SUMÁRIO
I O art. 173º, 2, c) da Directiva IVA foi adequadamente transposto pelo art. 23º, 2 e 3 do Código do IVA, permitindo à AT a imposição do método de afectação real previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 (coeficiente de imputação específico), no caso de instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente actividades de Leasing ou de ALD.
II A consideração da componente de amortização financeira das rendas pagas no âmbito dos contratos de locação financeira na percentagem de dedução é susceptível de causar distorções significativas na tributação quando o IVA pago aquando da aquisição do bem locado foi integralmente deduzido pelo locador.
III O coeficiente de imputação específico é um critério objectivo que se enquadra no método da afectação real, de acordo com o disposto no art. 23º, 2 e 3 do CIVA, pois representa um método de dedução mais preciso do que o pro rata geral, para os casos em que a utilização dos bens ou serviços mistos possa ser predominantemente afecta à gestão e financiamento dos contratos.
IV O coeficiente de imputação específico não é um “tertium genus” entre o método da afectação real e o método do pro rata comum.
V O coeficiente de imputação específico tem suporte legal, não resultando dele a violação do princípio da legalidade; e conforma-se ao princípio da igualdade e neutralidade fiscal, na medida em que propicia uma dedução mais aproximada do nível de consumo efectivo dos recursos de utilização mista que resulta da actividade gerada pelos contratos de locação.
VI Não há, assim, qualquer base para se alegar a inconstitucionalidade do quadro legal, ou da sua interpretação ínsita no coeficiente consagrado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. A contribuinte A..., S.A., NIPC ..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 12 de Agosto de 2024, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa, e mediatamente sobre a ilegalidade do objecto dessa reclamação graciosa, o acto de autoliquidação de IVA relativo ao período tributário de Dezembro de 2021, do qual resultou um excesso de imposto no valor de € 9.399.217,96, decorrente do cálculo do pro rata definitivo previsto no artigo 23.º do CIVA, pedindo a anulação dessa liquidação, com o consequente reembolso, acrescido de juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
4. As partes designaram os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, e o Conselho Deontológico designou o árbitro-presidente.
5. Os árbitros comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e as partes foram notificadas das designações e aceitações.
6. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
7. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 6 de Novembro de 2024; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
8. Por Despacho de 7 de Novembro de 2024, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar Resposta.
9. A AT apresentou a sua Resposta em 11 de Dezembro de 2024, juntamente com o Processo Administrativo.
10. Requerida, pela AT, em requerimento de 3 de Janeiro de 2025, a concessão de um prazo suplementar para exame da documentação apresentada, isso foi deferido por despacho da mesma data.
11. Posteriormente, em Requerimento de 24 de Janeiro de 2025, a AT veio suscitar questões de extemporaneidade e pertinência de alguma da documentação apresentada pela Requerente, solicitando a desconsideração de tais documentos; o que foi indeferido por Despacho de 13 de Março de 2025.
12. No dia 6 de Maio de 2025 realizou-se a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, tendo-se procedido à inquirição das testemunhas, B... (responsável pela área de contabilidade da Requerente) e C... (responsável pela área de leasing da Requerente), e notificando-se as partes para apresentarem alegações escritas.
13. A Requerente apresentou alegações em 19 de Maio de 2025.
14. A Requerida não apresentou alegações.
15. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
16. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
17. O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerente é uma instituição de crédito, com sede em território nacional, abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto‐Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), e oferece um conjunto alargado de serviços e produtos financeiros, designadamente, serviços e produtos relacionados com a locação de veículos automóveis.
2. Sendo um sujeito passivo misto de IVA (art. 2º, 1 do CIVA), algumas operações que realiza estão sujeitas a imposto, ainda que muitas sejam isentas nos termos do art. 9º, 27 a 30 do CIVA (actividade financeira); realiza operações que conferem o direito à dedução do IVA incorrido, e operações que não conferem esse direito, tendo de aplicar métodos de dedução previstos no art. 23º do CIVA (pro rata ou afectação real).
3. A Requerente celebra, no âmbito do ALD, “Contratos de Aluguer de Veículo” com condições gerais que estabelecem os deveres das partes, e condições particulares que definem que é o Cliente que assume todos os encargos e responsabilidades (pontos 5.2, 5.5, 7, 9, 10, 12) [Doc. n.º 4 anexo ao PPA].
4. No que respeita a contratos de locação, a Requerente celebra “Contratos de Locação Financeira” com condições gerais que estabelecem os deveres das partes (onerando especificamente o Locatário, arts. 5.º, 5, 7.º, 11.º), e condições particulares que definem que é o Locatário que assume todos os encargos e responsabilidades (pontos 8.1 e 8.2, 11, 13) [Doc. n.º 5 anexo ao PPA].
5. A disponibilização material, efectiva, dos veículos aos locatários é efectuada pelos concessionários das marcas, nas suas instalações e não nas da Requerente – que apenas autoriza essa disponibilização
6. Na actividade de locação financeira, sucede a Requerente incorrer em custos resultantes do recurso a prestadores de serviços externos [Docs. n.º 7 e n.º 13 anexos ao PPA, e depoimento da testemunha C...], ou da interacção com entidades públicas, por intermédio de agentes de execução e de solicitadores [Doc. n.º 8 anexo ao PPA].
7. Nessas actividades, sucede também a Requerente ter de pagar o IUC por conta de contratos já terminados, ou ainda não iniciados [Docs. n.º 9 e n.º 10, anexos ao PPA]; ou também ter de suportar custos de correio [Doc. n.º 11 anexo ao PPA].
8. A Requerente consegue segregar a generalidade dos custos incorridos nas operações de leasing e ALD, através do uso de software como o “LEASE”, fornecido pela empresa “D...” [Depoimento das testemunhas B... e C...].
9. Aquando do cálculo do IVA, e relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas por si realizadas (outputs), ela aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do preceituado no art. 20.º, 1 do CIVA (como sucedeu no âmbito da aquisição de bens objecto dos contratos de locação financeira mobiliária – como a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira –, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA incorrido, em virtude de tais bens estarem directamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pela Requerente que conferem direito à dedução – como a locação financeira –.
10. Em idêntico sentido, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
11. Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços e operações por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível, e grau, de utilização efetiva, aplicou o método da afectação real, em harmonia com o disposto no art. 23.º, 2 do CIVA.
12. Relativamente às demais aquisições de bens e serviços, e nomeadamente aos “custos comuns”, aquando do cálculo da percentagem de dedução definitiva do ano de 2021, a Requerente adoptou, na autoliquidação entregue em 21 de Fevereiro de 2022, o procedimento previsto no Ofício-Circulado n.º 30108, da Área de Gestão Tributária do IVA, de 30 de Janeiro de 2009, o qual veio “impor condições especiais” para a determinação do direito à dedução do IVA incorrido pelas instituições financeiras em recursos comuns, ou seja, os recursos indistintamente utilizados na realização de operações que conferem e que não conferem o direito à dedução, quando estas instituições financeiras desenvolvam simultaneamente atividades de Leasing ou de ALD. [Doc. n.º 2 anexo ao PPA]
13. Estabelecendo esse Ofício-Circulado n.º 30108, no seu ponto 5, que:
“No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente atividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução”.
14. E estabelecendo também esse Ofício-Circulado n.º 30108, no seu ponto 8, que:
“considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a «distorções significativas na tributação», os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades”
15. E estabelecendo ainda esse Ofício-Circulado n.º 30108, no seu ponto 9, que:
“Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD.”
16. Relativamente aos encargos comuns com recursos de utilização mista, a subordinação à solução do Ofício-Circulado terá resultado da aparente impossibilidade da Requerente de proceder à aplicação do método da afectação real, dada a inexequibilidade de uma clara distinção dos bens e serviços adquiridos para cada tipologia de operações no âmbito do desenvolvimento da totalidade da actividade empreendida pela Requerente.
17. Na adopção de tal procedimento do Ofício-Circulado, a Requerente apurou um coeficiente de imputação específico de 6%, o qual não teve, portanto, em consideração, quer no numerador, quer no denominador da fracção, a “componente de amortização de capital” associada às rendas de locação financeira.
18. A Requerente apresentou, a 20 de Fevereiro de 2024, Reclamação Graciosa (a que se atribuiu o n.º ...2024...), peticionando que deveria ter calculado a percentagem de dedução definitiva de 2021, aplicável ao IVA incorrido nos recursos comuns da sua actividade, nos termos do art. 23º, 4 do CIVA, incorporando no cálculo o valor da “amortização financeira” relativa aos contratos de locação financeira (Leasing e ALD), do que resultaria o apuramento de uma percentagem diferente daquela que resultou da aplicação da metodologia do Ofício-Circulado (20% em vez de 6%) – aplicação que determinou a cisão da respectiva contraprestação (renda) em juro e amortização financeira, não obstante ambas concorrerem para o valor tributável de IVA, conforme decorre do art. 16.º, 2, h) do CIVA. [Doc. n.º 3 anexo ao PPA]
19. Dado que, no que respeita ao ano de 2021, os valores de amortização financeira relativos a rendas de Leasing e ALD apurados ascenderam a um total de € 340.883.842,39, e deles € 224.331.372,91 são relativos a operações que conferem direito à dedução e € 116.552.469,47 são relativos a operações que não conferem direito à dedução, sustentou a ora Requerente, nessa Reclamação Graciosa, que, na aplicação da metodologia do Ofício-Circulado, foi acrescido ao numerador o valor de amortização financeira relativo às operações que conferem direito à dedução (€ 224.331.372,91) e ao denominador o valor total de € 340.883.842,39:

20. Entendendo a então Reclamante que deveria ter ocorrido uma dedução adicional de IVA, nos seguintes termos:

21. Isto porque, no seu entender, dada a sua própria estrutura empresarial e dada a propriedade dos bens locados, as operações de locação financeira em causa implicariam a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados – a sua utilização indistinta em operações que conferem, e operações que não conferem, direito à dedução do IVA.
22. Dessa circunstância resultaria, no entender da então Reclamante, um consumo significativo de recursos humanos e materiais afectos à gestão e disponibilização dos bens locados, que afectariam indistintamente os seus recursos, igualmente aplicados à gestão e financiamento dos contratos, sejam estes os de ALD, sejam os de locação – onerados suplementarmente em situações em que os locadores optam por não adquirir os bens locados no final dos contratos.
23. De tudo isso decorria a convicção da ora Requerente de que, não tendo sido possível a aplicação de um critério de afectação real com base em critérios objectivos (nos termos do art. 23.º, 2 do CIVA), o único método legalmente admissível seria o método do pro rata de dedução, previsto no art. 23.º, 4 do CIVA, o que, no seu entender, implicaria a inclusão, na respectiva fracção, dos montantes referentes às amortizações financeiras incluídas nas rendas de locação financeira – daí resultando uma dedução de IVA superior à que decorreu da autoliquidação.
24. Por ofício de 8 de Abril de 2024, foi apresentado o projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa, não tendo a então Reclamante exercido o seu direito de audição prévia, não obstante ter sido notificada para esse efeito, por esse mesmo ofício [Doc. n.º 14 anexo ao PPA, fls. 72/105 do PA].
25. O despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa foi notificado à Requerente em 14 de Maio de 2024 [Doc. n.º 1 anexo ao PPA].
26. Em 12 de Agosto de 2024 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
II. B. Matéria de facto não-provada
Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar a proporção, mesmo em termos aproximados, entre custos de disponibilização de veículos e custos de financiamento e de gestão de contratos, incorridos no âmbito dos contratos de Leasing e de ALD, que evidenciasse alguma preponderância quantitativa de qualquer dos custos.
Não se encontra igualmente provado que a entrega dos veículos – em sentido próprio, de disponibilização material e efectiva dos veículos às contrapartes nos contratos de Leasing e de ALD – envolva sequer o consumo de bens de utilização mista; sendo que a documentação apresentada se refere exclusivamente a custos incorridos após esse momento de entrega efectiva dos veículos; e não podendo afastar-se, dado o depoimento das testemunhas, que os meios informáticos (capazes até de elaborar balancetes próprios) e o recurso a prestadores externos (necessariamente documentados) tivessem permitido uma segregação muito mais precisa e detalhada de todos os custos dos contratos, destacando e contabilizando os custos próprios da disponibilização dos veículos.
Ao contrário do que se alega no art. 36.º do PPA, o Doc. n.º 6 anexo a esse PPA não documenta claramente custos com “recursos comuns” empregues na actividade de locação desenvolvida pela Requerente.
Ao contrário do que se alega no art. 42.º do PPA, nem todas as despesas documentadas no Doc. n.º 13 anexo a esse PPA, relativas a serviços prestados à Requerente, demonstram uma conexão, exclusiva ou não, com a actividade de locação.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
1. Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo e na prova testemunhal.
2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
5. Nos termos do art. 396º do Código Civil, a força probatória da prova testemunhal é livremente apreciada pelo tribunal.
6. A prova testemunhal foi largamente inconclusiva relativamente ao ponto que, de acordo com o quadro normativo e jurisprudencial aplicável, permitiria sustentar o pedido da Requerente: muito resumidamente, descrevendo detalhadamente as vicissitudes dos contratos em causa, de forma rigorosa e credível, revelando conhecimento directo da realidade fáctica, sustentaram ambas as testemunhas que uma parte significativa dos custos mistos está afecta à disponibilização dos veículos, operação sujeita e não isenta de IVA – mas não souberam indicar uma qualquer quantificação de custos que permitisse aferir, com rigor, a proporção dos custos de disponibilização dos veículos no cômputo global dos custos mistos.
7. Em contrapartida, as testemunhas confirmaram um facto também documentado, e que consta do clausulado dos contratos – o facto de que, no que respeita ao momento de disponibilização material, efectiva, dos veículos aos locatários, que decorre essencialmente entre as empresas do ramo automóvel e os Locatários, a Requerente tem uma participação limitada, quase cingida à autorização de entrega, sem que a Requerente chegue a ter a posse desses veículos.
8. Como já assinalado, as testemunhas referiram a existência de uma rotina informática e contabilística, aliás documentada, seja no emprego de software “dedicado” (D..., LEASE), seja no recurso a entidades externas para execução de muitas tarefas de registo e contabilização das operações (por subcontratação) – o que só pode autorizar a inferência de que não seria impossível a segregação total dos custos de cada operação, seja no leasing seja no ALD, e uma sua agregação em valores totais, de forma rigorosa e idónea – por exemplo, uma informação acerca do tempo que é gasto por cada prestador de serviços em cada uma das tarefas levadas a cabo no âmbito da actividade de locação financeira; ou, pelo menos, uma informação com um grau de detalhe que, “pelo menos em certa medida”[1], desse suporte documental ao que foi alegado pela Requerente.
9. Devendo também lembrar-se que, nos termos do art. 393º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal se deve cingir à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam.
10. Além disso, não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
III. Sobre o Mérito da Causa
III. A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia
1. A Requerente começa por examinar os argumentos que teriam determinado o indeferimento da Reclamação Graciosa.
2. Desde logo, a insistência da AT no facto de a locação financeira ter por objecto a disponibilização de um bem, a cedência do seu uso, e não qualquer transferência de propriedade – pelo que o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponderia ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira narenda liquidada pelo locador ao locatário – sendo que inicialmente, no momento da compra, o locador exerceu odireito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem que é objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa. Sendo que, assim, a inclusão, no rácio entre operações com e sem direito, da dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integranteda renda, provocaria um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que seria significativa e positivamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacentefora já objecto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.
3. Mais a mais porque, ainda na argumentação da AT, a locadora não tem, por objecto principal da sua actividade, a compra e venda de bens – apenas se substituindo aos locatários na aquisição, reservando para si o direito de propriedade, e concedendo o uso a troco da remuneração de juros.
4. Daí inferindo a AT que, no cálculo do coeficiente de imputação específico, só deverá considerar-se o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta, o IVA da parte relativa ao capital já seria integralmente deduzido – sendo que, a não suceder assim, seria permitido um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços de utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.
5. Em suma, a AT teria indeferido a Reclamação Graciosa, não porque fosse inadmissível o exercício do direito à dedução, mas porque a Requerente não teria legitimidade, e o que a Requerente pretendia traduzir-se-ia numa violação do princípio da neutralidade fiscal – e isto porque o método pro rata não tem, ao contrário daquilo que a Requerente pretenderia, a susceptibilidade de medir o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito a dedução, fazem dos serviços de utilização mista, não podendo ser usado, consequentemente, para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efectuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.
6. Lembrando ainda a AT que o Ofício-Circulado n.º 30.108 é plenamente conforme às normas de direito interno e europeu, transpondo adequadamente as normas pertinentes do Direito da União Europeia – invocando em seu apoio o Acórdão proferido pelo TJUE, em 10 de Julho de 2014, no processo C-183/13 (Banco Mais), e o Acórdão do STA, de 20 de Janeiro de 2021, proferido no âmbito do recurso n.º 101/19.1 BALSB.
7. O indeferimento da Reclamação Graciosa sustentar-se-ia, essencialmente, na conclusão da AT de que a componente decapital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, por não constituir rendimento daactividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula, pelo que a suaconsideração provocaria distorções significativas na tributação e violaria a neutralidade, ao reconhecer, como dedutíveis, custos que não contribuíram para a realização de operações tributadas – sendo que, uma vez que a componente das rendas correspondente à amortização financeira, ela consubstanciará um mero reembolso de capital, não gerando qualquer valor acrescentado; e os custos comuns suportados pelo locador numa operação de locação financeira, contribuirão apenas residualmente para a sua realização – não podendo ser imputados a uma amortizaçãofinanceira para a qual não contribuíram.
8. Lembrando que o IVA suportado na aquisição das viaturas locadas é integralmente recuperado, a AT sustenta, por fim, que as despesas mais óbvias se encontram relacionadas com o financiamento e gestão dos contratos.
9. Sustentando o seu próprio entendimento, a Requerente enumera as razões que a levaram a rever os procedimentos que ela própria adoptou na autoliquidação ora (mediatamente) impugnada.
10. O argumento-base é o de que, não tendo sido possível a aplicação de um critério de afectação real com base em critérios objectivos, nos termos do art. 23.º, 2 do CIVA, o único método admissível, nas situações de contrato de locação/ALD, é o método do pro rata de dedução, previsto no art. 23.º, 4 do CIVA, o qual tem de, legalmente, incluir na respectiva fracção os montantes referentes às amortizações financeiras (capital) incluídas nas rendas de locação financeira; e que o cumprimento desse imperativo legal resultaria na aplicação de uma taxa de pro rataconsideravelmente superior à que foi praticada na declaração de 2021, subindo de 6 % para 20%.
11. No que respeita ao quadro normativo, a Requerente começa por invocar o direito à dedução do IVA incorrido, previsto nos arts. 167.º e seguintes da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (a “Diretiva do IVA” ou “DIVA”), com a regra geral de dedução integral do IVA incorrido com bens e serviços, quando tais bens e serviços sejam utilizados nas suas actividades tributadas (art. 168.º DIVA) – lembrando que, caso haja utilização mista (em operações com, e sem, direito à dedução), só há dedução relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante às operações com direito à dedução – o método pro rata do art. 173.º DIVA.
12. A Requerente lembra que o art. 173.º, 2 da DIVA legitimou as normas nacionais relativas ao direito à dedução, nos arts. 19.º e seguintes do CIVA; e especificamente a regra do art. 23.º relativa a recursos comuns.
13. Lembra também que, especificamente no que respeita a “recursos comuns”, a extensão do direito à dedução do IVA se encontra condicionada pelo universo de operações realizadas pelo sujeito passivo: “o imposto é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução” (art. 23.º, 1, b) CIVA). E lembra ainda que, nos termos do art. 23.º, 4 do CIVA (cfr. art. 174.º, 1 DIVA), o numerador comporta o valor das transmissões de bens e prestações de serviços realizadas pelo sujeito passivo que confiram o direito à dedução, no período anual de referência, compreendendo o denominador a totalidade das operações efetuadas no mesmo período. Sublinhando que o valor tributável, no que respeita à locação financeira, corresponde ao “valor da renda recebida ou a receber do locatário” (art. 16.º, 2, h) – cfr. arts. 73.º a 82.º DIVA).
14. Daqui infere a Requerente que o método do pro rata é o método privilegiado pelo CIVA para a dedução do IVA relativamente aos “recursos comuns” (nos termos do art. 23.º, 1, b) do CIVA) – sendo que esse método implica a aplicação de uma fórmula de cálculo imperativamente definida pelo legislador, nacional e comunitário, quer quanto ao tipo de operações a considerar, quer quanto ao correspondente valor tributável.
15. E assinala que a dedução segundo a afectação real é desenhada como uma faculdade do sujeito passivo (art. 23.º, 2 CIVA), faculdade que a Requerente optou por não utilizar.
16. Uma faculdade que se converte num dever se, nos termos do art. 23.º, 3 CIVA, a administração fiscal resolver impô-lo, seja em situações em que o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas, seja em situações nas quais a aplicação do método pro rata conduza a distorções significativas na tributação.
17. Como, no caso, a Requerente não exerce actividades económicas distintas, conclui ela que a AT apenas pode impor a utilização do método da afectação real se fundamentadamente se demonstrar que o método pro rata conduz a distorções significativas na tributação – o que, no entender da Requerente, não pode traduzir-se numa simples emissão de orientações genéricas através de um Ofício-Circulado, ou numa simples remissão para elas.
18. Lembra a Requerente que afastar o método do pro rata e impor o método da afectação real reclama a utilização de “critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”, de acordo com o disposto no art. 23.º, 2 e 3 do CIVA.
19. E que a AT só poderia ter imposto o método de afectação real se estivessem em causa distorções significativas na tributação, não vislumbrando razões para a imposição adicional de um critério baseado no volume de negócios, cindindo a componente de capital da componente de juro, e desconsiderando o montante da amortização financeira constante da renda facturada ao locatário – a qual, insiste a Requerente, respeita na totalidade ao valor tributável destas operações.
20. Daqui retira a Requerente a conclusão de que o Ofício-Circulado n.º 30108 é desconforme com a legislação.
21. Desde logo porque só reconhece a possibilidade de 3 regimes quanto ao IVA incorrido nos recursos comuns:
a) A percentagem de dedução baseada no volume de negócios – pro rata;
b) A aplicação de pro rata para cada sector de atividade (pro rata sectorial, apenas previsto na DIVA);
c) A utilização efectiva dos bens e serviços adquiridos – afectação real.
22. Não se prevendo qualquer método baseado na comparação de volumes de negócios – o qual, se fosse possível, não seria uma variante do critério de afectação real, visto que aquele só poderia assentar uma presunção, e este exige a comprovação de utilização efectiva.
23. Remetendo, neste ponto, para o Relatório do Grupo de Trabalho da DGCI, relativo à dedução do IVA, no qual se lê: “No que respeita à utilização do método de afetação real previsto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA para os bens e serviços de uso misto, cabe salientar que a mesma poderá ser também expressa por uma proporção, já não baseada nos volumes de negócios gerados a jusante, mas que represente o grau de utilização dos bens e serviços nas operações que possibilitam a dedução do IVA e nas outras que não a possibilitam, a partir de outros critérios que visem determinar o seu nível de dedução numa circunstância e na outra” (Ciência e Técnica Fiscal, 2006, n.º 418, pp. 237-357).
24. No entender da Requerente, a AT teria criado um método novo, com aquele Ofício-Circulado, cindindo a contraprestação unitária das operações de locação financeira em duas componentes:
· uma de amortização financeira (ou capital)
· outra de juros e outros encargos
25. Ao admitir apenas a inclusão da componente de juros e outros encargos no cálculo do método de dedução, a AT terá proposto um método sui generis sem qualquer fundamento normativo: uma espécie de “pro rata truncado”, assente numa fórmula de cálculo que considera parcialmente operações realizadas e não o grau efetivo de utilização de recursos.
26. Isso representaria um desvio da fórmula de cálculo taxativa e prefigurada do método pro rata, que postula a consideração do valor integral das operações que devam constar do numerador e do denominador da respectiva fracção de apuramento.
27. A consciência de que não se trata do método pro rata legalmente consagrado transparece do Ofício-Circulado, quando nele se refere que “Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA”.
28. Sustenta a Requerente que, no caso, a AT é totalmente omissa quanto ao fundamento normativo que a leva a pretender a imposição de tal método de cálculo, que não configura um critério objectivo – sem sequer um esforço de demonstração de que a aplicação do pro rata conduziria a distorções significativas na tributação no caso concreto de cada contribuinte –, pelo que a solução viola o princípio da legalidade, consagrado no art. 55.º da LGT e nos arts. 103.º, 2, 112.º, 5 e 165.º, 1, i) da CRP – convocando em seu apoio a decisão do processo n.º 58/2020-T, que entendeu dever recusar-se a aplicação do art. 23.º, 2 do CIVA “na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem”.
29. Ou seja, com o Ofício-Circulado a AT teria procurado impor a utilização de um critério e de uma percentagem de dedução que colidem frontalmente com o disposto no art. 23.º, 3 do CIVA, norma que apenas admite a substituição do pro rata por um critério de afectação real, de utilização efectiva, com base em critérios de repartição específicos.
30. Sendo que tais orientações administrativas terão de ser sempre sujeitas a um juízo de legalidade, além de não serem vinculativas, nem para os particulares nem para os tribunais – pelo que não servem de fundamento para o indeferimento da pretensão da Requerente.
31. Em Acórdão proferido em 10 de Julho de 2014, no Processo C-183/13 (Banco Mais), o TJUE pronunciar-se sobre uma questão prejudicial colocada por um Tribunal português, no sentido de esclarecer se o art. 17.º, 5, § 3.º, c), da Sexta Diretiva, correspondente ao actual art. 173.º, 2, c) da DIVA] deveria ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros. Decidiu o TJUE que a Directiva não se opõe a que um Estado-Membro “obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos”.
32. Portanto, o TJUE admite a imposição de um critério como aquele que consta do Ofício-Circulado. Só que, no entendimento da Requerente, esse reconhecimento é condicional – impondo-se, por um lado, que haja observância estrita das normas da DIVA; e impondo-se, por outro lado, que se verifique que os recursos comuns são determinados sobretudo pelo financiamento e gestão dos contratos.
33. Quanto à primeira das condições, a Requerente subscreve a opinião de que o referido acórdão terá falhado numa premissa, por não ter verificado, como se impunha, se a lei portuguesa, e nomeadamente o art. 23.º do CIVA, previa, ou não, mecanismos que permitissem à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
34. Daí faz a Requerente decorrer a conclusão de que as normas previstas no art. 23.º, 2 e 3 do CIVA não representam uma transposição para o direito interno das normas da DIVA analisadas naquele acórdão, pelo que a decisão do TJUE tem necessariamente de ser interpretada à luz da legislação nacional.
35. Especificamente, entende que, no que respeita ao método da afectação real, o CIVA não permite a aplicação de um pro rata considerando apenas os juros da actividade de leasing, conforme consignado no Ofício-Circulado, porque, no seu art. 23.º, 2, o CIVA apenas admite a aplicação de critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização de bens e serviços em operações que conferem direito a dedução, e em operações que não conferem esse direito – enquanto que o critério consagrado no Ofício-Circulado não seria objectivo, pelo facto de estar baseado no volume de negócios (parcial) das operações, o qual não tem em consideração a afectação de recursos comuns a operações que conferem, e que não conferem, o direito à dedução.
36. Adicionalmente, entende a Requerente que não pode presumir-se o preenchimento da condição de que a utilização do pro rata previsto no art. 23.º, 4 do CIVA, quando utilizado por instituições financeiras que pratiquem simultaneamente operações de locação financeira e ALD, provoca distorções significativas na tributação; tratando-se, pelo contrário, de uma circunstância que, no entendimento da Requerente, tem de ser objecto de prova.
37. Entende a Requerente que, pelo contrário, se fez prova de que os recursos comuns não foram determinados sobretudo pelo financiamento e gestão dos contratos; uma prova que, no seu entendimento, permitiria deixar de lado a “autorização” concedida pelo acórdão “Banco Mais”.
38. Além disso, lembra a Requerente, o TJUE inflectiu a sua posição no seu Acórdão de 18 de Outubro de 2018 (Processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.), ao estabelecer que “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega” (§ 56), e que “sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios” (§ 57), e ainda que “os artigos 168.º e 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (§ 59).
39. Em apoio do seu entendimento, a Requerente refere também as decisões arbitrais nos processos n.os 312/2017-T, 907/2019-T, 58/2020-T, para reforçar a sua convicção de que não há fundamento legal para o critério imposto pelo Ofício-Circulado (e que a transposição da Directiva para o CIVA não permitia uma interpretação coincidente com a do TJUE), de que não há prova de que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos, e de que para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que aquilo que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
40. Ou seja, nesse entendimento, para ser admissível a utilização do critério defendido pela AT, haveria que provar que os referidos recursos comuns foram sobretudo determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação. Mas, mesmo com essa prova, haveria ainda que rejeitar tal critério na medida em que pudesse demonstrar-se que ele, por não prever a segregação de recursos comuns de acordo com critérios objectivos, não permite um resultado mais justo do que aquele que decorre do critério baseado no volume de negócios, o critério do art. 23.º, 4 do CIVA.
41. Sendo que, deste critério do art. 23.º, 4 do CIVA, retira a Requerente a conclusão de que se contém nele uma forma de cálculo previamente definida, sem margem de manobra de alteração para os Estados-Membros, impondo, portanto, que seja incluída a totalidade do valor das rendas de locação financeira, atendendo a que aquela renda é, de acordo com o disposto no art. 16.º, 2, h) do CIVA, a base tributável das operações de locação financeira.
42. Referindo-se ao Acórdão do STA de 24 de Março de 2021 (processo n.º 087/20.0BALSB), a Requerente refuta que seja uma decisão que apoia a tese da AT, essencialmente por entender que, nesse acórdão de uniformização de jurisprudência, o que esteve em jogo, como questão crucial, foi o tema da insuficiência de prova realizada nos autos. O STA entendeu que, para apreciação da legalidade da decisão administrativa, era exigível que “estivessem fixados nos autos os factos que permitissem um juízo, de acordo com o que ficou exposto, sobre se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pela actividade de financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes (o que se presume, pois, como consta da primeira alínea dos factos provados, «A Requerente é uma instituição de crédito que desenvolve simultaneamente actividade de locação financeira e aluguer de longa duração») ou, ao invés, por outras actividades desenvolvidas pelo sujeito passivo”. O que levou à seguinte conclusão: “Acontece, porém, que tais factos não foram fixados nem o poderiam ter sido, pois, lido o requerimento de constituição do tribunal arbitral por que foi formulado o pedido de apreciação da legalidade, nele não descortinamos qualquer alegação nesse sentido. Essa falta de alegação inviabiliza que sejam dados como provados ou não provados os factos pertinentes à formulação desse juízo, motivo por que não resta senão anular a decisão recorrida”.
43. No entender da Requerente, este Acórdão do STA desloca a ênfase da questão para o plano da prova da existência e afetação dos recursos, e isso condiciona a conclusão quanto à susceptibilidade de imposição, pela AT, do critério definido no Ofício-Circulado n.º 30108.
44. A Requerente interpreta essa ênfase na prova como uma admissão de que, por meio da comprovação dos factos, é possível ao sujeito passivo aferir a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada – ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição à taxa única e inflexível prevista no Ofício-Circulado n.º 30108.
45. E é a prova de que os recursos comuns por si utilizados, no âmbito da sua actividade, são determinados, indistintamente, quer pelo financiamento e gestão dos contratos, quer pela disponibilização dos bens locados, que passa a ocupar a Requerente – sustentando essencialmente que para a prossecução da sua actividade de locação financeira são necessários recursos materiais e humanos tendentes à gestão dos contratos, mas igualmente associados à disponibilização dos bens locados, quer no que respeita à sua aquisição, num momento inicial, e disponibilização ao cliente, quer no que respeita à sua utilização durante a vigência do contrato, e à eventual recuperação dos mesmos, em situações de incumprimento, ou em caso de não exercício da opção de compra pelo locatário; não correspondendo à verdade a insinuação de que a Requerente seria um mero intermediário entre o fornecedor do bem e o locatário, não tendo intervenção relevante na disponibilização dos bens locados.
46. Sustenta a Requerente que o facto de ela permanecer legítima proprietária dos bens, na locação financeira, faz nascer um conjunto de direitos e deveres que não existiriam se se tratasse de um mero contrato de crédito sem aquela propriedade dos bens – e que reclamam o emprego intensivo de “recursos comuns” (departamentos centrais – de contabilidade, marketing, risco de crédito, jurídico, recuperação de crédito/bens, remarketing, entre outros – e descentralizados, através dos balcões; dispondo a Requerente de um departamento dedicado à actividade de leasing).
47. A Requerente enfatiza, em particular, as tarefas acrescidas que sobre ela impendem em situações em que o locatário opta por não adquirir os bens no final do contrato, caso em que a Requerente tem de mobilizar um conjunto significativo de recursos comuns, quer para a recolha, armazenagem e gestão dos bens, quer para o processo de venda dos bens no mercado, ou ainda para o enfrentamento de situações-limite, por exemplo em casos de insolvência e ou de abandono dos bens.
48. Mas mantém que, mesmo fora dessas situações mais pesadas, os seus recursos comuns são extensamente empregues em tarefas de disponibilização e gestão das viaturas locadas: o contacto do fornecedor dos bens, o processamento de documentação, a emissão de declarações, a obtenção de registos, a gestão dos seguros, a gestão de questões tributárias, contraordenacionais e de sinistros, a mediação de questões de avarias, o armazenamento de bens não adquiridos, a recuperação de bens, ou a execução de procedimentos cautelares, em casos de incumprimento contratual. Adicionalmente, sustenta a Requerente que lhe incumbe contratualmente procede à gestão da manutenção e reparação dos bens, autoriza a realização de modificações no veículo, providencia a activação da garantia para reparação de defeitos, assegura várias funções de gestão, recebe os bens em caso de denúncia.
49. A constatação desses factos – dessa relevância da utilização dos recursos comuns na disponibilização e gestão dos bens dados em locação/ALD, por comparação com a utilização desses recursos na pura gestão e financiamento dos contratos de locação/ALD – deveria, segundo a Requerente, conduzir à dedução do IVA desses recursos comuns através do método do pro rata, tal como previsto no art. 23.º, 4 do CIVA, incluindo, na sua fórmula de cálculo, a totalidade do volume de negócios das operações por ela realizadas, ou seja, o valor da amortização financeira.
50. Por outro lado, a Requerente faz notar que, à alegação de que um tal procedimento seria susceptível de provocar distorções significativas na tributação, não corresponde uma demonstração, pela AT, do conteúdo e da medida de tais distorções.
51. De tudo isto decorre, para a Requerente, a conclusão de que o procedimento da autoliquidação ora em crise foi incorrecto, pois a taxa de dedução aplicável nestes casos seria muito superior à que foi aplicada, em acatamento da doutrina vertida no Ofício-Circulado – pelo que, na sua opinião, deveria ser anulada a decisão de indeferimento impugnada, e corrigida a autoliquidação de IVA de dezembro de 2021.
52. Adicionalmente, sustenta a Requerente que, mesmo que fosse entendida insuficiente a prova produzida quanto à efectiva afectação dos recursos em causa, ainda assim a eventual aplicação do entendimento vertido no Ofício-Circulado n.º 30108 seria violadora de alguns dos mais básicos princípios e normas constitucionais: começando pelo já referido princípio da legalidade, nas suas vertentes de Preeminência da Lei, de Reserva de Lei Parlamentar e de Tipicidade Fechada, e que sempre impediria a imposição de um novo critério através de um mero Ofício-Circulado, o qual, de resto, apenas vincula a AT, não o sujeito passivo nem os tribunais.
53. Sublinha a Requerente que a definição do âmbito do direito à dedução do IVA, e a as inerentes restrições, estão necessariamente sujeitas a aprovação por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei Autorizado do Governo (art. 165.º, 1, i) da CRP), não podendo admitir-se que isso seja tentado através de uma mera instrução administrativa – o que, inclusivamente, violaria o princípio da separação de poderes, consagrado no art. 111.º da CRP, assim como a regra vertida no artigo 112.º, 5 da CRP.
54. Ao pedido de anulação e de reconstituição da situação que existiria se não fosse a ilegalidade, adita a Requerente um pedido de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, nos termos do disposto nos arts. 35.º, 10 e 43.º, 4 da LGT, 559.º do Código Civil, e da Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril.
III. B. Posição da Requerente em Alegações
55. Em alegações, a Requerente sustenta que as suas posições, já apoiadas em documentação, ficaram reforçadas pela prova testemunhal, e mormente o seu entendimento de que o coeficiente de imputação específico com base no Ofício-Circulado, empregue nas autoliquidações, não reflecte a totalidade da renda cobrada nos contratos de leasing e de ALD, porquanto exclui a componente de amortização do capital das correspondentes rendas, o que, no seu entendimento, deveria ter-se traduzido numa dedução adicional de IVA.
56. Insiste que a Requerida nem sequer provou, no caso, a existência de distorções significativas na tributação derivadas do método da percentagem de dedução, que justificassem a aplicação de um método alternativo de dedução, como aquele que consta do Ofício-Circulado n.º 30108.
57. Destaca passagens dos depoimentos testemunhais que, no seu entender, reforçam a prova daquilo que ela alega.
58. No restante das alegações, a Requerente retoma os argumentos já expendidos no Pedido de Pronúncia.
59. A Requerente juntou, às alegações, um mapa com valores totais do volume de negócios de contratos de leasing e ALD automóvel, por comparações com puros contratos de crédito – valores de 2020 e de 2021.
III. C. Posição da Requerida na Resposta
60. Na sua resposta, a Requerida começa por considerar que a Requerente não fez prova, como lhe competia, de que as tarefas que elencou ultrapassam a gestão do contrato, para serem predominantemente absorvidas pelo escopo de disponibilização do bem. Mais especificamente, nem sequer faz prova de que as actividades que elencou foram efectivamente prestadas, de forma discriminada e identificável.
61. Assim, entende que no PPA a Requerente se entregou a uma enumeração de uma tipologia abstracta – sem qualquer especificação, ou quantificação, de ocorrência real das várias vicissitudes possíveis.
62. Não demonstrando, em suma, um só facto, uma só realização das tarefas contratualmente previstas – o que a Requerida estranha, visto que qualquer realização dessas seria necessariamente documentada.
63. E desta circunstância retira a Requerida a inferência de que não foram refutados os factos nos quais assentou o indeferimento da Reclamação Graciosa ora impugnado.
64. São estes, em tese geral, os fundamentos principais da posição que a Requerida assume:
a) Que o art. 23º, 2 do CIVA, ao permitir que a AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17º, 5, § 3º, c) da Sexta Directiva, quando ali se estabelece que “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”;
b) Que os custos em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos actos de financiamento e gestão dos ditos contratos.
65. A Requerida identifica a questão aqui análise como a consideração, ou desconsideração, do valor referente às amortizações financeiras do leasing, no âmbito dos contratos de locação financeira, para efeitos da determinação do pro rata “específico”, referente ao respectivo período de tributação – procurando aferir-se legalidade, ou ilegalidade, face às normas de direito comunitário e do direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos faturados.
66. Assinala a Requerida que, no que que diz respeito às aquisições de bens e serviços de utilização mista, em razão de terem sido indistintamente afectas às diversas operações desenvolvidas, para efeito do exercício do direito à dedução, o apuramento da percentagem de dedução efectuado pela Requerente está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e interno, dada sua adequação ao Oficio-circulado n.º 30108: "7. Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista. 8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no nº4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a "distorções significativas na tributação", os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades. 9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso. a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA".
67. O que significa, segundo a Requerida, que a percentagem de dedução que foi apurada não resultou da aplicação do art. 23.º, 4 do CIVA, mas sim da aplicação do método de afectação real, através da utilização de um critério de imputação objectivo, tendo em conta os valores envolvidos nas operações praticadas no âmbito das atividades de Leasing ou de ALD.
68. Lembrando que o contrato de locação tem a sua sede nos arts. 1022.° a 1114.º do Código Civil, e que a locação financeira tem o seu regime consagrado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho (sucessivamente alterado), sustenta a Requerida que se trata de uma forma contratual de proporcionar crédito bancário, pelo qual a instituição financeira, perante solicitação do interessado, adquire o bem em causa e cede-o a este em locação, ficando o mesmo, obrigado a pagar uma retribuição que traduza a amortização do bem e os juros, permitindo ao locatário, no final, se assim entender, adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato. A cedência do bem visa disponibilizar o seu uso, mediante uma remuneração.
69. Conclui a Requerida que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, e é efectuada pela Requerente no âmbito de uma actividade económica.
70. A contrapartida da prestação de serviços são as rendas (juros e outros encargos) auferidas pela entidade que assume a posição contratual de locadora – locadora cuja actividade é, em substância, a concessão de financiamento. Daí que as rendas decorrentes de contratos de locação financeira (desde que não seja aplicável uma isenção), são, de facto, integralmente sujeitas a IVA.
71. Sublinhando a relevância do princípio da neutralidade fiscal, na vertente de princípio da igualdade, a Requerida dele retira para o caso concreto que se visa um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação àquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquira directamente.
72. Assim, pelo facto de o valor integral da renda, pago pelo locatário ao locador, constituir o valor tributável sobre o qual incidirá IVA, tal não significa que a parte integrante da renda correspondente à amortização financeira, ou do capital, tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos.
73. Isto porque, no entender da Requerida, a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: 1) capital ou amortização financeira, que mais não é do que o reembolso da quantia "emprestada", acrescida de 2) juros e eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.
74. Na operação de locação, enquanto operação de concessão de financiamento, o valor de aquisição do bem objecto de contrato de locação corresponde ao capital financiado, que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário.
75. No momento da aquisição desse mesmo input, a Requerente / locadora exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa.
76. A componente dos encargos (comissões praticadas pelo Banco, responsabilidades legais previstas no artigo 14.º do DL 149/95), é imputada igualmente, na íntegra, ao cliente locatário, pelo que não existem quaisquer despesas sobre que o Banco faça incidir IVA que fiquem por remunerar.
77. Assim, conclui a Requerida, todos os gastos, incluindo os comuns, são suportados pelos clientes locatários, seja por via contratual (como comissões), seja por via dos demais encargos incorporados na renda. Logo, todos os gastos gerais inerentes à locação financeira encontram-se reflectidos nas próprias rendas cobradas ao cliente locatário, sobre as quais o Banco faz incidir o respectivo IVA.
78. Dado que já foi exercido o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, conclui a Requerida que a parte da amortização financeira incluída na renda não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução, sendo-lhe aplicável o método de afectação real com recurso a um critério de imputação objectivo, uma vez que aquela mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.
79. Alegando que o princípio da neutralidade determina que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda seja a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.
80. E isto porque a inclusão, no rácio entre operações com e sem direito à dedução da componente relativa à restituição do capital (amortização financeira), enquanto parte integrante da renda, provocará um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que será significativamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objecto de liquidação e dedução de IVA, no momento da aquisição. Em suma, essa inclusão redundaria num coeficiente exagerado face à realidade das operações tributáveis.
81. A Requerida insiste que a actividade principal da Requerente é a concessão de crédito a terceiros para aquisição de bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade; não é a compra e venda de bens. E a remuneração dessa actividade principal são os juros – e daí que, no cálculo do mencionado coeficiente de imputação específico, seja de considerar, apenas, o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas, uma vez que, através do método de imputação direta, o IVA da parte relativa ao capital já foi integralmente deduzido; sendo que é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados, indistintamente, em operações com, e sem, direito à dedução. Tudo o que se desvie desta regra, observa a Requerida, constituirá um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pela Requerente.
82. Em contrapartida, o método de pro rata previsto no art. 23.º, 4 do CIVA, e que a Requerente pretendia ver aplicado ao caso, não será adequado para medir a utilização mista de recursos comuns, ou seja, o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhe são indistintamente alocados.
83. Assinala a Requerida que, dos métodos de dedução previstos no artigo 23.º do CIVA, mesmo o método da afectação real está sujeito ao escrutínio da AT, no sentido de se aferir a susceptibilidade de, com ele, serem provocadas distorções significativas da tributação; e que o método do pro rata mais não é do que uma dedução parcial, que se traduz no facto de o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados num e noutro tipo de operações apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução – caso em que a percentagem de dedução a aplicar é calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pro rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referente ao ano a que se reportam, determinando a correspondente regularização por aplicação do pro rata definitivo.
84. Foi com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, alterando o art. 23.º do CIVA, que tais procedimentos passaram a abarcar o método da afectação real, nomeadamente nos casos em que ele é imposto pela AT, quer para as situações em que o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas, quer para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o art. 23.º, 3.
85. Assim, o Ofício-Circulado teria permitido adoptar critérios mais adequados de aferição objectiva do grau de afectação de bens e serviços de utilização mista, nos casos como o presente – tudo em harmonia com os arts. 16.º e 23.º do CIVA, e com os arts. 174.º e 175.º da DIVA.
86. Isto, sem que os sujeitos passivos sejam obrigados a seguir o entendimento preconizado no Ofício-Circulado, aplicando o critério nele definido, porque as instituições financeiras podem recorrer a outros critérios de afectação real, desde que os mesmos se mostrem idóneos ao fim pretendido.
87. Lembra a Requerida que o TJUE já se pronunciou nesta sede, num sentido que apoia totalmente o entendimento da AT, na medida em que entendeu que o direito interno (concretamente o art. 23.º, 2 e 3 do CIVA, na redacção vigente) legitima a actuação da administração, no sentido de derrogar a regra de cálculo do pro rata prevista na Sexta Diretiva, adoptando um critério que seja mais preciso (mais coadunável com os princípios da neutralidade e da proporcionalidade) do que um simples critério de volume de negócios – tendo o TJUE entendido, mais especificamente, que o critério preconizado pela AT pode revelar-se como mais preciso do que o previsto na Sexta Directiva, dado que considerou apenas a parte das rendas pagas que serve para compensar a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador, e que a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, uma vez que não constitui rendimento da actividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula (Acórdãos do TJUE, de 08-11-2012, proc. C-511/10, e de 12-12-2008, proc. C- 488/07); o que veio a ter repercussão em sucessivas decisões do STA (Acórdãos do STA de 29-10-2014, proc. n.º 01075/13; de 04-03-2015, proc. nº 018/13; de 27-01-2016, proc. nº 0331/14 e de 17-06-2016, proc. nº 01956/13).
88. Entende a Requerida que só assim é preservado o princípio da neutralidade: não são todas as operações tributadas, ou não-tributadas, que devem ser integradas na fórmula de cálculo do pro rata, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma actividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado.
89. Ora o reembolso de capital não gera qualquer valor acrescentado, pelo que a componente das rendas correspondente à amortização financeira não admitirá, senão residualmente, muito restritamente, que custos comuns incorridos pelo locador numa operação de locação financeira contribuam para a sua realização – e, não contribuindo para a amortização financeira, não lhe podem ser imputáveis.
90. Assim, o disposto no art. 23.º, 2 e 3, b) do CIVA radica nessa faculdade e constitui o fundamento legal para aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no Ofício-Circulado, o qual afasta as distorções na tributação, que de outra forma seriam manifestas.
91. O que, acrescenta a Requerida, faz com que a utilização do referido método seja independente da verificação cumulativa das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA.
92. A consideração da parcela do capital na fracção do numerador, como o pretendia a Requerente, aumentaria a percentagem de dedução – mas essa é, para a Requerida, uma pura discussão de direito, que na verdade não depende sequer da comprovação da predominância de uma parcela dos custos gerais sobre a outra – especificamente, a superioridade dos custos de disponibilização de veículos sobre os custos de financiamento e gestão de contratos de locação financeira. Além disso, nota a Requerida, o reembolso do capital não remunera trabalho, ou consumos indiferenciados gerados pelo trabalho, ou por qualquer esforço específico da Requerente.
93. Por isso, conclui a Requerida que é errado que a Requerente apresente a pretensão de que seria de aplicar uma percentagem de dedução de 20%, um valor obtido pela aplicação integral do art. 23.º, 4, do CIVA, aplicação mecânica da norma jurídica aos valores totais em jogo, como se isso fosse possível à margem de qualquer produção de prova relativa à intensidade do trabalho e à complexidade da locação financeira.
94. Sem prova efectiva do peso dos custos inerentes à disponibilização de veículos, nada poderá fazer-se em termos de correlação com a pretendida consideração da parcela do capital na fracção do numerador, por aplicação do método do pro rata. Isso só teria sido possível se a Requerente tivesse recorrido ao método de afectação real, por recurso a um critério que permitisse compreender o peso dos consumos decorrentes da área de negócio da locação financeira na estrutura global de custos de todas as áreas de negócio da Requerente. Mas não foi isso que a Requerente fez.
95. Na ausência da comprovação dos níveis reais de gastos gerais inerentes à locação financeira, o confronto circunscreve-se a dois métodos forfetários concorrentes – o método pro rata genérico versus o método pro rata“mitigado” do Ofício-Circulado, resultantes do quadro legal, o segundo deles da intervenção da AT autorizada por aquele quadro legal – ambos vocacionados para remediarem às dificuldades de produção de prova relativa aos gastos que são consumidos tanto por actividades de crédito sujeitas, como por atividades isentas, de IVA.
96. Assim sendo, argumenta a Requerida, não pode afastar-se um método forfetário em benefício de outro – o método de imputação específica do Ofício-Circulado, em benefício do pro rata do art. 23.º, 4 do CIVA, associando a essa tentativa de afastamento um pretenso problema de prova – mais a mais se o que se pretende é provar o número certo de 20%, como valor que rigorosamente representaria a percentagem dos custos de disponibilização de veículos dentro do valor dos custos gerais, indiferenciados, que o Banco suporta em todas as suas actividades, as sujeitas e as isentas.
97. Chama a Requerida a atenção de que, adicionalmente, as duas componentes que integram a renda paga têm implicações distintas em termos de contabilização: por um lado, o locador deverá reflectir o valor do bem como um crédito que é reembolsado através das amortizações financeiras registadas como um crédito, e a restante parte (os juros e demais encargos), devem ser relevados como proveitos; assim, de acordo com as normas dos n.os 37 a 40 da “Norma Internacional de Contabilidade”, a amortização financeira visa apenas a redução de um crédito, enquanto os juros irão influenciar o resultado do exercício.
98. E essa a razão pela qual o conceito de volume de negócios, estatuído no art. 5.°, 3, a) do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho, de 20 de Janeiro, no caso das Instituições de Crédito e de outras instituições financeiras, não contempla a parte correspondente à amortização financeira.
99. A parcela correspondente à amortização financeira não assume a natureza de proveito, e, assim, não integra o conceito de volume de negócios nas instituições de crédito, pelo que não pode influenciar o cálculo da percentagem de dedução.
100. A Requerida sustenta ainda que a solução veiculada no Ofício-Circulado não só é compatível com os princípios constitucionais aplicáveis, como contribui decisivamente para a praticabilidade de tais princípios. Além disso, efectiva o direito à dedução, em termos de neutralidade.
101. Lembra a Requerida que a decisão do TJUE tem valor de caso julgado, sendo vinculativa, não apenas para o tribunal que solicitou a sua intervenção a título prejudicial, como para os restantes tribunais e instâncias equiparadas que julgam a causa em sede de recurso, vinculando ainda, por uma questão de uniformidade, todas as jurisdições nacionais dos Estados-Membros. Tratando-se de acórdão interpretativo do art. 17.º, 5 da Sexta Diretiva IVA (actual art. 173.º, 2, da DIVA), transposto para o art. 23.º do CIVA, a interpretação nele preconizada deve ser aplicada pelos tribunais nacionais com o sentido e o alcance ali definidos, neles se incluindo esta jurisdição.
102. Daí que o STA tenha expressamente decidido, no Acórdão de 29 de Outubro de 2014, (Proc. n.º 01075/13):
“Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis devem incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros”.
103. Lembrando que, para todos os efeitos (incluindo os arts. 663.º, 5 e 679.º do CPC), o STA já uniformizou jurisprudência, com o Acórdão proferido a 24 de Março de 2021 no Proc. n.º 87/20.0BALSB. E essa jurisprudência do STA, sublinha, tem exigido a prova de preponderância de custos de disponibilização dos veículos, no cômputo geral da utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da instituição bancária – prova que cabe a quem invoca o direito, e a quem está nas melhores condições para fazer essa mesma prova.
104. Assinala ainda a Requerida que é já um adquirido da jurisprudência do STA que não existe apenas um método de afectação real, no sentido de que não existe apenas uma forma de proceder à afectação de bens ou serviços, sendo que, pelo contrário, o sistema de afectação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permite ajustar o sistema de dedução às especificidades da actividade prosseguida pelo sujeito passivo – o que aparece consignado na expressão “condições especiais”, o que denota que é permitido um “afinamento” do método de dedução, concluindo essa jurisprudência que o ponto 9 do Ofício-Circulado não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.
105. Concluindo-se que, ao abrigo da legislação europeia transposta para o art. 23.º, 2 do CIVA, o legislador nacional pode estabelecer “condições especiais” para o cálculo pro rata do imposto, sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação.
106. E cita o Acórdão 101/19 do STA:
“Bem mais interessante é, quanto a nós, o argumento – também utilizado no acórdão arbitral – segundo o qual o método imposto pela Administração Tributária não constitui um «critério objetivo» que permita determinar o grau de afetação de bens ou serviços.
Aqui já não está em causa saber se o método imposto pela Administração Tributária é admitido pela lei nacional: está em causa saber se esse método é ajustado. Isto é, se constitui uma modalidade do cálculo de dedução que reflita objetivamente a parte real das despesas efetuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.
Deve, porém, observar-se desde já que o acórdão recorrido não concluiu que o método não se ajustava às especificidades da atividade exercida pelo sujeito passivo. Isto é, não concluiu que o método não servia em concreto. Até porque nem sequer formulou nenhum juízo sobre a relação entre esse método e a atividade exercida pelo sujeito passivo. Que, aliás, não indagou concretamente.
O que o Tribunal Arbitral concluiu foi que aquele método «não pode constituir um critério objetivo». Em abstrato. Servindo-se de um exemplo tirado de um parecer inserido no acórdão fundamento, julgou evidente que, com base no valor das rendas, não se pode determinar com objetividade as despesas de eletricidade ou água, ou manutenção de elevadores de edifícios comuns às atividades dos dois tipos que estão afetas à atividade de locação financeira.
Em boa verdade, o que se diz no parecer é que pode, relativamente a certos custos comuns, não ser possível encontrar um critério objetivo que meça o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem e em operações que não conferem o direito à dedução. O que o ilustre consultor fiscal considerou acontecer ali. Em concreto.
Mas o que o Tribunal de Justiça veio a sancionar no acórdão fundamento foi algo diferente: que o que importava para o caso era que o critério adotado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais «afinado» considerando as especificidades concretas da atividade do sujeito passivo.
Pelo que a validade do método da Administração Tributária não depende do facto de ser ajustável totalmente à atividade do sujeito passivo (o que, de qualquer modo, teria que ser analisado em concreto); depende, tão só, do facto de ser o mais ajustado. O que acontece neste tipo de atividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.
E é esta a interpretação que também devemos extrair das disposições nacionais que procederam à transposição da lei comunitária. Precisamente por ser a que se mostra mais conforme com as disposições comunitárias.
[…]
Este argumento também pode ser considerado em dois planos: no plano abstrato ou «pararegulamentar» e no plano concreto, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que as partes se arrogam.
No plano abstrato, coloca-se a questão de saber se a Administração Tributária teria que demonstrar no próprio ofício circulado que o método que impõe é o mais adequado, isto é, consagra o critério mais objetivo.
No plano concreto, coloca-se a de saber se a Administração Tributária teria que invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
À primeira questão se refere expressamente o parecer para que o Acórdão Arbitral remete ao anotar que o ofício circulado não fornece qualquer explicação para a solução ali adotada.
Porém, e não existindo – nem sendo invocada – nenhuma regra formal que imponha no lançamento dos ofícios o conteúdo cuja falta se assinala, a crítica só pode ter sido apontada à sua substância.
Sempre se dirá que não nos parece totalmente correto dizer-se que o ofício circulado se tenha dispensado de toda e qualquer explicação. Não foi ali esclarecido – é certo – porque é que o método adotado era adequado. Mas foi defendido, claramente, que era mais adequado do que a aplicação do pro rata geral e que, por isso, seria menos suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a distorções significativas na tributação.
Quanto à substância do critério adotado no ofício circulado já nos pronunciamos acima, valendo-nos da sindicância do Tribunal de Justiça (num caso paralelo, pelo que pode ser para aqui convocado): não se pode concluir em abstrato que não possa ser o mais adequado.
Mas, sobretudo, não se vê como possa o Tribunal Arbitral continuar a pôr em causa a conformidade do método da Administração com o princípio da neutralidade depois de o Tribunal de Justiça ter sancionado o entendimento de que está conforme com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade”
107. Insiste a Requerida que, apesar de ser aproximativo o critério proposto no Ofício-Circulado, não se pode exigir mais rigor, sob pena de nenhum método de afectação real ser exequível, e se cair num formalismo incompatível com o princípio da neutralidade, envolvendo adicionalmente a indevida exoneração da prova da preponderância dos custos de disponibilização dos veículos, que deve onerar quem tenha conhecimento mais directo das especificidades do negócio.
108. Assinala ainda a Requerida que a jurisprudência do STA já deu por assente a compatibilidade com o quadro constitucional do critério proposto no Ofício-Circulado – visto que, ao fazer recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto, o sujeito passivo beneficiará dessa circunstância favorável à sua pretensão, ao abrir-se caminho a uma demonstração do aumento do montante anual das operações que permitam a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes), susceptível de legitimar, por preenchimento da previsão normativa, o aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata. Essa preservação dos direitos do sujeito passivo, condicionados a uma simples comprovação factual, assegura a compatibilidade com princípios como o da neutralidade fiscal do IVA, o da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, o da segurança jurídica, o da protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos; não se vislumbrando inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes, do princípio da legalidade, do princípio de reserva de lei e do princípio do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva.
109. A Requerida alega que a Requerente deixou de fazer aquilo que era decisivo, que era produzir prova, demonstrar e quantificar através de elementos fidedignos que corroborassem que os inputs em que incorre com a disponibilização dos veículos nos contratos de locação financeira são predominantes em relação aos inputs gastos com o financiamento e gestão. E que a Requerente, em vez disso, alegou uma predominância de actos de disponibilização desacompanhada de qualquer quantificação, senão a de um número exacto que não se compadece de uma rigorosa discriminação dos custos mistos, e vai contra as regras de experiência comum, que revelam que, em sede de contratos de locação financeira, o período de disponibilização dos veículos apenas se reduz a uma janela temporal relativamente curta, se comparada com os actos de financiamento e gestão, que, por definição, subsistirão durante o período de vida útil do contrato.
110. Sendo que muitos dos custos a que a Requerente aludiu, e que presumivelmente associou à disponibilização de veículos, na verdade não são senão vicissitudes de gestão e de financiamento do contrato – apenas redenominados como “custos de disponibilização” para tentar preencher os requisitos probatórios estabelecidos na jurisprudência do TJUE e do STA, e na maioria da jurisprudência arbitral, como pressupostos para a admissão da inserção da componente “capital” no campo do numerador para o apuramento da percentagem de dedução de IVA. Chegando ao ponto de se sugerir que há “disponibilização” em toda a “cedência do gozo temporário de uma coisa” – o que conduziria à conclusão de que todo o financiamento e gestão do contrato é, ipso facto, disponibilização.
111. Ora a actividade do Banco centra-se numa concessão de crédito com contornos especiais, e não, conforme parece pretender-se fazer crer, num contrato que tenha na disponibilização do veículo o seu principal objecto. Na verdade, sublinha a Requerida, a entrega e disponibilização do veículo é meramente instrumental face à concessão do crédito, porque o que o cliente remunera, através do pagamento do juro, é o capital utilizado na aquisição de um veículo, aquisição seguida da cedência do gozo temporário desse veículo ao cliente.
112. Ora, em rigor, a disponibilização é aquele momento em que o Banco adquire um veículo escolhido e encomendado por um cliente e lhe cede o gozo temporário, iniciando o cliente, em contrapartida, o pagamento regular das prestações convencionadas. Entregue o veículo, iniciadas as prestações, a disponibilização está consumada – e tudo o que se segue, até ao termo do contrato, são questões de gestão e financiamento.
113. Logo, e ao contrário do que sugere a Requerente, a disponibilização não é um fenómeno que acompanhe toda a vida útil do contrato de locação financeira; “disponibilização” não é sinónimo de “gestão”. Pelo contrário, as várias tarefas elencadas pela Requerente são decorrência da necessidade de o Banco controlar e gerir as suas responsabilidades contratuais, e da necessidade de preservar o financiamento efectuado, que se concretiza com o pagamento das rendas pelo locatário.
114. O simples facto de a imobilização do veículo não suspender a obrigação do locatário de pagar as quantias que se vierem entretanto a vencer é demonstrativo, para a Requerida, de que a disponibilização do objecto locado é absolutamente subordinada, e instrumental, face à percepção da renda gerada pela locação – face à dimensão puramente financeira da operação; o que, por sua vez, prova de que os actos que consomem recursos, gerando custos comuns, durante a vigência do contrato são puros actos de gestão da locação financeira e de sobrevivência do financiamento concedido ao locatário.
115. Por outro lado, chama a Requerida a atenção para o facto de as despesas de disponibilização dos veículos se circunscreverem praticamente à aquisição do veículo – sendo que, iniciada a utilização do bem pelo locatário, praticamente os custos que restam, e os que surgem, são relacionados com a gestão e financiamento do contrato – além de que são imputados ao locatário, transferindo para ele custos que residualmente recairiam sobre o proprietário / locador, como resulta do contrato, e até do quadro legal dos arts. 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
116. O que se coaduna com o entendimento do STA, como veiculado, por exemplo, no Acórdão de 4 de Março de 2020 (Proc. n.º 052/19.0BALSB):
“Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”.
117. No término da sua resposta, a Requerida ainda se pronunciou sobre a prova testemunhal, considerando-a desnecessária – assinalando ainda a incompletude da documentação apresentada concomitante mente com o PPA.
118. Até porque o Acórdão do STA de 4 de Março de 2020 (Proc. n.º 52/19.0BALSB) estabelece que não é possível o Tribunal arbitral tomar decisão na questão de mérito em dissídio enquanto se não “descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos”: pelo que o que interessa é conseguir a prova documental da percentagem dos custos de disponibilização, o seu peso no conjunto de custos totais mistos e, para lá disso, a prova de que a utilização de bens ou serviços de utilização mista é sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos.
119. Em Requerimento de 24 de Janeiro de 2025, a Requerida exerceu o contraditório sobre documentos juntos pela Requerente posteriormente à apresentação do Pedido de Pronúncia – e aí, além de alegar extemporaneidade e requerer a desconsideração dos documentos, o que não foi deferido, sustentou que neles continua a não se provar que os custos gerais são sobretudo consumidos nos actos de disponibilização de veículos, não permitindo comprovar que é o Banco que disponibiliza fisicamente o veículo ao cliente, nem indicando os valores suportados pelo Banco no ano fiscal em discussão no que corresponde aos actos de disponibilização de veículos – reforçando, pelo contrário, a convicção de que se trata de actos de gestão e de financiamento dos contratos, cujos custos estão já cobertos e salvaguardados pela taxa de financiamento aplicada no início da relação contratual – em cláusulas que reproduzem o disposto no DL n.º 149/95 –, como contrapartida da intermediação financeira para a aquisição de veículos.
120. Do quadro legal e contratual retira a Requerida o argumento de que, sendo transferidas para o locatário, senão todas, pelo menos a maioria das obrigações que por norma recaem sobre o proprietário, os custos (inputs) em que o locador incorre para a disponibilização dos veículos aos locatários circunscrevem-se ao momento inicial de aquisição do veículo. E que, portanto, o que aparece documentado mais não é do que um conjunto de custos de gestão do contrato, de despesas administrativas – não custos da “disponibilização”, propriamente dita, dos veículos.
121. Além de que as despesas documentadas são, praticamente todas, custos com entidades externas, perfeitamente identificados e segregáveis – pelo que não podem ser considerados “custos mistos”, devendo antes ser sujeitos a imputação directa, porque facturados à Requerente por essas entidades externas.
IV. Fundamentação da decisão
IV.A. O mérito da causa.
Estamos agora em condições de nos pronunciarmos sobre o mérito da causa.
IV.B. A identificação da questão controvertida
A questão que se coloca é a de saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, deve ser considerado, no numerador e no denominador da fracção de cálculo, o valor total da renda, e não apenas a parte correspondente aos juros que constitui o proveito ou rendimento do locador (a questão dos “methods for apportioning input VAT”).
A questão é suscitada pela fixação de um coeficiente de imputação específico pelo Ofício-Circulado n.º 30108, da Área de Gestão Tributária do IVA, de 30 de Janeiro de 2009, do qual destacamos a passagem relevante para o caso:
“7. Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.
9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”
A questão, formulada já em grande número de processos, e com algumas variações que não comprometem a fundamental identidade do problema-base, foi analisada há tempos pelo TJUE, em reenvio prejudicial suscitado pelo STA, tendo-se concluído que o artigo 17.°, 5, § 3º, c), da Sexta Diretiva (a que corresponde o artigo 173.º, 2, c), da Directiva 2006/112/CE, ou “Directiva IVA”) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (Acórdão de 10 de Julho de 2014, Processo n.º C-183/13).
Numa primeira variação do tema-base, nalguns processos os sujeitos passivos sustentavam que a exclusão da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata não encontrava suporte na letra e no espírito do art. 23.º, 1 e 4 do CIVA, nem nas disposições dos arts. 173.º a 175.º da Directiva IVA, o que equivale a dizer que as referidas normas de direito europeu não teriam sido objecto de transposição para o direito interno português, e, especificamente, não teriam sido transpostas através do art. 23º do CIVA, pelo que se questionava se a AT disporia da possibilidade de, no âmbito da aplicação do método pro rata a um sujeito passivo que exerce actividades de locação financeira, considerar apenas os juros para efeitos do cálculo de dedução.
Numa segunda variação do tema-base, o lugar da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata foi ocupado pela componente da alegada predominância de gastos com a disponibilização de veículos – uma via alternativa para se tentar afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução.
E isto porque a parcela “amortização do capital” (e o IVA que lhe está associado), incluída na renda mensal a ser suportada pelos locatários na locação financeira, está intimamente ligada ao IVA suportado no preço de compra inicial do veículo, objecto do contrato de locação, e que é inicialmente deduzido pelos Sujeitos Passivos através de uma imputação direta – o que implica que a consideração da parcela da amortização financeira na fracção do numerador do pro rata, ao longo da vida útil do contrato, conduzirá a uma dupla dedução de IVA, a um excesso de dedução, o que equivale ao preciso inverso do que era alegado por aqueles Sujeitos Passivos, ou seja a subdedução do IVA suportado.
Esse excesso de dedução, a partir da alegação de que os custos comuns foram predominantemente incorridos numa fase contratual que, por definição, é “não-financeira”, redundaria numa “distorção significativa”, por ser significativamente influenciada pela simples restituição de um financiamento.
Em tese geral, o direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167º a 192º da Directiva IVA, e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do CIVA, consiste no direito de um sujeito passivo de deduzir, ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável, o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação.
Na regra geral do art. 168º da Directiva, o IVA incorrido nas aquisições feitas por um sujeito passivo é dedutível na integralidade, sempre que os bens ou serviços sejam utilizados para os fins de operações suas que sejam tributadas – tal o método de dedução de imputação directa, assente num nexo directo entre uma determinada operação activa e uma determinada operação passiva.
Não sendo possível estabelecer essa ligação imediata, como sucede quando as despesas com aquisições de bens ou serviços representem custos mistos, respeitando simultaneamente a operações tributadas e a operações isentas (as “mixed supplies”), o direito à dedução encontra-se limitado nos termos do art. 173.º da Directiva, que estabelece um método pro rata, pelo qual, para sujeitos passivos mistos, só se admitirá a dedução quanto à parte do IVA relativa às operações que originam o direito à dedução.
O método pro rata assenta, assim, na presunção de que os custos mistos, como os “overhead costs”, são utilizados, nas operações que conferem direito à dedução, na razão directa do valor que essas operações representam face ao volume total de negócios da empresa – essa a regra de cálculo contida no art. 174.º da Directiva.
A presunção baseada na percentagem do valor das operações com direito a dedução em relação ao volume total de negócios é, todavia, afastada pelo critério da afectação real, consignado no artigo 173.º, 2, c) da Directiva, que permite que os Estados-Membros autorizem ou imponham que a dedução do IVA seja efectuada com base, não no volume de negócios, mas na efectiva utilização dos bens ou serviços.
A Directiva IVA contempla, pois, três distintos métodos de cálculo da dedução:
1) A imputação directa – o método-regra, que é aplicável aos custos directos, ou seja, aos custos associados a operações que conferem direito à dedução;
2) O método pro rata, o método normal no que respeita aos custos mistos, indistintamente associados a operações que conferem ou não conferem o direito de dedução;
3) O método de afectação real, o método excepcional no caso dos custos mistos.
Sendo que a Directiva, através do referido artigo 173.º, 2, c), confere aos Estados uma margem de liberdade de conformação quanto à definição do critério de afectação real.
No direito interno, relativamente ao método de dedução aplicável a bens de utilização mista, aplica-se o art. 23.° do CIVA, que, na parte relevante, estabelece:
1. Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.
2. Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
3. A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.° 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4. A percentagem de dedução específica referida no n.° 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do âmbito do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
[...].
O art. 23.º, 1 consagra o método pro rata para dedução do IVA no caso de sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução.
Por outro lado, nos termos do n.º 2, o sujeito passivo pode efectuar a dedução segundo a afectação real de todos os bens e serviços utilizados, ou parte deles, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na efectiva utilização dos bens – ressalvando-se que a Administração pode impor condições especiais ao método de afectação real, quando o sujeito passivo tenha optado por esse método de dedução, e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação.
E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real, quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Por seu lado, o coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução com base unicamente no montante anual de juros foi introduzido pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, nos termos do qual, tendo-se concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvem simultaneamente as actividades de leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no artigo 23.º, 4 do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, a AT determinou, no uso da faculdade prevista no art. 23.º, 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.
Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício-Circulado, já transcritos, a afectação real poderá realizar-se por uma das seguintes formas:
a) se for possível, procede-se à afectação real com base em critérios objectivos que permitam apurar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades;
b) se não for possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing ou de ALD.
Concluamos este ponto com uma síntese formulada na decisão do Proc. nº 558/2022-T:
“(…) a remuneração da actividade de leasing e ALD, apesar de juridicamente configurada como uma renda unitária, do ponto de vista da substância económica corresponde tendencialmente a apenas uma das duas componentes compreendidas nesta renda, “os juros e outros encargos”, o que é reflectido no tratamento contabilístico conferido às locações, nos termos da IFRS 16, que as equipara às operações de financiamento ou concessão de crédito.
O valor do capital que é “amortizado” (no sentido de reembolsado ou pago), representa, na substância, o valor do bem escolhido pelo locatário e que a este foi cedido. Ou seja, quando essa quantia é paga pelo locatário, nomeadamente via rendas, não constitui a remuneração da actividade do locador, mas o pagamento parcelar do custo de aquisição do bem locado, in casu, viaturas automóveis, ou, dito de outro modo, o reembolso gradual e progressivo do preço da viatura que findo o contrato, e se este se executar e desenvolver dentro da normalidade, passará para a esfera jurídica do locatário.
Assim, a actividade do locador, que disponibiliza a viatura ao locatário porque despendeu os meios financeiros para o efeito, é remunerada pela componente da renda, aqui denominada de “juros e outros encargos”, que excede o valor do reembolso do capital usado para adquirir a viatura.
Do ponto de vista do IVA, o valor do imposto liquidado na renda (output) referente à componente de reembolso do capital (originariamente usado para adquirir a viatura) está afecto por imputação directa, à dedução, na sua esfera, do IVA incorrido na aquisição dessa viatura (input). O valor do capital debitado ao locatário e do IVA liquidado corresponderá ao do custo de aquisição da viatura e do respectivo IVA deduzido, em virtude dessa imputação/afectação directa, e em razão de tal componente, não contemplar, à partida, qualquer margem para acomodar ou prever outros inputs, como os de utilização mista em causa nesta acção, nem o “lucro” da operação.
Deste modo, é a componente da renda remanescente ao capital (este exclusivamente afecto ao input da viatura adquirida para locação) que, em princípio, reflecte a ponderação por parte do sujeito passivo dos gastos (inputs) que estima incorrer na operação e da sua margem financeira. É esta componente dos juros e outros encargos que representa, em regra, a (única) remuneração económica dos gastos da actividade de leasing e ALD, pois a outra, a do capital, esgota-se com o input da aquisição da viatura, não sobrando qualquer valor para imputar a outros gastos/inputs.
Assim sendo, para efeitos de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade financeira da Requerente apenas será a priori proporcional e equilibrada se tiver em conta a componente de juros e outros encargos e já não a do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com esses gastos mistos e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação directa.
De outra forma estaríamos a comparar realidades diversas, nomeadamente juros de financiamentos concedidos no contexto da actividade geral, com juros e capital do leasing. Nesta situação, a comparação apenas será paritária se incluirmos na fracção que apura a proporção do IVA dedutível, para além do capital e juros do leasing, o valor dos empréstimos e dos juros recebidos na restante actividade.”
IV.C. As divergências jurisprudenciais, o acórdão Banco Mais e a uniformização pelo STA
Por algum tempo a jurisprudência de tribunais arbitrais do CAAD apontou no sentido da ilegalidade dos actos tributários que aplicam o critério específico de dedução adoptado pelo Ofício-Circulado, por alegada violação do disposto no art. 23.º, 2 e 3, b) do CIVA.
Argumentava-se que, embora a norma de direito europeu admitisse que, na aplicação do método de afectação real, fosse apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, na transposição efectuada pelo legislador português apenas se previra a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
Constatava-se a impossibilidade de determinar, com objectividade, a partir do mero valor parcial da renda correspondente aos juros, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira e que conferem o direito à dedução: e daí se retirava a conclusão de que o art. 23º, 3 do CIVA não conferia à AT o poder de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.
Admitia-se que o CIVA tivesse efectuado a transposição do art. 17.º, 5, § 3º, c), da Sexta Directiva para o direito interno, mas não em termos que permitissem sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tivesse por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira.
Contudo, a esta tendência jurisprudencial nos tribunais arbitrais do CAAD opôs-se uma evolução jurisprudencial do STA.
No acórdão de 4 de Março de 2015, no âmbito do Processo n.º 1017/12, em que foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia do TJUE no caso Banco Mais, o STA estabelece que ficou esclarecido que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais do que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como acontece quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelas operações bancárias isentas de financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira, caso em que é possível calcular o pro rata de forma a excluir do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponda à amortização financeira.
Essa orientação foi depois seguida, no STA, nos Acórdãos de 4 de Março de 2015 (Processo n.º 081/13), 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 0970/13), 17 de Junho de 2015 (Processo n.º 01874/13), 27 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 0331/14) e 15 de Novembro de 2017 (Processo n.º 0485/17), culminando no acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), do qual se destaca o seguinte:
“Como já se esclareceu no acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24)”.
Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.
Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.”
O Acórdão do STA de 24 de Março de 2021, proferido no processo 087/20.0BALSB, veio uniformizar jurisprudência no sentido de que:
“Nos termos do disposto no artº. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações (inputs promíscuos) através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação”.
Sublinhe-se que o acórdão Banco Mais se tinha pronunciado sobre a regra de cálculo que deve ser utilizada para determinar o direito à dedução do IVA devido ou pago quando da aquisição de bens e serviços utilizados para efectuar simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito (os chamados “bens e serviços de utilização mista”), assumindo que terá de ocorrer um rateio – na forma de um pro rata anual –, visto que a dedução de IVA só poderá ser concedida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante às operações que geram o direito à dedução, devendo ser recusada na proporção correspondente às operações que não admitem essa dedução do IVA suportado.
Atendendo a que a AT tinha considerado que o Banco Mais, ao incluir no numerador e no denominador da fracção que lhe serviu para estabelecer o pro rata de dedução, a totalidade das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, tinha causado uma distorção significativa na tributação em IVA – uma vez que, nomeadamente, a parte das rendas que compensava a aquisição dos veículos não reflectia a parte real das despesas relativas aos bens e serviços de utilização mista susceptível de ser imputada às operações tributadas –, o TJUE entendeu que, na ausência de qualquer indicação específica, na Sexta Directiva, a esse respeito, caberia aos Estados-Membros prever um regime de dedução que tivesse em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa, dada a autorização contida no art. 17.°, 5, § 3.º, c), dessa mesma Sexta Directiva (§§ 22 a 28 do acórdão Banco Mais).
O acórdão Banco Mais conclui a sua fundamentação com as seguintes considerações:
“32. Para este efeito, a Sexta Diretiva não se opõe a que os Estados‑Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.° 24).
33. A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal.
34. Ora, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel.”
E o TJUE remata o acórdão Banco Mais declarando:
“O artigo 17.°, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.”
Na sequência do acórdão Banco Mais, o método específico de imputação pro rata, implicando que apenas possa ser incluída na fracção, no âmbito dos contratos de locação financeira, a parte das rendas pagas pelos clientes que corresponde aos juros, apenas opera quando a utilização dos bens e serviços comuns seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – e essa é uma matéria de prova.
Daí que, em decorrência dessa inflexão jurisprudencial, passasse a ter-se por crucial o apuramento, no plano probatório, de qual a preponderância na utilização de bens e serviços de utilização mista: se no financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, se, ao invés, na disponibilização dos veículos.
É aquilo que já designámos como uma segunda variação do tema-base: o lugar da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata foi ocupado, na sequência do acórdão Banco Mais, pela componente da alegada predominância de gastos, com bens de utilização mista nas operações de leasing e ALD, com a disponibilização de veículos – uma via alternativa para se tentar afastar a consideração exclusiva da componente da renda correspondente aos juros para efeitos do cálculo de dedução.
Lembremos que, esquematicamente, do que se trata é de saber se, na “calibração fina” dos “apportionment methods” do IVA, nestas realidades contratuais do leasing e do ALD, a utilização de recursos comuns, ou “promíscuos”, geradora de “overhead costs”, gravita mais para a disponibilização dos veículos ou para o financiamento e gestão dos contratos.
O acórdão do STA de 24 de Março de 2021 (Proc. n.º 87/20.0BALSB) limitou-se a remeter para o acórdão de 20 de Janeiro de 2021 (Proc. n.º 101/19.1BALSB), e aí o argumento decisivo é realçado – sobre o pano de fundo da decisão do TJUE no caso Banco Mais:
“A questão que ficava era a de saber se o método previsto no ponto 9 do Ofício- Circulado n.º 30108, do Gabinete do Subdirector-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA era ainda um método adequado a atender à intensidade real e efectiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações para os efeitos da Sexta Directiva e da alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º em particular.
E foi a esta questão que, no fundo, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente.
Desde que fosse apurado que a utilização de bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira (parágrafo 33 do acórdão).
Isto é, desde que fosse apurado que os bens ou serviços de utilização mista eram alocados com muito mais intensidade ao financiamento e gestão de contratos do que a qualquer outra actividade (ou sector de actividade) exercida pelo sujeito passivo.
O que o Tribunal de Justiça concedeu suceder na maioria dos casos em que estas actividades são exercidas por bancos. Porque são entidades que, na essência, se dedicam à actividade de concessão de créditos e gestão de contratos de financiamento.
Não é verdade, por isso, que o Tribunal de Justiça tivesse interpretado o direito interno português. Na parte em que se referiu ao artigo 23.º do Código do IVA, limitou-se a reconhecer a semelhança e a quase sobreposição entre a redacção do seu n.º 2 (no segmento acima assinalado) e a disposição comunitária correspondente.
Todavia, ao decidir que o método proposto pela Administração Tributária do Estado português se conformava com a lei comunitária, também permitiu que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional sem necessidade de considerandos adicionais. Precisamente porque essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição para o direito interno da disposição comunitária.
O acórdão arbitral parece defender que não existe disposição interna que autorize o método proposto pela Administração Tributária porque a lei não prevê nenhum «método de imputação específica».
A nosso ver, porém, o Tribunal Arbitral enquistou-se numa expressão do Ofício-Circulado e não levou em conta que – como, de resto, ali se afirma – constitui ainda uma aplicação do método da afectação real. Isto é, um método de afectação dos custos de bens ou serviços, a montante suportados, à actividade a que são alocados predominantemente.”
Depois do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, já não é possível continuar a questionar se o art. 23º, 2 e 3 do CIVA legitima o estabelecimento, pela AT, de um coeficiente de imputação específico que exclua, nos contratos de locação financeira, a componente da amortização – pois aquele acórdão estabelece que a norma do artigo 23.º, 2 do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do artigo 17.º, 5, § 3º, c), da Sexta Directiva, e, por conseguinte, a AT não está impedida de determinar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda.
IV.D. O acórdão Volkswagen
A questão veio a recolocar-se, no seio do TJUE, no acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd (de 18 de Outubro de 2018, Processo n.º C-153/17), que, não contradizendo o acórdão Banco Mais, veio matizar, para as operações que estavam em causa no processo principal, a posição assumida pelo TJUE, ao considerar que não se pode inferir, do raciocínio expendido no acórdão Banco Mais quanto a operações de locação financeira, que o artigo 173º, 2, c), da Directiva IVA permite genericamente aos Estados-Membros aplicarem a todo o tipo de operações semelhantes para o sector automóvel um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando da sua entrega. Especificamente, entendeu o TJUE, nesse acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, que os arts. 168º e 173º, 2, c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que:
a) mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte “financiamento” da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização;
b) os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que aquela que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
O caso em análise nascia no contexto britânico, com peculiaridades na configuração do regime de IVA, e nele estavam em causa os custos gerais da locadora financeira que respeitavam indistintamente a duas operações diferenciadas em termos de regime de IVA: a disponibilização do veículo, que constitui uma operação tributada, e o financiamento, que era tido como uma concessão de crédito isenta.
No contexto britânico impunha-se à empresa, nessa circunstância, um método de dedução por aplicação de um pro rata do qual era excluído o valor da disponibilização dos veículos, dado entender-se, naquele Estado-Membro, que os custos gerais incorridos pela locadora estavam essencialmente ligados à operação de financiamento, que era o cerne da sua actividade, sendo, portanto, a única operação em que podiam ser repercutidos, nos termos da lei britânica.
Independentemente da peculiaridade normativa do contexto de origem, o acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd contribuiu para o esclarecimento de que as diferentes tarefas relativas a operações de locação financeira, como sejam as de concessão de financiamento e de disponibilização de veículos, podem ser consideradas separadamente – deixando em aberto a questão de se saber se, em contextos legais diversos do contexto britânico, devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente, ou como uma única prestação económica indissociável.
No acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, e porque se tratava de contrabalançar a solução adoptada no regime do IVA do Reino Unido, o TJUE entendeu que, relativamente a operações como as que estavam em causa no processo principal, no que se refere ao cálculo do pro rata para a dedução do IVA, no caso de bens e serviços de utilização mista, é relevante o facto de os respectivos custos gerais terem (ou não) uma relação directa e imediata com a totalidade das actividades da empresa, e não apenas com algumas delas, vindo a concluir que, para efeitos de IVA, deve entender-se que, quando os custos gerais tenham sido realmente incorridos, pelo menos em parte, para aquisição e disponibilização de veículos enquanto operações tributáveis, integram os elementos constitutivos do preço dessas operações, sendo de incluir na fracção do pro rata a componente da amortização do capital.
Voltando àquilo que designámos anteriormente como uma segunda variação do tema-base, na sequência do acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, o lugar da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata passou a ser ocupado pela componente da predominância de gastos efectivos, comprovados, com a disponibilização de veículos – uma via alternativa para se afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução, como sucedia no regime de IVA do Reino Unido.
Lembremos que no acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd se ressalvava a liberdade dos Estados-Membros de introduzirem critérios específicos de repartição de custos comuns para rateio – colocando-se, pois, na continuidade do acórdão Banco Mais:
“43. No caso vertente, resulta da decisão de reenvio que os custos gerais em causa no processo principal têm uma relação direta e imediata com a totalidade das atividades da VWFS, e não apenas com algumas delas. A este respeito, o facto de a VWFS ter decidido não incluir estes custos no preço das operações tributáveis, mas unicamente no preço das operações isentas, não pode ter qualquer repercussão nesta conclusão de facto.
44. Assim, na medida em que estes custos gerais foram realmente efetuados, pelo menos em certa medida, tendo em vista a disponibilização de veículos, que são operações tributáveis, os referidos custos são parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações. Por conseguinte, origina‑se um direito à dedução do IVA, em princípio, em conformidade com as considerações expostas nos n.os 38 a 42 do presente acórdão.
(…)
48. No caso vertente, dado que os custos gerais imputados ao setor do retalho da VWFS são relativos aos bens e serviços utilizados para efetuar tanto operações que conferem direito à dedução como operações que não conferem direito à dedução, deve ser estabelecido um pro rata de dedução, em conformidade com as disposições relevantes dessa diretiva.
49. Nos termos do artigo 173.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, regra geral, o pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.o e 175.o desta diretiva, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo por referência ao volume de negócios.
50. No entanto, nos termos do artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da referida diretiva, os Estados‑Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.
51. Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados‑Membros podem, graças a essa disposição, aplicar, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (Acórdão de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C‑511/10, EU:C:2012:689, n.o 24).”
Todavia, o acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd menciona expressamente o acórdão Banco Mais – e, se não excepciona propriamente ao estabelecido neste, qualifica as conclusões deste, aditando-lhes um critério de flexibilidade que aponta para a consideração mais “fina”, ou “precisa”, da factualidade relevante, enfatizando o elemento probatório como factor determinante de um “apportionment method” mais justo, em operações como as que eram objecto do processo principal:
“54. É certo que o Tribunal de Justiça, no n.o 33 do Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), declarou, a propósito de uma instituição bancária que efetuava operações de locação financeira para o setor automóvel, que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional nacional, embora a realização de tais operações por um banco possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.
55. Foi nestas condições que, no n.o 34 desse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel.
56. Todavia, não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.
57. Em particular, atendendo à natureza fundamental do direito à dedução, recordada no n.o 39 do presente acórdão, sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
58.Assim, no caso vertente, no que respeita ao método de cálculo do pro rata de dedução do IVA aplicado pela Administração Fiscal, cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se este método tem em conta a afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais para efeitos das operações que conferem direito à dedução.”
O que se sintetiza na declaração que remata o acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd:
“Os artigos 168.o e 173.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados‑Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.”
Na medida em que se entenda que o acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd tem uma validade que é separável dos pressupostos únicos do regime britânico de tributação em IVA dos custos mistos, a sua divergência em relação ao que resultava já do acórdão Banco Mais será, em todo o caso, confinada a isto: a jurisprudência europeia passa a pressupor que é admissível a prova da preponderância de outros custos que não sejam os de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, e não deixa aos Estados-Membros a última palavra sobre se essa prova é admissível, ou não.
Na linha do acórdão Banco Mais, caberia aos Estados consagrarem, ou não, mediante a transposição das normas europeias pertinentes, a obrigação de incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas correspondente aos juros – no pressuposto de que os custos mistos estão preponderantemente conexos com aquele financiamento e gestão contratual, e não com outra actividade conexa, o que remete para o plano dos factos, da comprovação.
Na linha do acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, a abertura a essa comprovação deveria prevalecer sobre qualquer obstáculo colocado pelas leis internas dos Estados-Membros, mesmo que em resultado de transposição de normas europeias – impedindo, na prática, os Estados-Membros de agravarem a oneração probatória do facto de uma eventual preponderância de “custos de disponibilização” dentro do cômputo geral dos custos mistos.
Em todo o caso, mantendo a remissão para o plano dos factos, da comprovação: como já decorria do n.º 44 do acórdão, reclama-se a prova, minimamente especificada, minimamente consistente, da efectividade de custos “gerais”:
“na medida em que estes custos gerais foram realmente efetuados, pelo menos em certa medida, tendo em vista a disponibilização de veículos, que são operações tributáveis, os referidos custos são parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações” (sublinhados nossos).
Na sequência do acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, a jurisprudência do STA multiplicou, durante algum tempo, os reenvios dos processos para as instâncias arbitrais das quais houvera recurso, com o objectivo único de se dar oportunidade à comprovação factual da preponderância real, efectiva, de “custos de disponibilização” dentro do cômputo geral dos custos gerados pelos serviços de utilização mista.
Voltando ainda ao acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, há que sublinhar de novo que o que estava em causa era uma sociedade financeira do Reino Unido que também realizava operações de leasing automóvel, sendo que o direito do Reino Unido, diferentemente do que acontece em Portugal, obrigava à desagregação das rendas de leasing em duas operações para efeitos de IVA: a componente do juro estava isenta de imposto, e apenas a componente da amortização era tributada, além de que as autoridades fiscais locais também excluíam a componente de amortização do pro rata, por entenderem que os custos mistos estavam predominantemente associados à componente juro do financiamento, que era o cerne da actividade[2].
Assim, estando a componente de juros isenta enquanto operação de crédito, o método aplicado pelo Reino Unido tinha um resultado especialmente gravoso para os contribuintes, uma vez que, para efeitos de dedução, não eram tidas em conta as despesas com os bens e serviços repercutidos na componente “juros”. Os inputs incorridos não eram aí sequer considerados para efeitos do exercício do direito à dedução – o que determinou a reacção correctiva do TJUE –, diversamente do que ocorre em Portugal, em que o IVA incorrido com os gastos mistos é efectivamente deduzido em parte, sendo a respectiva medida determinada de forma que procura ser realista, através do método de imputação específica concretizado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.
O raciocínio do Acórdão Volkswagen não pode, pois, ser transposto para o contexto português, porque aqui o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente do juro; componente que, de acordo com o acórdão Banco Mais, constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que esses contratos constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.
Seja como for, na ordem jurídica portuguesa esta questão de direito, objecto de tão protraída controvérsia jurisprudencial, está hoje resolvida: como referimos antes, o acórdão de uniformização de jurisprudência do STA de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19) consignou já que a norma do art. 23.º, 2 do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do art. 17.º, 5, § 3º, c), da Sexta Directiva, e que, por conseguinte, a AT não estava, nem está, impedida de determinar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda: resumidamente, reconheceu-se que a possibilidade de um pro rata mitigado está devidamente consagrada, e legalmente fundamentada, entre nós.
Ou, por referência à jurisprudência do TJUE, que a solução do acórdão Banco Mais tem plena aplicação, mas não a tem a solução do acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, que desde o início não se adaptava à realidade portuguesa, porque, rectificando uma peculiaridade do regime britânico, desequilibraria novamente a solução já equilibrada do regime português, criando uma distorção, e o potencial para duplicações na ponderação dos elementos factuais relevantes.
Acompanhamos aqui, também, a fundamentação da decisão do Proc. nº 558/2022 do CAAD:
“O raciocínio do Acórdão Volkswagen não pode, pois, ser transposto de forma directa para a situação concreta, já que, no caso português, o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente do juro; componente que, de acordo com o Acórdão do TJUE C-183/13, constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel – ponto 34 do Acórdão TJUE C-183/13.”
Assente, pelo STA, que existiu a referida transposição da Directiva, que não existiu inércia do legislador nacional, e legitimada a imposição, pela AT, de um coeficiente de imputação específico como aquele que se especifica no Ofício-Circulado, fixando o que deve constar, e ser considerado, no numerador e denominador da fórmula de cálculo do método do pro rata, a decisão recentra-se, como repetidamente temos referido, no plano dos factos, da comprovação de um factor-chave: o da eventual predominância, ou não, de “custos de disponibilização” dentro do quadro geral dos custos mistos; ou seja, uma superioridade, ou não, de tais custos em comparação com os custos de financiamento e gestão contratual, que são os custos que plausivelmente, com verosimilhança, são aqueles que avultam – se não exclusivamente, ao menos principalmente –, nas operações de leasing e ALD de uma instituição financeira.
O acórdão do STA de 24 de Março de 2021 (Proc. n.º 87/20.0BALSB) retoma a formulação encontrada no acórdão de 20 de Janeiro de 2021 (Proc. n.º 101/19.1BALSB) para interpretar as consequências do acórdão Volkswagen:
“Como decorre do seu parágrafo 56, o Tribunal de Justiça da União Europeia não pretendeu ali reformular o entendimento firmado no acórdão “Banco-Mais”, mas sublinhar que aquela jurisprudência não podia ser aplicada de maneira geral, abrangendo todos os tipos de operações de locação financeira para o sector automóvel.
Incluindo aquelas em que a aplicação de um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando na sua entrega não seja adequada a garantir uma repartição mais precisa do que a baseada no volume de negócios.
O que sucedia naquele caso específico porque havia uma afectação real e significativa dos custos gerais a operações que conferiam o direito à dedução (§ 57). Porque esses custos eram efectuados tendo em vista a disponibilização de veículos (§ 44) e eram, apesar disso, imputados aos próprios custos de financiamento, em vez de serem imputados ao valor inicial do veículo aquando da sua entrega (§ 13).
Em lado algum se conclui que, no caso dos autos, também havia uma afectação significativa dos custos gerais à disponibilização dos veículos, até porque o Tribunal Arbitral se absteve de indagar e analisar concretamente o sistema de negócio montado pelo sujeito passivo.
Pelo que a invocação da jurisprudência firmada no acórdão C-153/17 não se nos afigura pertinente nem acrescenta nada ao juízo ali fornecido sobre a legalidade da liquidação.”
Como dissemos, os acórdãos Banco Mais e Volkswagen Financial Services (UK) Ltd convergiram com o entendimento do STA; pelo que, determinando algumas modificações no entendimento daquele tribunal superior – em especial em termos de standards probatórios –, não perturbaram, e pelo contrário favoreceram, a consolidação da sua jurisprudência:
· No acórdão de 23 de Fevereiro de 2022 (Proc. n.º 0101/20.9BALSB, Relator Aníbal Ferraz) reitera-se a tradição jurisprudencial do STA e a respectiva uniformização através do acórdão de 24 de Março de 2021 (Proc. n.º 87/20.0BALSB), no sentido de que “nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação”.
· No acórdão de 23 de Março de 2022 (Proc. n.º 0139/21.9BALSB, Relator José Gomes Correia), reitera-se igualmente a tradição jurisprudencial do STA, e novamente se enfatiza a posição central do acórdão de 24 de Março de 2021.
· No acórdão de 23 de Março de 2022 (Proc. n.º 0118/21.6BALSB, Relator Anabela Russo), reitera-se igualmente a tradição jurisprudencial do STA, e remete-se para o acórdão de 23 de Março de 2022 (Proc. n.º 74/21.0BALSB), que afastou a susceptibilidade de modificar essa tradição perante o novo argumento de um alegado dever de fundamentação “a montante” de demonstrar os factos constitutivos do direito de impor condições especiais, que recairia sobre a AT.
· No acórdão de 23 de Março de 2022 (Proc. n.º 066/21.0BALSB, Relator Gustavo Lopes Courinha) de novo se reafirma a tradição jurisprudencial do STA, e igualmente se remete para o acórdão de 23 de Março de 2022 (Proc. n.º 74/21.0BALSB), também no sentido de que a alegação da falta de um eventual dever de fundamentação do Ofício-Circulado não é de molde a modificar a jurisprudência consolidada.
· O acórdão de 23 de Março de 2022 (Proc. n.º 074/21.0BALSB, Relator Isabel Marques da Silva), para que remetem as duas anteriores (da mesma data), estabelece que:
“Na presente decisão arbitral, o coletivo afasta-se da jurisprudência uniforme e constante deste STA sobre a questão “da consideração, ou não, do total do montante da renda (componente de capital – amortizações – e componente de juro) relativo às operações de locação financeira e ALD, incluindo os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, no cálculo do pro rata relativo aos recursos de utilização mista “(enunciada como questão a decidir a fls. 705 do processo arbitral). Isto porque entendeu considerar “por dever de ofício” um suposto ónus da prova “a montante” a cargo da Administração Tributária “de demonstrar os factos constitutivos do direito de impor condições especiais”, a saber, o da “verificação de distorções significativas na tributação na utilização do pro rata”, dever esse que julgou incumprido e que lhe permitiu a anulação das liquidações em aparente – mas apenas aparente – respeito pela jurisprudência consolidada do órgão de cúpula da jurisdição (cfr. fls. 732 e ss. do processo arbitral).
O referido expediente não logra, porém, obstar à aplicação da jurisprudência do STA, num caso que é absolutamente similar a dezenas de outros entretanto já decididos e que por isso deverá ter tratamento igual, sob pena de injustiça.
É que este STA já decidiu que cabe ao sujeito passivo “alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização de bens ou serviços mistos não é sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos” – cfr. Acórdão do Pleno de 20 de janeiro de 2021. Proc. n.º 0101/19.1BALSB -, sendo este o único ónus da prova que reconhece impor-se no caso dos autos, e mais nenhum outro.
E assim sendo, e tendo presente o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil e a finalidade dos acórdãos de uniformização de jurisprudência (Que visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais respostas diferentes.), limitamo-nos a remeter, nos termos dos arts. 663.º, n.º 5, e 679.º do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, para a fundamentação do referido acórdão de 24 de Março de 2021, proferido no processo com o n.º 87/20.0BALSB – que uniformizou jurisprudência no sentido de que «[n]os termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação» –, para concluirmos, como aí, pela procedência do recurso e pela anulação da decisão arbitral recorrida.
No que à invocada (pela recorrida) inconstitucionalidade respeita, entendemos que esta não se verifica, porquanto o pressuposto de que parte a recorrida – de que este Supremo Tribunal Administrativo admite que a AT pode definir por circular e com carácter geral e abstracto o modo como deve ser exercido o direito de dedução do IVA relativamente às despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista, designadamente qual o critério a utilizar na determinação da parte desse IVA que confere o direito à dedução -, não se verifica também, porquanto este STA nunca sustentou que o critério do Ofício-Circulado n.º 30108 tenha validade incondicional e possa ser aplicado, sem mais e com carácter geral e abstracto – cfr. o Acórdão deste STA de 22 de setembro de 2021, proc. n.º 087/20.0BALSB.”
· No acórdão de 26 de Maio de 2022 (Proc. n.º 0124/21.0BALSB, Relator Isabel Marques da Silva) reitera-se o disposto no acórdão de 23 de Março de 2022 (Proc. n.º 74/21.0BALSB), seja quanto à irrelevância da alegação de um suposto dever de fundamentação “a montante” a cargo da AT, seja quanto à reafirmação da jurisprudência consolidada do STA.
· O acórdão de 22 de Março de 2023 (Proc. n.º 0142/21.9BALSB, Relator Gustavo Lopes Courinha) mais uma vez reafirma a tradição jurisprudencial do STA, e de novo remete para o acórdão de 23 de Março de 2022 (Proc. n.º 74/21.0BALSB).
IV.E. Os métodos de dedução
Um argumento persistente contra o Acórdão Banco Mais e contra a uniformização de jurisprudência operada, na sequência, pelo STA, é o de que o art. 23.º do CIVA só prevê dois métodos de dedução, o pro rata e a afectação real, pelo que o coeficiente de imputação específico para que aponta o Ofício-Circulado n.º 30108 é um método desprovido de base legal, não constituindo um critério objectivo que permita determinar o grau de utilização dos recursos mistos – sendo, por essa razão, desprovido de qualquer base na lei interna, o que o arrastaria para os domínios da inconstitucionalidade[3].
E assim, em suma, a prerrogativa atribuída pelo art. 173.º, 2, c) da Directiva IVA não bastaria para legitimar a solução de um “pro rata mitigado” sem qualquer apoio legal.
Todavia, essa linha de argumentação desconsidera um facto que já nos é conhecido: o de que, desde a decisão no Proc. C-183/13, o TJUE estabeleceu que o art. 23º, 2, 3 e 4 do CIVA é adequada transposição do art. 173.º, 2, c) da Directiva IVA, correspondente ao anterior artigo 17º, 5, § 3º, c) da Sexta Directiva – o que, a nível nacional, tem sido reafirmado consistentemente, invariavelmente, pelo STA.
Estando reproduzido, no art. 23º do CIVA, o regime de dedução aplicável aos recursos de utilização mista, previsto nos arts. 173º a 175º da Directiva IVA, e consagrado como método supletivo de dedução do IVA, a ser usado em alternativa ao método da afectação real, o mesmo regime deixa à AT, em salvaguarda contra “distorções significativas na tributação”, a prerrogativa legal de “impor condições especiais ou […] fazer cessar esse procedimento”.
Como o TJUE reconhece no acórdão do Proc. C-183/13, a Directiva não contém regras que concretizem o método da afectação real, cabendo aos Estados-Membros estabelecê-las, dentro da subordinação a valores como o da neutralidade fiscal, buscando que as modalidades de dedução impostas no uso da referida prerrogativa legal reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que possa ser imputada a operações que conferem direito à dedução.
Ou seja, como reconhece o próprio STA (no Proc. n.º 084/19.8BALSB), ao permitir a imposição de condições especiais, a norma do art. 23º, 2 do CIVA reproduz a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA, que estabelece que os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou parte dos bens ou serviços, nos exactos termos do disposto no art. 173º, 2, c) da Directiva IVA.
Especificamente, a expressão “afectação real”, empregue pelo art. 23º do CIVA, corresponde à expressão “utilização” adoptada pela Sexta Directiva, ambas se referindo à imputação do uso real e efectivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente – uma interpretação que, por um lado, é reforçada pela alteração introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Janeiro, com a introdução da frase “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito”; e, por outro lado, é reforçada pela circunstância de a própria Directiva passar a mencionar, não a mera “utilização”, mas, em termos mais próximos do próprio CIVA, a “afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.
Neste contexto, é inequívoca a consequência da posição assumida pelo TJUE, quando reconhece que o método ao qual se refere o ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 pode ser entendido como um método adequado a atender à intensidade real e efectiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações, para os efeitos da Sexta Directiva, e do seu art. 17º, 3, c) em particular.
Ao contrário da argumentação persistente contra o Acórdão Banco Mais e contra a uniformização de jurisprudência operada, na sequência, pelo STA, o TJUE não se envolveu, portanto, na interpretação do direito interno português – limitando-se, pelo contrário, a reconhecer a correspondência estrita entre o art. 23º do CIVA e as disposições correspondentes do Direito da União.
Ainda que, ao decidir que o método proposto pela AT se conformava com a lei europeia, o TJUE tenha autorizado que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional, sem necessidade de considerandos adicionais – porque não se ofereciam dúvidas de que essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição exacta das disposições correspondentes do Direito da União.
Por outro lado, se o TJUE reconhece a legitimidade da AT para introduzir factores correctivos nos métodos de dedução, gerando “special apportionment methods”, decerto não cabe aos tribunais nacionais opor-se a esse reconhecimento, sobretudo com a alegação, não demonstrável, de que tais métodos estão previstos com tão grande grau de rigidez e taxatividade que eles não comportam correcções ou variantes, ou que todo o factor de correcção se traduz, ipso facto, num novo método – excluindo, pois, qualquer margem de plasticidade na aplicação de tais métodos[4].
Congruentemente, o STA reconheceu que não existe apenas uma forma de proceder à afectação de bens e serviços, e que, portanto, não se pode concluir que o “pro rata mitigado” seja um novo método, um tertium genus, algo de substancialmente distinto de uma das várias formas possíveis de proceder à afectação de bens e serviços – sustentando, pelo contrário, que se trata de um mero “afinamento” dos métodos existentes; e que, portanto, sendo um método adaptado que cabe dentro da margem de plasticidade reconhecida pelo TJUE, é um método legitimado pela lei interna.
No acórdão do STA de 24 de Março de 2021 (Proc. n.º 87/20.0BALSB) remete-se, a esse respeito, para o texto do acórdão de 20 de Janeiro de 2021 (Proc. n.º 101/19.1BALSB):
“O acórdão arbitral contrapõe que aquele método não é mais do que a determinação da afectação real através de uma percentagem da dedução. Querendo, com isso, inequivocamente dizer que um método que combina técnicas de determinação do montante do direito à dedução não é mais do que uma terceira via, um terceiro método. Que, por isso, a lei não prevê.
Não vemos as coisas assim. Porque não existe apenas um método de afectação real. No sentido de que não existe apenas uma forma de proceder à afectação de bens ou serviços.
A confirmar que o sistema de afectação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da actividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.
Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do Ofício-Circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.
Pelo que as referências ao princípio da legalidade e da reserva de lei também não se nos afiguram pertinentes, ao menos por aqui.
Bem mais interessante é, quanto a nós, o argumento – também utilizado no acórdão arbitral – segundo o qual o método imposto pela Administração Tributária não constitui um «critério objectivo» que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços.
Aqui já não está em causa saber se o método imposto pela Administração Tributária é admitido pela lei nacional: está em causa saber se esse método é ajustado. Isto é, se constitui uma modalidade do cálculo de dedução que reflicta objectivamente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.
Deve, porém, observar-se desde já que o acórdão recorrido não concluiu que o método não se ajustava às especificidades da actividade exercida pelo sujeito passivo. Isto é, não concluiu que o método não servia em concreto. Até porque nem sequer formulou nenhum juízo sobre a relação entre esse método e a actividade exercida pelo sujeito passivo. Que, aliás, não indagou concretamente.
O que o Tribunal Arbitral concluiu foi que aquele método «não pode constituir um critério objectivo». Em abstracto. Servindo-se de um exemplo tirado de um parecer inserido no acórdão fundamento, julgou evidente que, com base no valor das rendas, não se pode determinar com objectividade as despesas de electricidade ou água, ou manutenção de elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.
Em boa verdade, o que se diz no parecer é que pode, relativamente a certos custos comuns, não ser possível encontrar um critério objectivo que meça o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem e em operações que não conferem o direito à dedução. O que o ilustre consultor fiscal considerou acontecer ali. Em concreto.
Mas o que o Tribunal de Justiça veio a sancionar no acórdão fundamento foi algo diferente: que o que importava para o caso era que o critério adoptado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais «afinado» considerando as especificidades concretas da actividade do sujeito passivo.
Pelo que a validade do método da Administração Tributária não depende do facto de ser ajustável totalmente à actividade do sujeito passivo (o que, de qualquer modo, teria que ser analisado em concreto); depende, tão só, do facto de ser o mais ajustado. O que acontece neste tipo de actividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.
E é esta a interpretação que também devemos extrair das disposições nacionais que procederam à transposição da lei comunitária. Precisamente por ser a que se mostra mais conforme com as disposições comunitárias.”
E o acórdão do STA de 24 de Março de 2021 acrescenta:
“A argumentação da Recorrente assenta no pressuposto de que o CIVA não contém norma que permita o método proposto pela AT. Mas, como acima ficou dito, entendemos que não é assim: o denominado «método de imputação específica» não é um método inovador, não previsto no art. 23.º do CIVA, mas é ainda um método de afectação real, com alguns ajustamentos («condições especiais»), motivo por que deve considerar-se subsumível à previsão daquela norma.”
Sob este prisma, as referências à violação do princípio da legalidade e da reserva de lei não têm cabimento, tornando deslocados os argumentos que invocam a inconstitucionalidade de “leituras” do art. 23º do CIVA.
Concretamente, impõe-se reconhecer que, no que respeita à incidência do imposto, que evidentemente não pode ser objecto de regulação que não seja por via legal, o método do imposto (a afectação real) e as circunstâncias da sua aplicação – voluntária ou impositiva –, estão contidos, com suficiente grau de detalhe e densificação, na previsão legal do art. 23º, 2 e 3 do CIVA, não ocorrendo qualquer desvio, seja substancial, seja formal, do princípio da legalidade.
O que a jurisprudência do STA, de forma consistente e uniformizada, estabelece é que o critério de imputação específica a que alude o ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 é enquadrável no método da afectação real, como uma modalidade – inteiramente legítima – do cálculo de dedução que reflicta objectivamente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que seja imputada a operações que conferem o direito à dedução: um critério mais preciso, menos susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, e de conduzir a distorções significativas na tributação, do que o método residual do pro rata (“não-mitigado”), considerando as especificidades do sujeito passivo, o que acontece se a utilização dos bens e serviços for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, interpretação que o STA entende também dever ser extraída das disposições nacionais.
Acrescentemos aqui, ainda, uma passagem da fundamentação da Decisão do Proc. nº 455/2023-T:
“Não colhe o argumento da Requerente de que o critério da atividade (principal) dos sujeitos passivos que sejam instituições de crédito os sujeita a um tratamento diferenciado (o do coeficiente de imputação específico), desprovido de fundamento material e que seja, por essa razão, um critério arbitrário. Desde logo, porque é a especificidade da atividade financeira (de concessão de crédito) das instituições de crédito que suscita a distorção na tributação do IVA, pelo que essa atividade não pode deixar de ser a chave da distinção.
Independentemente disso, não se vislumbra que o tratamento “diferenciado” conduza a uma situação desfavorável, seja porque uma sociedade de locação financeira que se dedique apenas a essa atividade deduz o IVA na totalidade, a menos que também realize locação financeira imobiliária, caso em que deve a aplicar igualmente o método da afetação real (…); seja porque permitindo o método da imputação específica uma melhor aproximação da realidade (na condição de o consumo dos recursos indiferenciados ser sobretudo determinado pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira), o seu resultado há-se ser mais fidedigno do que o do pro rata geral, pelo que as instituições de crédito não ficam prejudicadas, quando muito não serão beneficiadas, evitando-se vantagens indevidas face aos demais operadores, essas, sim, violadoras da igualdade de tratamento.
Em relação à afirmação da Requerente de que a ponderação das operações que conferem direito à dedução vs. operações que não conferem esse direito deve ser efetuada no estrito âmbito da atividade de locação financeira, sem que relevem as demais atividades prosseguidas pela Requerente, a mesma é de rejeitar liminarmente. Com efeito, no domínio dos recursos de utilização mista, a determinação do nível do seu consumo por parte das atividades/operações com regimes de IVA distintos (com e sem direito à dedução) exige precisamente que se comparem essas atividades. É um exercício relacional, sendo essencial à repartição que o método de dedução parcial opere a comparação das realidades que se estão a repartir.”
Convirá sublinhar que a ora Requerente pratica, a par da sua actividade principal – a actividade financeira geral, actividade isenta e que não confere direito a dedução –, a actividade de leasing financeiro, que confere direito a dedução. Sendo que uma parte da renda dos contratos de locação financeira, a parte correspondente à amortização do capital, sujeita a IVA, não constitui um preço, nem integra o volume de negócios, não constituindo receita sua – pelo que a aplicação do método pro rata geral ou “puro” (um método que se baseia numa proporção assente no “peso relativo”, no total do volume de negócios do sujeito passivo, das operações que conferem direito a dedução) poderia conduzir a distorções significativas da tributação, no sentido de não permitir apurar, com maior aproximação à realidade, a intensidade do uso dos inputs mistos na actividade de locação financeira.
Sendo que essa maior aproximação será conseguida se precisamente se retirar da fracção (do denominador e do numerador) o montante das rendas correspondente à amortização de capital, para que não fique viciado o apuramento, visado pela fracção, da proporção da receita das actividades que conferem direito à dedução na receita total do sujeito passivo, pelo apuramento da porção de inputs mistos utilizados nessas actividades.
IV.F. O ónus e o standard de prova
Por seu lado, o método pro rata que a Requerente pretende aplicar traduzir-se-ia no incremento significativo da percentagem de dedução, sem que o mesmo tivesse qualquer conexão com um presumível consumo equivalente de recursos mistos pela actividade de leasing: pelo que se verifica a condição de que o método do pro rata é, em abstracto, passível de causar, na situação concreta em análise, um acréscimo injustificado do nível de dedução do IVA nos recursos de utilização mista, resultante da consideração da componente de capital da renda de leasing (que, em princípio, não tem conexão directa com esses gastos) no cômputo da percentagem de dedução – acompanhada, em simultâneo, da não-consideração do capital mutuado, relativo à restante actividade financeira, por forma a que as realidades sejam equivalentes e comparáveis.
Ora, vimos já que o critério em análise é um critério de natureza objectiva, embora aproximativo, característica que é, aliás, comum aos outros critérios objectivos habitualmente aceites e aplicados no método da afectação real, como o número de pessoas afectas às actividades, o número de horas/homem incorridas, ou os metros quadrados ocupados, entre outros.
Todos estes critérios, apesar de objectivos, não podem deixar de ser encarados como aproximativos da realidade, e não como um espelho rigoroso dessa realidade.
Uma exigência de rigor milimétrico representaria a impossibilidade de aplicar a afectação real, pois nenhum dos referidos critérios garante a exacta medida de consumo dos recursos por cada uma das operações, com e sem direito à dedução, e traduziria uma interpretação de um rigor formalista incompatível com o princípio da neutralidade do imposto.
A pretexto de uma alegada falta de preenchimento de requisitos dificilmente alcançáveis, isso viabilizaria a dedução de imposto em montante consideravelmente superior ao correspondente ao consumo (aproximado) dos bens e serviços pelas operações que conferem direito à dedução, transformando imposto não-dedutível em imposto efectivamente deduzido pelo sujeito passivo.
Em todo o caso, e ainda quanto à comprovação da “preponderância de custos”, e à deslocação do foco para o plano dos factos, ela resulta precisamente da circunstância de o critério de imputação específica ser enquadrável no método da afectação real, uma modalidade do cálculo de dedução que se pretende que espelhe fielmente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que seja imputada a operações que conferem o direito à dedução – resultando daí uma exigência de rigor probatório superior à que se associará a um método residual de pro rata, até porque tem que se atender, suplementarmente, aos objectivos de prevenção ou reparação de distorções na tributação.
Ou seja, aqui a alegação da preponderância de “custos de disponibilização” defronta-se com uma exigência acrescida de comprovação (mas não o rigor milimétrico), dada:
a) a sua implausibilidade, ditando as regras da experiência comum que uma sociedade financeira se dedicará mais, senão exclusivamente, ao financiamento e gestão dos contratos de leasing e ALD, não se tendo por verosímil, até prova em contrário, que prepondere aquilo que, numa síntese de várias alegações produzidas, se poderia caracterizar como uma “assessoria comercial” dos retalhistas do sector automóvel – em aberta sobreposição com funções próprias destes retalhistas, quando plausivelmente essas funções deveriam considerar-se residuais na actividade de uma sociedade financeira.
b) o facto de se tratar uma segunda tentativa para se tentar afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução, quando deixou se se aceitar a invocação, para esse efeito, de uma componente “amortização”, porque essa não é uma remuneração da actividade do locador, mas o pagamento parcelar do custo de aquisição do bem locado, in casu, viaturas automóveis, ou seja, o reembolso gradual e progressivo do preço da viatura que, findo o contrato, passará previsivelmente para a esfera jurídica do locatário – devendo reservar-se à entrada “juros (e outros encargos)” a função de única remuneração da actividade do locador. Isto porque, relembremo-lo, para efeitos de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade financeira da locadora apenas será proporcional e equilibrada se tiver exclusivamente em conta a componente de juros e outros encargos, excluindo a do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com esses gastos mistos, e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação directa.
Devendo insistir-se, quanto a este último ponto, que o valor da renda tributada em IVA relativo à parte do reembolso do capital usado para a aquisição dos bens dados em locação, ou amortização financeira, não é ignorado, uma vez que contribui directamente para a dedução integral do IVA incorrido na aquisição desses bens – bens que são recursos específicos e exclusivos da locação.
Com efeito, ao IVA liquidado na renda pelo locador (a aqui Requerente), é totalmente subtraído o IVA incorrido com a aquisição dos bens, pelo que, sendo o contrato de locação executado até ao seu termo, o IVA liquidado na componente da amortização financeira da renda é totalmente absorvido e compensado pelo IVA deduzido com a aquisição dos bens locados.
A parte sobrante, ou seja, juros e outros encargos, é aquela parte da renda que visa remunerar os gastos gerais da actividade de locação – pelo que é a componente da renda remanescente ao capital, que há-de reflectir a ponderação, por parte do sujeito passivo, dos gastos que este calcula suportar na operação, e da sua margem financeira.
É esta componente dos juros e outros encargos que representa, em suma, a única remuneração económica dos gastos da actividade de leasing, como aliás é patenteado pelas normas contabilísticas e de tributação do imposto sobre o rendimento que incidem sobre esta actividade.
Em síntese, relembremos que, do ponto de vista da adequação, em abstracto, do método de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade da Requerente apenas é proporcional e equilibrada se tiver em conta a componente de juros e outros encargos, e já não a do capital, que não apresenta conexão com esses gastos mistos, e apenas tem conexão com o input de aquisição dos bens dados em locação, cujo IVA é deduzido integralmente pelo método da imputação directa.
Convirá ainda realçar, para efeitos de apuramento da “afectação real”, que só a parcela das rendas, registada nas respectivas contas de proveitos, constitui proveito contabilístico da sociedade locadora, integrando o “volume de negócios” que serve de base ao apuramento do pro rata, nos termos do art. 23º, 4 do CIVA; sendo que a componente de amortização financeira das rendas, correspondente à aquisição do bem locado, não reveste, pelo contrário, a natureza de proveito, nos termos do art. 42º do CIVA.
Dispõem os §§ 32 e 33 das NCRF 9:
“32. Os locadores devem reconhecer os activos detidos sob uma locação financeira nos seus balanços e apresentá-los como uma conta a receber por uma quantia igual ao investimento líquido na locação.
33. Substancialmente, numa locação financeira todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade legal são transferidos pelo locador, e por conseguinte os pagamentos da locação a receber são tratados pelo locador como reembolso de capital e rendimento financeiro para reembolsar e recompensar o locador pelo seu investimento e serviços.”
O que confirma que, também na vertente contabilística, o mero reembolso do capital mutuado não é rendimento do locador, ao contrário do rendimento financeiro que visa remunerar o locador pelo seu serviço.
Assim, como vem insistindo a recente jurisprudência do STA posterior ao acórdão de 4 de Março de 2020, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, caberá a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, demonstrando que, no seu caso concreto – dadas as reais especificidades do seu negócio, detalhadamente comprovadas –, a utilização dos bens ou serviços mistos não foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.
Ou seja: é de aplicar o entendimento sedimentado na jurisprudência do STA, de que, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.
Concretamente, no que respeita à indispensabilidade de uma demonstração casuística, por parte da AT, dos pressupostos factuais que subjazem à aplicação do coeficiente de imputação específico, colocando-se a questão de saber se, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos dos direitos que as partes se arrogam (v. artigo 74.º da LGT), aquela teria que “invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos” (cfr. Acórdão do STA no Proc. n.º 0101/19.1BALSB), há que relembrar que, quando o acto de liquidação adicional de IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.
Pelo que é sobre a Requerente que recai tal ónus, e não sobre a Requerida.
É ao sujeito passivo que compete alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Neste sentido se pronuncia, de igual modo, o STA, que reputa tal solução adequada “também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.” (Proc. n.º 0101/19.1BALSB).
Prova que a Requerente não logrou fazer; e talvez nem o pudesse fazer perfeitamente, dada a índole peculiar da locação financeira, um contrato no qual, e ao contrário do que é regra na locação comum, os riscos, encargos, e responsabilidades relativas ao bem correm pelo lado do locatário, não obstante não ser ele o proprietário – ficando o locador, na locação financeira, numa posição extensamente exonerada: por exemplo, não corre por conta dele o risco do perecimento ou deterioração do bem, correndo pelo locatário a obrigação de segurar o bem; não cabe ao locador realizar reparações do bem, mas sim ao locatário; cabe ao locatário, não ao locador, defender a integridade do bem e o respectivo gozo, e, no limite, recorrer a acções possessórias; o locador não responde pelos vícios do bem, nem pela sua inadequação aos fins do contrato; as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário; como assim também o risco de perda e deterioração do bem (veja-se todo este regime no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, que sucedeu ao Decreto-Lei n.º 171/79, de 6 de Junho, revogando este).
Em suma, na locação financeira, não obstante o facto de o locador ser o proprietário, este fica quase totalmente desligado e desresponsabilizado das obrigações que normalmente oneram um proprietário, e mesmo daquelas que oneram um locador – pelo que materialmente os custos genuinamente correspondentes à “disponibilização” dos bens locados praticamente se cingirão à aquisição desses bens e à autorização da entrega dos bens aos locatários, tudo o resto se concentrando em custos de financiamento e gestão dos contratos.
Cabendo enfatizar-se, uma vez mais, que, como se esclarece na decisão do processo n.º 754/2023-T, “quando se fala neste contexto - quando assim o faz o TJUE na jurisprudência atrás citada (e, bem assim, o nosso STA, cfr também supra) - em “disponibilização” das viaturas, quer-se significar a entrega das mesmas. Ou a entrega das suas chaves, se se preferir. E não a manutenção/a constância das mesmas na posse dos clientes ao longo da duração (de cerca de 4 anos) dos contratos. Como bem se compreende”.
Muito em particular com relevância para o caso, na locação financeira não existem prestações positivas (de “fazer” ou de “dar”) do locador para com o locatário, em relação directa com o bem: o locador limita-se a fornecer os meios financeiros que habilitam o locatário a ter acesso ao bem e a usá-lo, não sendo sequer comum que a locadora venha a ter, num qualquer momento, o domínio do veículo, ou qualquer papel na utilização quotidiana dos veículos locados, ou nas diversas vicissitudes respeitantes a essa utilização – remetendo-se o locador, até nos termos do quadro legal referido, à posição de mero financiador, de mero mutuante.
E é por isso mesmo que quaisquer despesas que nasçam de um desvio a esse estado de coisas é recoberto – nos termos de um preçário fornecido aos locatários – por “comissões” que são contrapartida dessas despesas, devolvendo o seu suporte ao locatário. Circunstância que ao mesmo tempo esclarece que, sendo essas comissões pagas separadamente, elas não são incorporadas na componente da renda correspondente a juros e outros encargos, que, essa sim, fica a constituir a única contraprestação específica da locação – ou seja, é devida independentemente de quaisquer vicissitudes da locação, e resulta da mera execução do contrato, do mero acesso do locatário ao bem locado, pela duração estipulada no contrato.
IV.G. Conclusão
Do que precede, concluímos que o Ofício-Circulado n.º 30108 não constitui uma mera interpretação administrativa do art. 23º do CIVA, contendo antes uma normação prescritiva, legalmente habilitada, no exercício da faculdade ou prerrogativa de determinar “condições especiais”, pelo n.º 2 do referido artigo 23º; impondo, com os fundamentos contemplados no n.º 8 do Ofício, a adopção de um determinado coeficiente de imputação específico – de forma não-arbitrária, antes determinada por um propósito de prevenção de distorções significativas na tributação, que ocorreriam se se insistisse num rácio desligado da comparabilidade económica, isto é, se se apontasse para um cálculo assente numa presunção do consumo de recursos pelas diversas actividades, quando as realidades que constituem o termo de comparação são objecto de métricas distintas (se se tivesse em conta a componente do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com os gastos mistos e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação directa, estaríamos a comparar realidades diversas, nomeadamente juros de financiamentos concedidos no contexto da atividade geral, com juros e capital do leasing).
Sendo que, nos termos preconizados na orientação administrativa, para que a comparação das operações tenha “coerência” e traduza uma proporção adequada, quer a actividade financeira geral, quer a actividade de leasing, substancialmente equiparáveis numa perspectiva económica, devem considerar apenas a respectiva remuneração, isto é, os juros.
Conclui-se também que a aplicação da directriz administrativa contida no Ofício-Circulado n.º 30108 não carece da mediação de um acto administrativo em matéria tributária, cabendo a demonstração de não estarem preenchidos os respectivos pressupostos (a mencionada falta de coerência das variáveis utilizadas, causadora de distorções significativas na tributação) aos sujeitos passivos que invocam o direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 74º, 1 da LGT: na prática, a demonstração de que a utilização mista dos bens e serviços foi também, e manifestamente, determinada pela disponibilização dos bens – e não somente a demonstração de que foram incorridos alguns custos por conta da referida disponibilização.
Em contrapartida, impõe-se a conclusão de que o Ofício-Circulado n.º 30108 se limita a concretizar a previsão legal e é desprovido de carácter inovatório – não constituindo, esse Ofício-Circulado, o parâmetro de validade da autoliquidação, cujo suporte é o art. 23º, 2 e 3 do CIVA.
Havendo norma permissiva a nível do direito da União e do direito nacional, como o estabelece a jurisprudência constante e uniformizada dos tribunais superiores, não se verifica violação do princípio da legalidade. Não se descortinando qualquer divergência face à orientação estabelecida pelo TJUE e pelo STA, não ocorre violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva. E não se suscita qualquer dúvida que possa ser resolvida pela via do reenvio prejudicial: pelo contrário, o TJUE já se pronunciou abundantemente, firmemente, e consolidadamente, nesta matéria.
E será oportuno relembrar, em contrapartida, que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da União Europeia; e também que a jurisprudência do TJUE, aqui chamada à colação, não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo”, na medida em que vincula todos os tribunal nacionais do Estados-Membros, tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, o acórdão “Costa/Enel”.
Sem perder de vista que vigora, além disso, o princípio da “interpretação conforme com o Direito da União”, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos arts. 4.º, 3 do TUE e 288.º, 3 do TFUE – um princípio que impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União (cfr. acórdão “Von Colson” do TJUE, de 10 de Abril de 1984, Proc. n.º 14/83, no qual se entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma directiva, em conformidade com o texto e objectivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva).
Pelos motivos expostos, julga-se não verificado o vício de ilegalidade alegado pela Requerente, em virtude de o critério de imputação específico consagrado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, ter suporte legal no artigo 23.º, 3 e 2 do CIVA, sendo conforme ao direito da União Europeia, em concreto ao disposto no art. 173.º, 2, c) da Directiva IVA e ao princípio da neutralidade fiscal, da efectividade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento entre Estados-Membros.
Quanto às pretensões da Requerente relativas a uma alegada inconstitucionalidade, seja do quadro legal, seja da interpretação desse quadro legal ínsita no coeficiente consagrado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, resulta de tudo o anteriormente exposto que ela não se verifica – como aliás tem sido reiteradamente estabelecido pela jurisprudência do STA –, não se descortinando, seja qualquer violação do Princípio do Acesso aos Tribunais, do Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, do Princípio da Separação de Poderes ou do Princípio da Legalidade, nas suas vertentes de Preeminência da Lei, de Reserva de Lei e de Tipicidade Fechada, seja, especificamente, qualquer violação dos arts. 111.º, 112.º, 5 e 165.º, 1, i) da CRP.
Neste pressuposto, e porque considerámos não-provada a alegação da Requerente, de que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente foi predominantemente dedicada, em termos de gastos, à disponibilização dos veículos, improcede totalmente o pedido de pronúncia que deu origem a este processo arbitral, e ficam ipso facto prejudicadas todas as pretensões da Requerente que dependessem da procedência do pedido, incluindo as pretensões da Requerente relativas a juros indemnizatórios.
IV.H. – Aplicação uniforme do Direito.
Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 709/2019-T, 759/2019-T, 887/2019-T, 927/2019-T, 278/2020-T, 292/2020-T, 576/2020-T, 637/2020-T, 128/2021-T, 804/2021-T, 808/2021-T, 549/2022-T, 558/2022-T, 126/2023-T, 455/2023-T, 478/2023-T, 659/2023-T, 754/2023-T, 834/2024-T e 1014/2024-T do CAAD[5], e ainda o voto de vencido de Fernando Marques Simões no Proc. nº 568/2023-T.
IV.I. – Questões impertinentes ou prejudicadas.
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.
O Tribunal reservou-se o direito de apreciar apenas os argumentos formulados pelas partes que entendeu pertinentes para a apreciação da questão em causa, depois de ter identificado as partes e o objecto do litígio, ter enunciado as questões decidendas, e ter fundamentado a decisão, discriminando os factos provados e os não provados, ter indicado, interpretado e aplicado as normas jurídicas correspondentes, apresentando, no final, a sua decisão[6].
V. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Manter na ordem jurídica as autoliquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;
c) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VII. Valor do processo
Fixa-se, assim, o valor do processo em € 9.399.217,96 (nove milhões, trezentos e noventa e nove mil, duzentos e dezassete euros e noventa e seis cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Lisboa, 2 de Julho de 2025
Os Árbitros
Fernando Araújo
Clotilde Celorico Palma
(com voto de vencida)
Sofia Ricardo Borges
(Subscrevo o Acórdão, no entanto assinalando um aspecto sobre o qual tenho a seguinte reserva. Com relação aos efeitos do Ofício Circulado, Doutrina Administrativa, entendo que eles são apenas internos, i.e., que o Ofício apenas vincula a própria entidade Requerida. E, sim, carece de mediação de um acto administrativo, para que produza efeitos numa situação individual e concreta. Nos autos, o acto tributário em crise, o objecto do PPA, é a autoliquidação - cfr art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT. Acto da iniciativa do Sujeito Passivo. Não houve intervenção da AT a determinar ou impor - sequer através de um Ofício - o conteúdo da autoliquidação. E o facto de ter sido interposta reclamação graciosa, que veio a ser indeferida, é inócuo para este efeito. Sobre o ponto, e demais consequências que vejo daí decorrerem, pode ver-se o que desenvolvi em voto de vencido no Proc.º n.º 1040/2024-T deste CAAD.)
Voto de Vencida
1. Nota Prévia
Não obstante o devido respeito pelo Senhor Presidente relator da presente decisão, que é muito, não nos podemos rever nos fundamentos base em que se encontra alicerçada, pressupostos estes que, em nosso entendimento, viciam, inevitavelmente, as conclusões.
Vejamos pois.
Está em causa essencialmente apurar se a AT, através do Ofício-Circulado da Área de Gestão Tributária do IVA n.º 30108, de 30 Janeiro de 2009, pode vir “impor condições especiais” para a determinação do direito à dedução do IVA suportado pelas instituições financeiras em recursos indistintamente utilizados na realização de operações que conferem e que não conferem o direito à dedução (“recursos comuns”), quando estas desenvolvam simultaneamente actividades de Leasing ou de ALD, situação que se verifica no caso em apreço.
No aludido Ofício-Circulado refere a AT que, “No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente atividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.” (cfr. n.º 5 do Ofício-Circulado).
É neste contexto que conclui que, “…considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a «distorções significativas na tributação», os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.” (cfr. n.º 8 do Ofício-Circulado).
Importa, pois, apurar, desde logo, se efectivamente a AT pode, nos termos referidos, tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção, a parte da renda correspondente à amortização.
Com efeito, se concluirmos em sentido contrário, como é nosso entendimento, inútil será o exercício subsequente de apurarmos se efectivamente a utilização pela Requerente do método do pro rata, previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, decorre da sua própria estrutura empresarial, dado as operações de locação financeira em causa implicarem a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados, os quais são determinados pelo facto de ser a proprietária dos referidos bens.
Isto é, sendo a questão de apurar se a referida propriedade implica um consumo significativo de recursos comuns, que não se verificaria numa situação em que apenas concedesse financiamento aos seus clientes e estes, por sua vez, adquirissem directamente os bens em causa, uma questão subsequente, importa então, prima facie, analisar até que ponto será legal o aludido entendimento sufragado pela AT.
Em suma, estão em causa fundamentalmente dois aspectos:
- Analisar se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução prevista no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, actual Directiva IVA, quando determina que, “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.”
- Apurar se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos actos de financiamento e gestão dos ditos contratos.
2. Dos vícios legais da interpretação da AT
Desde logo, cumpre enfatizar que em nosso entendimento no denominado Caso Banco Mais, proferido no Processo C-183/13, com Acórdão datado de 10 de Julho de 2014, não foram dilucidadas as dúvidas suscitadas sobre a conformidade do mencionado Ofício ao Diireito da União Europeia.
Não se nos afigura, distintamente do afirmado, que o aludido Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, se configure como “… um regulamento de execução, desprovido de caráter inovatório e enquadrado nessa norma (legal) habilitante.”
Não podemos concordar com tais asserções.
Com efeito, entendemos que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o respectivo n.º 3) não representa uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, desta Directiva.
Termos em que, entendemos que a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA, levada a cabo pela AT, entendida por esta como norma como habilitante a aplicar ou a impor à Requerente um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea I) da CRP, não tendo o legislador feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção.
Neste contexto e para os efeitos tidos por convenientes, reproduzimos, no essencial, a parte de direito do Acórdão 259/2022-T, 6 de Janeiro de 2023, do qual da qual fomos relatora, fazendo-se desde já notar que, por opção de clarificação, mantemos as respectivas notas de rodapé:
“ A AT invoca que a questão ora em análise foi já apreciada pelo TJUE, no Acórdão proferido no Caso Banco Mais, Proc. C-183/13, de 10 de Julho de 2014, alegando que este veio a confirmar a posição da AT nesta matéria, invocando ainda o Acórdão do STA, de 4 de Março de 2020, proferido no âmbito do recurso n.º 052/19.
Ora, entendemos desde logo que a interpretação levada a cabo pela AT não tem apoio directo nos textos legais, uma vez que o legislador não fez uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fração.
Com efeito, não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Diretiva.
E deve notar-se que a jurisprudência do TJUE, no denominado Caso Banco Mais, não pode colher no sentido invocado pela AT, porquanto, analisado o mesmo, conclui-se que parte de uma premissa que não está correta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
Vejamos.
É nosso entendimento que uma interpretação segundo a qual os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstrato, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização), é material e formalmente inconstitucional por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).
Não tendo tal solução sido prevista legislativamente, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicá-la, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da atuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).
Termos em que se conclui que o IVA a liquidar deve incidir sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fração que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.
Como é sabido, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da AT de natureza geral e abstrata, publicitadas circunscreve-se à esfera administrativa, resultando apenas e da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da AT, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, não vinculando os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os tribunais.
Neste contexto importa relembrar que, como nos ensina Saldanha Sanches: “Estas orientações administrativas, sob a forma de circulares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões (…) da administração.
(…).
Com a estrutura formal duma norma jurídica – uma vez que não são a aplicação do Direito a um caso concreto, mas têm antes um carácter geral e abstracto -, as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. Como se afirmou sem ambiguidades num acórdão do STA que analisa uma determinada orientação administrativa, “o valor da doutrina dessa circular será apenas o da sua valia intrínseca. Contém uma doutrina que será boa ou má, válida ou inválida, como qualquer outra doutrina”. Estar contida numa decisão administrativa não amplia nem reduz a sua força convincente, nem cria uma presunção de legalidade ou ilegalidade.” [7]
Assim, como bem notam os Professores Doutores Guilherme Xavier de Basto e António Martins analisando o designado Caso Banco Mais julgado pelo TJUE[8], “O Acórdão parece fundamentar a sua decisão final – no sentido de que o direito comunitário não se opõe a que um Estado membro obrigue um banco que exerce, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, que corresponde aos juros (com exclusão, portanto, daquela outra parte que corresponde a “amortização financeira”) – no que é hoje o artigo 173º, nº 2 alínea c) da directiva (citando o artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c) da 6ª directiva, aplicável aos factos tributários controvertidos no processo).
Ora, nessa disposição, atrás transcrita, do que se trata é de autorizar os Estados a, afastando-se da regra mais geral da percentagem de dedução, efectuar a dedução “com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”. O método dito da afectação real é uma alternativa ao método da percentagem de dedução ou do pro rata, mas não consiste em alteração do algoritmo de cálculo dessa percentagem, o qual está estabelecido no artigo 174º da directiva e envolve a construção de uma fracção em que no numerador se inclui “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução” (alínea a) do nº 1) e no denominador “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução” (alínea b) do mesmo nº).
Deve porém analisar-se se essa faculdade, que o TJUE admite que os Estados membros exerçam, foi efectivamente tomada pelo legislador português. A resposta, a nosso ver, é negativa e a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no nº 4 do artigo 23º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é obviamente um ofício-circulado, que não é mais que um regulamento interno que apenas obriga os serviços, mas não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”[9]
Neste contexto, salientam que, “As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (nº 3, alínea b) do artigo 23º, ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por esse método, da imposição de o abandonar (parte final do nº 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração do pro rata de dedução.”
Igualmente neste sentido, José Maria Montenegro[10] conclui, adequadamente em nosso entendimento, que o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção do pro rata de dedução, pelo que o que é permitido pelo artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, não estando em causa uma alteração ao modo como o sujeito passivo apurou o seu pro rata, tratando-se sim, nos termos legais, de uma alteração do método de dedução. Assim, como nota o autor, no Caso Banco Mais o direito nacional não terá sido analisado com o rigor e a profundidade desejável, sendo que a pertinência da resposta do Tribunal dependia de ser verdadeiro o pressuposto de que a lei portuguesa concede poderes à AT, através de uma decisão administrativa, de alterar a composição do pro rata de dedução. Ora, não dando a nossa lei esses poderes, as respostas do Tribunal não contribuem para legitimar a interpretação que a AT tem vindo a querer impor.
Note-se que, tal como alega a Requerente, no Caso VW Financial Services[11], veio o TJUE acrescentar, que “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega” (cfr. n. 56).
Aditando que ainda que, “sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 57).
Neste contexto conclui o TJUE que, “(…) os artigos 168.º e 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 59).
No mesmo sentido, como já antes referimos, vão a maioria das decisões do Tribunal Arbitral.
Assim, na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017, de 20 de Novembro de 2017, conclui-se que, “(…) embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. (…).
Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.
(,,,)
Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).”
Também na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018, de 25 de Março de 2019, se conclui que, “A Requerente sustenta, todavia, que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não transpõe para o direito interno a disposição do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva baseando-se essencialmente no seguinte argumento: enquanto a Directiva permitia que os Estados-membros autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens ou serviços, o legislador nacional não conferiu à Administração essa prerrogativa, limitando-se a permitir o controlo dos critérios objectivos que o sujeito passivo tenha utilizado quando opte pelo mecanismo da afectação real.”
Veja-se igualmente a Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 498/2018, de 28 de Maio de 2019, nos termos da qual se decide que, “Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a faculdade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo. Embora à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”.
Na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018, de 17 de Junho de 2019, conclui-se no mesmo sentido que, “Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga aos serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”
Acresce que importa atender que, como se faz notar na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 769/2019, de 2 de Abril de 2020, “Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal…”
Atente-se no voto de vencida no âmbito do Processo n.º 887/2019, de 12 de Outubro de 2020, que, no tocante ao Caso Banco Mais, conclui que, “neste caso o TJUE considerou que a Sexta Diretiva do IVA não se opõe a que os Estados membros apliquem, numa determinada operação, um método ou critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daquele outro método. Ora, analisado o Acórdão (…), conclui-se que parte de uma premissa que não está correta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.”
Por seu turno, como se conclui na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 335/2018, de 14 de Dezembro de 2020, “(…) tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução. (…) Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».” “Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.” “Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.”
Veja-se ainda a Decisão proferida no Processo n.º 58/2020-T, de 21 de Janeiro de 2021, em conformidade com a qual se deve recusar a aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.”
Igualmente no Processo n.º 58/2020-T, se salienta que, “em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efetuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excecional», dependendo de se verificar, casuisticamente, que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros).”
Note-se que, no contexto deste Processo, o Tribunal Arbitral, a propósito do Acórdão do TJUE no âmbito do Caso VW Financial Services, vem concluir que, “na linha desta jurisprudência, tendo em conta que a obrigatoriedade da jurisprudência do TJUE implicará o acatamento da mais recente quando ela se modifica, tem de entender-se que o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, tem de considerar-se não suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspetiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE” (cfr. página 75 da referida decisão do Tribunal Arbitral).
De entre esta extensa panóplia de Decisões cumpre ainda salientar a proferida no Processo n.º 576/2021-T, de 14 de Fevereiro de 2022.
Nesta Decisão, inicia o Tribunal Arbitral por analisar a decisão proferida no referido Caso VW Financial Services, nos seguintes termos: “Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.
Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fração, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fração (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).
De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar»”.
Termos em que se conclui que, “Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da reclamação graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.”
De salientar em particular que veio ainda nessa Decisão reiterar-se o entendimento de que é necessário fazer um “apuramento casuístico” da utilização real dos bens e serviços de uso misto, em concreto, se é ou não sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
Termos de acordo com os quais o Tribunal Arbitral considerou expressamente que a autoliquidação então sindicada enfermava de erro sobre os pressupostos de direito, ao ter subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efectuada pela AT, de forma genérica, “sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.”
O Tribunal chega mesmo a considerar que o método previsto no referido n.º 9 do Ofício-Circulado, por não ter “em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos”, não tem potencialidade para “garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.”
Mas importa salientar que o Tribunal entende que, entre nós, a imposição daquele método apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que a sua imposição “viola os princípios constitucionais da legalidade e da hierarquia das normas e o princípio administrativo da legalidade [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT]”. Acrescendo que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à AT “impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.”
Assim como, conclui, por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, “se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108”.
No tocante à invocada decisão do STA, importa salientar que, distintamente do invocado pela AT, admite claramente antever a possibilidade de realização da prova sobre a utilização dos recursos mistos, designadamente por parte do sujeito passivo, de forma a apurar a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada – ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição ao previsto no Ofício-Circulado n.º 30108.
Face ao exposto, concluímos que a Requerente tem razão ao invocar que, atenta a jurisprudência comunitária e nacional neste âmbito, há que retirar as seguintes conclusões:
“ - A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;
- Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Diretiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos; e,
- Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;
- Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.”
Com efeito, como começámos por enfatizar, desde logo, é nosso entendimento, na esteira do sufragado pelos Professores Xavier de Basto e António Martins, que o normativo constante do n.º 2 (conjugado com o n.º 3) do artigo 23.º do Código do IVA não representa uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida na alínea c) terceiro parágrafo n.º 5 do artigo 17.º, da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista no primeiro parágrafo n.º 5 do artigo 17.º, e n.º1 do artigo 19.º, de tal Directiva. Tal entendimento veio recentemente a ser enfatizado de forma magistral no artigo “O pro rata de dedução do IVA nas operações de locação financeira – uma questão mal resolvida”, publicado na Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal 2025, 1.º T, pp 33-97.
Idêntico entendimento foi, nomeadamente, veiculado no contexto dos Proc.s n.ºs 312/2017-T, de 16 de Janeiro de 2018, 907/2019-T, de 4 de Dezembro de 2020, 58/2020-T, de 21 de Janeiro de 2021, 76/2022- T, de 22 de Fevereiro de 2023, 398/2022-T, de 2 de Maio de 2023, 648/2022-T, de 9 de Agosto de 2023, 494/2023-T, de 13 de Dezembro de 2023, 568/2023-T, de 12 de Fevereiro de 2024, 755/2023-T, de 25 de Junho de 2024 e 693/2024 T, de 3 de Fevereiro de 2025. Tal como se salienta e bem nesta última Decisão mais recentemente proferida, a solução de aplicar um «coeficiente de imputação específico» não pode ser feita contra a norma de incidência subvertendo-a, ou seja, criando por via administrativa uma subversão da norma de incidência e do respetivo direito à dedução. E é, isso, que se verifica no presente processo. Ao determinar por comando administrativo que o pro rata utilizado exclua o montante da incidência sobre o capital, estabelece um conjunto de questões e perplexidades que correspondem à violação da incidência tal como ela está na lei aplicável.
Mais, adito que, ainda que assim não se entendesse, importa sublinhar que no Acórdão proferido no Processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar»”.
Acresce que no Acórdão VW Financial Services, visa-se apurar a parcela de IVA dedutível contida em custos gerais relativos à administração corrente, dando-se como exemplo os custos ligados à formação e recrutamento do pessoal, às refeições e bebidas deste, à manutenção e melhoria da estrutura informática, etc.. No n. 44, o Tribunal declara que “na medida em que estes custos gerais foram realmente efetuados, pelo menos em certa medida, tendo em vista a disponibilização de veículos, que são operações tributáveis, os referidos custos são parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações”, e, portanto, deve admitir-se, quanto a eles, o respectivo direito à dedução. Isto é, deve salientar-se que o Tribunal se satisfaz em que tais custos sejam “pelo menos em certa medida” realmente efectuados tendo em vista a disponibilização dos veículos (que corresponde ao valor do capital financiado). Não exige prova cabal que assim tenha sido, basta que o tenha sido “em certa medida” porque, como custos gerais que são, dificilmente se consegue a sua imputação. É, a meu ver, o que resulta provado nos presentes autos.
Ou seja, estamos claramente perante um entendimento da AT que, distintamente das conclusões a que se chega no presente Acórdão, contraria as exigências probatórias que alguma jurisprudência portuguesa tem vindo a impor aos sujeitos passivos, para preencher o requisito do Caso Banco Mais de que os juros correspondem ou não a contrapartida de “custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro”.
A aplicação do método do volume de negócios apenas se poderá afastar se daí resultar um resultado mais preciso e mais rigoroso, sempre atendendo à natureza fundamental do direito à dedução. Ora, como demonstram magistralmente os Professores José Guilherme Xavier de Basto e António Martins nos seus artigos, não é o que se verifica com o recurso ao método do “coeficiente específico” que a AT pretende impor para determinar a parcela de IVA residual dedutível nas operações de locação financeira. Pelo contrário, o recurso ao referido coeficiente distorce, em sentido desfavorável ao sujeito passivo, o seu direito à dedução, não lhe permitindo desonerar-se inteiramente do imposto suportado no quadro de todas as suas actividades económicas sujeitas a tributação, assim se violando o princípio da neutralidade ao se colocar em crise o normal exercício do direito à dedução.
Como notam, não se pode esquecer que, nesse processo principal e na formulação da questão prejudicial no Caso Banco Mais, o Tribunal de reenvio não mencionou, nem o relevantíssimo facto de o artigo 16.º do CIVA obrigar à inclusão da totalidade da renda no valor tributável, nem, por outro lado, as condições técnico-económicas de utilização dos recursos produtivos do contribuinte, que justificariam o afastamento da aplicação do pro rata “normal” e sua substituição pela percentagem ajustada que a AT impõe.
A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de actividade cujas operações conferem direito à dedução. A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afectação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objectivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação.
Termos de acordo com os quais procedem, em nosso entendimento, os vícios invocados pela Requerente.
Com efeito, desde logo se considera provado que a Requerente apurou um coeficiente de imputação específico de 6%, o qual não teve, portanto, em consideração, quer no numerador, quer no denominador da fracção, a “componente de amortização de capital” associada às rendas de locação financeira. Desconsiderar as consequências práticas de tal facto consubstancia uma clara violação do principal princípio que rege este imposto – o da neutralidade. Como resulta em nosso entender provado, dada a sua própria estrutura empresarial e dada a propriedade dos bens locados, as operações de locação financeira em causa implicariam a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados – a sua utilização indistinta em operações que conferem, e operações que não conferem, direito à dedução do IVA, com todos os efeitos legais daí provenientes.
3. Da prova da utilização dos recursos
Uma última nota para salientarmos que, ainda que se concluísse, erroneamente, que o entendimento da AT estava correcto, o certo é que, efectivamente, não sendo utilizados critérios objectivos de repartição dos recursos comuns, apenas é admissível a utilização do critério defendido pela AT no caso de os referidos recursos serem sobretudo determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação.
Ora, em nosso entendimento não resulta provado de forma cristalina e inequívoca da documentação junta aos autos e da prova testemunhal que tal é o caso da Requerente.
Não se nos afigura que tenha ficado demonstrado que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA, provocou “distorções significativas da tributação”, não se tendo verificado no caso controvertido o pressuposto no qual o Ofício-Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9.
De qualquer forma, em último caso, sempre teríamos de concluir estarmos, pelo menos, perante uma situação de “fundada dúvida”, que, como é sabido, deve ser processualmente valorada a favor da Requerente e não contra ela, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que se consubstancia como uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.
4. Do reenvio prejudicial
Resulta do exposto que, não obstante em nosso entendimento as questões discutidas nos autos se encontrarem clarificadas pelo Tribunal de Justiça conforme a jurisprudência mencionada, o certo é que o percurso relatado demonstra que as divergências existentes, quer ao nível da doutrina quer da jurisprudência nacional, demonstram que, a final, existem dúvidas fundadas sobre o sentido e alcance das regras em apreço.
Termos em que, entendemos que, aqui chegados, seria recomendável proceder a reenvio prejudicial.
Lisboa, 25 de Junho de 2025
A Árbitra
(Clotilde Celorico Palma)
[1] “44. Assim, na medida em que estes custos gerais foram realmente efetuados, pelo menos em certa medida, tendo em vista a disponibilização de veículos, que são operações tributáveis, os referidos custos são parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações. Por conseguinte, origina‑se um direito à dedução do IVA, em princípio, em conformidade com as considerações expostas nos n.os 38 a 42 do presente acórdão.” – acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, (sublinhado nosso).
[2] O acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd faz referência expressa a essas especialidades:
“12. Segundo a legislação aplicável no Reino Unido, a VWFS, ao celebrar tal contrato, é considerada o fornecedor do veículo objeto do referido contrato, que deve, nomeadamente, conter uma condição nos termos da qual o veículo deve ser de qualidade satisfatória. Assim, o serviço que esta empresa presta não se limita à concessão de um crédito, incluindo ainda assistência relativa ao próprio veículo, como a gestão das queixas relativas à qualidade deste.
13. Nos termos de tal contrato de locação financeira, o preço pago à VWFS pela aquisição do veículo corresponde ao preço pago ao distribuidor pela VWFS, sem margem de lucro. Em contrapartida, no âmbito da fixação da taxa de juro relativa à parte «financiamento» da operação, a VWFS acrescenta aos seus próprios custos de financiamento uma margem para os custos gerais, uma margem de lucro e uma provisão para créditos de cobrança duvidosa. Assim, segundo o sistema contabilístico que a VWFS utiliza para este tipo de operações, a parte dos pagamentos correspondente aos juros é incluída no volume de negócios, contrariamente à parte correspondente ao reembolso do preço de aquisição do veículo.
14. É pacífico entre as partes que um contrato de locação financeira, embora constitua uma operação comercial única, inclui, em termos das disposições legais do Reino Unido em matéria de IVA, várias operações distintas, incluindo, por um lado, a disponibilização de um veículo, operação sujeita a imposto, e, por outro, a concessão de um crédito, operação isenta.
15. No que se refere ao IVA pago a montante pela VWFS sobre a totalidade das suas atividades, uma parte do referido imposto respeita exclusivamente a operações tributáveis ou a operações isentas, e a outra parte respeita a operações dos dois tipos. Este último IVA é qualificado no Reino Unido como «residual». Concretamente, trata‑se dos custos gerais relativos à administração do dia a dia, como os custos ligados à formação e ao recrutamento de pessoal, às refeições e bebidas deste, à manutenção e à melhoria da infraestrutura informática, bem como os custos relacionados com infraestruturas e papelaria. Atendendo ao estatuto de operador parcialmente isento da VWFS, as partes estão em desacordo quanto à questão de saber em que medida pode a VWFS deduzir este IVA residual.
16. Para determinar o montante do imposto pago a montante que podia deduzir, a VWFS acordou com a Administração Fiscal um «método especial de isenção parcial». Segundo este método, o imposto pago a montante relativo às despesas efetuadas exclusivamente para a realização de operações tributáveis é dedutível, ao passo que o imposto relativo às despesas efetuadas exclusivamente para a realização de operações isentas não é dedutível.
17. Em 2 de fevereiro de 2007, a VWFS escreveu à Administração Fiscal para lhe propor que, no âmbito deste método especial, o IVA residual pago a montante seja repartido entre os seus setores de atividade, nomeadamente, em função do volume de negócios de cada setor, que seria, portanto, calculado sem ter em conta o valor dos veículos revendidos no âmbito dos contratos de locação financeira. Em seguida, seria aplicado um método particular para quantificar o IVA residual dedutível para cada setor.
18. O litígio que opõe a Administração Fiscal e a VWFS incide sobre a questão de saber em que medida o IVA residual que é desta maneira imputado ao setor do retalho deve ser considerado, segundo tal método particular, como «utilizado ou a utilizar» pela VWFS para efetuar operações tributáveis neste setor.
19. A este respeito, a VWFS propõe basear‑se na relação entre o número de operações tributáveis e o número total de operações no referido setor. Segundo o seu método, as operações de locação financeira devem ser consideradas duas operações distintas, uma tributável e a outra isenta, e o número de operações não corresponde ao número de contratos mas sim ao número de pagamentos, habitualmente mensais, efetuados nos termos desses contratos.
20. A Administração Fiscal considera, por seu turno, que cada montante de IVA residual imputado aos contratos de locação financeira deve ser repartido entre operações tributáveis e operações isentas segundo o valor dessas operações, mas excluindo o valor inicial do veículo aquando da sua entrega. Dado que o valor da operação de locação financeira é assim amplamente imputável à concessão do financiamento, que é uma prestação isenta, apenas seria recuperável a porção do IVA residual relativa ao valor das outras operações tributáveis efetuadas no âmbito desses contratos, tais como as comissões de cumprimento antecipado e os custos do exercício da opção de compra.”
[3] Soluções para que propenderam, entre outras, as decisões nos Procs. nos 844/2021-T (Jorge Lopes de Sousa, Armando Oliveira e António Pragal Colaço) e 494/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, João Taborda da Gama e Júlio Tormenta) – decisões das quais, ressalvado todo o respeito, divergimos.
[4] Sérgio Vasques, “IVA, Pro rata e Locação Financeira”, Cadernos IVA, 2020, p. 523.
[5] Processos n.os 709/2019 (Carlos Fernandes Cadilha, Filipa Barros, João Taborda Gama), 759/2019 (Carlos Fernandes Cadilha, Paulo Lourenço, Sérgio Vasques), 887/2019 (Carlos Alberto Cadilha, Clotilde Celorico Palma e Filipa Barros), 927/2019 (Carlos Fernandes Cadilha, Paulo Lourenço, Sérgio Vasques), 278/2020 (Alexandra Coelho Martins, Marisa Isabel Almeida Araújo, Sofia Ricardo Borges), 292/2020 (Alexandra Coelho Martins, Nina Aguiar e Marcolino Pisão Pedreiro), 576/2020 (Alexandra Coelho Martins, Fernando Marques Simões, Eva Dias Costa), 637/2020 (Manuel Luís Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Arlindo José Francisco), 128/2021 (José Poças Falcão, Eva Dias Costa, Rita Guerra Alves), 804/2021 (Regina Almeida Monteiro, Luís Menezes Leitão, José Nunes Barata), 808/2021 (Rui Duarte Morais, João Pedro Rodrigues, Júlio Tormenta), 549/2022 (Guilherme W. d'Oliveira Martins, Catarina Belim e Sofia Ricardo Borges), 558/2022 (Rui Duarte Morais, Carlos Lobo e Eva Dias Costa), 126/2023 (Fernando Araújo, João Menezes Leitão, Rui Miguel Marrana), 455/2023 (Alexandra Coelho Martins, Tomás Castro Tavares e António de Barros Lima Guerreiro), 478/2023 (Fernando Araújo, Arlindo José Francisco, Clotilde Celorico Palma), 659/2023 (Rui Duarte Morais, Clotilde Celorico Palma, António de Barros Lima Guerreiro), 754/2023 (Rui Duarte Morais, Catarina Belim, Sofia Ricardo Borges), 834/2024 (Fernando Araújo, Jorge Carita, Martins Alfaro), 1014/2024 (Carla Castelo Trindade, Alberto Amorim Pereira, Nina Aguiar).
[6] Conforme jurisprudência do STA (Acórdão de 07/6/1995, Recurso n.º 5239), e nos termos dos arts. 607.º, 2 e 3 do CPC e 123.º do CPPT, aplicáveis ex vi art. 29.º do RJAT.
[7] Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2007, pp.125-126.
[8] “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, a.10n.1(Primavera2017), pp. 27-56.
[10] Veja-se José Maria Montenegro, “Comentário ao acórdão «Fazenda Pública contra Banco Mais, SA» de 10 de Julho de 2014, Proc. C- 183/13”, em Anuário de Direito Internacional, 2014/2015, pp. 313-323.
[11] Decisão proferida no âmbito do Proc. C-153/17, de 18 de Outubro de 2018.