.º..., de 28.04.2023, no montante de € 12.350,00, relativa à aquisição da fração autónoma "D", destinada ao comércio, do prédio urbano, sito na Rua ..., n.º..., em Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, em que requereu o reembolso do imposto pago aquando da aquisição para revenda, por entender estarem preenchidos os pressupostos da isenção prevista no artigo 7º do CIMT (cfr. doc nº1 junto ao PA).
l) Por despacho de 14/05/2024 a Reclamação graciosa n.º ...2024... foi indeferida liminarmente por intempestividade constando da mesma:

(cfr. doc nº1 junto ao PPA)
m) A Requerente em 06/05/2024 apresentou Reclamação Graciosa n.º ...2024..., apresentada contra a liquidação de IMT n.º ..., de 21.07.2022, no montante de € 12.187,50, relativa à aquisição da fração autónoma "BQ", destinada a serviços, do prédio urbano, sito na Rua ..., n.ºs ..., ..., ... e ..., ... a ..., ..., Porta A, em Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa em que requereu o reembolso do imposto pago aquando da aquisição para revenda, por entender estarem preenchidos os pressupostos da isenção prevista no artigo 7º do CIMT (cfr. doc nº2 junto ao PA)
n) Por despacho de 14/05/2024 a Reclamação graciosa n.º ...2024... foi indeferida por liminarmente por intempestividade constando da mesma:

(cfr. doc nº2 junto ao PPA)
o) A Requerente em 06/05/2024 apresentou Reclamação Graciosa n.º ...2024..., apresentada contra a liquidação de IMT n.º ..., de 30.01.2023, no montante de € 7.097,57, relativa à aquisição da fração autónoma "C", destinada ao comércio, do prédio urbano, sito na Av. ..., n.º ..., s/loja, em Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa (cfr. doc nº3 junto ao PA).
p) Por despacho de 14/05/2024 a Reclamação graciosa n.º ...2024..., foi indeferida liminarmente por intempestividade constando da mesma:

(cfr. doc nº3 junto ao PPA)
q) A Requerente em 23.05.2024 no serviço e-balcao submeteu os seguintes pedidos:



(cfr. doc nº 4 junto ao PPA e pag.14-16 do Processo Administrativo)
r) A Requerente submeteu o presente PPA em 04.11.2024.
IV.2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
IV.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pela Requerente, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos 596.º, n.º 1, e 607.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição, factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram (cf. artigos 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA, 5.º, n.º 2, e 411.º do CPC).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo. Além disso, não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados
V. Matéria de Direito
V.1. Exceções
A Requerida suscitou duas exceções dilatórias a saber: “incompetência material arbitral”; ”erro na forma do processo”e uma exceção perentória que denominou de “ intempestividade do presente pedido por falta de objeto”.
Considera o tribunal que a análise do litígio determina a avaliação em primeiro lugar das exceções e questões prévias, na justa medida que a procedência de qualquer uma destas pode prejudicar o conhecimento, conforme artigo 608º nº2 do CPC (Código de Processo Civil), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT. Dentro das exceção e questões prévias deve começar pelas exceções dilatórias nos termos do artigo 578º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.
V.1. a. Da incompetência material do Tribunal Arbitral
A competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a sua apreciação previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Pugna a Requerida pela incompetência material do Tribunal Arbitral por o objeto dos autos ser a avaliação dos pressupostos de admissibilidade de Reclamação Graciosa, nomeadamente a apreciação da (in)tempestividade das mesmas. Alega a Requerida que estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, o que determina que não pode, face à lei, ser submetido à instância arbitral pois, o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT e completada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que estabelece:
Artigo 2º do RJAT
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;
Artigo 4.º do RJAT
Vinculação e funcionamento
1 - A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março
Objeto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti-abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.
Artigo 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março
Termos da vinculação
1 - A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a (euro) 10 000 000.
(….)
Nestes termos, tendo em atenção as normas supra referidas é incontornável que o Tribunal Arbitral terá competência material para apreciar atos de liquidação de IMT, com valor inferior a €10.000.000.
A determinação da competência do tribunal terá de se delimitar pela análise do pedido do autor e pela causa de pedir em que este se apoia na petição inicial. Seguindo a jurisprudência do CAAD no processo 262/2018-T “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.”
No caso em apreço, o pedido da Requerente é absolutamente claro e inequívoco fixando-se na ilegalidade dos atos de indeferimento tácito dos Recursos Hierárquicos resultantes da rejeição liminar das Reclamações Graciosas por intempestividade e a consequente ilegalidade das liquidações de IMT.
O objeto de análise dos autos é o alegado indeferimento tácito de Recursos Hierárquicos, que tinham por objeto o indeferimento liminar de Reclamações Graciosas por intempestividade. De facto, o indeferimento das Reclamações Graciosas foi exclusivamente motivado por um único fundamento - a intempestividade do meio procedimental utilizado, não chegando a AT na decisão de indeferimento a pronunciar-se sobre questões de legalidade das liquidações de IMT.
Nestes termos há que determinar se o Tribunal Arbitral tem competência material para na análise da legalidade de atos de liquidação na sequência de indeferimento de meio gracioso que não apreciou a legalidade do ato de liquidação e que se apenas se pronunciou quanto à intempestividade do meio processual utilizado.
A este respeito Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e Processo Tributário. Volume II. 6º edição, 2011, pag. 56) em comentário ao artigo 97º do CPPT refere: “parece ser de optar pela solução de caber sempre impugnação judicial das decisões de indeferimento de reclamação graciosas, aduzir no prazo referido no número 2 do artigo 102, independentemente delas, tem sido ou não apreciada a legalidade do ato, liquidação que administrativamente impugnada.”
Neste mesmo sentido vide:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo nº 0125/09 de 02.04.2009 que refere:
“Das decisões de indeferimento de reclamações graciosas cabe sempre impugnação judicial, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, independentemente de nelas ter sido ou não apreciada a legalidade do ato de liquidação que foi administrativamente impugnado.”
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo nº0129/18.9BEAVR de 13.01.2021
“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).
Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.
Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).”
Entendimento também expresso de forma coincidente nomeadamente nas decisões arbitrais nº44/2023-T ou 718/2020-T.
O Tribunal Arbitral concorda com as posições jurisprudenciais supra, entendendo que nos casos em que na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao Tribunal que aprecie a legalidade da liquidação, o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa, como é o caso da intempestividade.
Termos em que o Tribunal Arbitral é competente nos termos do alínea a) do nº1 do artigo 2º do RJAT.
Face ao exposto improcede a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.
V.1. b. Erro na Forma no Processo
A Requerida veio suscitar a exceção dilatória de erro na forma do processo. Alega para o efeito que por as Reclamações Graciosas terem sido rejeitadas liminarmente por intempestividade, estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, pelo que, consequentemente, também não o poderá ser por via arbitral,
Neste ponto temos de voltar a fazer referência a jurisprudência citada no ponto antecedente, nomeadamente o Supremo Tribunal Administrativo processo nº0129/18.9BEAVR de 13.01.2021 que refere:
“Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa”. (o sublinhado e nosso)
E a doutrina de Jorge Lopes de Sousa “in Código de Procedimento e Processo Tributário. Volume II. 6º edição, 2011, pag. 55-56) em comentário ao artigo 97º do CPPT refere:
“As dúvidas mais relevantes quanto à integral aplicação desta regra geram-se a propósito do indeferimento de reclamações graciosas, por estar especialmente prevista no n.º 2 do art.º 102.º a sua impugnabilidade através de processo de impugnação, sem qualquer restrição derivada do conteúdo do ato, o mesmo sucedendo com a alínea c) do n.º 1 do presente art.º 97.º ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários» de forma autónoma em relação aos «atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação» referidos na alínea d).
(…)
“Não sendo viável encontrar uma solução adequada e congruente para esta questão sem fazer interpretações ab-rogatórias, a opção adequada, para quem tem a função de aplicar o direito nos tribunais, quando está em causa apenas matéria processual, parece ser a de aplicar à letra as disposições legais, pois com tal aplicação consegue-se, ao menos, atingir maior certeza e clareza na utilização dos meios processuais que, decerto, são valores mais importantes para aqueles que vêm aos tribunais pedir tutela para os seus direitos e interesses do que o poderá ser a coerência global do regime de impugnação.”.
(….)
Por isso, embora as dúvidas que transparecem do que se expôs, parece ser de optar pela solução de caber sempre impugnação judicial das decisões de indeferimento de reclamação graciosas, aduzir no prazo referido no número 2 do artigo 102º, independentemente delas, tem sido ou não apreciada a legalidade do ato, liquidação que administrativamente impugnada.”
Entende assim o Tribunal Arbitral em consonância com a doutrina e jurisprudência supra mencionada que nos casos de indeferimento do meio gracioso motivado por vícios exteriores à legalidade do ato intrínseco de liquidação o meio processual adequado é a impugnação judicial que tem por objeto imediato a decisão administrativa e mediato a legalidade da liquidação.
Nestes termos, entende o Tribunal Arbitral que o PPA tem por objeto um ato de liquidação, o qual é suscetível de ser colocado em crise através de Arbitragem Tribuária, de acordo com a alínea a) do nº1 do artigo 2º do RJAT .
Face ao apresentado, improcede a exceção dilatória de erro na forma do processo suscitada pela Requerida.
V.1. c. Da intempestividade do pedido por falta de objeto
Veio a Requerida suscitar exceção perentória que denominou de “intempestividade do pedido por falta de objeto”. Alega para o efeito que a Requerente não deu entrada de qualquer Recurso Hierárquico, defendendo que a manifestação de intenção de recorrer, sem a junção de articulado que indique ainda que sucintamente as normas que considera violadas e ausentes de fundamentação de facto e de direito não se pode atribuir a qualidade de Recurso Hierárquico. Facto que na posição da Requerida teria como consequência a intempestividade da PPA e a absolvição do pedido, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e nº3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Por sua vez a Requerida entende que interpôs efetivo Recurso Hierárquico pelo que a AT não estava desonerada de decidir.
A questão sub judice exige a compreensão do conceito de Recurso Hierárquico.
Diogo Freitas do Amaral define Recurso Hierárquico (in “Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico”, 2º edição, Almedina, 2005, pag.34) como “recurso administrativo mediante o qual se impugna o ato de um órgão subalterno perante o seu superior hierárquico, a fim de obter a respetiva revogação ou substituição”
O Recurso Hierárquico consiste assim num modo de impugnação administrativa por via do qual os interessados solicitam, a revogação, anulação, modificação ou substituição de um ato administrativo ou, em alternativa e sendo caso disso, reagem contra a omissão ilegal de atos administrativos em incumprimento do dever de decisão solicitando a emissão do ato pretendido.
O Recurso Hierárquico distingue-se dos restantes meios de impugnação administrativa por ser o único meio de impugnação que deve ser dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato com o objetivo de solicitar a este uma nova apreciação. Com o Recurso Hierárquico o interessado pode solicitar ao superior hierárquico do órgão autor do ato a revogação, anulação, modificação ou substituição de um ato administrativo, fundamentando o seu pedido em questões de legalidade (aqui nos mesmos termos da Reclamação), mas também por questões de mérito (apuradas em função de valores que nada têm a ver com a pura conformidade do ato com as normas jurídicas que o regulam, mas antes alegado o interesse geral, oportunidade, conveniência ou justiça do ato).
Quanto à finalidade, conforme Diogo Freitas do Amaral (in “Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico”, 2º edição, Almedina, 2005, pag.34) “Finalmente, importa sublinhar que nos recursos em geral – tal como no recurso hierárquico em especial – a finalidade do recurso é um elemento essencial do respetivo conceito. E a finalidade consiste sempre, no recurso, em procurar obter da autoridade ad quem a revogação ou a substituição do ato recorrido. Quando se impugna, impugna-se com um certo objetivo e este é o de destruir o objeto da impugnação. A finalidade mínima, por assim dizer, de qualquer recurso é a revogação do ato impugnado: ela está assim presente em todas as modalidades de recursos” (o sublinhado é nosso).
No que diz respeito ao procedimento tributário, encontramos como primeiro nível de defesa do contribuinte as garantias impugnatórias administrativas enquanto meios de reação do contribuinte contra atos tributários lesivos, em que este apela à própria administração tributária para rever a sua posição. Estes resultam do sentido de legalidade estrita e de cumprimento da verdade material a que a administração tributária está subordinada. Nas garantias impugnatórias administrativas do procedimento tributário encontramos: a Reclamação Graciosa; o Recurso Hierárquico; o Pedido de Revisão de Ato Tributável; o Pedido de Revisão da Matéria Coletável e Correção de Erros da Administração Tributável.
No que diz respeito ao Recurso Hierárquico no procedimento tributários este encontra-se prescrito nos artigos 66º e 67º do CPPT. Nos termos do nº1 do artigo 66º do CPPT em conjunção do artigo 80º do LGT as decisões finais do procedimento são suscetíveis de Recurso Hierárquico, tendo este em regra natureza facultativa e devolutiva.
O nº2 do artigo 66º do CPPT impõe que este é dirigido ao mais alto superior hierárquico do autor do ato, identificável como o Ministro das Finanças, ou Secretário de Estado dos Assuntos Fiscal[1], devendo ser interposto no prazo de 30 dias a contar da notificação do ato respetivo, presencialmente nos serviços de finanças, por correio ou através de submissão no portal das finanças. Neste último, encontramos uma área especifica em “contencioso administrativo – instauração de contencioso administrativo” para o efeito.
O Recurso Hierárquico apresenta como requisitos de admissibilidade a competência do órgão ad quem, a legitimidade do recorrente, a recorribilidade do ato e a tempestividade do recurso.
Os artigos 66º e 67º do CPPT não estabelecem regras ou formalidades especificas ou especiais para o Recurso Hierárquico devendo-se considerar à semelhança da Reclamação Graciosa que deve imperar a simplicidade. Deve entender-se a inexistência de tipificação de formalidades especificas com o propósito do legislador de facilitar e simplificar o exercício das garantias do cidadão contribuinte para poder defender os seus direitos.
Porém, simplicidade não pode significar ausência de sentido, fundamentos, inteligibilidade do pedido. Assim, ainda que de forma simplificada este exige a indicação da entidade a quem é dirigido o recurso, a identificação do ato administrativo de que se recorre e as razões/fundamentos que justificam o provimento do recurso.
Para efeitos do auxílio do interessado e sob as premissas da defesa da verdade material e de respeito pelo princípios da justiça e da colaboração vertidos nos artigos 55º e 59º da LGT e no artigo 19º do CPPT, a AT tem um dever de colaboração concretizado no esclarecimento de dúvidas e de sanação oficioso de deficiências e irregularidades.
Veja-se que o artigo 19º do CPPT estabelece no sentido da realização da justiça, boa-fé e colaboração, o dever da AT sanar deficiência ou irregularidade ou caso tal não seja possível “mandá-lo-á baixar para estas serem supridas”.
Também o nº2 do artigo 108º CPA aplicável ao procedimento tributário ex vi artigo 2º do CPPT, nos casos de deficiência de requerimento inicial a administração deve procurar suprir oficiosamente as deficiências de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos. A este dever acresce o encargo de convidar o administrado a suprir as deficiências existentes no requerimento, conforme nº1 do artigo 108º do CPA.
Quanto a fundamentos de rejeição do Recurso devemos chamar à colação o artigo 196º do CPA aplicável ao procedimento tributário via artigo 2º do CPPT. Este estabelece que o Recurso deve ser rejeitado nos casos: a) quando o ato impugnado não seja suscetível de recurso; b) quando o recorrente careça de legitimidade; c) quando o recurso haja sido interposto fora do prazo; d) quando ocorra qualquer outra causa que obste ao conhecimento do recurso.
No caso dos autos, a Requerente tinha legitimidade para recorrer por a sua posição não ter sido acolhida em sede de Reclamações Graciosas. Estaria em 23.05.2024 em tempo de deduzir Recurso Hierárquico, por ter sido notificada do indeferimento das Reclamações Graciosas em 20.05.2024, existindo competência do órgão ad quem.
No que diz respeito às formalidades, e não obstante imperar a simplicidade, exige-se um mínimo de coerência e fio condutor do pedido sob pena de inteligibilidade. Como se referiu terá de ser exigido a indicação da entidade a quem é dirigido o recurso, a identificação do ato administrativo de que se recorre, e as razões/ fundamentos que justificam o provimento do recurso.
Olhado in casu, a Requerente não submeteu o seu pedido através da entrega pessoal em serviço de finanças, por correio ou na área especifica do portal das finanças (contencioso administrativo – instauração de contencioso administrativo”). A Requerente submeteu o seu pedido no portal das finanças no área “e-balcao”. Não obstante este facto, tem de ser considerar este como um meio idóneo para a submissão do pedido, por força do dever de colaboração que incide sob a AT nos termos do artigo 19º do CPPT e do artigo 59º da LGT.
O pedido deve indicar a entidade a quem é dirigido o recurso (no caso o superior hierárquico conforme nº2 do artigo 59º do CPPT). Tendo em atenção o pedido submetido (cfr. doc nº4 do PPA) a Requerente não indicou o destinatário do Recurso. Apesar desta omissão, o encargo de colaboração e o nº2 do artigo 61º da LGT determina o dever da AT suprir esta deficiência, não podendo esta omissão ser razão para rejeição do pedido. Vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa (in “Código de Procedimento e Processo Tributário”, Volume I, 6º edição, Áreas Edições, 2011, pag. 603, comentário ao artigo 66º do CPPT): “No que concerne à incompetência deverá aplicar-se em primeiro lugar, a regra prevista no número 2 do artigo 61 da LGT, que, embora formulada especificamente para o requerimento com que se dá origem ao procedimento tributário, será aplicável analogicamente a qualquer requerimento apresentado nos procedimentos tributários, pois vale relativamente à globalidade do procedimento, o interesse Público que justifica a via oficiosa de sanação de problemas de competência”.
Em segundo lugar, o Recurso deverá identificar o ato a que se recorre, o que foi cumprido pela Requerente (cfr. doc nº4 do PPA).
Em terceiro lugar, ainda que de forma simplificada para efeitos de inteligibilidade do pedido, o Recurso exige a exposição das razões/fundamentos que justificam o provimento do recurso.
Diogo Freitas do Amaral (in “Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico”, 2º edição, Almedina, 2005, pag.207) estabelece que os Recursos Hierárquicos no que diz respeito à classificação dos seus fundamentos dividem-se me recursos de legalidade, mérito ou mistos.
Diogo Freitas do Amaral (in “Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico”, 2º edição, Almedina, 2005, pag.207) refere:
“Consideramos recursos de legalidade aqueles que é possível invocar como causa petendi a ilegalidade do ato recorrido e cujo objeto se traduz, portanto, no exame de questões de legalidade.
Entendemos por recursos de mérito os recursos em que a causa petendi não é a ilegalidade, mas o do mérito ato corrido apurado em função de valores que nada têm a ver com a pura conformidade do ato com as normas jurídicas que o regulam, a saber - a justiça, a equidade, a moralidade, oportunidade, a conveniência, utilidade, etc.
Designamos, enfim, por recursos mistos aqueles em que o recorrente é possível invocar como causa pretendi motivos de legalidade e motivos de mérito em simultâneo.”
Diogo Freitas do Amaral (in “Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, 2º edição, Almedina”, 2005, pag.208-20) refere ainda:
“Não é difícil compreender sem grandes explicações a figura do recurso hierárquico de legalidade (…). Assim, o recorrente pode invocar como fundamento do seu recurso ou mais vícios do ato administrativo, ilegalidades ou afetem por inobservância das normas jurídicas com as quais devia conformar-se - vícios esses apurados, segundo os cânones da teoria geral do ato administrativo, incluindo, portanto, toda a ofensa a qualquer espécie de normas externas ou princípios gerais de direito
(...)
“O recurso de legalidade não é necessariamente um recurso de revista cingindo a mera interpretação e aplicação de normas jurídicas. É assim um recurso em que as questões, de facto podem ser apreciadas, embora tão somente para permitir determinar se houve ou uma ofensa da lei e nunca para fiscalizar a substância do exercício dos poderes discricionários.”
(…)
“O recurso mérito será nesta ordem de ideias, um recurso hierárquico em que o recorrente não impugna o ato recorrido com base numa legalidade deste, mas antes fundado em que tal ato é? Perante o interesse geral, inoportuno ou inútil ou inconveniente, ou iníquo ou injusto ou imoral”
É assim, claro que o Recurso Hierárquico exige ainda que sob um padrão de simplicidade a invocação de fundamentos, quer sejam de legalidade, mérito, ou num misto de ambos.
No caso dos autos a Requerente no portal e-balcao referiu:
“Bom dia, O contribuinte 515 614 766, vem por este meio requer recurso hierárquico da decisão final ...2024... (Reclamação Graciosa) emitida pelo serviço de finanças... -.... Para tal junta em anexo a referida reclamação graciosa. Atentamente, ...”
Verifica-se que a Requerente não obstante ter manifestado a sua intenção de recorrer da decisão final da Reclamação final, e portanto evidenciar a finalidade de destruir o ato objeto de impugnação, não apresentou qualquer fundamento de legalidade ou mérito que justiçasse a destruição do ato impugnado.
A AT, no cumprimento do dever de colaboração estabelecido pelo 59º da LGT e 19º do CPPT, informou a Requerente:
“Informa-se que não anexaram o Recurso Hierárquico, mas sim a notificação e o despacho da Reclamação Graciosa”
Não obstante, a Requerente não respondeu ao convite de aperfeiçoamento, sanação de deficiência ou irregularidade. Em consequência deste facto a Requerida poderia nos termos da alínea c) do artigo 196º do CPA aplicável ao procedimento tributário via artigo 2º do CPPT, ter tomado a decisão de rejeição do Recurso.
Todavia, independentemente de uma possível pronúncia de rejeição do Recurso Hierárquico, AT não estava desonerada de decidir. Não o tendo feito de forma expressa, ocorreu o indeferimento tácito do recurso na decorrência do prazo de 60 dias previsto no nº5 do artigo 66º do CPPT, contado após a decorrência dos 15 dias para o para o autor do ato recorrido o revogar ou o fazer subir ou da sua remessa ao órgão competente para dele conhecer (a este respeito vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo: 0118/13.0BEPRT de 10.03.2021. ou Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo nº 333/08.8 BEALM de 27.01.2022).
Ocorrendo assim o indeferimento tácito dos Recursos Hierárquicos em 06/08/2024.
Tendo a Requerente proposto o PPA dentro do prazo de 90 dias contados da formação do indeferimento tácito (artigo 102º1 aliena d) do CPPT aplicável ex vi artigo 10º nº1 alínea a) do RJAT), constata-se que o PPA é tempestivo.
Face ao apresentado improcede a exceção perentória de “intempestividade do pedido por falta de objeto” suscitada pela Requerida.
V.2. Da Isenção de IMT pela aquisição de prédios para revenda
Por via do indeferimento tácito dos Recursos Hierárquicos, o objeto de análise dos presentes autos é o indeferimento das Reclamações Graciosas nºs ...2024..., ...2024..., ...2024... e ...2024.... Todas elas tinham por objeto liquidações de IMT versando sobre a aplicabilidade da isenção do artigo 7º do CIMT.
As três Reclamações Graciosas foram rejeitadas liminarmente por intempestividade, por a AT ter considerado não estar cumprido o pressuposto de tempestividade previsto na remissão do artigo 7º nº 4 do CIMT, para o prazo especial do artigo 70º nº 4 do CPPT.
A análise do litígio determina que se chame à colação o artigo 7º do CIMT.
À data dos factos (aquisição iniciais em 2022 e 2023, revendas em 2023) a norma em referência tinha o seguinte teor:
Artigo 7.º
Isenção pela aquisição de prédios para revenda
1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º (*) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da atividade de comprador de prédios para revenda.
2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda.
3 -Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a atividade quando comprove o seu exercício nos dois anos anteriores mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, quando daquela certidão constar que, em cada um dos dois anos anteriores, foram revendidos prédios antes adquiridos para esse fim. (Redação da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro)
4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transação.
O IMT consubstancia-se como um imposto de obrigação única que tem por objeto a tributação da riqueza relevada na aquisição de bens imóveis. A motivação para a isenção do artigo 7º do CIMT advém do legislador entender que numa revenda a aquisição não assume a natureza de manifestação de riqueza porque os bens imóveis adquiridos são a mercadoria de uma atividade. Tributar IMT nestes casos modificaria a finalidade do tributo de tributação de riqueza, para a tributação de aquisição de mercadorias, em total infração dos propósitos do legislador.
Esta isenção pode operar através de duas modalidades.
Na primeira modalidade (artigo 7º nº2 CIMT) o funcionamento da isenção, consiste na liquidação e pagamento do imposto na data de aquisição dos prédios para revenda, aplicando-se o regime regra de sujeição do IMT, mas com a devolução do imposto ao sujeito passivo, logo que estes aliene o imóvel no prazo máximo de 3 anos (na versão anterior à Lei nº 56/2023) e verificados que estejam todos os restantes pressupostos da isenção. Assim, neste caso o IMT é pago no momento da aquisição, só ocorrendo a devolução do imposto liquidado em momento futuro caso ocorra a revenda dentro da janela temporal prevista.
Numa segunda modalidade (artigo 7 nº1 CIMT), o legislador abre a possibilidade de libertar algumas empresas do ónus do pagamento antecipado do imposto, permitido que a isenção tenha eficácia imediata no momento da aquisição de imóvel. Exigindo nestes casos que o adquirente exerça normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda, com esta qualidade a ser reconhecida por certidão passada por serviço de finanças (artigo 7º nº3 CIMT).
São pressuposto de aplicabilidade da isenção do artigo 7º do CIMT:
i. O exercício da atividade de compra de prédios para revenda;
ii. Tratar-se de prédios adquiridos para revenda (o que exige que se cumpram dois requisitos: que a intenção seja manifestada e que fique expresso no contrato de compra e venda; e que o prédio se mantenha afeto ao ativo circulante do adquirente);
iii. Revenda no prazo temporal previsto na norma (3 anos versão vigente na data dos factos);
iv. O sujeito passivo não possuir dividas fiscais (aplicável via 13º e 14º do EBF).
Com a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 56/2023 de 06 de outubro, o nº4 do artigo 7º do CIMT, foi alterado, passando a ter a seguinte redação:
“4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de um ano, e haja sido pago imposto, este é anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transação, considerando-se como facto superveniente nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 70.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim, a nova versão do nº4 do artigo 7º do CIMT, com entrada em vigor 07.10.2023 veio restringir a janela temporal ao reduzir o prazo para a revenda de três para um ano, e qualificar o ato de revenda como facto superveniente para efeitos do nº4 do artigo 70º do CPPT, com expressa remissão do pedido de restituição do imposto para o regime e prazo da Reclamação Graciosa de 120 dias.
Contudo, a nova versão do nº4 do artigo 7º do CIMT apenas produz efeitos a partir de 07.10.2023 em conformidade com o artigo 55º da Lei nº 56/2023, pelo que é claro que esta redação apenas se pode aplicar a factualidades produzidas na vigência da mesma.
Interpretação em consonância com o nº3 do artigo 12º da LGT e em conforme com os deveres de boa-fé, segurança jurídica e proteção da confiança que o procedimento tributário deve revestir
Vide neste sentido, informação vinculativa da AT, processo nº 25651, com despacho de 2024-01-27, que refere:
“artigos 103.º e 104.º da Lei Fundamental, com expressão no artigo 12.º da LGT, e tendo em consideração a natureza das alterações introduzidas, conclui-se que a nova redação do n.º 4 do artigo 7.º do CIMT, na parte em que estipula um prazo menor para a revenda, é de aplicação prospetiva, aplicando-se apenas às aquisições de bens imóveis para revenda, efetuadas a partir da entrada em vigor da norma, ou seja, a partir de 7 de outubro de 2023, inclusive.”
Entende assim o Tribunal Arbitral ser incontestável que a nova versão do nº4 do artigo 7º do CIMT apenas se aplica a factos produzidos de 07.10.2023 em diante.
No caso dos autos as três aquisições (com datas de 02.05.2023; 21.07.2022 e 31.01.2023, bem com as revendas (com datas de 02.05.2023; 06.03.2023; 31.01.2023) ocorreram antes da entrada em vigor da nova versão do nº4 do artigo 7º do CIMT, pelo que não é aplicavel aos autos.
Concludentemente é aplicável aos autos a versão anterior do nº 4 do artigo 7º do CIMT:
“Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transação.”
Resta então determinar qual o prazo que a Requerente tinha para apresentar o requerimento para anulação e pedido de reembolso de IMT a que se refere o nº4 do artigo 7º do CIMT.
Veio a Requerida aventar que a nova redação do nº4 do artigo 7º do CIMT corresponde a uma norma confirmativa/clarificadora do meio e prazo conferido ao interessado para solicitar a anulação do IMT, fixando como meio a Reclamação Graciosa, e o prazo de 120 dias a partir da data que ocorreu a revenda.
Não pode o Tribunal Arbitral acolher esta conclusão da Requerida.
O nº4 do artigo 7º do CIMT não estabelecia ainda que de forma indireta ou intrinsseca qualquer indicação ou remissão para Reclamação Graciosa, e para o prazo da mesma.
Nem faria sentido a remissão indireta para a Reclamação Graciosa visto não estar em causa a anulação total ou parcial de ato tributário por qualquer dos fundamentos previstos para esta (artigo 99º do CPPT via nº1 do artigo 70º CPPT), ou mesmo a Revisão de Ato Tributável por inexistência de ilegalidade, erro imputável aos serviços, revisão da matéria coletável ou duplicação da penhora.
Nos casos dos autos, a Requerente preencheu todos os requisitos de aplicabilidade do artigo 7º do CIMT, ou seja exercício da atividade de compra de prédios para revenda; prédios adquiridos para revenda (intenção manifestada e expressa nos contratos de compra e venda) e a revenda efetuada no prazo dos 3 anos. Esta é uma isenção esta que opera automaticamente nos termos da alínea a) do nº8 do artigo 10º do CIMT.
Conforme José Maria Fernandes Pires (in “Lições de Impostos sobre o Património e do selo”. 3º edição, Almedina, 2018, pag.555-556)
“Na verdade, nestes casos, o imposto pago pela empresa na data de aquisição é restituído se no decurso dos 3 anos seguintes a essa data se consubstanciar, a produção de todos os pressupostos da isenção. Mas essa restituição não depende de nenhum ato ou despacho de reconhecimento da administração fiscal porque opera por si e se impõe ao estado. É por essa razão que no artigo 10º que regula o reconhecimento das isenções do imposto, não consta qualquer previsão para o reconhecimento desta isenção. A própria alínea a) do nº 8 do artigo 10º, caracteriza como reconhecimento automático a isenção do artigo 7º, desde que o valor dos prédios seja inferior ao limite do artigo 9º. Na realidade, esta isenção é sempre automática. A natureza automática desta isenção está consagrada no número 4 do artigo 7º, que estabelece que nos casos em que o adquirente tenha pago e IMT e depois efetue a revenda, o Chefe de Finanças procede à anulação e restituição do imposto de requerimento do interessado, sem necessidade de qualquer ato prévio de reconhecimento de isenção.”
O legislador traz-nos o conceito de caducidade das isenções, no artigo 11º do CIMT em que é referido:
“5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”
Assim, a caducidade verifica-se se for dado destino diferente ou a revenda não for efetuada no prazo dos três anos.
A caducidade do direito pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de um direito pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que, naturalmente faz desencadear a extinção do direito.
Neste sentido o prazo de três anos constitui-se com prazo de caducidade do direito, podendo a Requerente efetuar o pedido de anulação acompanhado de documento comprovativo da transação no momento que entender, dentro dos três anos, operando por reconhecimento automático.
Bastando para o efeito requerê-lo junto de órgão competente, o que foi feito dentro do prazo dos três anos.
Vir interpretar o nº4 do artigo 7º do CIMT com base numa versão posterior aos factos, frustraria ilegitimamente espectativas geradas, violando a certeza e segurança que todos os agentes económicos devem ter para realizarem as suas escolhas.
A verdade dos factos a versão do nº4 do artigo 7º do CIMT em vigor à data dos factos não indicava qualquer prazo distinto do prazo de 3 anos de caducidade do direito, não existindo qualquer fundamento implícito ou explicito que remete-se o exercício do direito à anulação da liquidação para o regime da Reclamação Graciosa.
Pelo que concludentemente as decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas ao aplicarem como pressuposto de tempestividade remissão do artigo 7º nº 4 do CIMT para o prazo especial do artigo 70º nº 4 do CPPT de 120 dias é ilegal por violação de lei.
Em consequência, o Tribunal Arbitral julga procedente o PPA, anulado os atos de indeferimento das Reclamações Graciosas autuadas com os nºs ...2024... ...2024..., ...2024..., ...2024... e em resultado anulado as liquidações de IMT nº... (no valor de €12.350,00), nº... (no valor de12.187,50, e nº... (no valor de €7.097,57), montantes que devem ser reembolsados
À luz da interpretação por este Tribunal Arbitral ao nº 4 do artigo 7º do CIMT fica prejudicada. a questão da violação dos princípios constitucionais invocados pela Requerente.
VI. Dos Juros Indemnizatórios
Em sede de PPA a Requerente peticionou a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatório.
O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.
Ora, atento supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, na medida em que as liquidações de imposto em causa foram consequência da errónea interpretação que a Requerida fez da versão do nº4 do artigo 7º do CIMT vigente à data dos factos.
Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente a ser ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas, até à data da emissão da nota de crédito, nos termos do artigo 43º nº1 LGT e do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, do CPPT.
VII. Decisão
Termos em que se decide julgar o presente pedido de pronúncia arbitral procedente e consequentemente:
a) Declarar ilegais e anular os atos de indeferimento das Reclamações Graciosas nºs ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024...;
b) Declarar ilegal e anular as liquidações de IMT nº... (no valor de €12.350,00), nº... (no valor de12.187,50) e nº... (no valor de €7.097,57);
c) Condenar a AT a reembolsar a Requerente do imposto pago nas liquidações de IMT supra mencionadas no montante total de €31.635,07;
d) Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas, até à data da emissão da nota de crédito;
e) Condenar a AT nas custas do processo.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €31.635,07 (trinta e um mil seiscentos e trinta e cinco euros e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida uma vez que o PPA foi julgado procedente nos termos dos artigos, 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 07 de Julho de 2025
O Árbitro
António Cipriano da Silva
[1] É usual o titular da pasta das Finanças delegar os poderes para decisão dos Recursos Hierárquicos em matéria tribunal. Vide Despacho n.º 6837-C/2024, de 19 de junho do Ministro de Estado e das Finanças.