Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1151/2024-T
Data da decisão: 2025-06-12  IRC  
Valor do pedido: € 212.062,03
Tema: IRC. Rendimentos auferidos no estrangeiro: Não incidência da Derrama Municipal.
Versão em PDF

 

 

SUMÁRIO

  1. Estão sujeitos a Derrama Municipal os rendimentos tributáveis que não estejam isentos de IRC, na proporção do rendimento obtido na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes, bem como por não residentes com estabelecimento estável em Portugal, que aí exerçam atividade comercial, industrial ou agrícola.

 

   II.         Os rendimentos obtidos fora do território nacional, designadamente juros de títulos de dívida e rendimentos de unidades de participação, cujos devedores sejam entidades não residentes para efeitos fiscais em Portugal ao qual os rendimentos sejam imputáveis, devem ser excluídos da base de cálculo da Derrama Municipal lançada pelo município.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Alexandra Coelho Martins (Presidente), Pedro Guerra Alves e Sónia Martins Reis, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 2 de janeiro de 2025, acordam no seguinte:

 

 

I.              Relatório

 

A...– SGPS, S.A. (doravante “Requerente”) com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, pessoa coletiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com o capital social de € 1.972.962.079,58 (mil novecentos e setenta e dois milhões, novecentos e sessenta e dois mil e setenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante “RETGS”), nos termos previstos nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 a) e 10.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. 

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante “AT” ou “Requerida”. 

 

Constitui pretensão da Requerente a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa com o número de processo ...2024..., proferida pelo Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) da Autoridade Tributária e Aduaneira, que havia sido instaurada contra o ato tributário de autoliquidação de IRC, apenas na parte respeitante à derrama municipal, referente ao período de tributação de 2021, identificado sob o n.º 2023 ... e no âmbito da qual se solicitava o reembolso do imposto indevidamente pago e a título de derrama municipal, num total de € 212.062,03 (duzentos e doze mil e sessenta e dois euros e três cêntimos), e, bem assim, a anulação parcial daquele ato tributário, requerendo o reembolso do imposto indevidamente pago nesse montante, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

Como causa de pedir, a Requerente alega, em suma, vários vícios substantivos.

 

Que no período de tributação de 2021, a B... fazia parte integrante, juntamente com a Requerente (esta, enquanto sociedade dominante), de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS, o qual, para além destas 2 (duas) entidades, era constituído, também, pelas seguintes sociedades: 

•                C..., S.A. (NIF...); 

•                D..., S.A. (NIF...); 

•                E..., S.A. (NIF...); e, 

•                F..., S.A. (NIF...). 

 

Que os proveitos auferidos pela B..., em 2021, no valor agregado de € 24.777.919,55 (vinte e quatro milhões, setecentos e setenta e sete mil, novecentos e dezanove euros e cinquenta e cinco cêntimos), detalhados e documentados na presente ação arbitral, (i) consubstanciam rendimentos de capitais (designadamente juros de títulos de dívida e rendimentos de unidades de participação) oriundos do estrangeiro e (ii) formaram parte integrante dos resultados contabilístico e fiscal da B... no exercício/período de tributação em questão, tendo incidido sobre este último derrama municipal, pelo que entende que, de acordo com as orientações jurisprudenciais recentemente emitidas a respeito do enquadramento fiscal aplicável aos rendimentos de fonte estrangeira para efeitos do apuramento da derrama municipal (já com elevado grau de consolidação), a autoliquidação de IRC de 2021, do Grupo G... se encontra ferida de ilegalidade, tendo resultado no pagamento de um montante excessivo a título de derrama municipal. 

 

E que o lucro tributável sobre o qual incide a derrama municipal é o que resultar das regras de determinação para efeitos de IRC, pelo que, para efeitos de quantificação do mesmo, terá de se considerar as disposições gerais contidas no Código do IRC.

 

E ainda que os rendimentos de capitais de fonte estrangeira não configuram um rendimento sujeito a derrama municipal, dada a circunscrição territorial deste tributo.

 

Alega, igualmente, que a derrama municipal constitui um imposto adicional ao IRC (embora autónomo a este), que incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC e que, no seu entendimento, incide sobre o referido lucro, apenas na proporção do rendimento gerado na área geográfica de cada município do território português.

 

Cita extensa jurisprudência do CAAD nesse mesmo sentido.

 

Conclui que a questão técnica de fundo em discussão nos presentes autos não merece atualmente contestação por parte da jurisprudência nacional, i.e., rendimentos gerados fora do território nacional, como são os resultantes da mera aplicação de capitais em instrumentos financeiros emitidos por entidades não residentes, devem ser excluídos da base tributável da derrama municipal e sustenta que deverá efetuar-se a comparação entre o montante de derrama municipal efetivamente computado pela B..., em 2021, e o valor de derrama municipal que se mostrava devido, devendo a diferença resultante desta operação ser refletida no cálculo do imposto a pagar ao nível do Grupo G....

 

Conclui que a B... incluiu na base de incidência de derrama municipal do período de tributação de 2021 montantes recebidos a título de rendimentos de juros de títulos de dívida estrangeiros e rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento estrangeiros, no valor agregado de € 24.777.919,55 (vinte e quatro milhões, setecentos e setenta e sete mil, novecentos e dezanove euros e cinquenta e cinco cêntimos), o que constitui um erro de direito face à ilegalidade do ato de autoliquidação do IRC do Grupo G... naquele período de tributação, e que se deve proceder à restituição, do montante de € 212.062,03 (duzentos e doze mil, sessenta e dois euros e três cêntimos), a título de derrama municipal do período de tributação de 2021, acrescido dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 23-10-2024, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído em 02-01-2025 e tendo o processo seguido a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

 

As Partes, notificadas dessa designação, em 11-12-2024, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

A Requerida ou AT vem contestar por impugnação alegando que a Requerente não tem razão, em síntese, como segue.

 

Que a Requerente, tem sede e direção efetiva em território nacional, e desenvolve essencialmente a atividade seguradora e resseguradora no ramo de seguros “Vida”, sob supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (doravante, “ASF”) e mediante a autorização n.º ... .

 

Que os rendimentos em causa são conexos com a atividade comercial por si exercida em território português.

 

Que para a obtenção de tais rendimentos foram inevitavelmente suportados gastos diretos e indiretos, por exemplo, gastos com pessoal tanto da administração (decisão de investir), como na gestão de ativos mobiliários detidos fora do território nacional por pessoal especializado, gastos com pessoal inerente ao desenvolvimento da atividade de gestão, emissão e disponibilização de soluções de pagamento, cartões de pagamento e crédito ao consumo fora do território nacional, gastos com fornecimentos e serviços externos, depreciação e amortizações de ativos utilizados no exercício de toda a atividade, encargos financeiros suportados com a aquisição dos ativos mobiliários detidos e ou alienados no estrangeiro, e demais encargos suportados para a obtenção de tais rendimentos, apuramento que sequer consta nos presentes autos.

 

Que a jurisprudência citada pela Requerente na sua petição colide com outras disposições legais vigentes no nosso ordenamento jurídico bem como com fundamentos doutrinais plasmados em jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, e por outro lado obrigará a outras operações e meios de prova para dar cumprimento cabal ao entendimento defendido de que a derrama municipal não incidirá sobre a parcela da lucro tributável atinente aos rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Que a base de incidência da derrama municipal é a mesma que a do IRC, a do lucro tributável e apurado em operações económicas realizadas no estrangeiro.

 

Alega a inexistência de qualquer norma que disponha no sentido de que os rendimentos provenientes do exterior estão excluídos de tributação, o regime da derrama é omisso quanto a regras próprias de determinação do lucro tributável sujeito à derrama, bem como quanto à respetiva liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, ou seja, verifica-se a inexistência de qualquer norma que disponha no sentido de que os rendimentos provenientes do estrangeiro estão excluídos de tributação.

 

E que, sem conceder, a aceitar-se a hipótese no que toca ao expurgo da base de incidência da derrama municipal do lucro tributável comprovadamente obtido em resultado dos rendimentos com origem no estrangeiro, para efeitos de cálculo de derrama municipal, no que se refere às exigências de prova, entende que as mesmas não se encontram verificadas nos presentes autos.

 

E que tal não se basta com uma simples operação aritmética de subtração nomeadamente e apenas do valor dos rendimentos obtidos no estrangeiro, como defende a Requerente, uma vez que junta somente as declarações de rendimento Modelo 22 IRC (DM22); Informação Empresarial Simplificada (IES) do exercício de 2021, já na posse da Requerida, não juntando, diz, quaisquer documentos probatórios do lucro tributável apurado naquelas operações realizadas com origem no estrangeiro.

 

            E que deveria ter comprovado com documentos externos, que suportariam a determinação do lucro tributável apurado em resultado dos rendimentos obtidos com origem no estrangeiro, cabendo à Requerente comprovar o valor da “componente do lucro tributável obtida fora do território nacional”, que pretende não sujeita a derrama municipal e não simplesmente subtrair ao lucro tributável global os rendimentos brutos obtidos no estrangeiro.

 

Cita diversa jurisprudência para sustentar a sua posição.

 

Sustenta, a final, que inexiste erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não devendo ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no Art.º 43.º da LGT.

 

Pugna, a final, pela improcedência da ação arbitral.

 

Entendeu o Tribunal, por despacho arbitral, proceder à dispensa da realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT e inquirição da testemunha arrolada pelo Requerente. 

 

Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar alegações simultâneas, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo, reforçando a sua argumentação.

 

 

II.           Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT. 

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. 

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

III.      Fundamentação 

 

1.     Dos Factos

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. Em 23-10-2024, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD. 
  2. O presente pedido arbitral tem por objeto o pedido de anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa com o número de processo ...2024..., proferida pelo Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) da Autoridade Tributária e Aduaneira – cfr. Documentos n.º 1 e n.º 6 juntos pela Requerente, que havia sido instaurada contra o ato tributário de autoliquidação de IRC, apenas na parte respeitante à derrama municipal, referente ao período de tributação de 2021, identificado sob o n.º 2023...- cfr. Documento n.º 2 junto pela Requerente, e no âmbito da qual se solicitava o reembolso do imposto indevidamente pago e a título de derrama municipal, num total de € 212.062,03 (duzentos e doze mil e sessenta e dois euros e três cêntimos).
  3. A Requerente apresentou reclamação graciosa no passado dia 6 de junho de 2024 contra o ato de autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2021 – cfr. Documento n.º 3 junto pela Requerente.
  4. O ato tributário em causa nos autos engloba a última declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC entregue pela Requerente, na qualidade de sociedade dominante, identificada com o código –...– cfr. Documento n.º 4 junto pela Requerente, relativamente a esse período de tributação, e a declaração de rendimento Modelo 22 de IRC identificada com o código...– cfr. Documento n.º 5 junto pela Requerente, a qual corresponde à última declaração individual de 2021, submetida pela sociedade B...– companhia de seguros de vida, s.a. - uma das sociedades dominadas (à data) do Grupo G...–, com o número de identificação fiscal..., resultando num montante total de IRC a pagar de € 36.698.393,96 (trinta e seis milhões, seiscentos e noventa e oito mil, trezentos e noventa e três euros e noventa e seis cêntimos), incluindo € 4.748.294,22 (quatro milhões, setecentos e quarenta e oito mil, duzentos e noventa e quatro euros e vinte e dois cêntimos) a título de derrama municipal.
  5. A sociedade B... fazia parte integrante, juntamente com a Requerente (este, enquanto sociedade dominante), de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS, a qual, para além destas 2 (duas) entidades, era constituído, também, pelas seguintes sociedades: C..., S.A. (NIF...); D..., S.A. (NIF...); E..., S.A. (NIF...); e, F..., S.A. (NIF...) – cfr. Facto não controvertido.
  6. A Requerente procedeu à entrega de uma declaração Modelo 22 de IRC do Grupo G... referente ao período de tributação de 2021 - cfr. Documento n.º 4 – tendo sido apurados os seguintes montantes de derrama municipal:

Valores em Euro (€) 

Declaração Modelo 22 de IRC do Grupo G... referente ao período de tributação de 2021 

(declaração n. º...)

Entidade 

Derrama municipal 

Banco A..., S.A. 

4.535.175,27 

B..., S.A. 

212.062,03 

F..., S.A. 

1.056,92 

Valor declarado no campo 364 do quadro 103 

4.748.294,22 

  1. No dia 2 de junho de 2023, a B... apresentou, a título individual, uma declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de tributação de 2021 (declaração n.º...) – cfr. Documento n.º 5.
  2. Com base na declaração identificada no ponto antecedente, a B... apurou um lucro tributável, sujeito e não isento de IRC, de € 14.137.468,63 (catorze milhões, cento e trinta e sete mil, quatrocentos e sessenta e oito euros e sessenta e três cêntimos) – cfr. campo 302 do quadro 09 – e um valor a título de derrama municipal de € 212.062,03 (duzentos e doze mil, sessenta e dois euros e três cêntimos) – cfr. campo 364 do quadro 10 – , em resultado da aplicação da taxa de 1.5% ao respetivo lucro tributável, sujeito e não isento de IRC.
  3. A Requerente juntou com a sua petição um quadro-resumo dos rendimentos de capitais auferidos pela B... no exercício de 2021, em linha com as suas demonstrações financeiras auditadas:

Valores em Euro (€) 

Rendimentos de capitais 

Descrição 

Valor 

Títulos estrangeiros 

24.777.919,55 

Títulos nacionais / outros

41.109.260,92 

Saldo da rubrica #74 – “Rendimentos de investimentos” 

65.887.180,47 

  1.  Estes rendimentos foram refletidos no resultado líquido contabilístico da sociedade B... no exercício de 2021, mediante cópia do balancete antes de apuramento de resultados da B... por referência a 31 de dezembro de 2021– cfr. Documento n.º 7 junto pela Requerente.
  2. A nota 25 do Anexo às Demonstrações Financeiras da sociedade B... relativas ao exercício de 2021 (cfr. página 124 do referido Relatório & Contas, disponível online em https://www...pt/... 2021.pdf) a qual demonstra que o valor total dos “Rendimentos / Réditos de Investimentos” auferidos pela sociedade B... no exercício de 2021 ascendeu a € 65.981.260,00 (sessenta e cinco milhões, novecentos e oitenta e um mil, duzentos e sessenta euros), correspondente à soma algébrica do saldo da rubrica #74 acima referida, i.e. € 65.887.180,00 (sessenta e cinco milhões, oitocentos e oitenta e sete mil, cento e oitenta euros) com o saldo da rubrica #7911 referente a juros compensatórios e moratórios e diferenças de câmbio, i.e. € 94.080,00 (noventa e quatro mil e oitenta euros), conforme se detalha infra

 

 

 

 

 

Valores em Euro (€) 

Balancete antes de apuramento de resultados com referência a 31 de dezembro de 2021 

Rubrica 

Descrição 

Valor 

#74 

Rendimentos de investimentos 

65.887.180 

#7911 

Rendimentos e ganhos financeiros (outros juros e diferenças de câmbio) 

94.080 

Total 

65.981.260 

       

Nota 25 do Anexo às Demonstrações Financeiras da B... relativas ao exercício de 2021.

  1. A Requerente juntou uma tabela de suporte na sua petição arbitral contendo a segregação dos rendimentos de capitais contabilizados, em 2021, na rubrica #74, por cada um dos títulos subjacentes, identificando-os pelo respetivo ISIN (“International Securities Identification Number”), designação, entidade emitente e origem, com a devida reconciliação para a contabilidade, sendo assim possível identificar que o valor de € 24.777.919,55 (vinte e quatro milhões, setecentos e setenta e sete mil, novecentos e dezanove euros e cinquenta e cinco cêntimos) corresponde aos montantes com a indicação de “Estrangeira” na coluna “Origem” – cfr. Documento n.º 8 junto pela Requerente.
  2. A sociedade B... tinha a sua sede e direção efetiva no município de Lisboa e não possuía quaisquer representações locais/instalações noutros municípios do território português – cfr. facto não controvertido.

 

2. Factos Não Provados

 

Não existem factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 

3. Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto

 

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº. 123.º, nº.2, do CPPT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº. 371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT. 

 

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

 

III.   Do Direito

 

A questão objeto de decisão no presente dissídio é a de determinar se os rendimentos obtidos no estrangeiro devem ser excluídos do cálculo da derrama municipal da sociedade B..., S.A., que integra o Grupo encabeçado pela Requerente, subtraindo-os ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC. 

 

1.     Derrama Municipal – Exclusão de Rendimentos de Fonte Estrangeira

 

            A posição da Requerente assenta na conceção de que a derrama municipal, dada a circunscrição territorial do tributo, não incide sobre os rendimentos de fonte estrangeira. Assim, defende a Requerente que a derrama municipal constitui um imposto adicional ao IRC (embora autónomo a este), que incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC apenas na proporção do rendimento gerado na área geográfica de cada município do território português. 

            Sustenta a sua posição em vasta jurisprudência, nomeadamente no Acórdão do STA, datado de 13 de janeiro de 2021, proferido no âmbito do Processo n.º 3652/15.3BESNT, nos termos do qual ”o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à “proporção”, à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem”. Reforçando ainda que: “[a]demais e em situações, como a que nos ocupa, de, isoláveis, parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo; por um lado, assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas”. Conclui ainda o referido Acórdão que, “[o] lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do território nacional”.

            A Requerente reforça a sua posição destacando, neste contexto, as decisões proferidas no âmbito das decisões arbitrais de 15 de março de 2021, processo n.º 554/2021-T, de 17 de julho de 2023, processo n.º 211/2023-T, e de 22 de novembro de 2023, processo n.º 170/2023-T.

            Este Tribunal subscreve a argumentação aduzida pela Requerente, coincidente com o Acórdão do STA supramencionado, bem como com as já mencionadas decisões arbitrais e ainda com a recente decisão arbitral de 25 de janeiro de 2025 em sede do processo n.º 917/2024-T. 

 Antes de mais, não subsiste qualquer dúvida de que os municípios no âmbito do seu poder tributário podem fixar a taxa da derrama até um limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC. O poder tributário dos municípios tem arrimo constitucional no artigo 238.º, n.º 4 da CRP, introduzido pela revisão constitucional de 1997, que como ensina Ana Paula Dourado ,“(…) consagrou, expressamente, um poder tributário dos municípios a exercer nos termos da lei, cujo alcance ainda não está delimitado”. A lei que vem concretizar o poder tributário dos municípios é a Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro - Regime de Finanças das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, nos termos da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro). Assim, e nos termos do artigo 18.º, n.º 1 da Lei n.º 73/2013 “1 - Os municípios podem deliberar lançar uma derrama, de duração anual e que vigora até nova deliberação, até ao limite máximo de 1,5 /prct., sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território”.

Ora, resulta claro desta disposição legal que a derrama incide sobre o lucro tributável que não esteja isento de IRC, mas que deve corresponder à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos que sejam residentes em território nacional e que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável em território nacional (sublinhado nosso). Assim, restringe-se claramente a base de incidência da derrama à proporção do rendimento que é obtido na sua área geográfica, excluindo consequentemente quaisquer rendimentos auferidos fora dessa mesma área geográfica, ou seja, no presente dissídio os rendimentos auferidos no estrangeiro pela Requerente. 

Através de uma interpretação literal da Lei n.º 73/2013, a derrama municipal tem de corresponder à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município. Logo, existindo uma disposição legal que determina qual a base de incidência da derrama municipal e como é efetuado o seu cálculo, nomeadamente qual o respetivo âmbito de incidência territorial, implica necessariamente que não possa colher o argumento da Requerida que alega a inexistência de qualquer norma que disponha no sentido de que os rendimentos provenientes do exterior estão excluídos de tributação, que o regime da derrama é omisso quanto a regras próprias de determinação do lucro tributável sujeito à derrama, bem como quanto à respetiva liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, ou seja, que se verifica a inexistência de qualquer norma que disponha no sentido de que os rendimentos provenientes do estrangeiro estão excluídos de tributação.

 

A Requerida argumenta ainda que mesmo que se aceitasse que os rendimentos auferidos no estrangeiro não deveriam ser considerados para efeitos de apuramento da derrama municipal, a Requerente não efetuou a prova legalmente exigível, nomeadamente porque não junta quaisquer documentos probatórios do lucro tributável apurado nas operações realizadas com origem no estrangeiro, que deveria ter comprovado com documentos externos, que suportariam a determinação do lucro tributável apurado em resultado dos rendimentos obtidos com origem no estrangeiro, cabendo à Requerente comprovar o valor da “componente do lucro tributável obtida fora do território nacional”, que pretende não sujeitar a derrama municipal e não simplesmente subtrair ao lucro tributável global os rendimentos brutos obtidos no estrangeiro.

No que concerne a este argumento, a Requerente, de facto não apresentou documentos externos, mas sim as declarações de rendimento Modelo 22 IRC (DM22) e a Informação Empresarial Simplificada (IES) do exercício de 2021 das quais entende este Tribunal que se consegue deduzir e identificar os rendimentos auferidos no estrangeiro. Mais, e como consta da decisão arbitral de 25 de janeiro de 2025, no processo 709/2024-T que agora se cita pela sua relevância para este caso e cujo conteúdo se subscreve nesta sede “Acresce que, mesmo que aqueles documentos não tivessem sido juntos, de acordo com o estatuído no artigo 75.º, n.º 1 da LGT “[p]resumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”. Ou seja, a documentação fiscal e contabilística da Requerente goza da presunção de veracidade consagrada na citada norma.

Na situação vertente, a Requerente quantifica os rendimentos obtidos no estrangeiro com base nos registos contabilísticos, encontrando-se organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, ponto que a Requerida não contesta. 

Nos casos em que a AT disponha de indícios que possam abalar a presunção de veracidade da escrita e das declarações do contribuinte, nomeadamente os elencados no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, cabe efetivamente ao sujeito passivo demonstrar os pressupostos que o levaram a conferir um dado tratamento contabilístico e fiscal às suas operações

No entanto, não é essa a situação em presença. As declarações Modelo 22 foram preparadas com base na contabilidade da Requerente.  E a Requerida, em momento algum, colocou em crise a referida contabilidade e as declarações fiscais com base na mesma apresentadas, ou apresentou elementos que em relação àquelas pudessem suscitar dúvidas fundadas. Nem tão-pouco solicitou elementos ou informações sobre alguma(s) rubrica(s) de rendimentos da Requerente, ou sobre qualquer outra matéria.

Isto, apesar de ter decorrido um procedimento administrativo impulsionado pela Requerente, no âmbito do qual a AT, que dirigiu esse procedimento, poderia, se assim o entendesse, suscitar ou invocar as questões de facto que entendesse pertinentes. Não o fez, não dirigiu qualquer pedido de informação ou esclarecimento à Requerente, decidindo singelamente o indeferimento da pretensão da Requerente com base no entendimento – jurídico – de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e arbitral é errónea, pelo que os rendimentos gerados no estrangeiro devem ser incluídos na base de cálculo da Derrama Municipal. Afigura-se censurável que a AT no procedimento administrativo, cuja direção lhe compete, não desenvolva atividade instrutória relevante para a decisão fundamentada da situação tributária do contribuinte e depois invoque que não estão demonstrados os pressupostos factuais da Derrama, sem ter suscitado tal ponto, quando lhe cabia, se tivesse dúvidas, fazê-lo nessa sede e, se necessário, solicitar os elementos de suporte da contabilidade. Tal argumento deve, assim, ser votado ao insucesso”.

Em síntese, a veracidade da documentação fiscal e contabilística da Requerente nunca foi questionada, nem se verifica nenhuma das situações previstas no artigo 75.º, n.º 2 da LGT suscetíveis de afastar tal presunção de veracidade. Por conseguinte, os factos refletidos na informação fiscal e contabilística da Requerente devem ser tomados por assentes, fidedignos e verdadeiros, como, aliás, ficou provado.

Consequentemente, terá também a Requerida que aceitar os dados constantes da contabilidade do sujeito passivo e as correspondentes declarações elaboradas com base nestes, a menos que, através de procedimento administrativo/inspetivo lograsse questionar validamente a sua veracidade. Algo que não fez”.

 

Por último, argumenta a Requerida que os rendimentos em causa são conexos com a atividade comercial exercida pela Requerente em território português, sendo que para a obtenção de tais rendimentos foram inevitavelmente suportados gastos diretos e indiretos, por exemplo, gastos com pessoal tanto da administração (decisão de investir), como na gestão de ativos mobiliários detidos fora do território nacional por pessoal especializado, gastos com pessoal inerente ao desenvolvimento da atividade de gestão, emissão e disponibilização de soluções de pagamento, cartões de pagamento e crédito ao consumo fora do território nacional, gastos com fornecimentos e serviços externos, depreciação e amortizações de ativos utilizados no exercício de toda a atividade, encargos financeiros suportados com a aquisição dos ativos mobiliários detidos e ou alienados no estrangeiro, e demais encargos suportados para a obtenção de tais rendimentos, apuramento que sequer consta nos presentes autos.

 

Sobre este ponto, importa ter em conta que se trata de rendimentos de juros de títulos de dívida, bem como rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento, cuja obtenção é por natureza passiva e consequentemente “líquida”. Deste modo, tais rendimentos não têm associados gastos ou, no limite, apenas o teriam de forma muito residual. Pelo que improcede a sua arguição. Acresce que tratando-se de rendimentos cujo Estado da fonte não é Portugal e que derivam da aplicação direta de capitais em ativos que não têm a sua sede em território nacional, não há qualquer relação com a área geográfica do município em Portugal que justifique a sua sujeição a tributação. Pelo que, se revela desprovido de sentido sujeitar estes rendimentos à derrama municipal.

             

Noutra perspetiva, a Requerida vem invocar que, se o crédito por dupla tributação internacional pode ser deduzido à fração à coleta a que alude o artigo 91.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, é porque os rendimentos obtidos no estrangeiro e gastos inerentes também estão incluídos na base de cálculo da Derrama. 

 

Sobre esta questão, pronunciou-se, no sentido que este Tribunal preconiza, a decisão arbitral proferida no processo n.º 1130/2024-T, de 24 de fevereiro de 2025, de que se transcreve o seguinte excerto ilustrativo “[…] o que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere sobre o artigo 91.º do CIRC e a inclusão da derrama no conceito de «fração de IRC» aí utilizado, não tem qualquer relação com o caso em apreço, pois não está em causa dedução de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional. De qualquer modo, sempre se dirá, a título de obter dictum, que o que aí esta em causa é a definição do âmbito do conceito de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, para efeitos de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, em que a jurisprudência citada pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem considerado englobada a derrama municipal, adoptando um conceito lato de IRC, abrangendo a globalidade dos impostos sobre rendimento. Mas, desta inclusão da derrama no valor global do «imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas» a considerar para este efeito, nada tem a ver com a origem dos rendimentos, pois, independentemente dessa origem, esse valor global, em que se inclui o valor da derrama, pode ser utilizado, com limites, para efeitos de dedução de crédito por dupla tributação jurídica internacional […]”. 

 Trata-se, assim, de questão distinta daquela sob apreciação nos presentes autos e que, além do mais, nos moldes enunciados pela AT, enferma de um vício de raciocínio, pois parte da conclusão para justificar a premissa.  

 

Atendendo ao exposto, deve a presente ação ser julgada procedente e anulada a autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2021, na parte referente à derrama municipal, por erro de direito na determinação da base de incidência deste imposto, da qual têm de ser excluídos os rendimentos gerados fora do território nacional, não o tendo sido (v. artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo). 

 

2.     Sobre o Pedido de Juros Indemnizatórios

 

A Requerente entende ter direito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro [de facto ou de direito] imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. 

 

O direito a juros indemnizatórios é passível de ser reconhecido no processo arbitral como resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, bem como da jurisprudência consolidada. 

 

Na presente situação, sendo o ato impugnado um ato de autoliquidação de IRC poderia considerar-se que foi a Requerente que incorreu em erro quando preencheu a declaração de imposto. Não obstante, a partir do momento em que a Requerente submeteu o erro cometido à apreciação da Requerida através da submissão de uma reclamação graciosa e atendendo a que perante a inexistência de fundamento legal válido não foi aceite a correção da derrama municipal, constata-se da existência de um erro imputável aos serviços. Assim, o entendeu o Supremo Tribunal Administrativo de 14.10.2020, processo n.º 01273/08.6BELRS 01364/17 que o erro imputável aos serviços fica provado quando proceda a reclamação graciosa ou impugnação da liquidação, como sucede no presente caso.  

 

Assim, deve ser reconhecido à Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios, contados a partir da data em que o erro imputável aos serviços se materializou, ou seja, do dia seguinte (31 de julho de 2024) ao da notificação, dentro do prazo legal, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (v. artigo 43.º, n.º 1 da LGT), até ao processamento da nota de crédito (v. artigo 61.º, n.º 5 do CPPT).

 

 

IV.    Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a ação e, em consequência:

a)    Anular parcialmente a autoliquidação de IRC, referente ao exercício fiscal de 2021, na parte relativa à derrama municipal, devendo esta ser recalculada excluindo da sua base os rendimentos obtidos no estrangeiro, bem como anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que os manteve;

b)    Reconhecer o direito ao recebimento de juros indemnizatórios pela Requerente, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, a contar desde 31 de julho de 2024 até ao processamento da nota de crédito. 

 

V.     Valor da Causa

 

 Fixa-se ao processo o valor de 212.062,03€, por ser aquele que corresponde ao valor da liquidação expressamente impugnada cuja anulação se pretende, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex viartigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do RCPAT.  

 

VI.      Custas

 

Custas no montante de € 4.284,00, a suportar pela Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de junho de 2025 

 

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins  

 

 

Pedro Guerra Alves 

 

 

 

Sónia Martins Reis, Relatora