Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1272/2024-T
Data da decisão: 2025-07-01   Outros 
Valor do pedido: € 23.470,28
Tema: Contribuição Serviço Rodoviário – Imposto – Improcedência por falta de alegação de factos
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SUMÁRIO

 

1.     A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, pelo que o tribunal arbitral é competente, em razão da matéria, para a apreciação da ilegalidade dos respectivos actos de liquidação.

2.     As entidades que suportam o encargo tributário da CSR, por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.

3.     A CSR não prossegue “motivos específicos”, na acepção da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.

4.     Por força do princípio do dispositivo, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.

5.     Na falta de alegação de factos essenciais, o problema não é de ineptidão da petição inicial, mas sim de insuficiência de elementos que permitam decidir o caso, o que determina que o tribunal esteja impedido de analisar a pretensão da requerente, levando à improcedência do pedido.

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1. A... LDA., pessoa coletiva com n.º ..., com sede na Rua ..., nº..., ...-... ..., apresentou, em 02-12-2024, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na sua esfera jurídica, na sequência da aquisição de 211.444 litros de gasóleo e, em face da qual, suportou 23.470,28 € de CSR àquelas entidades.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-12-2024.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal, o qual comunicou a aceitação da sua designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 23-01-2025 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 11-02-2025.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

3.5. Previamente à constituição do tribunal arbitral a Requerida apresentou requerimento solicitando que a Requerente identificasse o(s) acto(s) de liquidação cuja legalidade pretende ver sindicada.

 

3.6. Apresentada resposta, a Requerente foi notificada, por despacho de 19-03-2025, para se pronunciar relativamente às excepções suscitadas, o que fez.

 

3.7. Por despacho de 21-025-2025 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretende a Requerente a intervenção do tribunal arbitral para apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na sua esfera jurídica pelas fornecedoras B..., Lda e C..., SA, na sequência da aquisição de 211.444 (duzentos e onze mil quatrocentos e quarenta e quatro) litros de gasóleo e, em face da qual suportou 23.470,28 Euros (vinte e três mil quatrocentos e setenta euros e vinte e oito cêntimos) de CSR àquelas entidades.

Sustenta, com tal fundamento, em suma:

- A Requerente, enquanto consumidora final, pretendeu a revisão das liquidações de CSR cujos encargos foram por si suportados durante o período de Maio de 2019 a Dezembro de 2022 e, consequentemente, o reembolso dos montantes indevidamente liquidados, por entender ser tal contribuição contrária às disposições do Direito da União Europeia e, por via disso, manifestamente ilegal, conforme, aliás, declarado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no âmbito do Processo C-460/21, de 07.02.2022.

- O pedido de revisão oficiosa é meio de reação adequado na fase procedimental, devendo o mesmo considerar-se tempestivamente apresentado, tendo ocorrido indeferimento tácito.

- Têm legitimidade para intervir no procedimento e no processo tributário todos aqueles que demonstrem ter um interesse legalmente protegido cuja tutela dependa desse procedimento ou processo, ainda que não sejam legalmente responsáveis pelo cumprimento de quaisquer obrigações tributárias.

- De facto, a legitimidade no procedimento e processo tributário não se confunde com a qualidade de sujeito passivo, sendo certo que, como os n.os 3 e 4 do artigo 18.º da LGT indiciam, é atribuída legitimidade procedimental e processual a entidades que não se qualificam como sujeitos passivos, designadamente em situações de repercussão do pagamento do imposto.

- A Requerente suportou o valor da CSR, enquanto consumidora final, por efeito da repercussão operada.

- A legitimidade atribuída ao repercutido justifica-se com o facto de recair sobre si o encargo patrimonial inerente ao pagamento da prestação tributária, circunstância que o torna naturalmente lesado caso o montante liquidado não se mostre legalmente devido.

- A Requerente suportou efetivamente o encargo económico da CSR por via da sua repercussão pelo sujeito passivo.

- A CSR foi introduzida no ordenamento jurídico por intermédio da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, com o intuito de financiar a rede rodoviária nacional, outrora a cargo da Estradas de Portugal, E.P.E, pelos seus utilizadores, enquanto contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional.

- Pese embora a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto não preveja expressamente uma obrigação legal de repercussão sobre os consumidores finais dos combustíveis, tal obrigação decorre, ainda assim, do disposto no artigo 2.º daquele diploma onde se pode ler que «[o] financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» [sublinhado nosso], e do previsto no artigo 3.º, de acordo com o qual «[a] contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis».

- De acordo com a jurisprudência do TJUE, o preenchimento do conceito de “motivo específico” na acepção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC depende da verificação (i) de uma relação direta entre o destino das receitas provenientes da liquidação do imposto e a suposta finalidade da tributação, ou (ii) de que o imposto, considerada a técnica legislativa adotada, é suscetível de dissuadir os contribuintes de adotarem os comportamentos que se pretendem modelar através da tributação.

- Ora, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, limita-se a referir que a CSR visa o financiamento da «conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento» da rede rodoviária nacional, constituindo a contrapartida pela sua utilização

- Decidiu o TJUE que “as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes. Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.os 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental”.

- Prevalecendo o Direito europeu sobre o Direito interno conflituante dos Estados-Membros, tendo em consideração o princípio do primado previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, conclui-se pela prevalência do primeiro sobre o segundo, impondo-se a não aplicação da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto e sendo consequentemente ilegais todas as liquidações de CSR efetuadas ao abrigo deste diploma legal.

- São ilegais e, consequentemente, anuláveis ao abrigo do artigo 163.º do CPA, as liquidações de CSR objecto do pedido arbitral, em virtude da violação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC e, por via disso, do princípio do primado do Direito europeu, estabelecido no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, nos seguintes termos:

         - Suscita as excepções de incompetência material do tribunal, ilegitimidade da Requerente, ineptidão da petição inicial e intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

         - Encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum

         - Só os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago a que acresce o facto de, contrariamente ao pretendido pela Requerente, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, mas antes a possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidora final.

         - No caso sub judice, a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu à sua fornecedora, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportaram, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassaram no preço dos serviços prestados aos seus clientes, sendo estes os consumidores finais.

         - Relativamente à CSR não existe um vínculo entre o destino dado às suas receitas e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (actual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 Novembro, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objectivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.

         - Verifica-se a excepção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer acto tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.

         - Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter os actos em causa.

 

II – SANEAMENTO

 

6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. A Requerente pronunciou-se relativamente às excepções deduzidas na resposta apresentada pela Requerida que se apreciarão à frente.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.

Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a)     A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à construção de edifícios.

b)    No período compreendido entre Abril de 2020 e Dezembro de 2022, adquiriu 211.444 (duzentos e onze mil quatrocentos e quarenta e quatro) litros de gasóleo às sociedades B..., Lda e C..., SA.

c)   A Requerente apresentou em 30-04-2024, junto da Alfândega do Freixieiro, pedido de revisão oficiosa com vista à anulação dos actos de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário, na sequência de aquisição de gasóleo àquelas entidades.

d)  A AT não emitiu decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito, designadamente até à data de apresentação do pedido arbitral.

 

B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

- Matéria de Direito

 

I – EXCEPÇÕES

A Requerida invoca na resposta que apresentou inúmeras excepções que, de seguida, se apreciam.

 

A)    INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL

Alega a Requerida que, encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum., não sendo, por isso, os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço.

A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Por seu turno, é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Tal Portaria estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões.

A conclusão da Requerida assenta no facto de considerar, em suma, que a CSR não é um imposto, mas um tributo que tem a qualificação de contribuição financeira, pelo que a apreciação da sua legalidade está excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força do disposto nos artigos 2º e 3º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, uma vez que a jurisdição dos tribunais arbitrais está limitada à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

Esclareça-se, desde logo, que não é, por um lado, o facto de o tributo em causa ser designado por contribuição que lhe retira a possível qualificação como imposto, o que não é caso único no sistema fiscal português (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015 de 20-10-2015). E, por outro, também não é o facto de o mesmo ter a sua receita consignada que o mesmo tem necessariamente de ser qualificado como contribuição financeira (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31-03-2022).

Pelo contrário, como se diz no Acórdão do STA de 04-07-2018 – Proc. 01102/17: “quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário“. (sublinhado nosso).

Como se diz no Acórdão Arbitral 304/2022-T, a contribuição financeira pressupõe que “as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos”. E “o que distingue uma «contribuição financeira» de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública”.

Por seu turno, a propósito da apreciação da constitucionalidade da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, diz-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2021, de 22-06-2021:

- “Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:

«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.

Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».

Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.

8. Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.

No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:

«[…]

É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.

O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).

A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).

(…)

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).

[…]»

Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:

«[…]

No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2”, in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, Vol. I, pp. 493-502).

(…)

«[E]sta esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada  a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.

Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo»”.

Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional, a cargo hoje da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 1º), sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional por aquela entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).

Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional - tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.

A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1).

É devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5º, n.º 1).

O produto da CSR constitui receita própria da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 6º).

Como qualificar então, a CSR?

Temos presente o entendimento plasmado na decisão arbitral proferida no processo n.º 31/2023 em que se considerou que “utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária”.

Com o qual não podemos concordar. Afigura-se-nos, aliás, que tal decisão arbitral não apreciou, sequer, o regime jurídico da CSR enquanto tributo, partindo do princípio de que a nomenclatura adoptada pela lei - como “contribuição” – seria adequada e suficiente para a desqualificar como imposto, desse modo afastando a competência dos tribunais arbitrais para apreciação da ilegalidade dos seus actos de liquidação.

Entendemos, pelo contrário, subscrevendo o decidido, entre outros, no Acórdão 304/2022-T que:

“A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

(…)

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”.

Concluímos, por isso, ser a CSR um verdadeiro imposto

É também essa a posição do Tribunal de Contas, na “Conta Geral do Estado de 2008”, aí dizendo:

- “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.

(…)

Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas”.

Decorre do que se vem de referir que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o peticionado no presente pedido arbitral.

Na mesma linha, considerou o TCA Sul, através do Acórdão de 24-10-2024, no Proc 128/23.9BCLSB que “os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios”. O que fundamenta do seguinte modo: “não existe nexo de correspectividade entre o pagamento do tributo e os benefícios que derivam para o sujeito passivo do mesmo da existência e funcionamento da “E…….. – Estradas ……………, E.P.E”, cujo objecto consiste na exploração e conservação das estradas nacionais. O tributo é devido independentemente do nível de utilização das estradas nacionais e do prejuízo que tal utilização possa causar às mesmas. Em rigor, sendo o sujeito passivo do tributo o mesmo que liquida o ISP não existe qualquer nexo de correspectvidade entre o pagamento do mesmo e os eventuais benefícios que derivam da actuação da “E……… – Estradas …………, E.P.E”, no exercício da sua actividade. A alegada repercussão do imposto no consumidor final dos produtos energéticos não logra ser comprovada, dado que depende de variáveis a apurar em cada caso concreto”.

B)    ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE

Alega a Requerida que não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos actos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica da Requerente, que não é sujeito passivo na relação jurídico-tributária em causa, não podendo a entidade, em que alegadamente teria sido repercutido o tributo, apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro.

Mais alega que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal.

Visto que a Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, a sua legitimidade só poderá ser aferida pela qualidade de mera repercutida de facto.

Perante a ausência de referência, na lei, sobre quem deverá recair o encargo da CSR que resulta que a repercussão meramente económica depende, em exclusivo, da decisão dos sujeitos passivos, que, no âmbito das suas relações comerciais, regidas pelo direito civil, podem decidir transferir, ou não, e de forma total ou parcial, a carga fiscal para outrem - os seus clientes.

A repercussão da CSR não poderá assentar em meros juízos presuntivos, carecendo de ser provada através da demonstração objectiva da realidade dos factos através de fatores inerentes às transações comerciais.

Não resulta provado, de qualquer elemento junto aos autos, que a Requerente tenha sido o consumidor final, isto é, que tenha pago/suportado a final o encargo da alegada repercussão da CSR. Pelo contrário, as facturas apresentadas não corporizam actos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final.

A CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criada tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.

Repetindo o que já foi dito, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável” e no n.º 3 do mesmo artigo (vigente na redacção inicial) que “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

Na linha, aliás, do que determina o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (para onde remete o regime da CSR no artigo 5º da Lei55/2007), no seu artigo 2º quando determina que “os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

Ora, resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.

De qualquer modo, mesmo que se entendesse que a legitimidade activa da Requerente se encontra coberta pelo referido preceito, essa legitimidade seria também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

Sobre esta questão, remete-se para o despacho do TJUE de 7-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, quando se diz que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).

A esse mesmo propósito é dito na decisão arbitral 1015/2023-T, já citada, a propósito do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21: "O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».

Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.

Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido.

Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade (vejam-se no mesmo sentido, por exemplo, as decisões vertidas nos acórdãos 676/2023-T, de 12-03-2024, 523/2023-T, de 24-01-2014, 491/2023-T, de 05-03-2024 ou 105/2023-T, de 28-05-2024).

 

C)    INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL

Alega a Requerida que a petição inicial padece de ineptidão por o pedido arbitral não preencher nem satisfazer os pressupostos legais de aceitação uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido. 

Com efeito, invoca que da leitura “quer do pedido arbitral quer da documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário”. Diz mais, que não é identificado qualquer liquidação de ISP/CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC), submetidas pelos sujeitos passivos de imposto (também não identificados).

Conclui no sentido de não lhe ser possível identificar factos essenciais omitidos pela Requerente, nem procederem à junção de documentos nos termos do requerimento probatório. E que esta situação de ineptidão inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha, consulta ou análise de elementos ao dispor da AT ou da realização por parte da AT de outras diligências instrutórias.

Mais invoca a Requerida que nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência (datas, quantidades de produto, valores) entre as faturas apresentadas pela Requerente e os atos de liquidação que, a montante, estiveram subjacentes à introdução no consumo (DIC) dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente à sua fornecedora.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 186º do CPC, a petição inicial é inepta quando se verifique uma das seguintes situações:

- falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

- o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

- se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

No caso sub judice, a Requerida invoca a ineptidão da petição inicial por ocorrer falta de concretização do pedido, por omissão na identificação dos atos de liquidação da CSR, falta que torna o pedido arbitral ininteligível.

Requerente pretende “a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na sua esfera jurídica, na sequência da aquisição de 211.444 litros de gasóleo e, em face da qual, suportou 23.470,28 € de CSR àquelas entidades.

Por outro lado, remete para documentos juntos ao pedido arbitral que consubstanciam facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que pretensamente terá havido repercussão da CSR.

Entendemos, assim que, independentemente da apreciação do mérito do pedido, os actos impugnados se encontram mininamente identificados e documentados pelo único meio possível, qual seja, a emissão de facturas emitidas pelos fornecedores do combustível.

Entendemos, desse modo, não ocorrer ineptidão da petição inicial.

Sucede que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 5º do CPC “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”. Está em causa o princípio do dispositivo, que enforma o nosso processo civil e, consequentemente, o processo tributário e arbitral tributário [artigo 2º, alínea e) do CPPT e 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT].

Quando a questão é a falta de alegação de factos, o problema não é de ineptidão em si, mas sim de insuficiência de elementos que permitam decidir o caso, o que determina que o tribunal esteja impedido de analisar a pretensão do requerente.

É o que entendemos ocorrer no caso.

É que do pedido arbitral consta uma prolixa consideração doutrinal e jurisprudencial que, aliás, subscrevemos em anteriores decisões, mas não são alegados factos que permitam ao tribunal pronunciar-se relativamente ao mesmo. 

Não por que se considere que a alegada, pela Requerida, falta de identificação dos actos de liquidação possa ser imputável à Requerente, até porque esta não dispõe sequer de legitimidade processual para impugnar directamente esses actos tributários, por ser mera revertida

Todavia, não alega a Requerente, no seu articulado:

- como determinou o montante de imposto que impugna. Apenas se diz no artigo 56º do pedido que “existe, pois, uma situação de injustiça grave, resultante da sujeição da Requerente, por repercussão, a um encargo tributário que não lhe poderia ter sido imposto, o que se traduziu no pagamento indevido de CSR no montante de 23.470,28 Euros (vinte e três mil quatrocentos e setenta euros e vinte e oito cêntimos”, alegação que repete, sem qualquer outra justificação, no artigo 71º.

- quando suportou efectivamente o imposto (por forma a que se possa aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa que constitui objecto imediato do presente processo). Diz a este propósito, de forma desgarrada no artigo 37º: “tendo os atos tributários em crise sido emitidos a partir de abril de 2020, resulta manifesta a tempestividade da revisão oficiosa apresentada pela Requerente”.

- não alegou factos que possam levar à prova inequívoca que ocorreu a invocada repercussão de imposto. A este propósito, realça-se que está fora do âmbito de competências do tribunal arbitral, como pretendia a Requerente, notificar entidades estranhas ao processo para prestar informações ou juntar documentos.

A falta de alegação de factos não constitui, como se disse, ineptidão da petição inicial, antes leva à improcedência do pedido, o que se declara.

Fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas

 

 

DECISÃO

 

         Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)  Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, dele absolvendo a Requerida.

 

b)  Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 23.470,28 € (vinte e três mil, quatrocentos e setenta euros e vinte e oito cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento. 

 

 

 

 

Lisboa, 01 de Julho de 2025

 

 

 

                                                                                O Árbitro

 

 

 

                                                                        (António A. Franco)