SUMÁRIO:
A alienação de um quinhão hereditário (ainda que maioritariamente composto por bens imóveis) é negócio jurídico distinto da “alienação onerosa de bens imóveis”, prevista no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, pelo que os ganhos decorrentes daquele negócio jurídico não fazem parte do âmbito de incidência objectiva deste imposto prevista nesta norma.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Amândio Silva e Jónatas Machado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., divorciada, titular do número de identificação fiscal ..., e B..., divorciado, titular do número de identificação fiscal ..., residentes na Rua ..., ..., ...-... Lisboa (“Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, alínea c), 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação n.º 2024..., de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e de juros compensatórios, constante da demonstração de acerto de contas 2024 ..., referente ao ano de 2021, no montante total de € 125.285,31, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado pelos Requerentes no dia 21 de Outubro de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram notificadas dessa designação em 11 de Dezembro de 2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 2 de Janeiro de 2025.
6. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta, no dia 29 de Janeiro de 2025, tendo-se defendido por impugnação.
7. Em tal resposta, a Requerida pugnou, a final, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes, com a consequente absolvição da Requerida do pedido aí formulado.
8. Nessa ocasião, a Requerida juntou ainda o processo administrativo.
9. Em 31 de Janeiro de 2025, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, e a notificar as partes para, querendo, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias.
10. Os Requerentes e a Requerida apresentaram as suas alegações escritas, no dia 19 de Fevereiro de 2025.
II. POSIÇÕES DAS PARTES
§1 Posição da Requerente
11. Os fundamentos apresentados pelos Requerentes, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:
i. A Requerente A... não vendeu qualquer bem imóvel;
ii. A Requerente A... vendeu um quinhão hereditário que lhe adveio do falecimento da sua avó;
iii. Tendo vendido um quinhão hereditário, vendeu o direito a uma herança indivisa ou a um património autónomo, constituído por bens imóveis, bens móveis e direitos;
iv. Só após a partilha é que serão definidos os bens que concretamente lhe pertencerão, ou que preencherão o seu quinhão hereditário;
v. O seu direito ao quinhão hereditário poderá ser preenchido com bens móveis ou quaisquer outros;
vi. A lei Portuguesa não confere aos herdeiros a propriedade sobre os bens imóveis que integram a herança;
vii. O direito à herança indivisa é um direito abstractamente considerado e idealmente definido, sendo uma “universalidade”;
viii. O direito à herança indivisa não incide sobre qualquer bem em concreto, que integre esse património comum, seja móvel, imóvel, ou um direito;
ix. O herdeiro, até à partilha, não tem um direito de propriedade sobre cada um dos bens que integram a herança e, consequentemente, sobre cada um dos bens móveis ou bens imóveis que integram a herança ilíquida e indivisa;
x. O direito, ao uso e fruição de modo pleno dos bens imóveis, integrantes da herança, por parte do herdeiro está limitado;
xi. A situação do herdeiro não é idêntica à do titular do bem imóvel que alienou um imóvel;
xii. A alienação de um quinhão hereditário não é enquadrável na previsão do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, não sendo passível de ser tributado a título de mais valias ou como rendimento da categoria “G”;
xiii. Enquanto o Código do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (“IMT”) tem uma norma expressa para a liquidação deste imposto, aquando da alienação de quinhão hereditário, quando englobando imóveis, não há norma idêntica em sede de IRS, no que respeita à tributação de mais valias resultantes dos ganhos realizados pela venda de imóveis integrantes da herança, quando da venda de quinhão hereditário;
xiv. A liquidação de IRS e de juros compensatórios é ilegal;
xv. Há jurisprudência judicial e arbitral que confirma o entendimento dos Requerentes.
§2 Posição da Requerida
12. Por seu turno, a Requerida contestou a posição da Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:
i. As mais-valias geradas com a alienação do quinhão hereditário por parte da Requerente A... stão sujeitas a tributação, em sede de IRS, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS;
ii. A herança traduz-se no conjunto de bens, direitos e dívidas da titularidade do de cujus, sendo que esta universalidade, este património, assume natureza jurídica autónoma até à sua transferência para os herdeiros com direito legal a esta e na respectiva quota;
iii. A partilha de bens, que se segue à habilitação dos herdeiros, permite a individualização na esfera de cada um do acervo hereditário;
iv. Até à “individualização” / partilha, configura-se o que se pode identificar como uma comunhão hereditária ao património indiviso e ilíquido que preenche a herança, admitindo a lei que os herdeiros, na sua totalidade, possam promover a alienação deste acervo indiviso, no seu todo ou apenas de uma parte, revestindo esta actividade a forma legal inerente ao negócio celebrado para os bens envolvidos;
v. Segundo o Código Civil, é possível a alienação do quinhão hereditário, sem que exista uma partilha ou especificação de bens, desde que realizada conjuntamente por todos os herdeiros, que consentiram no negócio, aplicando-se a essa alienação as disposições reguladoras do negócio jurídico utilizado para o efeito;
vi. A Requerente A... adquiriu o domínio e a posse dos bens da herança no momento da sua aceitação;
vii. Decorre da escritura pública de compra e venda que a alienação do dito quinhão foi outorgada com o consentimento de todos os herdeiros, que igualmente alienaram os seus quinhões, pagando, individualmente, o IMT que lhes correspondia;
viii. Todos os herdeiros da herança de C... deram o seu consentimento na venda dos imóveis, constando da escritura como alienantes e na qualidade de titulares de um direito real bastante que lhes permitia vender tais imóveis;
ix. O quinhão hereditário da Requerente A... traduziu-se no direito de propriedade sobre uma quota dos imóveis da herança, a que, concretamente, foi atribuído o valor de € 524.305,43;
x. Tratando-se de um quinhão hereditário de um acervo imobiliário e do respectivo direito de propriedade sobre o mesmo, à sua alienação aplicam-se (e aplicaram-se) as regras do respectivo negócio jurídico necessário para o vender, ou seja, um contrato de compra e venda;
xi. Existindo uma cessão/alienação do quinhão, sendo este indiviso, necessariamente que o seu objecto teria se respeitar à universalidade jurídica de direitos e bens abstractamente considerados e só idealmente definidos na parcela de cada herdeiro, sendo que, no caso, os bens que preenchem essa universalidade correspondem aos prédios objecto de alienação;
xii. O entendimento de que o legislador pretendeu efectivamente considerar para a alienação dos quinhões hereditários como sujeita a tributação decorre também do facto de o Código do IRS no que se refere à determinação dos valores de aquisição a considerar para efeitos do apuramento de mais valia (como no caso do artigo 46.º CIRS: determinação do valor de aquisição onerosa) remeter para o disposto em sede do Código do IMT, sendo que este código no seu artigo 2.º, n.º 5, prevê a alienação dos quinhões hereditários que compreendam bens imóveis;
xiii. Mesmo que os imóveis objecto de alienação em 2021 não configurassem mais do que alguns dos elementos do acervo hereditário, tal não implicaria um distinto posicionamento relativamente ao seu enquadramento em sede de sujeição do eventual ganho, i.e., seria uma alienação de bens imóveis passível de gerar ganhos sujeitos ao abrigo do artigo 10.º, do Código do IRS, e não de uma transmissão onerosa do quinhão hereditário como se concretizou;
xiv. Este entendimento segue a Informação Vinculativa n.º 26186, a qual abordou o tema da transmissão de quinhões hereditários;
xv. Através da escritura pública celebrada em 28/07/2021, foi vendido todo o acervo imobiliário que integrava a herança, correspondendo o quinhão alienado pela Requerente A..., bem como os dos demais herdeiros/outorgantes, ao preço porque foram vendidos os respectivos prédios;
xvi. E os Requerentes, bem como os demais herdeiros, receberam na sua esfera jurídica pessoal o valor correspondente, face à quota atribuída, cumprindo, a Requerente A... e cada um dos herdeiros, com os respectivos encargos fiscais em sede de IMT, porque se tratava de uma alienação de bens imóveis, e tão só bens imóveis;
xvii. Outro entendimento que exclua de tributação a situação em apreço, seria violador do princípio da igualdade, pois nos casos em que os herdeiros celebram partilha, são tributados pelos ganhos auferidos com a alienação dos imóveis.
xviii. Foi também este o entendimento secundado por um tribunal arbitral constituído no seio do CAAD.
III. SANEAMENTO
13. O pedido foi tempestivamente apresentado, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
14. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT.
15. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
16. Em tudo o que de mais possa relevar para a boa decisão da causa, o processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
IV. MATÉRIA DE FACTO
§1 Fundamentação da fixação da matéria de facto
17. O Tribunal Arbitral tem o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
18. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
19. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente a prova documental junta aos autos pelos Requerentes, do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, tendo os mesmos sido apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
20. Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
§2 - Factos provados
21. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
i. A Requerente A... é uma das herdeiras da herança aberta por óbito de C..., sua avó, ocorrido em 20 de Novembro de 2002;
ii. Em 28 de Janeiro de 2003, através de escritura pública de habilitação de herdeiros, sucederam a C... os seus filhos e netos, nomeadamente a Requerente A...;
iii. Em 28 de Julho de 2021, através de escritura pública de compra e venda, a Requerente A..., conjuntamente com os demais herdeiros, procedeu à venda da totalidade do acervo hereditário que compunha aquela herança à sociedade D... Lda. (“D...”);
iv. O preço acordado pelas partes para a realização desse negócio de compra e venda do acervo hereditário ascendeu ao montante de € 7.580.000,00;
v. A D..., na escritura pública de compra e venda, dividiu o montante de € 7.580.000,00, em relação aos bens imóveis, pelos diferentes quinhões hereditários que adquiriu;
vi. Cada um dos alienantes recebeu o preço correspondente à sua quota-parte na herança;
vii. O valor atribuído à Requerente B... em resultado da venda do seu quinhão hereditário ascendeu ao montante de € 524.305,43,
viii. A aquisição do acervo hereditário deu origem à liquidação e pagamento de IMT e de Imposto do Selo por parte da D...;
ix. O acervo hereditário alienado era constituído, quase integralmente, por bens imóveis, correspondendo estes bens ao montante de € 7.549.998,05 face ao preço total acordado - € 7.580.000,00 - para a compra e venda do acervo hereditário;
x. A Requerente B..., na declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2021, não apresentou o Anexo G - Rendimentos de mais-valias imobiliárias;
xi. A Requerida enviou à Requerente B... o Ofício n.º 2024..., de 12 de Julho de 2024, informando-a de que a declaração de rendimentos do ano de 2021 estava em análise por falta de preenchimento do anexo G, atenta a escritura publica de 28 de Julho de 2021 na qual a Requerente B... tinha alienado a quota-parte da herança indivisa por óbito de C..., pelo preço de 524.305,43€, pelo que “A herança em causa foi transmitida elo sujeito passivo e pelos restantes herdeiros como um todo; pelo que os ganhos obtidos com essa transmissão, na parte respeitantes aos bens imóveis, cabem no âmbito da al. a) do nº 1 do artigo 10º do código do IRS, pelo que se encontram sujeitos a tributação em sede de IRS.
Para determinação dos ganhos, deve ser considerado como valor de realização o valor considerado para liquidação de IMT.
Fica assim deste modo e por este meio notificada, de que nos termos do artigo 60º da Lei Geral tributária e artigo 128 do Código do IRS de que deverá no prazo de 15 dias, a contar do 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse – artigo 39º do CPPT entregar declaração de substituição e acrescer o preenchimento do anexo “G”.
Mais se informa de que se decorrido o prazo mencionado, não se encontrar entregue a declaração de substituição, prosseguirá o processo para correção de valores pelos serviços, com aplicação das respetivas penalizações que ao caso couberem.”.
xii. A Requerente A... não apresentou declaração de substituição da Declaração Modelo 3, de IRS, referente ao ano de 2021;
xiii. A Requerida elaborou uma declaração oficiosa da Declaração Modelo 3, de IRS, referente ao ano de 2021, com a inclusão do Anexo G, nos seguintes termos:



xiv. Em 8 de Outubro de 2024, os Requerentes foram notificados da liquidação oficiosa de IRS com o número 2024 ..., no valor total de € 125.285,31, sendo € 114.842,05 referentes a imposto em dívida e € 10.443,26, referentes a juros compensatórios;
xv. Em 10 de Outubro de 2024, os Requerentes foram notificados para proceder ao pagamento do valor liquidado a título de IRS e juros até ao dia 21 de Novembro de 2024;
xvi. Os Requerente não pagaram o valor de € 125.285,31, constante da liquidação oficiosa com o número 2024....;
xvii. A Requerida instaurou processo de execução fiscal contra os Requerentes, o qual corre termos sob o n.º ...2024...; e
xviii. Para garantir o pagamento da quantia exequenda ao abrigo do processo de execução fiscal mencionado em xvii., os Requerente, através de escritura pública datada de 13 de Janeiro de 2025, constituíram hipoteca voluntária, a favor da Requerida, sobre a fracção autónoma designada pela letra “L” correspondente ao segundo andar esquerdo, destinado a habitação e estacionamento número 4 na cave, do prédio urbano sito na Rua ..., números ... e..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ..., da referida freguesia, com registo a favor dos Requerentes nos termos da inscrição Ap... de 26.10.2021, inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... .
§3 - Factos não provados
22. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que se tenham considerado não provados.
V. MATÉRIA DE DIREITO
23. Passando-se à apreciação do mérito da causa a analisar nos presentes autos, entende-se que a matéria controvertida que foi sujeita à apreciação deste Tribunal se resume a apreciar a legalidade da liquidação oficiosa de IRS e juros compensatórios incidente sobre os ganhos resultantes da alienação do quinhão hereditário (composto maioritariamente por bens imóveis), ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.
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Então vejamos,
§1 - Normas legais relevantes
24. Passando-se, agora, à apreciação da questão central a analisar nos presentes autos, crê-se que importa fixar a base legal relevante, tendo por referência o que se encontrava consagrado na legislação fiscal relevante, à data dos factos tributários aqui em causa:
i. Artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS:
“1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”;
ii. Artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS:
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.
§2 - Da tributação de mais-valias decorrentes da alienação de quinhão hereditário
25. Em relação a esta questão, em face do enquadramento legislativo acima citado e dada a matéria de facto dada por provada nestes autos, desde já se anuncia que se subscreve a posição que os Requerentes pugnaram nestes autos no sentido da ilegalidade do acto de liquidação por si contestado.
26. De resto, é este o entendimento que tem sido seguido também por inúmera jurisprudência arbitral em casos em tudo idênticos ao descrito nos presentes autos, mormente nas decisões proferidas em 09.04.2025, no processo n.º 1138/2024-T, em 29.11.2024, no processo n.º 444/2024-T, em 18.11.2024, no processo n.º 593/2024-T, em 24.09.2024, no processo n.º 525/2023-T, em 17.07.2024, no processo n.º 301/2024-T, em 18.01.2024, no processo n.º 524/2023-T, e em 23.12.2022, no processo n.º 247/2022-T.
27. A título exemplificativo, na supra mencionada decisão arbitral, proferida em 18.11.2024, no âmbito do processo n.º 593/2024-T, é expresso que “cabe deixar claro que a norma de incidência não admite interpretação extensiva nem analógica e o critério económico tem de ter respaldo legal – cfr. artigo 11.º da LGT.
Ora, alienar um direito sobre um património autónomo (herança) constituído por direitos e deveres não é a mesma coisa que alienar um direito de propriedade ou afim sobre um ou mais imóveis, mesmo que a herança seja constituída apenas por imóveis. Não estando a alienação de herança prevista na norma de incidência das transmissões de direitos sobre imóveis não é possível tributá-la em sede de categoria G em IRS por força do princípio da tipicidade da lei fiscal”.
28. Este entendimento seguido pela jurisprudência arbitral acima enunciada tem, de resto, encontrado respaldo na jurisprudência relevante, nomeadamente na que vem sendo produzida pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de que os acórdãos proferidos nos processos n.º 0975/09, de 25 de Novembro de 2009, no processo n.º 0450/13, de 28 de Janeiro de 2015, no processo n.º 01863/13, de 15 de Junho de 2016, no processo n.º 05/09.6BESNT, de 24 de Fevereiro de 2021, e, mais recentemente, no processo n.º 82/19, de 12 de Fevereiro de 2025, são exemplo.
29. Recorre-se, de resto, aos ensinamentos detalhadamente enunciados pelo STA neste último acórdão para melhor se elucidar qual tem sido a posição largamente maioritária da jurisprudência nesta matéria:
“A norma posta em evidência nos autos - art. 10º nº 1 al. a) do CIRS -, na redacção em vigor à data dos factos, determina que “[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (…) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”.
Desde logo, com interesse para a matéria dos autos, cabe notar que, nos termos do art. 2030º n.º 2 do C. Civil, herdeiro é o “que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados”, ou seja, o herdeiro sucede no património enquanto universalidade ou sucessor universal, quer seja no seu todo - totalidade do património do de cujus - quer seja numa quota do património do de cujus.
Neste ponto, tal como aponta Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 6.ª Ed., Coimbra Editora, 1991, pág. 189, diga-se que “em resumo (...) herdeiro é o que sucede no “universum ius” do falecido ou numa quota desse “universum ius”, entendendo por este o património como unidade jurídica. Num caso ou noutro há sucessão universal. A diferença está em que no primeiro caso a universalidade fica a pertencer a um só herdeiro, ao passo que no segundo fica a pertencer a dois ou mais, e então cada um tem uma quota.”.
A partir daqui, só é possível a um herdeiro transmitir a sua quota parte na universalidade - universalidade que é o património uno e indiviso do de cujus, conjunto abstrato - enquanto se permanecer em tal indivisão, no sentido de que a alienação do quinhão hereditário só é possível até à partilha da herança, na medida em que, uma vez partilhada a herança (e sendo a partilha o acto pelo qual são adjudicados bens concretos da herança a cada herdeiro para preenchimento do respectivo quinhão) por definição deixa de existir quinhão hereditário, até porque, por efeito da partilha, os bens que tiverem vindo preencher o respectivo quinhão hereditário confundem-se, então, com o património pessoal do herdeiro.
Nestas condições, tendo presente o art. 2124º do C. Civil, o que o herdeiro transmite é o direito à herança, o “direito de quinhão hereditário”, que traduz uma quota-parte ideal da herança.
Na verdade, tal como refere Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 1997, pág. 98, “Pela alienação de quinhão hereditário indiviso transfere-se para o adquirente o direito de quinhão em causa, que abrange, v. g., direitos de gestão (art. 2091º do CCiv), direitos à recepção de rendimentos (art. 2092.º, CCiv) e direitos de exigir a partilha e de composição da quota (art. 2101.º, CCiv).(...)”.
Com este pano de fundo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 25-11-2009, Proc. nº 0975/09, www.dgsi.pt concluiu que:
“I - Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram.
II - Assim, porque a alienação (…) de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, não estão sujeitos a IRS os eventuais ganhos resultantes dessa alienação. (…)”
Com efeito, “(…) só com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respectiva natureza) que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade (singular ou em compropriedade) sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes”.
Nesta sequência, importa também ter presente o Acórdão deste Supremo Tribunal de 28-01-2015, Proc. nº 0450/14, www.dgsi.pt, onde se ponderou que: “…
Como bem se refere na sentença recorrida é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que “enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram”. (Acórdão do STJ, de 07.05.2009 - Processo nº 08B3572 que aqui seguimos. Em sentido idêntico, entre outros, v. os Acórdãos da Relação do Porto, de 04.03.2002 - Processo nº 0151906 e da Relação de Lisboa, de 12.06.96 - Processo nº 1936 e de 26.11.96 - Processo nº 740.)
Efectivamente só com a partilha é que o herdeiro é considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos cfr artigo 2119 do CC.
Embora cada um dos herdeiros tenha desde a abertura da sucessão direito a uma parte ideal da herança, é apenas com a partilha que esse direito se concretiza tornando certos e determinados os bens que couberem aos herdeiros.
E só após a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem. E, ainda que a herança seja constituída por bens imóveis, só com a partilha passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes.
No caso dos autos, como se referiu, com a cessão foi transmitido o direito ao quinhão hereditário pelo que o que se transmite é, como se refere no Ac. do STJ de 09.02.2012 - Proc. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, “um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras”.
Não ocorreu, portanto, uma alienação de imóveis concretamente identificados, até porque só com a realização da partilha seria possível estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais imóveis. Como se referiu já no acórdão de 25 11 2009 do STA in processo 0975/09 citado na sentença sob recurso “Assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente a sua situação jurídica não é igual à do proprietário, o qual dispõe de direito pleno sobre o bem que pretende alienar, pelo que não estamos perante a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis” a que se refere o citado artº 10º do CIRS.
E face à clareza da norma da incidência - artigo 10 do CIRS al a) em causa, não há também que fazer apelo ao critério económico que o artigo 11/3 da LGT consagra, já que a tal subsidariedade só é de acorrer quando persistir dúvida sobre o sentido da norma de incidência a interpretar, o que, aqui, manifestamente, não ocorre. …”.
Por outro lado, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 15-06-2016, Proc. nº 01863/13, www.dgsi.pt, dá nota que “… constituindo a herança indivisa uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens (art. 2119° do CCivil), estamos em presença de um «património autónomo» partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos co-herdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão. Na expressão do acórdão do STJ, de 21/4/2009, proc. n.º 635/09 «… até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito “a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 347-348, e Vol. VI, pág. 160, Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pág. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, pág. 196, nº 87, pág. 126 e nº 88, pág. 95)". Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. (…) A partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195 -196 e 203).» …”.
Ora, como já ficou dito, o art. 10º nº 1 al. a) do CIRS -, na redacção em vigor à data dos factos, determina que “[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (…) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”, impondo-se ter presente que a norma de incidência não admite interpretação extensiva nem analógica e o critério económico tem de ter respaldo legal - art. 11º da LGT.
Pois bem, a transmissão do quinhão hereditário da herança quando integrada por bens imóveis, como é o caso, é distinta da alienação do direito de propriedade que o proprietário ou o comproprietário detém sobre bens imóveis, o que significa que a situação em causa não se enquadra no citado preceito do CIRS, porquanto, in casu, não ocorreu uma transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sendo que emerge do preceito em apreço que a norma de incidência tributária incide sobre a “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis” e não sobre o direito ao quinhão hereditário, o que equivale a dizer que a sua alienação em causa não está sujeita a tributação em sede de mais-valias no âmbito do IRS, dado que, com a cessão de quinhão hereditário transmite-se um direito abstractamente considerado e idealmente definido e só com a realização da partilha é que se pode estabelecer a titularidade do direito de propriedade sobre tais bens imóveis.
Em suma, alienar um direito sobre um património autónomo (herança) não é a mesma coisa do que alienar um direito de propriedade ou afim sobre um ou mais imóveis, mesmo que a herança seja constituída apenas por imóveis e não estando a alienação de herança prevista na norma de incidência das transmissões de direitos sobre imóveis não é possível tributá-la em sede de categoria G em IRS por força do princípio da tipicidade da lei fiscal.
Diga-se ainda, tal como decidido, que se os efeitos da partilha retroagem à abertura da herança, sendo o herdeiro considerado o sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, significa que todos os demais - incluindo aqueles a que sucedeu (a qualquer título) e aqueles a quem não foram atribuídos os bens - não relevam em matéria de retroactividade da partilha, tendo em atenção a natureza do direito ao quinhão hereditário, enquanto “(…) um direito abstractamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta e cujas demarcação e abrangência também se patenteiam inseguras” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 9 de fevereiro de 2012 no processo n.º 2752/07.8TBTVD.L1.S1”, de modo que, assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente, a qual não corresponde, não se reconduz ou equivale à de proprietário, pois não dispõe nem passou a dispor de direito pleno sobre qualquer bem imóvel (o que se aferirá, sendo caso disso, em sede de futura partilha), evidencia-se que não ocorreu qualquer alienação de bens imóveis, não se verificando a situação prevista na alínea a) do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pois que é apenas com a partilha da herança (a qual não é controvertido que não ocorreu) que o direito a uma parte ideal de cada herdeiro se concretiza, tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro, de modo que, resulta manifesto que não merece censura o exposto na decisão recorrida, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso”.
30. Aliás, na esteira deste seu acórdão acima citado, o STA, no Pleno da Secção do Contencioso Tributário, veio a proferir acórdão de uniformização de jurisprudência, no processo n.º 033/24.1BALSB, datado de 29 de Abril de 2025, nos termos do qual conclui o seguinte:
“A alienação de quinhão hereditário não configura “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, pelo que não estão sujeitos a este imposto os eventuais ganhos resultantes dessa alienação”.
31. Como tal, dada a existência de tão prolífera e relevante jurisprudência, deverá a mesma aqui ser tida em consideração, por respeito aos princípios da segurança jurídica e da uniformização da jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.
32. Uma vez que a reprodução dos argumentos acabados de citar traduziria um acto inútil para o processo e nessa medida proibido (artigo 130.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), importa, ainda assim, tê-los bem presentes na sua aplicação ao caso concreto dos presentes autos.
33. Nestes termos, adere o presente Tribunal Arbitral aos argumentos constantes daquelas decisões arbitrais e da jurisprudência proferida pelo STA (mormente a que decorre do recente acórdão uniformizador de jurisprudência melhor identificado e citado supra).
34. Por conseguinte, conclui-se que a correcção promovida pela Requerida é ilegal, por erro nos pressupostos de Facto e de Direito, decorrente de uma errónea interpretação e aplicação do enunciado no artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRS, e que o acto de liquidação n.º 2024..., de IRS e de juros compensatórios, constante da demonstração de acerto de contas n.º 2024..., referente ao ano de 2021, no montante total de € 125.285,31, emitido pela Requerida, deve ser anulado.
35. Em face do exposto, julga-se procedente o pedido formulado pelos Requerentes no que a esta matéria diz respeito.
§3 - Da indemnização por prestação de garantia indevida
36. Decorre da matéria de facto dado como provada que os Requerentes constituíram hipoteca voluntária, a favor da Requerida, sobre o imóvel melhor descrito supra no ponto xviii, da secção “Factos Provados”, do capítulo “MATÉRIA DE FACTO”, que é propriedade daqueles, para efeitos de garantirem o pagamento da quantia exequenda associada ao processo de execução fiscal que lhes foi instaurado pela Requerida.
37. Decorre do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes (e, mais tarde, reiterado por estes em sede de alegações) que os mesmos pretendem ser indemnizados pelos encargos que suportaram em resultado da prestação dessa garantia.
38. Ora, efectivamente, o artigo 53.º, da LGT, prevê a possibilidade de haver lugar ao pagamento de uma indemnização aos sujeitos passivos, devedores, que tenham oferecido, indevidamente, garantia com vista à suspensão de processo de execução de fiscal.
39. Prescreve esta norma, nos seguintes moldes:
“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”.
40. Tendo presente esta norma, coloca-se a questão de saber se a constituição de uma hipoteca voluntária – como aquela que foi constituída pelos Requerentes – pode ou não considerar-se como similar à “garantia bancária ou equivalente” a que tal norma faz referência.
41. Em relação a esta matéria, há que atender àquela que vem sendo a opinião professada pela relevante doutrina e jurisprudência.
42. Assim, Jorge Lopes de Sousa (cfr. “Código de Procedimento e de Processo Tributário” anotado e comentado, Volume III, 6.ª edição, 2011, pág. 242) refere o seguinte:
“Ora, dando atenção ao probatório, supra destacado, somos levados a concordar que tendo a garantia sido prestada através de hipoteca não se verifica o primeiro requisito a que se refere o preceito por nós citado o qual se refere apenas a “garantia bancária ou equivalente”, tendo vindo a entender-se que cabe nesta equivalência o seguro caução (este é também uma forma de garantia que implica para o interessado o suporte de uma despesa que vai aumento constantemente em função do período de tempo durante o qual é prestado/mantido).
Assim sendo não se inclui na previsão legal de indemnização por prestação de garantia indevida o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal)”.
43. Tendo presente este ensinamento, também o STA tem professado o entendimento de que o disposto no artigo 53.º, da LGT, não é aplicável ao caso das hipotecas voluntárias.
44. Veja-se, a este respeito, o acórdão do STA, de 10.10.2018, proferido no processo n.º 0469/14.6BELRS 033/18, no qual se decidiu nos seguintes termos:
“I- No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos dos artºs 53º nº 1 da LGT e 171º do CPPT.
II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.
III - É, no entanto, certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Assim é de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efectuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido (este deve especificar os concretos prejuízos) à semelhança do que estipula o artº 53º nº 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução”.
45. Em face do acima exposto e partilhando-se o mesmo entendimento professado pelo STA, não sendo a hipoteca voluntária considerada equivalente à garantia bancária a que o artigo 53.º, da LGT, alude, julga-se, nesta sede, improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida apresentado pelos Requerentes.
§3 - Do pagamento de juros indemnizatórios
46. No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes peticionaram ainda o pagamento de “juros indemnizatórios, desde a sua constituição, a liquidar em execução de sentença”.
47. A este respeito, nota-se que, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
48. Ora, há que ter presente que foram os próprios Requerentes a confessar, no seu pedido de pronúncia arbitral, que não “possuem liquidez para o pagamento” da dívida tributária decorrente do acto de liquidação ora impugnado.
49. Terá sido, de resto, essa falta de liquidez confessada pelos Requerente que terá motivado os mesmos a constituírem garantia, em prol da Requerida, sob a forma de hipoteca voluntária, para suspenderem os efeitos do processo de execução fiscal que lhes havia sido instaurado por esta.
50. Tendo isto presente e nada mais decorrendo dos autos que permita a este tribunal alcançar conclusão diversa, há que concluir que os Requerentes não chegaram a realizar o pagamento da dívida tributária que resultou do acto de liquidação de IRS e juros compensatórios aqui posto em causa.
51. Nesse sentido, e sem mais, há que julgar improcedente o pedido dos Requerentes de que lhes sejam pagos juros indemnizatórios por parte da Requerida.
VI. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte respeitante à declaração de ilegalidade do acto de liquidação n.º 2024..., de IRS e de juros compensatórios, constante da demonstração de acerto de contas 2024..., referente ao ano de 2021, no montante total de € 125.285,31, emitido pela Requerida, o qual deverá ser anulado;
b) Julgar improcedentes os demais pedidos formulados pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral, no que tange ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida e de juros indemnizatórios;
c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VII. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 125.285,31 (cento e vinte e cinco mil duzentos e oitenta e cinco euros e trinta e um cêntimos).
VIII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Junho de 2025
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Árbitro Presidente e Relatora)
Amândio Silva
(Árbitro Vogal)
Jónatas Machado
(Árbitro Vogal)