Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1302/2024-T
Data da decisão: 2025-07-02  IRS  
Valor do pedido: € 37.877,94
Tema: IRS. Mais-Valias imobiliárias. Valor de aquisição. Despesas e encargos. Reinvestimento.
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SUMÁRIO:

 

A falta de notificação dos sujeitos passivos em momento anterior ao da emissão de liquidações oficiosas constitui ilegalidade que determina a anulabilidade dessas liquidações, nos termos do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

 

A..., titular do NIF ... e mulher, B..., com o NIF ..., ambos residentes em ..., Saint Tropez, França (doravante designados por a Requerente/o Requerente e, conjuntamente, os Requerentes), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.o Senhor Presidente do CAAD em 10 de dezembro de 2024, automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

 

A. Objeto do pedido:

Os Requerentes pretendem a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... (objeto imediato), que deduziram contra as liquidações oficiosas de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referentes aos rendimentos do ano de 2022, com os n.ºs 2024..., emitida em nome do Requerente e 2024..., efetuada em nome da Requerente, cada uma no valor de € 18 938,97 e ambas com data limite de pagamento em 10 de junho de 2024 (objeto mediato), com a consequente declaração de ilegalidade e anulação das mesmas liquidações.

 

Mais pedem os Requerentes a restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal.

 

 

B. Fundamentação do pedido:

Os Requerentes, juntando prova documental e requerendo a produção de prova testemunhal, fundamentam o pedido de pronúncia arbitral como, sucintamente, se enuncia:

 

1.   Está em causa a tributação dos rendimentos de mais-valias provenientes da alienação onerosa de um prédio de sua propriedade, construído em terreno adquirido para o efeito e que alegam constituir, até à data da venda, a sua habitação própria e permanente, em cuja morada tinham estabelecido o domicílio fiscal;

 

2.   Porque o Requerente desenvolvia a sua atividade profissional em França e se revelava cada vez menos provável o seu regresso definitivo a Portugal, os Requerentes procederam à venda do imóvel, com intenção de, com o produto da alienação, adquirirem um outro imóvel em França, destinado à sua habitação própria e permanente;

 

3.    Convictos de que, por se tratar da alienação do imóvel que constituía a sua habitação própria e permanente, onde eram residentes fiscais e, não auferindo quaisquer rendimentos em Portugal, os dispensaria da apresentação da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2022, não cumpriram esse dever declarativo;

 

4.   Notificados das liquidações de IRS que ora impugnam, sem que lhes tivesse sido dada a possibilidade de entregarem voluntariamente a declaração de rendimentos referente a 2022 ou de exercerem o seu direito de audição antes da emissão dessas liquidações, os Requerentes apresentaram posteriormente a declaração modelo 3 em falta, na qual exerceram a opção pela tributação conjunta e em cujo anexo G declararam o valor e datas de alienação e de aquisição do imóvel, despesas e encargos suportados, bem como a intenção de reinvestir a totalidade do valor da venda na aquisição de outro imóvel para sua habitação própria e permanente;

 

5.   Não tendo os serviços da AT procedido à liquidação de IRS do ano de 2022 com base na declaração entregue, os Requerentes deduziram reclamação graciosa contra as liquidações já emitidas;

 

6.   A reclamação graciosa foi indeferida, tendo a decisão de indeferimento, de entre outros fundamentos, considerado que o imóvel alienado não estava afeto a habitação própria e permanente dos Requerentes, embora ambos aí tivessem domicílio fiscal e houvesse despesas relativas aos serviços essenciais (água e eletricidade) ali consumidos;

 

7.   A Autoridade Tributária desconsiderou por completo as despesas tidas com a construção da moradia, os impostos pagos no momento da aquisição e a comissão imobiliária na venda da referida moradia;

 

8.   Nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS, são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, designadamente, quando o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, situado em território português ou em outro Estado membro da UE ou do EEE com o qual exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, que esse reinvestimento seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização e que o sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimento respeitante ao ano da alienação;

 

9.   Nestes termos, o reinvestimento poderá ser efetuado pelos Requerentes até 28 de novembro de 2025, e manifestaram essa intenção em conformidade, na declaração entregue;

 

10.              Contudo, a Autoridade Tributária sustenta que o imóvel alienado não correspondia à habitação permanente dos Requerentes, sem que a sua fundamentação possa ser considerada suficiente para ilidir a presunção estabelecida pelo artigo 13.º, n.º 12, do Código do IRS, de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente, e que, por resultar a favor do sujeito passivo, o dispensa da prova dos factos que a ela conduzem.

 

         

        C. Resposta da Requerida: 

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT, em 21 de março de 2025, apresentou a sua resposta e fez juntar o processo administrativo instrutor, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

 

1.   Os Requerentes adquiriram em 1995 o terreno para construção no qual implantaram a construção do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...  da freguesia de ...;

 

2.   Nos termos do disposto nos artigos 9.º, n.º 1 a) e 10.º, n.º 1 a), do CIRS, enquadra-se na Categoria G/mais valias, o rendimento decorrente da alienação da imóvel propriedade dos Requerentes, no caso mais valias imobiliárias, cujo valor é apurado em consonância com o disposto no n.º 4 do artigo 10.º (entre outros);

 

3.   O valor de realização corresponde ao de alienação atento o disposto no artigo 44.º, n.º 1, f) e n.º 2 e, quanto ao valor de aquisição releva o determinado no artigo 46.º, do CIRS, em particular e no caso de imóvel construído pelo próprio, o disposto no n.º 3;

 

4.   Os Requerentes promoveram a implantação de uma construção no terreno previamente adquirido, após o que esta assumiu individualidade e identificação matricial, mediante a apresentação da modelo 1 de IMI, tenho sido objeto de avaliação e determinação do VPT, nomeadamente atendendo aos custos suportados, sendo este considerado como valor de aquisição nos apuramentos oficiosos, tal como é determinado no CIRS;

 

5.   No que respeita à alegação de errónea e ilegal não ponderação de outras despesas face ao teor do artigo 51.º, do CIRS, para além da exigência da sua essencialidade nos exatos termos delimitados na norma, estas não são passíveis de serem conhecidas “oficiosamente” pelos serviços, devendo ser declaradas pelos contribuintes e devidamente comprovadas, o que na situação em análise não ocorreu;

 

6.   Face ao eventual incumprimento da obrigação declarativa, foram os Requerentes notificados para a resolução voluntária da situação, dirigida para o domicílio constante do SGRC, a morada do imóvel em Bragança, morada que se mantém até ao presente, sem qualquer pronúncia ou comportamento ativo dos contribuintes, razão pela qual foram elaborados os DC, com base na informação conhecida, em consonância com o determinado no artigo 76.º, n.º 1, alínea b), do CIRS;

7.   Para que seja admissível considerar um qualquer montante como reinvestido à luz do n.º 5 do já referido artigo 10.º, o imóvel cuja alienação originou as mais-valias tem de corresponder ao domicílio fiscal e, simultaneamente, constituir Habitação Própria e Permanente do sujeito passivo e/ou agregado familiar;

 

8.   Na situação concreta, e tendo presente o explicitado anteriormente, parece por demais evidente que o centro da organização da vida doméstica dos Requerentes situava-se de modo permanente e habitual noutro local que não no imóvel sito em Bragança;

 

9.   É certo que era nele que os Requerentes pernoitavam e usufruíam sempre que vinham passar algum período de visita a Portugal e, sendo próprio esse imóvel, são perfeitamente compreensíveis as despesas municipais mínimas inerentes a esse direito de propriedade de um imóvel, bem como as despesas mínimas suportadas com água e luz, por forma a manter condições de habitabilidade para as visitas;

 

10.              No entanto, tal não permite por si só outra qualquer ilação, muito menos a de que esse imóvel era a Habitação Própria e Permanente dos Requerentes, requisito inultrapassável com recurso ao mero formalismo dos contribuintes não alterarem junto da AT a sua morada, tal como até ao presente essa atualização não foi feita; 

 

11.              Face ao exposto, não existe qualquer incorreção ou ilegalidade ou incumprimento do determinado em sede normativa sobre as diversas questões suscitadas nos autos, mostram-se corretos os atos tributários impugnados;

 

12.              A existir um dever de devolução de imposto indevido, o que não se verifica, tal implicaria que tivesse ocorrido um qualquer pagamento, não realizado, tendo sido instaurados os respetivos processos executivos;

 

13.              Nos termos delineados no douto pedido de pronúncia arbitral, tendo em consideração a questão decidenda e a factualidade subjacente, bem como o respetivo enquadramento jurídico, deverá o pedido de realização de produção de prova testemunhal ser recusado, porquanto constituirá um ato manifestamente inútil.

 

 

D – Tramitação processual 

Por Despacho Arbitral de 25 de março de 2025, considerando a prova documental junta aos autos suficiente para a decisão da causa e, ao abrigo do princípio livre apreciação de prova e da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, convidando-se as Partes a, querendo, produzirem alegações escritas no prazo simultâneo de 10 (dez) dias, notificando-se os Requerentes para, no mesmo prazo, darem cumprimento ao disposto no artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (pagamento do remanescente da taxa arbitral), com conhecimento ao CAAD, e indicando-se que a prolação da decisão arbitral ocorreria dento do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT.

 

A Requerida apresentou alegações escritas dentro do prazo designado; os Requerentes não apresentaram alegações.

 

 

II. SANEAMENTO

1.   O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 18 de fevereiro de 2025, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

 

2.   As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

3.   O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo, tendo sido apresentado dentro do prazo a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT;

 

4.   O processo não padece de vícios que o invalidem. 

 

5.   Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar e decidir, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue:

 

A.   Factos Provados:

1.   Em 8 de janeiro de 1993, os Requerentes, casados entre si, celebraram com a sociedade “C..., Ld.ª”, um contrato promessa de compra e venda, em que prometeram comprar e lhes foi prometido vender, pelo preço de 4 500 000$00 (€ 22 445,91) o lote de terreno para construção com o n.º ..., com a área de 450 m2, sito na Urbanização “...”, em Bragança, cujo alvará de loteamento tinha sido previamente aprovado pela respetiva Câmara Municipal (Doc. n.º 4 junto ao PPA); 

 

2.   Nesse lote de terreno, os Requerentes construíram o prédio urbano composto por edifício de três pisos e logradouro, inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Bragança (Doc. n.º 5 junto ao PPA, Resposta e PA);

 

3.   Por motivos profissionais, o Requerente marido permanecia por largas temporadas em França (facto não contestado);

 

4.   Em 29 de novembro de 2022, por escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial a cargo do Notário Lic. Dr. ..., em Bragança, os Requerentes alienaram, pelo preço de € 353 000,00, o prédio urbano já identificado, ao tempo com o valor patrimonial tributário de € 158 106,55 e sobre o qual incidia uma hipoteca a favor do Banco Santander Totta, SA, com declaração de distrate já depositada (Doc. n.º 5 junto ao PPA);

 

5.   O referido contrato de compra e venda contou com a mediação da sociedade “D..., SA”, titular da Licença AMI n.º..., à qual os Requerentes pagaram uma comissão no valor de € 13 000,01 (Docs. n.ºs 5 e 8 juntos ao PPA);

 

6.   Os Requerentes, que no ano de 2022 não auferiram outros rendimentos em território nacional, não procederam atempadamente à entrega da declaração modelo 3 de IRS para aquele ano (facto admitido por acordo);

 

7.   A AT elaborou declarações oficiosas, uma para cada um dos cônjuges, nas quais: “No anexo G de cada uma das modelo 3 de IRS foi inscrito que em 2022 foi alienada a quota parte de 50% do artigo ... urbano da freguesia ... pelo valor de 176.500€, que havia sido adquirida em 2002 pelo valor de 51637,50€” (PA);

 

8.   Tendo por base as mencionadas declarações oficiosas referentes aos rendimentos do ano de 2022, a AT emitiu, em 27 de abril de 2024, as liquidações n.ºs 2024..., em nome do Requerente marido pela quantia de € 18 938,97 e 2024..., em nome da Requerente mulher, no valor de € 18 938,97, ambas com data limite de pagamento em 10 de junho de 2024 (Docs. n.ºs 1 e 2 juntos ao PPA);

 

9.   Subsequentemente, ambos os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS para o ano de 2022, identificada com o n.º..., constituída pelo respetivo rosto e um anexo G, na qual optaram pela tributação conjunta (Doc. n.º 6 junto ao PPA e PA);

 

10.              No anexo G àquela declaração modelo 3 de IRS, os Requerentes inscreveram (Doc. n.º 6 junto ao PPA e PA):

 

a.          Quadro 4: a alienação onerosa, em 29 de novembro de 2022, pelo preço de € 350 000,00, do prédio urbano com o artigo ... da freguesia com o código ..., adquirido em 8 de janeiro de 1993, pelo preço de € 109 371,24 e despesas e encargos no valor de € 13 025,70;

b.          Quadro 5-A – campo 5006: a intenção de reinvestir a totalidade do valor de realização (€ 350 000,00) na aquisição de outro imóvel destinada à sua habitação própria e permanente;

 

11.              Em 28 de junho de 2024, os Requerentes deduziram reclamação graciosa com vista à anulação das liquidações de IRS do ano de 2022 que, registada sob o n.º ...2024..., foi objeto de indeferimento por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Bragança, de 11 de setembro de 2024 (Doc. n.º 7 junto ao PPA e PA);

 

12.              Da Informação que serviu de base ao projeto e à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, consta, designadamente, que:

 

B) Análise do Pedido

7- Não foi entregue a declaração de IRS para o ano de 2022, dentro do prazo legal, pelos reclamantes.

8-Neste seguimento, foi emitida oficiosamente a liquidação nº 2024 ... no valor de 18431,97€ mais 507€ de juros, assim como a liquidação nº 2024 ... no valor de 18431,97€ mais 507€ de juros, uma para cada reclamante.

9- As declarações oficiosas foram emitidas nos termos do artigo 76 nº 1 b) do CIRS. No anexo G de cada uma das modelo 3 de IRS foi inscrito que em 2022 foi alienada a quota parte de 50% do artigo ... urbano da freguesia ... pelo valor de 176.500€, que havia sido adquirida em 2002 pelo valor de 51637,50€.

10-Os reclamantes procederam a entrega da modelo 3 de irs para o ano de 2022, com o respectivo anexo G, colocando o estado civil de casado. No anexo G consta que em 2022 foi alienado referido imóvel pelo valor de 353000€, o qual havia sido adquirido em 1993 pelo valor de 109371,24€ e despesas no valor de 13025,70€. Foi ainda declarado a intenção de reinvestimento do valor de 353000€.

11- Pelo que, cumpre analisar, se a declaração entregue pelos sujeitos passivos e que se encontra no estado de errada, deve ser validada.

B.1 - Imóvel alienado- habitação própria e permanente

12- Os ganhos obtidos com a alienação onerosa de imóveis são rendimentos da categoria G, de acordo com ao artigo 1 nº 1, 9º nº 1 a) e 10 nº 1 a) do CIRS, sobre os quais incide o IRS.

13-No entanto, nos termos do artigo 10 nº 5 do CIRS, na redacção em vigor á data dos factos: “5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) O reinvestimento previsto na

alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;”

14- Pelo que, teremos de verificar se estão reunidos os requisitos previstos no artigo 10 nº 5 do CIRS, relativamente ao imóvel urbano alienado, para que os reclamantes possam beneficiar do regime de exclusão de tributação das mais valias.

15-O início do nº 5 tem desde logo como requisito essencial, que o imóvel alienado fosse a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

16-Cumpre desde logo, verificar se este requisito está preenchido, uma vez que, não estando prejudica a apreciação dos demais, nomeadamente do reinvestimento.

17-Verificamos que o imóvel foi alienado no dia 29-11-2022 pelo valor de 353.000€.

18-De acordo com o artigo 13 nº 12 do cirs na redacção em vigor á data dos factos, o domicilio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente e verificamos que os reclamantes tinham o domicilio fiscal no imóvel alienado, pelo que, se presume que teriam aqui a sua habitação própria e permanente. Uma vez que, tinham o seu domicilio fiscal.

19-O mesmo artigo permite que seja apresentada prova em contrário. Sendo que as presunções são ilidíveis.

20- Verificamos que os reclamantes não obtêm em Portugal quaisquer rendimentos, tanto no ano de 2022 como nos anos anteriores. Não são ainda beneficiários do pagamento de prestações sociais.

21- Pela consulta às despesas com imóveis, verificamos que foi pago um empréstimo durante o ano de 2022.

22- As despesas no e-fatura resumem-se sobretudo a faturas cujo emitente é o Município de Bragança, ou a EDP.

23- Tendo em consideração os factos referidos, o imóvel alienado não era a sua habitação própria e permanente, uma vez que, indiciam que o imóvel não era onde os sujeitos passivos efetuavam a sua vida familiar, social e económica.

(…)

25- Ora, não se provando que o imóvel alienado era habitação própria e permanente do reclamante ou do seu agregado familiar, não pode beneficiar do disposto no artigo 10 nº 5 do CIRS, ou seja da exclusão da tributação de mais valias.

26- Os sujeito passivos podem em sede de audição prévia demonstrar que o imóvel alienado era a sua habitação própria e permanente.

B.2 – Valor de aquisição do imóvel alienado

27-Para o cálculo da mais valia torna-se necessário apurar o valor de aquisição do referido imóvel alienado.

28-O sujeito passivo alega como valor de aquisição 109371,24€

29- O imóvel a que corresponde o artigo ... da freguesia de ..., Bragança, foi inscrito na matriz em nome do reclamante, no ano de 2002. Este prédio teve origem no artigo..., inscrito na matriz em nome da reclamante desde 1993.

30-O artigo 46 nº 3 do CIRS, refere:” O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”

31-A comprovação dos custos de construção, que a lei prevê que sejam acrescidos ao valor de aquisição do terreno, recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (cfr. artigo 74º, nº1 da LGT e 342º, nº1 do Código Civil).

32-Como refere o artigo 46º, nº3 do CIRS, os mesmos só se podem considerar se devidamente comprovados.

33-Assim, não logrando o reclamante, demonstrar os custos de construção que pretendia ver acrescidos ao valor do terreno, para efeitos de cálculo do respectivo valor de aquisição, como, sublinhe-se, lhe competia, os mesmos não podem ser aceites.

34-Assim, o valor de aquisição deve ser o valor correspondente ao valor patrimonial inscrito na matriz, ou seja, 103275€.

35-Considerando-se como momento de aquisição a data de inscrição do referido prédio na matriz, que neste caso 2002, consoante o prescrito no artigo 50 nº 2 a) do CIRS (Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), que nos diz que no caso de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos a data de aquisição é a data relevante para efeitos de inscrição na matriz.

B.3- Despesas

36-No apuramento das mais valias são considerados as despesas previstas no artigo 51º a) do CIRS, que nos diz que para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º

37-Quanto ao valor de 13025,70€, teria de ser junta fatura desta despesa, para que se comprove a mesma e esta possa ser aceite.

(…)

III – CONCLUSÃO/PROPOSTA

40-Face ao exposto, propõe-se o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa.

(…)”.

 

13.              Tanto os Requerentes como o seu Mandatário foram notificados do projeto de decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2024..., por ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Bragança, datados de 19.07.2024, para exercerem o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias (PA);

 

14.              Não tendo os Requerentes exercido o direito de audição sobre o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, veio o mesmo a converter-se em decisão definitiva, por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Bragança, de 11-09-2024 (PA);

 

15.              A decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa foi objeto de notificação a ambos os Requerentes, bem como ao seu Ilustre Mandatário, conforme os ofícios da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Bragança, de 12-09-2024 (PA).

 

 

B. Factos não provados: 

Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:

 

1.   Que o prédio alienado pelos Requerentes em 2022 se destinasse, àquela data, a sua habitação própria e permanente;

 

2.   Que os Requerentes tivessem sido notificados, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º, do Código do IRS, para entrega da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2022, em momento prévio ao da elaboração dos documentos de correção e emissão das liquidações ora impugnadas;

 

3.   Que os Requerentes tenham procedido ao pagamento das liquidações de IRS que impugnam. 

 

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada: 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. 

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, à resposta da Requerida e ao processo administrativo instrutor.

Quanto aos factos não provados:

 

1.   Não se provou que o prédio alienado pelos Requerentes em 2022 se destinasse, àquela data, a sua habitação própria e permanente, porquanto a Requerente declarou, na escritura de alienação do prédio urbano, celebrada em 29 de novembro de 2022 (Doc. n.º 5 junto ao PPA), que tanto ela como o marido residiam habitualmente em França – , ... Saint-Tropez e, quando em Portugal, na ..., concelho de Mirandela;

 

2.   Não se deu como provado que a AT tivesse notificado os Requerentes para apresentação da declaração modelo 3 de IRS em falta, pois, embora na sua Resposta (artigo 22.º) a Requerida afirme que “os requerentes [foram] notificados para a resolução voluntária da situação, dirigida para o domicilio constante do SGRC (morada do imóvel em Bragança)”, não consta dos autos qualquer prova dessa notificação, designadamente do envio para o domicílio fiscal dos Requerentes de notificação a coberto de carta registada, como exigido pelo n.º 3 do artigo 76.º, do Código do IRS;

 

3.   Não se provou que os Requerentes tivessem procedido ao pagamento das liquidações impugnadas, por ausência da respetiva prova documental.

 

 

III.2 DO DIREITO

 

1.   A questão decidenda

Não estando provado nos autos que o prédio alienado pelos Requerentes se destinava a sua habitação própria e permanente, conforme declaração da Requerente na escritura pública da respetiva alienação, cessa a presunção de que, por ali terem estabelecido e manterem o seu domicílio fiscal, esse imóvel tivesse tal destino (artigo 13.º, n.ºs 12 e 13.º, alínea a), do Código do IRS). 

 

Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento da questão relativa ao reinvestimento do valor de realização daquele imóvel (artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS).

 

Cabe, no entanto, apurar da legalidade das liquidações de IRS do ano de 2022 emitidas em nome dos Requerentes, que a Requerida alega terem sido efetuadas ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, sem, contudo, fazer prova de lhes ter endereçado a notificação exigida pelo n.º 3 do mesmo artigo, os quais, na redação em vigor à data dos factos, dispunham o seguinte:

 

Artigo 76.º - Procedimentos e formas de liquidação

1 - A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes:

(…)

b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha;

(…)

3 - Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, atendendo-se ao disposto no artigo 70.º e sendo efetuadas as deduções previstas no n.º 3 do artigo 97.º e as previstas nas alíneas b) a e), g) e h) do n.º 1 do artigo 78.º, que sejam do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

(…)”

 

 Ora, muito embora a falta de entrega da declaração de rendimentos referente ao ano de 2022 tenha estado na origem das liquidações oficiosas impugnadas nos autos, não poderia a AT promover tais liquidações, sem dar oportunidade aos Requerentes de, previamente, suprirem essa falta declarativa.

 

Efetivamente, o procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes e, apenas supletivamente, na falta ou vício destas, com base nos elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha (artigos 59.º, n.º 1, do CPPT e 76.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS), tendo estes direito a participar nas decisões que lhes digam respeito, designadamente através do exercício do direito de audição prévia à emissão da liquidação (artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da LGT), audição prévia que não pode ser dispensada se a liquidação não for efetuada com base na declaração do contribuinte e, ainda que tal liquidação tenha sido efetuada oficiosamente com base em valores objetivos previstos na lei, se  aquele não tiver sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito (artigo 60.º, n.º 2, da LGT).

 

A falta de participação dos Requerentes na emissão das liquidações de IRS do ano de 2022, objeto dos presentes autos, não permitiu, nomeadamente, que estes pudessem exercer a opção pela tributação conjunta, como previsto no n.º 2 do artigo 59.º, do Código do IRS; que pudessem comprovar o valor de aquisição do prédio alienado, construído pelos próprios (artigo 46.º, n.ºs 3 e 4, do Código do IRS) ou as despesas e encargos suportados, inerentes à aquisição e alienação do mesmo prédio (artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS).

 

Nem o facto de os Requerentes não terem exercido o direito de audição sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, na sequência das notificações que lhes foram dirigidas para o efeito, invalida que devessem ter sido notificados para apresentação da(s) declaração(-ões) de rendimentos em falta.

 

A falta de notificação dos Requerentes em momento anterior ao da emissão das liquidações oficiosas ora impugnadas constitui ilegalidade que determina a anulabilidade dessas liquidações, nos termos do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo. 

 

Não tendo sido provado o pagamento das liquidações em análise, fica prejudicado o conhecimento das questões relativas à restituição do indevido e dos peticionados juros indemnizatórios.

 

 

 

IV. DECISÃO 

Com base nos fundamentos de facto e de direito enunciados supra, decide-se:

 

a.   Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência,

 

b.   Determinar a anulação das liquidações de IRS referentes aos rendimentos do ano de 2022 com os n.ºs 2024..., emitida em nome do Requerente e 2024..., em nome da Requerente, cada uma no valor de € 18 938,97;

 

c.   Determinar a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... .

 

VALOR DO PROCESSO: Os Requerentes atribuem ao processo o valor económico de € 38 891,04, não contestado pela Requerida. Contudo, de acordo com os elementos juntos aos autos, corrige-se oficiosamente esse valor para € 37 877,94 (trinta e sete mil, oitocentos e setenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos), de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de julho de 2025.

O Árbitro,

 

Mariana Vargas

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.