SUMÁRIO:
1. Na admissão de um veículo usado proveniente de outro Estado-membro, cabe ao Requerente provar que a diferente desvalorização do ISV nas componentes cilindrada e ambiental é desconforme com o direito comunitário em razão de ter excedido o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.
2. A prova do excesso do montante do valor residual pode ser feita a partir da informação constante das publicações especializadas do setor ou, em alternativa, por informação oficial proveniente do Instituto Nacional de Estatística que mostre que, tendo em conta a antiguidade do veículo, o ISV incorporado no veículo a admitir, relativamente a veículo novo similar anteriormente introduzido no consumo, é superior à percentagem de inflação acumulada do Índice de Preços do Consumidor no referido período.
DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1. M….. com o número fiscal …., com sede na Rua …., vem, nos termos do artigo 99.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), impugnar a liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) que recaiu sobre a admissão de um veículo usado de sua propriedade proveniente de um país da União Europeia, nos termos e com os fundamentos, que adiante se enunciam.
2. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 17.01.2025 e visa a anulação parcial do ato de liquidação do ISV praticado pelo Diretor da Alfândega de Aveiro na admissão de um veículo usado, proveniente da República Federal da Alemanha, requerendo a restituição da quantia cobrada em excesso, no montante de 4916,89 €.
3. Nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou árbitro tendo o Tribunal Arbitral Singular sido constituído em 25.03.2025.
4. Nesta mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a Administração Tributária e Aduaneira, (doravante AT ou Requerida), foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, remeter cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
5. Nessa resposta, em 29.04.2025, a Requerida defendeu-se por impugnação, sustentando a legalidade da liquidação efetuada, tendo concluído pelo pedido de improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por infundado e não provado, com junção do processo administrativo, por justo impedimento, apenas em 02.05.2025.
6, Em 30.04.2025, o Tribunal Arbitral notificou as Partes de que dispensava a reunião a que se refere o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, uma vez que os factos estavam estabelecidos e em causa estava unicamente uma questão de direito, bem como dispensar a inquirição da testemunha indicada pela Requerente, uma vez que era o representante que tinha elaborado a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), provando esta, só por si, os factos que se propunha fazer prova. Foi concedido um prazo simultâneo de 15 dias para as Partes, facultativamente, alegarem, tendo sido anunciado como prazo limite para a prolação da decisão arbitral a data de 20.06.2025.
7. Em 20.05.2025 a Requerente ofereceu alegações, não tendo acrescentado nada de novo, uma vez que, como afirmou, seria «uma mera repetição inútil» do aduzido na resposta ao pedido de pronúncia.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
8. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
9. O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver nem questões prévias sobre as quais o Tribunal Arbitral se deva pronunciar.
III – DA POSIÇÃO DAS PARTES
10. A REQUERENTE, a fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no essencial, diz o seguinte:
10.1. Admitiu um veículo ligeiro de passageiros da marca «Bentley», modelo 3W, proveniente da República Federal da Alemanha, matriculado pela primeira vez em 08.12.2017, onde circulou com a matrícula ….
10.2 Para o efeito, processou a respetiva DAV, na Alfândega de Aveiro, aceite em 18.06.2024, e a que coube o n.º …..
10.3. Em resultado da apresentação da referida declaração, a AT liquidou o ISV de 19 266,27 €, correspondendo 6482,34 € à componente cilindrada e 12 783,93 € à componente ambiental, o qual foi pago pela Requerente, em 18.06.2024.
10.4 Considera que a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – artigo 11.º do CISV, viola o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), conforme já foi declarado por acórdãos do Tribunal de Justiça e por outras decisões proferidas no âmbito da arbitragem.
10.5 Historiando alguns antecedentes da legislação fiscal automóvel nacional e da jurisprudência comunitária que sobre a mesma se pronunciou, a Requerente discorre sobre o alcance do acórdão do TJUE proferido no processo C-399/23, reproduzido na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), para concluir que o valor residual do ISV é calculado considerando a depreciação do veículo, sofrida ao longo dos seus anos de uso, depreciação que afeta necessariamente todos os componentes do preço inicial do veículo onde necessariamente se inclui o ISV pago.
Sendo o montante do ISV pago, um componente do preço do veículo em novo, o valor residual deste imposto é o que resulta da desvalorização que o veículo sofreu, resultante do seu número de anos de uso.
10.6 Considerando o valor do ISV pago no momento da aquisição de um veículo similar no estado de novo em Portugal e tendo presente que esta liquidação apenas tem por base a componente cilindrada e ambiental definidas na DAV, não sendo relevante o preço de comercialização do veículo – que como resulta da DAV ascende a 35 873,43 €, aplicando-se a desvalorização média de 60%, o valor residual do imposto à data da introdução do veículo em Portugal era de 14 349,38 €, pelo que entende que pagou a mais de imposto a quantia de 4916,89 € relativamente ao montante do valor residual do imposto incorporado no valor de veículos nacionais similares no mercado nacional de veículos usados.
10.7 Para efeitos probatórios indica o nome de uma testemunha, precisamente o seu representante no procedimento que correu termos na Alfândega de Aveiro.
11. Por seu turno, a REQUERIDA em resposta ao pedido de pronúncia arbitral, vem dizer, no essencial, o seguinte:
11.1 Em termos de defesa por impugnação, junta cópias do processo administrativo referente à DAV bem como do pedido de revisão oficiosa que correu termos na Alfândega de Aveiro, destacando da respetiva DAV os elementos de informação que determinaram a liquidação e o indeferimento do pedido de reclamação graciosa.
11.2 Em termos de direito, a par de enunciar as regras de vários Capítulos do CISV, salientando, designadamente, os artigos 2.º, 3.º, 5.º, 6.º, 17.º, 20.º n.º 1 e 27.º , transcreve os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 11º do CISV, que regulam a tributação da admissão de veículos usados e, tendo em conta a linha argumentativa da Requerente, salienta que o ato de liquidação foi praticado de acordo com as normas constantes do CISV, pelo que, tendo as mesmas sido criadas por lei, conforme ao artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e encontrando-se a AT sujeita ao princípio da legalidade tributária prevista no artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT), não poderia ter atuado doutra maneira, contrariando ou desobedecendo às normas legais pré-existentes sob pena de cometer uma ilegalidade ao deixar de aplicar as taxas que se encontram em vigor à data da introdução no consumo.
Anota que não existe qualquer decisão que declare com força obrigatória geral o vício de violação de lei comunitária relativamente ao artigo 11.º do CISV, na nova redação dada pelo artigo 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
11.3 Refere que no acórdão de 2 de setembro de 2021, processo C-169/2020 do TJUE, estava em causa o facto de o legislador nacional, à semelhança do que se encontrava previsto para a componente cilindrada, não aplicar qualquer desvalorização à componente ambiental, mas com a nova redação do artigo 30.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de setembro, esta ilegalidade e desconformidade com o direito comunitário foi ultrapassada.
11.4 No sentido da conformidade da redação atual do artigo 11.º do CISV com o direito da União Europeia, no âmbito arbitral pronunciaram-se as decisões proferidas no processo n.º 349/2022 e n.º 209/2021-T, de que transcreve alargada fundamentação.
11.5 Sobre a conformidade da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, pronunciou-se o TJUE no processo C-399/23 (processo Ósoquim), no sentido de que «O artigo 110.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado membro, a desvalorização, da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação á componente ambiental do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados».
11.6 Na subsequente densificação efetuada pela o Supremo Tribunal Administrativo (STA) através do acórdão de 24.04.2024, proferido no processo n.º 25/23.8 BALSB, escreveu-se o seguinte:
«(…)
Assim sendo, importa apenas concluir no sentido da anulação da decisão arbitral recorrida
III CONCLUSÃO
A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados Membros e o valor do imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.
IV DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em, tomando conhecimento do mérito do presente Recurso, conceder provimento ao mesmo e anular a decisão arbitral recorrido.».
11.7 Considera a Requerida que, na senda do referido acórdão do STA, para se aquilatar da eventual desconformidade do direito nacional com o direito da União Europeia, para fundamentar a ilegalidade da liquidação fundada na violação do artigo 110.º do TFUE, não é suficiente à Requerente alegar simplesmente que as percentagens de redução do ISV aplicadas à componente ambiental, são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, e que daqui resulta um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto.
11.8 Impende sobre a Requerente a prova de que, de facto, no caso concreto, o imposto incidente sobre o veículo objeto de legalização fiscal em território nacional, é superior ao valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados, e visa favorecer a venda dos veículos usados nacionais, bem como provar em que medida tal se traduz numa «distorção da concorrência» e obstáculo ao «funcionamento do mercado interno».
11.9 Tendo a Requerente feito alusão à Portaria n,º 383/2003, de 14 de maio, para defender que a mesma deverá a ser tomada em conta para se encontrar a desvalorização comercial média prevista no artigo 11.º do CISV, a Requerida refuta a aplicabilidade de tal legislação, pois no caso dos autos está clara e expressamente previsto na lei os termos de como se calcula o apuramento do ISV, não existindo qualquer lacuna, ademais proibida na interpretação das normas tributárias, por força do n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT).
11.10 A Requerida conclui que muito embora, em tese, a Requerente afirme que suportou uma tributação superior à que é aplicada aos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no mercado nacional, não apresenta quaisquer provas ou demonstração de tal facto.
11.11 A Requerida opôs-se igualmente à inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, considerando que atentos os princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, a referida prova testemunhal deve ser considerada como desnecessária, pois constitui um ato manifestamente inútil.
IV - DOS FACTOS
12. Não há factos que sejam declarados não provados.
13. Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá este Tribunal Arbitral como provado, face aos elementos constantes dos autos, os seguintes factos:
13.1 A Requerente, em 18.06.2024, por via da apresentação na Alfândega de Aveiro da DAV, a que foi atribuído o n.º …., procedeu à admissão do veículo ligeiro de passageiros da marca «Bentley», Modelo 3W, com o n.º de chassis …, de 3993 centímetros cúbicos de cilindrada e 258 g/Km de emissões de dióxido de carbono, com a anterior matrícula definitiva da República Federal da Alemanha, …., atribuída pela primeira vez em 08.12.2017, a que veio a ser atribuída a matrícula nacional ….
13.2 O veículo move-se a gasolina, foi declarado aos serviços aduaneiros como tendo 43 560 quilómetros no conta quilómetros, e teve um valor de aquisição de 129 800 €.
13.3 O referido veículo foi sujeito à liquidação do ISV n.º …, em 18.06.2024, no montante de 19 266,27 €, correspondendo 12 783,93 € a título de componente cilindrada, e 6482,34 €, a título de componente ambiental, tendo a referida importância sido paga nesse mesmo dia.
13.4 O imposto foi formado a partir do cálculo das taxas em vigor para os veículos novos, com uma redução de 60% na componente cilindrada, por força da aplicação de uma tabela escalonada em função dos tempos de uso, até dez anos, aplicável aos veículos de seis a sete anos de uso, e uma redução de 35% na componente ambiental, por força da aplicação de uma tabela escalonada, em função dos tempos de uso, até quinze anos, aplicável aos veículos com seis a sete anos de uso.
13.5 Em 23.09.2024, a Requerente apresentou na Alfândega de Aveiro um pedido de revisão oficiosa, de devolução da diferença entre o ISV pago por conta da admissão do veículo e o que deveria ter sido pago, tendo em conta as recentes decisões dos tribunais arbitrais e do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o qual foi indeferido por despacho do referido diretor, em 26.11.2024.
14. Os factos foram selecionados a partir da informação disponibilizada pelas Partes, por via da apresentação de cópia da DAV que suportou a introdução no consumo e do respetivo processo administrativo, tendo o Tribunal Arbitral formado a sua convicção tendo em conta o relevo jurídico que a referida documentação assumiu para a decisão.
V - QUESTÕES A DECIDIR:
15. No entendimento do Tribunal Arbitral as questões a decidir são as seguintes:
- Determinar se a tributação em ISV a que foi sujeito o veículo da Requerente, efetuada nos termos do artigo 11.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CISV, na redação dada pela Lei n.º 75-B/ 2020, de 31 de dezembro, baseada em reduções diferenciadas do imposto residual em função dos tempos de uso, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental, foi efetuada em conformidade com o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e com a jurisprudência comunitária e nacional decorrente da sua interpretação, ou se enferma de alguma outra ilegalidade.
- Em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, promover a anulação da liquidação e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa
VI – O DIREITO NACIONAL E COMUNITÁRIO
A) A Legislação nacional
16. A admissão do veículo foi sujeita a uma liquidação do ISV prevista no artigo 11.º do CISV, sob a epígrafe «Taxas – veículos usados», na redação dada pela Lei n.º 75-B/ 2020, de 31 de dezembro, o qual preceitua o seguinte:
«1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:
TABELA D
Componente Cilindrada
Tempo de uso
|
Percentagem de redução
|
Até 1 ano
|
10
|
Mais de 1 a 2 anos
|
20
|
Mais de 2 a 3 anos
|
28
|
Mais de 3 a 4 anos
|
35
|
Mais de 4 a 5 anos
|
43
|
Mais de 5 a 6 anos
|
52
|
Mais de 6 a 7 anos
|
60
|
Mais de 7 a 8 anos
|
65
|
Mais de 8 a 9 anos
|
70
|
Mais de 9 a 10 anos
|
75
|
Mais de 10 anos
|
80
|
Componente ambiental
Tempo de uso
|
Percentagem de redução
|
Até 2 anos
|
10
|
Mais de 2 a 4 anos
|
20
|
Mais de 4 a 6 anos
|
28
|
Mais de 6 a 7 anos
|
35
|
Mais de 7 a 9 anos
|
43
|
Mais de 9 a 10 anos
|
52
|
Mais de 10 a 12 anos
|
60
|
Mais de 12 a 13 anos
|
65
|
Mais de 13 a 14 anos
|
70
|
Mais de 14 a 15 anos
|
75
|
Mais de 15 anos
|
80
|
2 - ...
3 – Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto.
ISV = _V _U
VR x Y + (1 - UR) x C
em que
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela, bem como ao agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º;
U é o número de dias de tempo de uso da viatura;
UR é a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV.
4 - ...»
B) O Direito Comunitário
17. O artigo 110.º do TFUE (antes artigos 90.º e 95.º noutras redações dos Tratados) diz o seguinte:
«1) Nenhum Estado-Membro pode fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
2) Além disso, nenhum Estado-Membro pode fazer incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções».
C) A Jurisprudência comunitária
18. A questão suscitada pelo pedido de pronúncia arbitral insere-se na problemática da admissão dos veículos usados provenientes de outros Estados Membros que ao longo dos últimos trinta anos tem sido objeto de sucessiva jurisprudência por parte do Tribunal de Justiça. Tudo tem a ver com o facto de a legislação fiscal automóvel não se encontrar harmonizada a nível comunitário e nos diversos Estados membros vigorarem regimes fiscais automóveis diferenciados, e, nalguns casos, nem existir mesmo tributação sobre os veículos.
19. O ISV é um imposto interno, com características de imposto de registo ou matrícula, que tem de se conformar com as normas dos Tratados e com a interpretação que delas fazem os órgãos comunitários. Essa conformação impõe-se por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP que, em matéria de direito internacional, estabelece que «As disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.».
20. Foi na sequência de uma questão colocada a título pré-judicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que, por via do acórdão de 22.02.2001, Processo C-393/98, (Gomes Valente), foi obtida uma clarificação dirigida especificamente dirigida à legislação portuguesa. No referido acórdão se referiu que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados, fundada num critério de depreciação único, não seria necessariamente contrária ao artigo 95.º, contudo, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação, que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a tabela forfetária refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, em termos de que, em nenhum caso, pudessem ser superiores ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.
21. No seguimento da publicação do referido acórdão, o então Imposto Automóvel (IA) passou a contemplar também a opção dos proprietários dos veículos poderem optar por um método, baseado no valor comercial do veículo, embora sujeito a uma taxa, a determinar, inicialmente por comissões de peritos, mais tarde por mera prova documental, em que o imposto a pagar fosse igual ao IA residual incorporado em veículos da mesma marca, modelo e sistema de propulsão ou, na sua falta, de veículos idênticos ou similares, introduzidos no consumo em Portugal no mesmo ano da data de atribuição da primeira matrícula, em detrimento da pura aplicação da tabela de reduções por anos de uso.
22. Igualmente como reflexo do referido acórdão, conforme o n.º 1 do artigo 34.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, pela primeira vez foram escalonados os dez anos de uso para fixar as percentagens de redução, desde os 20% para os veículos com 1 a 2 anos, até aos 80% para os veículos com mais de dez anos, aumentando as percentagens de redução consoante o crescente número de anos de uso.
23. Com a reforma global da tributação automóvel e a aprovação do CISV, pela Lei n.º 22-A/2007, de 29.06.2007, esta mesma tabela, com exceção do primeiro escalão que foi subdividido para prever reduções de 10% para os veículos com antiguidade entre os seis meses e o ano, foi retomada nos exatos termos, não fazendo qualquer distinção entre os recém-criados sub fatores «Componente Cilindrada» e «Componente Ambiental», sendo de referir que esta última componente tinha sido introduzida de forma experimental em 2005.
24. Quando o direito e a jurisprudência comunitária pareciam plenamente consolidados, o legislador nacional, por um impulso protecionista à comercialização de veículos usados nacionais, fez significativas alterações à tabela de reduções por tempo de uso, em termos em que a percentagem de redução passou a relevar apenas em cinco escalões, entre os 20% para veículos com mais de um ano e os 52% para veículos com mais de cinco e não superior a seis anos (redação dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro),
25. Em acórdão do Tribunal de Justiça, de 16.06.2016, processo C-200/15, este quadro normativo foi considerado desconforme com o direito europeu, em razão de «…. Um sistema relativo ao cálculo de desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TJUE».
A receção no ordenamento jurídico português da jurisprudência dimanada deste acórdão acabou por não se pautar pela melhor conformidade, como o evidencia a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, uma vez que, muito embora se tivesse regressado às reduções de imposto dos usados, em termos escalonados, de 10% para os veículos até um ano, até 80% para os veículos com mais de dez anos, tal redução recaía unicamente na componente cilindrada, deixando de fora a componente ambiental.
26. Tal facto originou uma nova pronúncia do TJUE (Nona Seção) que em acórdão de 2 de setembro de 2021, processo C-169/20, decidiu que «Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º».
27. Todavia, antes mesmo deste acórdão ter sido proferido e sem conhecer o alcance interpretativo que poderia ter, o legislador nacional já se tinha apressado a alterar o preceito em causa e dado uma nova redação ao artigo 11.º do CISV através da publicação da Lei do Orçamento do Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, em que fixou percentagens de redução por tempos de uso do veículo diferenciadas em função da componente cilindrada (redução máxima de 80% para veículos com mais de dez anos) e da componente ambiental (redução máxima de 80% para veículos com mais de 15 anos), justificando tal facto com razões ambientais resultantes da maior longevidade dos veículos.
28. Chamado novamente a decidir, o TJUE através do Despacho de 6 de fevereiro de 2024, processo C-399/23, da Oitava Secção, acordou que «O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados».
VII - FUNDAMENTAÇÃO
29. Importa referir que a diferenciação da percentagem de redução por tempo de uso consoante as componentes cilindrada e ambiental, estratificadas por escalões, que é objeto do pedido de pronúncia arbitral e suportou o ato impugnado, já não se encontra em vigor.
Com efeito, a Lei n.º 45-A/2024, de 31 de dezembro, alterou o artigo 11.º do CISV e estabeleceu percentagens de redução ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional segundo escalões de, até 1 ano a mais de 10 anos, nas percentagens de 10% a 80%, precisamente idênticas às que vigoraram apenas para a cilindrada no período subsequente à publicação do acórdão Gomes Valente e, mais tarde, já com a consideração da componente cilindrada e ambiental, com a publicação do CISV.
Esta alteração legislativa teve como causa próxima a prolação do despacho proferido no âmbito do processo C-399/23, de 6 de fevereiro, pelo TJUE.
Isto não invalida a necessidade de o Tribunal Arbitral apreciar o pedido de pronúncia, uma vez que se mostram preenchidos todos os pressupostos para a apreciação da legalidade do ato tributário praticado no domínio da anterior legislação.
30. A Requerente entende que a prova de que o imposto liquidado excede o valor residual do imposto incorporado no preço dos veículos similares comercializados em Portugal é a questão relevante e resulta da prova documental disponível nos autos, e o Tribunal Arbitral concorda que essa é a chave para se determinar a conformidade com o direito europeu.
31. A desvalorização da componente cilindrada e da componente ambiental não podem ser diferentes, se da soma de tal tributação resultar que o montante do imposto cobrado excede o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.
Isto é, «a contrario», as duas componentes poderão ser diferentes se do somatório do imposto por elas devido não resultar o cálculo de um valor de imposto superior ao valor de imposto residual dos veículos similares que integram o mercado nacional.
32. Sobre o conceito de similar pronunciou-se o TJUE no acórdão, de 15 de março de 2001, (Comissão/ França) em termos de que «Produtos, como as viaturas, são similares na aceção do artigo 95.º, primeiro parágrafo (atual 110.º) do Tratado, quando as suas propriedades e as necessidades que satisfazem os coloquem numa relação de concorrência, dependendo o grau de concorrência entre dois modelos da medida em que haja satisfação de diversas exigências, nomeadamente em matéria de preço, dimensões, conforto, resultados, consumo, longevidade e fiabilidade. O veículo de referência deve ser idêntico em todos os aspetos ao veículo usado importado, ou seja, deve ser do mesmo modelo e do mesmo tipo que o veículo importado e deve ser similar em todas as suas outras características, podendo eventualmente ser retificado tendo em conta a inflação.».
33. Por outro lado, o imposto residual é calculado em função das componentes que concorrem para a formação do imposto, ou seja, cilindrada e emissões de CO2 (a emissão de partículas tem uma importância residual).
Analisando a componente cilindrada da tabela D, constata-se que a estrutura da tabela não é totalmente linear, no sentido de que a depreciação do valor é igual em todos os anos, verificando-se que nos dois primeiros anos é de 10% por ano, que entre o segundo e o sexto ano essa depreciação se situa entre os sete e os nove por cento, para a partir do sexto ano sofrer uma queda, assumindo então essa linearidade a partir dos seis anos, à razão de 5% ao ano, até ao décimo ano de antiguidade.
34. Não se conhecendo os estudos que conduziram à formulação da tabela, ainda assim, há uma justificação para esta falta de linearidade, pois, como refere a Requerente, um veículo é imediatamente desvalorizado «logo que sai do stand», uma vez que uma parte significativa do montante da margem de comercialização do concessionário ou do vendedor evapora-se do valor do veículo nesse ato de comercialização. Aliás, a desvalorização ocorre mesmo a montante da comercialização, dado que a partir do momento em que o concessionário ou vendedor requer a matrícula nacional e ela é atribuída pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres I.P., o veículo, caso não tenha um comprador firme, começa imediatamente a desvalorizar, implicando que para ser posteriormente vendido, tenham de ser praticados descontos comerciais, de forma que não venha a constituir um ativo estéril, consecutivamente a desvalorizar, ou seja, a não corresponder já ao preço normal de mercado.
Por outro lado, os chamados veículos de serviço, a cessação contratual de contratos de leasing e a necessidade de renovação de frotas de veículos afetos ao rent-a-car, determinam que o jogo da oferta e da procura em determinados momentos da vida dos veículos condicionem os preços de mercado dos automóveis usados e conduzam a maiores desvalorizações nuns anos que noutros.
A partir do décimo ano, independentemente dos anos do veículo, não existe mais progressividade nas reduções, sendo, portanto, os 80% de redução o teto máximo para estes veículos. É um limite que se foi consolidando ao longo dos anos no direito nacional, sendo certo, todavia, que os veículos depois dessa idade continuam a desvalorizar o seu valor, embora em níveis percentuais com um significado cada vez mais reduzido, entrando na órbita dos mercados periféricos.
Esta consolidação, pacificamente aceite pela Comissão, não significa uma conformidade com o direito comunitário, a qual, como se salientou no acórdão proferido no processo C-393/98, (Gomes Valente), ponto 19, a renúncia da Comissão em encetar contra um Estado Membro um processo de infração no que respeita a uma determinada legislação não tem qualquer implicação na obrigação de uma jurisdição de última instância dever submeter ao Tribunal de Justiça em aplicação do artigo 177, terceira alínea, do Tratado, uma questão de direito comunitário sobre a referida legislação.
Ou seja, as tabelas de redução do imposto são um meio legal auxiliar na sua determinação, tendo em vista evitar a necessidade de todos os veículos serem examinados e avaliados individualmente, com a consequente afetação de recursos humanos e a elevada carga burocrática, mas não têm um valor absoluto e não excluem a possibilidade de ser discutida juridicamente a sua legalidade face ao direito europeu.
35. Sucede que o imposto residual não é atualmente calculado a partir de um critério único, mas tem também em conta as emissões de CO2, querendo o legislador, com a tributação das mesmas, contribuir para dar um forte impulso ao combate às alterações climáticas globais.
Perdeu a natureza de imposto sobre o património (os veículos com mais cilindrada tendencialmente teriam maior valor), sujeito ao princípio da capacidade contributiva, para evoluir para um imposto em que emerge o «princípio da equivalência, que procura onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam no domínio do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra de geral de igualdade tributária», conforme artigo 1.º do CISV.
As emissões de CO2 são um dado objetivo e como se assinala no acórdão do TJUE, processo C-290/05, de 05.10.2006, Ponto 52, sendo objetivo, como compensação não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo, devendo o fator ou fatores que com ele coexistam ser moldados de forma a respeitar o imposto residual incorporado no valor de veículos similares já matriculados no território nacional.
Também neste caso, por razões de simplificação e de aplicabilidade, as emissões de CO2 foram escalonadas por anos de uso.
36. No domínio da componente ambiental, o legislador nacional na tributação dos veículos novos tem sucessivamente aumentado as exigências de performance ambiental, por via de um agravamento sensível da tributação para os escalonamentos de CO2 mais altos, e estabelecido, cada vez, maiores exigências na fixação das taxas dos escalões intermédios, acompanhando, de resto, os notáveis progressos feitos nos últimos vinte anos pelos fabricantes de veículos em matéria de redução de emissões.
O legislador não está impedido de para os veículos novos fixar as taxas que considere mais convenientes para as duas componentes, cujo imposto não está subordinado a meros aumentos anuais resultantes da inflação, sendo certo que se forem muito superiores há custos políticos resultantes de uma maior resistência por parte dos automobilistas e também do setor automóvel em geral, Todavia, esta liberdade de conformação legislativa não interfere diretamente na tributação dos veículos usados, na medida em que é relativamente ao imposto como um todo e não a qualquer uma das componentes que a redução por anos de uso vai ser aplicada,
37. Contudo, em termos legislativos, a redução por anos de uso estabelecida para as emissões de CO2 não acompanha a que se encontra estabelecida para a cilindrada, divergindo nos anos e nas percentagens, com o máximo da redução por emissões, de 80%, a ser atingida apenas ao fim de 15 anos.
O certificado de conformidade é uma espécie de bilhete de identidade do veículo emitido pelo fabricante no momento do seu fabrico, e nele se atesta que o veículo cumpre todos os regulamentos e regras em vigor na União Europeia e se especifica as suas características técnicas, nelas se incluindo a cilindrada e as emissões de CO2.
Quer a cilindrada, quer as emissões de CO2 são elementos objetivos, mas que no domínio do seu aproveitamento para a tributação automóvel visam finalidades diferenciadas.
A cilindrada sempre permitiu estabelecer algum relacionamento com o valor do veículo, conforme já se deixou escrito, estando relativamente justificada a falta de linearidade dos escalões na depreciação do valor dos veículos e da correspondente depreciação do imposto nele incorporado.
O mesmo já não sucede com as emissões de CO2, que são constantes em toda a vida útil do veículo, não relevando o facto de num caso ou noutro os veículos poderem avariar e apresentar emissões desconformes, as quais serão necessariamente reparadas, dado o sistema de inspeções periódicas instituído a nível europeu para viabilizar a circulação em segurança dos veículos.
38. As reduções por anos de uso em razão da componente ambiental são lineares e, por isso, até por razões de praticabilidade, teria sido aconselhável o seu cálculo automático, por referência a anos ou meses de uso. Isto não impede, todavia, o legislador, à semelhança do que faz para o tempo de uso da cilindrada, recorrer igualmente à formação de escalões.
O que se constata na Tabela D do artigo 11.º do CISV é que o legislador nacional não atendeu à natureza da respetiva componente e estabeleceu os escalões de forma objetivamente arbitrária, sem qualquer relação com a informação constante do certificado de conformidade.
Só assim se pode interpretar o facto de para os veículos de 6 a 7 anos de antiguidade atribuir uma percentagem de redução de 7% para os veículos dos 12 aos 15 anos atribuir uma percentagem de redução de 5% e para outros escalões intermédios, percentagens igualmente variáveis, entre os 4,5% e os 5%.
A sustentação adotada para a tributação em que na fórmula se considera um fator baseado no número de dias de tempo de uso da viatura e noutro a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV não é compatível com qualquer explicação que se pudesse aventar de que os veículos com maior antiguidade percorrem menos quilómetros, e consequentemente poluem menos, ou que estudos científicos apontam para o facto de os veículos com seis a sete anos de antiguidade percorrerem mais quilómetros que os restantes e, assim, nesse ano, poluírem mais que os outros veículos com menor antiguidade.
39. Posto isto, e ainda assim, importa referir que muito embora as percentagens dos escalões de redução do imposto em função das emissões de dióxido de carbono tenham sido construídas de forma arbitrária, não decorre necessariamente de tal facto que o número de anos de uso considerados seja, só por si, ou em confronto com os anos de uso considerados para a cilindrada, ilegal ou desconforme com o direito comunitário.
De acordo com informação do Automóvel Clube de Portugal, em 2023, a idade média do parque automóvel era de 13,6 anos. Por outro lado, a média de anos dos veículos destruídos em fim de vida era de 24, 3 anos (in www.acp.pt, de 08.04.2024).
Isto leva a concluir que, quer na perspetiva dos anos de uso tomados em conta para a redução do imposto em função da componente da cilindrada, quer das emissões de dióxido de carbono, para além dos limites dos escalões há ainda um mercado periférico de veículos usados muito grande, que, todavia, já não chega verdadeiramente a concorrer com o mercado de admissão de veículos de outros Estados Membros, desde logo, pelos custos de transporte que impendem sobre os veículos transportados, dissuasores da atividade neste mercado mais periférico.
Assim, em função do objetivo que o legislador perseguia não se pode considerar que os quinze anos possam ser considerados um período excessivo para fazer valer a depreciação em razão das emissões, assim como os próprios dez anos para a cilindrada poderão ser considerados insuficientes para conter o limite para considerar essa depreciação.
Por outro lado, no âmbito do direito comunitário, a preocupação sobre a conformidade com a lei nacional não tem tanto a ver com o facto de as percentagens das reduções nos escalões das duas componentes serem diferentes em função dos concretos anos de uso e/ou em função dos diferentes tempos de uso ou antiguidade do veículo mas sim com o facto do somatório dos montantes resultantes da aplicação de cada uma delas não poder exceder o montante residual de imposto incorporado em veículo nacional usado, inicialmente admitido como novo.
40. Está em causa determinar se a tributação em ISV a que foi sujeito o veículo da Requerente, baseada em reduções diferenciadas do imposto residual em função dos tempos de uso, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental, foi efetuada de acordo com o artigo 110.º do TFUE e com a jurisprudência comunitária e nacional, designadamente o acórdão do STA proferido no processo 025/23.8BALSB, de 24.04.2024, que assinala que estão em causa questões factuais e essa factualidade carece de ser provada. Como nele se concluiu, «A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-membros e o valor do imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais».
41. A solução mais consentânea e mais segura para fazer essa prova consta do n.º 3 do artigo 11.º do CISV implicando, designadamente, por um lado, o apuramento do valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor e, por outro lado, o apuramento do preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez.
Trata-se de uma redação próxima da que foi aditada pela Lei n.º 85/2001 de 4 de agosto, ao artigo 1º. do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de fevereiro, em que o respetivo n.º 12 previa o valor comercial, só que apurado por comissões de peritos em vez do recurso a publicações especializadas.
Entre o preço do veículo novo, que na ocasião incorporou o ISV por inteiro, e o preço do veículo usado é estabelecida uma relação percentual de depreciação do respetivo valor intrínseco, sendo o ISV nele incorporado desvalorizado na mesma proporção.
42. A Requerente elaborou contagens em que concluiu por um pagamento indevido de 4 916,89 euros, baseado nas diferenças percentagens de redução das componentes. nacional. Para o efeito teve em conta o valor do ISV pago no momento da aquisição de um veículo similar no estado de novo em Portugal, tendo presente que esta liquidação apenas tem por base a componente cilindrada e ambiental definidas na DAV, não sendo relevante o preço de comercialização do veículo – que como resulta da DAV ascende a 35 873,43 €, montante que este Tribunal Arbitral não consegue confirmar.
Tendo sido aplicada a desvalorização média de 60%, à componente cilindrada e 35% à componente ambiental, entende a Requerente que, nesta última, pagou a mais de imposto a quantia de 4916,89 € relativamente ao montante do valor residual do imposto incorporado no valor de veículos nacionais similares no mercado nacional de veículos usados.
43. As publicações de automóveis especializadas, algumas de caráter mensal, normalmente gravitando na órbita de associações de automóveis a que se acede por assinatura ou consulta individual, executam um trabalho de divulgação dos preços de mercado, tanto na perspetiva da compra como na da venda, sendo um meio auxiliar na fixação de preços de referência nas transações dos veículos, numa base de uma utilização normal do veículo na ordem dos quinze mil quilómetros anuais.
No caso concreto, a Requerente poderá ter algumas dificuldades práticas relacionadas com a prova do eventual excesso de imposto, dado que o veículo, possuidor de uma elevada cilindrada e de elevadas emissões de CO2, está fora dos padrões de mercado, o que não significa que no respetivo nicho não possam ser encontrados veículos que com ele possam ser confrontados.
À dificuldade de encontrar um modelo similar ao do Requerente, acresce a particularidade de o próprio veículo já ter mais de dez anos, e a informação normalmente disponível nas revistas da especialidade, dirigida de forma abstrata a servir de guia nas transações comerciais do setor, só abrange veículos até oito anos.
Na Internet é possível identificar preços de venda de uma variada gama de marcas e modelos de veículos, e das mais diversas antiguidades, mas tal informação tem de ser vista com cautela, pois corresponde a um mercado aberto e não está imune a fraudes e manipulações, consoante os objetivos que se prossigam.
Outro elemento a considerar em termos de valor tem a ver com o facto de o veículo registar 43 560 quilómetros no respetivo conta quilómetros, o que significa uma utilização reduzida de cerca de 7 000 quilómetros por ano, longe dos 15 000 quilómetros normalmente aceites como referência, compatível com o segmento dos veículos considerados de luxo, de utilização mais representativa, ostentação ou colecionismo, e não propriamente de veículos de vulgar utilização citadina.
44. Um veículo similar ao da Requerente, novo, introduzido no consumo em 08.12.2017, teria ficado sujeito às taxas previstas na Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, correspondentes a 14 401,52 € na componente cilindrada e 17 534,72 € na componente ambiental, totalizando 31 936,24 €.
Por seu lado, as taxas do ISV de um veículo novo, sobre o qual foram efetuadas as reduções por anos de uso do veículo da Requerente, foram de 16 205,85 € na componente cilindrada, e de 19 667.58 € na componente ambiental, ou seja, o veículo, no estado novo, teria pago 35 873,43 €.
Em resumo, entre 2017 e 2024 houve um aumento global da tributação deste modelo de veículo ou similar de outra marca, de 12,3%, sendo 12,5% na cilindrada e 12,1% nas emissões de dióxido de carbono.
45. O Acórdão do STA, de 24.04.2024, explicita que a conformidade da legislação nacional com os postulados do Direito Europeu passa, nas palavras do TJUE por, «determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais». Ou seja, «pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos usados importados.» (In VI)
46. Para demonstrar a ilegalidade da tributação a que o veículo pode ter sido sujeito, a Requerente tinha, como meios de prova, para além da informação constante de publicações e sites especializados, a que não recorreu, métodos alternativos, designadamente a informação regularmente disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em matéria de inflação, de que, igualmente, não se socorreu.
Com efeito, a Requerente poderia ter apresentado documento(s) comprovativo(s) de que a inflação acumulada nos últimos seis anos, relativamente à data da entrada do veículo similar, não teria ultrapassado a percentagem de crescimento do ISV, o que significaria que a carga fiscal que tinha recaído sobre o veículo novo tinha permanecido constante ou não teria sido agravada com o decorrer dos anos de uso, não interessando se a tributação foi mais agravada na componente cilindrada ou na componente ambiental.
A inflação acumulada não é um critério absoluto, mas uma média ponderada do crescimento dos preços dos bens e serviços de todos os setores económicos, pelo que a inflação acumulada do setor automóvel pode não coincidir necessariamente, por exemplo, com o crescimento da inflação acumulada no setor alimentar ou do vestuário, em todo o caso, o ónus da prova de valor percentual diferente cabe à Parte que lhe interesse invocar.
A eventual consideração do fator inflacionário justifica-se dado que o facto gerador nasce com a admissão do veículo em território nacional e a exigibilidade do imposto ocorre no momento da apresentação do pedido de introdução no consumo ou da apresentação da DAV (artigos 5.º e 6.º da Lei n.º 22-A/2007).
A tributação do veículo usado a admitir processa-se segundo as taxas atuais de tributação dos veículos novos e não sobre as que então recaíram num veículo similar e é sobre essa tributação que vai recair posteriormente a redução escalonada por anos de uso.
Seria afastado qualquer efeito discriminatório se ao veículo a admitir fossem aplicadas as normas tributárias então aplicadas ao veículo similar, mas não o podendo ser, em razão do facto gerador e da exigibilidade que se encontram estabelecidas, impõe-se que os fatores exógenos à tributação, representados pela inflação revelada nos índices do INE, possam igualmente ser meio de prova da adequação da tributação dos veículos usados à jurisprudência comunitária.
47. Não tendo a Requerente recorrido à informação constante de revistas e sites especializados nem feito a demonstração do fator inflacionário na formação dos preços de venda dos veículos, o Tribunal Arbitral não tem elementos que lhe permitam asseverar de que a Requerente pagou um valor de imposto em excesso, dado que a inflação acumulada no período de vida do automóvel não terá superado o crescimento da tributação no referido período.
Inexistem elementos factuais que comprovem que a liquidação que recaiu sobre o veículo por si admitido e que o pagamento a que deu lugar foi efetuado em desconformidade com o direito comunitário, designadamente com o artigo 110.º do TJUE, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça, secundada pelo acórdão do STJ, de 24.04.2024.
A Requerente sublinhou no pedido de pronúncia que «as percentagens aplicadas à componente ambiental, «são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto», mas esqueceu que, conforme decorre do acórdão do STA, «pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos usados importados.», ou seja, a desigualdade entre as componentes não é, só por si, critério, para aferir da ilegalidade das tabelas de redução.
48. Donde, dando resposta à questão sub judice, este Tribunal Arbitral conclui, por isso, que, quer no vício da desconformidade com o direito comunitário, quer no da ilegalidade efetiva da liquidação em resultado da aplicação de tabelas de reduções, não se mostra provado que as percentagens de redução diferenciadas consoante as componentes, tenham implicado o pagamento por parte da Requerente de uma imposição em sede de ISV superior ao da parcela residual de imposto incorporada em veículo similar existente no mercado nacional.
A conclusão extraída pelo Tribunal de Justiça no acórdão Gomes Valente de que não é admissível um sistema de tributação em que «nem que fosse apenas em certos casos», exceda o valor residual de veículo similar introduzido noutro Estado membro, não se mostra, assim, inobservada.
Torna-se, assim, inútil a apreciação dos fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa.
49. A Requerente alude ainda ao facto de, em sede de IRS, para a mesma finalidade de avaliação do valor dos veículos com matrícula nacional, o legislador para efeitos de aquisição de veículos adquiridos por trabalhadores ou membros de órgãos sociais, por via da Portaria n.º 383/2003, de 14 de maio, ter estabelecido uma tabela de desvalorização em função dos anos de uso do veículo relativamente ao preço de aquisição, atingindo os 90% para os veículos com dez anos ou mais, o que no critério do Tribunal Arbitral se afiguraria mais razoável, todavia, não foi essa a opção legislativa para o IA e posteriormente para o ISV, pelo que muito embora seja revelador de uma certa incoerência fiscal, a mesma não pode ser considerada.
VIII – DECISÃO
50. Nestes termos, julga o Tribunal Arbitral Singular o seguinte:
a) Manter o ato de liquidação impugnado, por a referida liquidação efetuada ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, na redação dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com remissão para o artigo 7.º, n.º 1 do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, não se mostrar desconforme com o direito comunitário, designadamente com o artigo 110.º do TFUE, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, e com a jurisprudência comunitária e nacional dele decorrente, em razão de não ter ficado provado que o imposto resultante das diferentes reduções por anos de uso, segundo as componentes ambiental e cilindrada, excedeu o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.
b) Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais arbitrais.
IX – VALOR
51. Nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA, aplicável por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, é fixado o valor do processo em 4 916,89 € (quatro mil novecentos e dezasseis euros e oitenta e nove cêntimos).
X – CUSTAS PROCESSUAIS ARBITRAIS
52. Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, aplicável por remissão do seu artigo 4.º, n.º 1, as custas são fixadas no valor de 306 € (trezentos e seis euros), a pagar pela Requerente.
Notifiquem-se as Partes.
Lisboa, 27 de maio de 2025.
O Árbitro Singular
António Manuel Melo Gonçalves