DECISÃO ARBITRAL
CAAD – Arbitragem Tributária
PROCESSO ARBITRAL N.º 546/2014-T
Tema: Imposto de Selo. Terreno para construção. Verba 28.1 da TGIS.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
Objeto do litígio:
1. A – ..., SA, sujeito passivo com o NIPC …, com sede na Rua …, Porto, apresentou no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para declaração da ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto de Selo – verba 28.1, da TGIS, com o valor global de € 28 814,00, relativas ao ano de 2013 e aos prédios urbanos inscritos na matriz predial da freguesia de …, concelho do Porto, sob os artigos … e …, da área do Serviço de Finanças de Porto 5;
2. Cumulativamente, é peticionada a declaração de erro imputável aos serviços na emissão das liquidações impugnadas, bem como a restituição do Imposto de Selo pago e a pagar durante o ano civil de 2014, acrescido dos juros indemnizatórios devidos;
3. O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 28 de julho de 2014, tendo a AT sido automaticamente notificada do mesmo, em 30 de julho de 2014;
4. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, foi a signatária designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral, encargo que aceitou nos termos legalmente previstos.
Matéria de facto:
Em síntese, a Requerente sustenta a sua pretensão na seguinte matéria de facto:
a) As liquidações de Imposto de Selo, do ano de 2013, a que se referem os autos, foram emitidas em 17 de março de 2014, para pagamento em três prestações, durante os meses de abril, julho e novembro do mesmo ano, respetivamente, contêm os seguintes elementos de identificação, conforme os documentos juntos à petição inicial:
Descrição do prédio
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Verba da TGIS
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Valor Patrimonial (€)
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Quota-Parte
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Valor isento
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Taxa
(%)
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Coleta (€)
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…
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28.1
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1 382 230,00
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1/1
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0,00
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1,00
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13 822,30
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…
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28.1
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1 499 170,00
|
1/1
|
0,00
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1,00
|
14 991,70
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b) Os prédios a que respeitam as liquidações de Imposto de Selo impugnadas, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos … e … da freguesia de …, concelho do Porto, de que é proprietária, encontram-se classificados, de acordo com as respetivas cadernetas prediais, como terrenos para construção, o que coincide com a realidade física existente;
c) As notas de cobrança com os n.ºs 2014 …, da quantia de € 4 607,44 (referente à primeira prestação da liquidação de Imposto de Selo relativa ao prédio inscrito sob o artigo …) e 2014 …, da quantia de € 4 997,24 (relativa à primeira prestação da liquidação de Imposto de Selo referente ao prédio inscrito sob o artigo …), não contêm outra fundamentação, para além dos elementos já indicados e do ano a que respeita a liquidação (2013);
d) A primeira prestação de cada uma das liquidações identificadas no requerimento arbitral foi paga em 5 de maio de 2014.
Factos Provados: A convicção do Tribunal quanto aos factos enunciados supra, que se consideram provados, deriva da análise do requerimento arbitral e dos documentos a ele anexos (cópias das notas de cobrança referentes à primeira prestação de cada uma das liquidações identificadas, cópias das cadernetas prediais e certidões do registo predial dos prédios objeto de tributação, que aqui se dão por reproduzidos), bem como da referência que lhes é feita na resposta prestada pela AT.
Para além dos factos acima enunciados, considera-se ainda provado o pagamento da terceira prestação de cada uma das liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, em 5 de dezembro de 2014, das quantias de € 4 697,43 (nota de cobrança n.º 2014 …) e de € 4 997,23 (nota de cobrança n.º 2014 …), conforme a prova documental apresentada posteriormente.
Factos não provados: Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
II – SANEAMENTO:
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído no CAAD, no dia 1 de outubro de 2014, e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.
Por despacho de 1 de outubro de 2014, foi o dirigente máximo dos serviços da AT notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT. Tendo sido atempadamente prestada resposta por parte da AT, veio esta requer dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT e de produção de prova adicional, por não terem sido invocadas exceções e se considerar ser a questão suscitada nos autos de natureza estritamente jurídica, pelo que o Tribunal poderia conhecer imediatamente do pedido.
Notificada da resposta e requerimento da AT, também a Requerente prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, bem como da produção de alegações, quer orais quer escritas.
III – FUNDAMENTAÇÃO:
Questões a decidir:
A questão principal trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a norma de incidência da verba nº 28.l., da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), na redação originária, dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, abrange terrenos para construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 ou se estes podem integrar o conceito de prédios urbanos “com afetação habitacional”, condição de aplicabilidade da referida verba.
A argumentação expendida pela Requerente, em que são invocados a não aplicabilidade às liquidações impugnadas da verba 28.1., da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31, de dezembro; o erro nos pressupostos da aplicação da mesma norma, na redação dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro e, ainda, o vício de falta de fundamentação, bem como o erro da AT na emissão das mesmas liquidações, que justifica a sua anulação e o ressarcimento do sujeito passivo através de juros indemnizatórios sobre as quantias pagas, é, resumidamente, a seguinte:
I – Da aplicação da lei no tempo
· “Vem o presente pedido de pronúncia arbitral interposto das liquidações de Imposto de Selo previsto na verba 28 da Tabela Geral com a redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro [artigo 194.º]” – negrito no original (artigo 1.º, da p. i.);
· “De acordo com o n.º 3 do artigo 103.º da CRP «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja cobrança e liquidação não se façam nos termos da lei»” – negrito e sublinhado no original (artigo 14.º, da p. i.);
· “Daqui resulta que, em virtude do referido normativo, o legislador está impedido de criar ou aumentar retroativamente os impostos.” – negrito no original (artigo 15.º, da p. i.);
· “no caso em apreço, é a propriedade dos prédios urbanos em crise a 31 de dezembro de 2013 que a norma de incidência real define como facto gerador da imposição do IS e, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014, i. e., em data posterior ao facto gerador de Imposto de Selo” – (artigos 17.º e 18.º, da p. i.);
· “ de acordo com o critério estabelecido no n.º 2, do art. 12.º da LGT, segundo o qual a nova redação da Tabela Geral do Imposto de Selo, introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, apenas se aplicará ao facto tributário, cuja verificação, tenha ocorrido em momento posterior à sua entrada em vigor (…)” – artigo 19, da p. i.);
· “partindo da certeza de que o facto gerador do imposto se verificou no dia 31 de dezembro de 2013, as liquidações do imposto em apreço, deverão ser reguladas pelo regime consagrado na Tabela Geral de Imposto de Selo com a redação introduzida pela Lei 55-A/2012, dado que o facto gerador de imposto se verificou no período da sua vigência.” – (artigos 20.º e 21.º, da p. i.);
· “Neste contexto, cumpre analisar a legalidade das liquidações sub judice ao abrigo da supracitada lei, que a seguir se identificará” – (artigo 22.º, da p. i.);
II – Erro quanto aos pressupostos
· “Os prédios urbanos em que radica a tributação em Imposto de Selo são, no que concerne à sua descrição, «terrenos para construção», cuja capacidade construtiva está definida no capítulo dedicado às «Áreas», igualmente identificado nas cadernetas (…)” – (artigos 23.º a 25.º, da p. i.);
· “Nos terrenos em causa não está edificada qualquer construção, integrando o ativo da Contribuinte com o propósito de efetuar futuramente operações de promoção imobiliária” (artigo 26.º, da p. i.);
· “Do ponto de vista do seu conceito e configuração, consideram-se «terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos». – art. 6.º n.º 3 do CIMI”– (artigo 30.º, da p. i. );
· “confrontada a natureza dos prédios com a definição legal que resulta do CIMI e com a norma de incidência prevista na Verba 28 da TGIS, facilmente se percebe que as liquidações em crise não dispõem de norma habilitante.” – (artigo 32.º, da p. i.);
· A Verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo tem a seguinte redação, que lhe foi aditada pelo art. 3.º da Lei 55-A/2012, de 29/10:
« 28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI»
E a verba 28.1 dispõe: «Por prédio com afetação habitacional»” – negrito e sublinhado no original (artigos 33.º e 34.º, da p. i.);
· “A Lei citada (…) não estabelece[ndo] qualquer definição do que se deve entender por prédio urbano com afetação habitacional. Assim, na falta de conceito legal, e tendo em conta a unidade do sistema jurídico e o Princípio da Universalidade que se pretendeu introduzir com a entrada em vigor do CIMI, o conceito de «afetação habitacional» há de ser interpretado e integrado de harmonia com as regras constantes do CIMI, quanto à espécie de prédios urbanos” – artigos 36.º a 38.º, da p. i.);
· “Sobre esta matéria o CIMI classifica os prédios urbanos em a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção (…). Daqui flui que o conceito de prédio habitacional não é difuso, estando submetido a um de dois pressupostos: d) existência de licença camarária para fim habitacional; e) utilização ou destino normal a habitação.” – (artigos 39.º a 42.º, da p. i.);
· “A expressão «afetação habitacional» que consta da Verba 28, não sendo um conceito autónomo relativamente à classificação do CIMI, terá de ser interpretada à luz das regras vigentes (…), significa necessariamente «os edifícios ou construções para tal licenciados», ou na falta de licença, os que tenham como destino normal a habitação.” – (artigos 43.º a 45.º, da p. i.);
· “(…) reafirma-se, o conceito de prédio com afetação habitacional será o que literalmente resulta do artigo 6.º, n.ºs 1 e 2 do CIMI (…) interpretação, de resto que está em perfeita sintonia com a posição assumida pelos nossos Tribunais.” – (artigos 50.º e 51.º, da p. i.);
· (…) é forçoso concluir que ocorreu um erro quanto aos pressupostos da liquidação, dado que a ATA liquidou IS sobre imóveis que se integram na esfera de «terreno para construção», quando é certo que a norma de incidência real [insuscetível de aplicação analógica, conforme o art. 11.º n.º 2 da LGT] tipifica como facto gerador apenas os prédios com «Afetação habitacional».” – negrito no original (artigos 65.º a 67.º, da p. i.);
· “(…) o que pretendeu o legislador com a Lei 55-A/2012 e com a alteração à Tabela Geral do IS, foi (…) a tributação dos imóveis de luxo. Ocorre, todavia, que os terrenos para construção não são considerados bens de luxo, mas antes bens de investimento afetos a operações de promoção imobiliária.” – (artigos 70.º a 74.º, da p. i.);
III – Vício de Fundamentação
· “Para além de ilegais por erro quanto aos pressupostos, as liquidações recorridas são igualmente ilegais poi vício de fundamentação” – (artigo 84.º, da p. i.);
· “Estas notas de liquidação têm uma configuração em tudo idêntica às do IMI, estando afetadas pelo mesmo vício (…) nas liquidações de IS que estão na mira da presente Impugnação, a ATA parte de imóveis classificados na matriz como «terrenos para construção», para liquidar IS que na norma de incidência é devido pela titularidade de imóvel com «afetação habitacional»” – (artigos 86.º a 88.º, da p. i.);
· “(…) para sustentar a liquidação em causa, a ATA teria que invocar que nos terrenos existe uma edificação licenciada para habitação ou uma edificação que tem como destino normal a habitação, tando mais que o pragmatismo do artigo 41.º do CIMI determina que o elemento relevante para efeitos de aplicação do coeficiente de afetação é o «tipo de utilização de prédios edificados», o que sempre imporia a alegação de factos que evidenciassem essa realidade” – (artigo 89.º, da p. i.);
· “O dever de fundamentação, é uma exigência diretamente decorrente do texto constitucional, nomeadamente do artigo 268.º da CRP que determina que «os atos administrativos estão sujeitos à notificação aos interessados (…) e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem os direitos ou interesses legalmente protegidos».” – (artigo 92.º, da p. i.);
· “Este preceito encontra consagração no Código de Procedimento Administrativo (CPA), nomeadamente no regime estabelecido pelos artigos 124.º e 125.º do referido diploma, dos quais decorre a fundamentação dos «atos administrativos que, total ou parcialmente neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções» (…) «deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato».” – (artigos 93.º a 95.º, da p. i.);
· “(…) a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão (…) nos termos do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo que esta norma legal estabelece um regime legal de fundamentação que vincula a Administração Tributária no dever de facultar a informação ao contribuinte que lhe ermita decidir em consciência sobre a aceitação ou não do ato tributário.” – (artigos 98.º, 101.º e 102.º, da p. i.);
· “De acordo com os artigos 77.º da LGT e 125.º do CPA, se a fundamentação não esclarecer a motivação do ato por obscuridade, contradição ou insuficiência, o ato considera-se não fundamentado (…).” – (artigo 109.º, da p. i.);
· “(…) Analisando as notas de cobrança de Imposto de Selo em causa, conclui-se que a fundamentação nelas contida é inexistente, não permitindo ao contribuinte, ou a um destinatário normal, a reconstituição do itinerário valorativo percorrido pela Administração Tributária que culminou com a decisão de tributar os prédios de que a Contribuinte é proprietária.” – (artigos 130.º a 132.º, da p. i.);
· “(…) Ou seja, a ATA não explica nem fundamenta a liquidação de um imposto que na letra da norma de incidência recai sobre imóveis destinados à afetação habitacional, mas que no caso em apreço está a ser exigido em função da titularidade de «terreno para construção», que constitui uma espécie de prédio urbano completamente distinto de prédios habitacionais.” – (artigos 136.º a 138.º, da p. i.);
· “No caso em apreço ocorria um dever acrescido de fundamentação dado que as liquidações partem de um erro quanto à qualificação dos prédios, cabendo, consequentemente, à ATA explicar por que razão liquidou IS sobre terrenos para construção, quando é certo que a norma habilitante encerra a tributação no domínio dos prédios com afetação habitacional.” – (artigos 141.º e 142.º, da p. i.);
· “Assim, também por esta razão as liquidações em apreço são ilegais por vício de fundamentação.” – (artigo 143.º, da p. i.);
Dos juros indemnizatórios
· “Conforme resulta dos documentos anexos, a requerente pagou em 05/Maio/2014 a primeira prestação do Imposto de Selo impugnado (docs. 7 e 8), no valor global de € 9 604,68 e consigna que pagará as demais prestações que se irão vencer ao longo do ano civil de 2014.” – (artigos 151.º e 152.º, da p. i.);
· “De acordo com o artigo 100.º da LGT, a ATA está obrigada, em caso de procedência [como se espera] da impugnação à reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticada a ilegalidade.” – (artigo 153.º, da p. i.);
· “No caso concreto, a reconstituição da legalidade implica a devolução das quantias pagas.” – (artigo 154.º, da p. i.);
· “Acresce que o mesmo artigo 100.º determina o pagamento de juros indemnizatórios nos termos e condições previstas na lei. De acordo com o artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determinar que houve erro imputado aos Serviços de que resulte o pagamento de dívida superior ao devido, que no caso em apreço corresponde à totalidade.” – (artigos 155.º e 156.º, da p. i.);
· “As liquidações impugnadas decorrem exclusivamente de uma errada aplicação da Verba 28 da TGIS, pelo que é notório o erro imputável aos Serviços, o que deverá ser declarado na decisão a proferir, determinando-se, não só a devolução das quantias pagas, como também o pagamento de juros indemnizatórios, a favor da requerente.” – (artigos 157.º a 159.º, da p. i.).
Na sua resposta, propugnado pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, a AT veio defender, resumidamente, que:
· “Entende a Autora do pedido de pronúncia arbitral que a liquidação em causa é ilegal, porquanto a aplicação retroativa da lei (verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro) viola as legítimas expetativas dos contribuintes, justificando assim a sua anulação pelo Tribunal Arbitral.” – (artigo 2.º, da resposta);
· “Alega ainda que os imóveis em causa configuram «terrenos para construção», pelo que é forçoso concluir que ocorreu um erro quanto aos pressupostos da liquidação, dado que a AT liquidou IS sobre imóveis que se integram na esfera de «terreno para construção» quando é certo que a norma de incidência real tipifica como facto gerador apenas os prédios com afetação habitacional.” – artigo 3.º, da resposta);
· “Considera a Requerente que «inexistindo norma de incidência real habilitante da liquidação, o ato impugnado é ilegal nos termos do artigo 99.º a) do CPPT». No entanto, não assiste qualquer razão à Requerente, impugnando-se desde já a totalidade dos argumentos por si aduzidos.” – (artigos 4.º e 5.º, da resposta);
· “(…) é entendimento da AT que os prédios em apreço têm natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que os atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem uma correta interpretação e aplicação dos preceitos normativos.” – (artigo 6.º, da resposta);
· “(…) a Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012, veio alterar o art. 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS) e aditar à Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS) a verba 28” – (artigo 7.º, da resposta);
· “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1 000 000,00” – (artigo 8.º, da resposta);
· “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de IS há que recorrer ao CIMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67.º, n.º 2 do CIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10.” – (artigo 10.º, da resposta);
· “Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.” – (artigo 11.º, da resposta);
· “A noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor do imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”. “Conforme resulta da expressão «… valor das edificações autorizadas», constante do art. 45.º, n.º 2 do CIMI o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o coeficiente de afetação previsto no art. 41.º do CIMI” “Nesse sentido veja-se o Acórdão n.º 04950/11, de 14/02/2012, do TCA Sul (…).” – (artigos 14.º a 16.º, da resposta);
· “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de «prédios com afetação habitacional», para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.” – (artigo 18.º, da resposta);
· “(…) o legislador não refere «prédios destinados a habitação», tendo optado pela noção de «afetação habitacional». Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI” – (artigo 19.º, da resposta);
· “Para além de que a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra resultante do art. 45.º do CIMI (…).” “De um lado, considera-se a parte do terreno onde vais ser implantado o edifício a construir, e do outro a área do terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efetivada. Quanto ao valor do tereno adjacente à área de implantação, este é apurado nos mesmos termos em que se determina ao valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.” – (artigos 20.º a 22.º, da resposta);
· “No que diz respeito ao regime jurídico da urbanização e edificação, é de salientar que o mesmo tem como pressuposto as edificações já construídas” (…) o alvará de licença para realização de operações urbanísticas deverá conter (…) o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitação a custos controlados (…).” “ E ainda o artigo 77.º do RJUE contém especificações obrigatórias (…).”. – (artigos 23.º a 25.º, da resposta);
· “Também os Planos Diretores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo (…).” “Nestes termos, muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção.” – (artigos 26.º e 27.º, da resposta);
· “Relativamente à alegada violação do princípio da irretroatividade da lei fiscal ínsito no art. 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, a AT entende que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao referido preceito constitucional.” “ (…) porque a norma que determina a incidência objetiva art. 1.º do CIS, tem a mesma redação, desde a alteração dada pela lei n.º 55-A/2012, de 29/10, logo em 2013 e 2014, não se verifica qualquer sucessão de leis relativamente a este preceito.” – (artigos 28.º a 30.º, da resposta);
· “No que concerne ao alegado vício de falta de fundamentação das liquidações ora impugnadas, a AT terá de discordar com tal entendimento, (…) porque (…) a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem uniformemente vindo a entender que a fundamentação do ato é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato (…) as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra.” – (artigo 33.º, da resposta);
· “(…) dos atos ora impugnados consta a identificação dos imóveis objeto de tributação, o tipo de imposto, a norma habilitante e respetivos valores e datas de pagamento.” – (artigo 38.º, da resposta);
· “(…) tanto assim é que essas razões – fundamentos – foram amplamente compreendidos e posteriormente referenciadas e atacadas pela ora Requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral, isto porque de outra forma não teria sido possível elaborar o presente requerimento de pronúncia arbitral.” – (artigo 39.º, da resposta);
· “(…) a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência de fundamentação (…) cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT (…) tal como esclarece ANTÓNIO LIMA GUERREIRO (in “Lei Geral Tributária Anotada”, Rei dos Livros, 2000, pág. 341) (…).”– (artigos 40.º e 41.º, da resposta);
· “(…) não tendo a Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os atos sub judice continham, e contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado.”, (…) “pelo que tal argumentação deverá improceder na íntegra”. – (artigos 42.º e 44.º, da resposta);
· “(…) a ora Requerente peticiona os correspondentes juros indemnizatórios, em consequência do pagamento do imposto indevido e ora impugnado”. “Contudo o peticionado deve improceder, desde logo porque a Autoridade Tributária pautou-se pela estrita observância dos preceitos legais a que se encontra vinculada” (…) “não se poderá nunca (…) considerar que tenha existido erro imputável aos serviços.” – (artigos 46.º e 47.º, da resposta);
· “Visando o processo arbitral, nos termos definidos pelo RJAT, um mero controle de legalidade da liquidação impugnada, não pode pois determinar que houve «erro imputável aos serviços» quando através de uma interpretação legalmente sustentada em facto tributário sujeito se liquide o devido Imposto do Selo.” – (artigo 49.º, da resposta);
· “Assim, não são devidos quaisquer juros indemnizatórios por não haver erro imputável aos serviços gerador de qualquer obrigação de indemnizar” “Encontrando-se, portanto, afastada a possibilidade de reconhecimento de direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 43.º da LGT” – (artigo 51.º, da resposta).
Ordem de apreciação dos vícios
- Do erro quanto aos pressupostos
De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, não sendo imputados às liquidações de Imposto de Selo ora impugnadas vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada entre eles uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, assegure mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
No caso em apreço, o vício imputado pela Requerente aos atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, que fornece mais estável e eficaz tutela dos seus interesses, é o que respeita ao erro sobre os pressupostos na emissão das liquidações de Imposto de Selo do ano de 2013, que, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de renovação dos atos tributários impugnados.
Efetivamente, embora a Requerente comece por invocar a inconstitucionalidade das liquidações de Imposto de Selo impugnadas – e o vício de inconstitucionalidade seria de apreciar prioritariamente –, no pressuposto de que tenham sido emitidas nos termos previstos na verba 28 da TGIS, na redação que lhe foi dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, caso em que haveria uma aplicação retroativa da lei fiscal a um facto tributário produzido antes da data da sua entrada em vigor, conclui-se que o faz a título meramente hipotético, como decorre do restante do discurso impugnatório.
É que, tal como posteriormente se afirma nos artigos 21.º e seguintes do requerimento arbitral, as liquidações do imposto em apreço, deverão ser reguladas pelo regime consagrado na Tabela Geral de Imposto de Selo com a redação introduzida pela Lei 55-A/2012, dado que o facto gerador de imposto se verificou no período da sua vigência (sublinhado nosso). E é a essa luz que vão ser apreciados os alegados erros sobre os pressupostos.
Até porque, como tem sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo (cfr., entre outros, os Acórdãos do STA, de 9 de abril de 2014, no processo n.º 01870/13; de 28 de maio de 2014, no processo n.º 0396/14; de 10 de setembro de 2014, no processo n.º 0503/14 e, de 29 de outubro de 2014, no processo n.º 0864/14, disponíveis em http://www.dgsi.pt/, a alteração introduzida à verba 28 da TGIS pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, não tem natureza interpretativa: “Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respetivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos”.
Integram o âmbito de incidência objetiva, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto de Selo, “todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
Por sua vez, a verba 28, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aplicável à situação em análise, dispunha que se encontravam sujeitas a imposto de selo as seguintes situações:
«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»
Dispondo a verba 28.1 da TGIS a incidência do imposto sobre “prédios [urbanos] com afetação habitacional”, cujo conceito se não encontra definido no Código em que se insere, terá o intérprete de se socorrer das disposições contidas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, para cuja aplicação subsidiária remete, em bloco, o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto de Selo, aditado pela mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e cuja previsão é a de que “2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”
Porém, também o CIMI nos não dá o conceito de “prédios com afetação habitacional”, atendendo a que o n.º 1 do seu artigo 6.º, em que se estabelece a classificação dos prédios urbanos, prevê que estes poderão classificar-se como: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.
Assim, para efeitos de IMI e, consequentemente, de Imposto de Selo, são prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços “os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins” (n.º 2 do artigo 6.º, do CIMI) e terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos”(n.º 3 do mesmo artigo).
Como decorre do teor literal das normas citadas, não é possível qualquer equiparação entre uma edificação ou construção licenciada ou tendo como destino normal a habitação e um terreno de potencialidade construtiva, nem defensável a proposição de que “o legislador não refere «prédios destinados a habitação», tendo optado pela noção de «afetação habitacional». Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI” – (artigo 19.º, da resposta da AT).
Conforme a fundamentação enunciada em outras decisões arbitrais (cfr., entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 53/2013-T, 144/2013-T e 158/2013-T, disponíveis em https://caad.org.pt/tributario), o significado da expressão “prédio com afetação habitacional”, se devesse ser distinto do da expressão “prédio habitacional” só poderia ser mais restrito do que este, na medida em que, segundo o significado que tem na linguagem comum, a expressão “com afetação habitacional” significa “com utilização habitacional” e nunca um significado mais abrangente.
Por outro lado, tendo em conta a remissão efetuada pelo n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto de Selo para o Código do IMI, não se poderá aceitar a interpretação de que a expressão «afetação habitacional» possa integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1 alínea a) do CIMI, por a tal se opor o princípio da tipicidade da lei fiscal. Se o legislador tivesse querido tributar os terrenos para construção, nos termos da verba 28.1, da TGIS, na sua redação originária, tê-lo-ia dito expressamente, como veio a fazê-lo posteriormente, através da alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.
Sobre a não inclusão dos terrenos para construção na categoria de prédios urbanos de «afetação habitacional» se tem pronunciado sucessivamente o Supremo Tribunal Administrativo (cfr., nomeadamente, o Acórdão do STA, de 29 de outubro de 2014, no processo n.º 0864/14, disponível em http://www.dgsi.pt/), ao decidir que “O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afetação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respetivo valor da área de implantação (cfr. os nºs. 1 e 2 do artigo 45º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afetação habitacional”, porquanto a afetação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afetação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
“Uma vez que o legislador não definiu o conceito de prédios (urbanos) com afetação habitacional, e porque resulta do art. 6.º do CIMI, subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral, uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional” (sublinhado nosso).
Aderindo integralmente a esta jurisprudência do STA, damos por verificado o erro nos pressupostos de emissão das liquidações impugnadas, que justifica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.
Dos juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, por erro dos serviços, nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT).
Considera a AT na sua resposta que não são devidos juros indemnizatórios, desde logo porque “Visando o processo arbitral, nos termos definidos pelo RJAT, um mero controle de legalidade da liquidação impugnada, não pode pois determinar que houve «erro imputável aos serviços» quando através de uma interpretação legalmente sustentada em facto tributário sujeito se liquide o devido Imposto do Selo.” – (artigo 49.º, da resposta).
Crê-se, no entanto, que não assiste razão à AT, porquanto o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010). Assim, apesar de o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, deverá entender-se que se compreendem nestas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.
De entre esses poderes, conta-se o de apreciar o erro imputável aos serviços, até porque de entre os fundamentos da impugnação judicial se contam, precisamente, a “Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” (cfr. o artigo 99.º, alínea a), do CPPT), independentemente da sua autoria.
Por outro lado, determina a alínea b) do artigo 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Do mesmo modo, o artigo 100.º da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
E, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
O erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto, que ocorre sempre que haja “uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato”[1], ou em erro sobre os pressupostos de direito, quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)”[2] e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável aos serviços”[3].
No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto de Selo, por ter ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a anulação das liquidações impugnadas, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do pagamento de cada uma das prestações, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem suporte legal.
Questão de conhecimento prejudicado
Atendendo à ordem de conhecimento dos vícios, nos termos do 124.º do CPPTe à solução dada às questões anteriores, fica prejudicado o conhecimento da questão atinente ao vício de fundamentação.
IV – DECISÃO
Com base nos fundamentos acima enunciados e, nos termos do artigo 2º do RJAT, decide-se:
− Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;
− Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente as quantias por esta indevidamente pagas;
− Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, desde a data de cada um dos pagamentos indevidos.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 28 814,00.
CUSTAS: Nos termos do artigo 12.º, n.º 2, do RJAT, as custas vão calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 530.00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 20 de janeiro de 2015.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado”, I Volume, Áreas Editora, 5.ª Edição, 2006, pág. 714.
[3] CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva, SOUSA, Jorge Lopes de, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, pág. 342.