Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1177/2024-T
Data da decisão: 2025-06-30  IRS  
Valor do pedido: € 684.065,19
Tema: IRS. Anulação administrativa do ato tributário impugnado. Impossibilidade superveniente da lide. Pedido acessório.
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Sumário:

I - A anulação administrativa do ato tributário impugnado determina a destruição dos efeitos do ato anulado, com a sua consequente eliminação da ordem jurídica, pelo que se verifica uma situação de impossibilidade superveniente da lide por falta de objeto processual, que constitui causa de extinção da instância (artigo 277.º, alínea e), do CPC);

II – Havendo lugar à extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, em consequência da anulação administrativa do ato tributário impugnado, não cabe ao tribunal pronunciar-se sobre pedidos acessórios, como seja a condenação em indemnização por prestação indevida de garantia, que só poderiam ser considerados caso fosse declarada a ilegalidade da liquidação mediante a apreciação do mérito da causa.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

1.A..., NIF ..., residente na ..., n.º ..., ...-..., Porto, na qualidade de Cabeça de Casal da Herança a que foi atribuído o NIF..., aberta por óbito de B..., NIF..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação adicional de IRS n.º 2023..., no valor de € 601.775,08, e das liquidações de juros compensatórios n.º 2023..., no valor de € 81.313,82, e n.º 2023..., no valor de € 113,80, e estorno por recebimento indevido no valor de € 862,49 processado pela liquidação 2020..., no total € 684.065,19, referente ao ano de 2019, bem como da decisão de indeferimento tácito do pedido das reclamação graciosa contra eles deduzido, com todas as consequências legais, incluindo a indemnização pela prestação indevida de garantia.

 

Por despacho arbitral de 10 de janeiro de 2025, a Autoridade Tributária foi notificada para apresentar a resposta, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT.

 

Junta a resposta e o processo administrativo, por despacho arbitral de 11 de março   de 2025, foi dispensada a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, e determinado o prosseguimento do processo para a apresentação de alegações escritas facultativas, por prazo sucessivo.

 

As partes apresentaram alegações, respetivamente, em 21 de março e 8 de abril de 2025.

 

Tendo sido junto pelo Requerente novo documento, que considerou constituir facto superveniente, por despacho arbitral de 29 de abril de 2025, a Autoridade Tributária foi notificada para se pronunciar sobre o documento junto.

 

Por requerimento de 5 de junho de 2025, a Autoridade Tributária, invocando que a Direção de Serviços de DSIRS, enquanto entidade com competência decisória, deliberou no sentido de não subsistirem fundamentos para manter o ato impugnado, considerou que se verificava a inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil. 

Notificado para se pronunciar sobre o pedido de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, apresentado pela Autoridade Tributária, o Requerente, através do requerimento de 11 de junho de 2025, veio dizer que a inutilidade superveniente apenas pode verificar-se após a notificação da decisão de anulação administrativa do ato impugnado, que ainda não ocorreu, e, por outro lado, requerer o prosseguimento do processo para que seja proferida decisão anulatória e de condenação da Autoridade Tributária na indemnização por prestação de garantia indevida.

Na sequência, por despacho arbitral de 16 de junho de 2025, a Autoridade Tributária foi notificada para juntar a decisão de anulação administrativa do ato impugnado, bem como a informação dos serviços em que se baseou.

Pelo requerimento de 26 de junho de 2025, a Autoridade Tributária juntou aos autos o despacho de revogação do ato impugnado, datado de 2 de setembro de 2025, e praticado pelo Subdiretor Geral, com delegação de competências. Na mesma data, igualmente juntou a informação dos serviços em que se baseou o despacho de anulação, cópia do ofício n.º ..., de 5 de junho, pelo qual é o Requerente é notificado da revogação do ato e a prova da notificação via CTT.  

A informação dos serviços em que se baseou o despacho de revogação, junto através do requerimento de 26 de junho de 2025, e que aqui se dá como reproduzido, formula a seguinte proposta de decisão:

 

 

Propõe-se, assim, face ao exposto nos pontos anteriores, a revogação do despacho proferido pela Subdiretora-Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, a 22-01-2025 e a correção dos rendimentos que deram origem à liquidação de IRS n.º 2023..., por forma a que os rendimentos declarados nas linhas 801, 802 e 803 do quadro 8, do anexo J, não sejam tributados, uma vez que, de acordo com os elementos apurados pela DSRI, em 2019 não houve rendimentos imputáveis à autora da herança, B... 

Cabe apreciar e decidir.

2. Preliminarmente cade referir que o novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a distinguir entre a revogação e a anulação administrativa, fazendo corresponder a cada uma destas figuras as duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e revogação anulatória. Segundo a definição constante do artigo 165.º, a revogação é “o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, ao passo que a anulação administrativa é “o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade”. A revogação produz, em regra, apenas efeitos para o futuro (artigo 171.º, n.º 1), enquanto a anulação administrativa, tendo por objeto a eliminação da ordem jurídica de atos anuláveis, tem, em regra, efeitos retroativos (artigo 171.º, n.º 3).

Notificado para se pronunciar sobre  o pedido de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, apresentado pela Autoridade Tributária, o Requerente, através do requerimento de 11 de junho de 2025, veio dizer que a inutilidade superveniente apenas pode verificar-se após a notificação da decisão de anulação administrativa do ato impugnado, que ainda não ocorreu, e, por outro lado, veio requerer o prosseguimento do processo para que seja proferida decisão anulatória e de condenação da Autoridade Tributária na indemnização por prestação de garantia indevida.

No entanto, pelo requerimento de 26 de junho de 2025, a Autoridade Tributária juntou aos autos cópia do ofício n.º ..., de 5 de junho, pelo qual é o Requerente é notificado da anulação administrativa do ato, bem como o despacho de anulação a informação dos serviços em que se baseia.  

Ora, independentemente da notificação da anulação administrativa ao interessado, a decisão anulatória é por si, é suficiente para se considerar verificada, não a inutilidade superveniente da lide, que se verifica quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, mas a própriaimpossibilidade superveniente da lide, na medida implica a extinção do objecto do processo e torna inviável o seu prosseguimento.

 

No que concerne às consequências processuais da anulação administrativa interessa considerar a norma do artigo 64.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável, que, entre outros dispositivos, se refere às situações em que, na pendência do processo impugnatório, o ato impugnado é objeto de anulação administrativa acompanhada ou seguida de nova definição da situação jurídica, caso em que se admite que o processo impugnatório prossiga contra o novo ato com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades. Prevê-se aí a hipótese típica de ampliação do objeto do processo quando, na pendência de um processo impugnatório, a Administração anule o ato impugnado praticando um novo ato em sua substituição contra o qual o impugnante poderá ter ainda interesse em reagir.  

 É patente que não é essa a situação do caso, visto que a Administração anulou o ato sem instituir uma qualquer nova regulação da situação jurídica. 

Ora, a anulação administrativa determina a destruição dos efeitos do ato administrativo anulado (artigo 165.º, n.º 2, do CPA), com a sua consequente eliminação da ordem jurídica, pelo que se verifica uma situação de impossibilidade superveniente da lide por falta de objeto processual, que constitui causa de extinção da instância (artigo 277.º, alínea e), do CPC).

3. Não obstante a anulação do ato impugnado, o Requerente requer ainda o prosseguimento do processo para que seja proferida decisão anulatória e de condenação da Autoridade Tributária na indemnização por prestação de garantia indevida.

Como resulta do disposto no artigo 171.º do CPPT, a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, podendo sê-lo no procedimento tributário ou em impugnação judicial. E, sendo assim, constitui um pedido meramente acessório e condicionado à declaração de ilegalidade dos atos tributários impugnados. 

 

Sendo a condenação por prestação de garantia bancária indevida uma pretensão condenatória de natureza acessória ou consequencial relativamente ao pedido principal - que consiste na declaração de ilegalidade do ato de liquidação de tributo - a pronúncia do tribunal quanto a esse outro pedido apenas poderia ocorrer se o processo devesse prosseguir para a apreciação do mérito da causa e eventual declaração de ilegalidade do ato impugnado (neste sentido, o acórdão proferido no Processo n.º 530/2023-T).

 

O tribunal arbitral limita-se a julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, em consequência da anulação administrativa do ato tributário impugnado, sem emitir qualquer decisão sobre o mérito da pretensão que constitui o objeto do pedido arbitral, e, nesse sentido, não cabe ao tribunal pronunciar-se sobre pedidos acessórios que só poderiam considerados em caso de ser declarada a ilegalidade da liquidação.

 

Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a)     Julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide;

b)    Não conhecer do pedido acessório de condenação em indemnização por prestação indevida de garantia.

 

Valor da causa

 

Nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, quando seja impugnada a liquidação, o valor da causa corresponde ao da importância cuja anulação se pretende, pelo que se fixa o valor da causa no montante de € 684.065,19.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00, que fica a cargo da Requerida (artigo 536.º, n.º 3, segunda parte, do CPC).

 

Notifique-se. 

 

Lisboa, 30 de junho de 2025.

 

 

O Árbitro Presidente

 

Carlos Fernandes Cadilha (Relator)

 

 

A Árbitro Vogal

 

 

 

Nina Aguiar

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

António Alberto Franco