SUMÁRIO:
I – Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 2.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), foi publicada a Portaria n.º 284/2014, de 30 de dezembro, que procedeu à definição dos CAE correspondentes às várias atividades cujos projetos de investimento produtivo se inserem.
II – O regime definido através do diploma regulamentar – a Portaria n.º 284/2014, de 30 de Dezembro – encontra-se justificado, no respectivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.
III – Constata-se, deste modo, que, embora sector das telecomunicações seja elegível, em abstrato, para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), a portaria de execução não definiu um CAE correspondente a essa área de atividade.
IV – Mas não pode concluir-se, necessariamente, que a Portaria derrogou o regime jurídico estatuído pelo artigo 2.º, n.º 2, do CFI e invadiu a esfera da competência do poder legislativo.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, João Zambujal de Oliveira e António Pragal Colaço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...–... Lisboa, doravante designada por “A...” ou “requerente”, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ..., veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a V. Exa. a Constituição de Tribunal Arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 18 de novembro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 9 de janeiro de 2025, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 28 de janeiro de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 3 de março de 2025.
No dia 18 de março de 2025 foi proferido o seguinte despacho:
“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.
2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 10 dias a contar desta notificação.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
II. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
a) A requerente efetuou em 2021 investimentos em Portugal na área das telecomunicações, a área de atividade a que se dedica como é do conhecimento público e conforme confirmado nos pontos 13. e 28. do indeferimento da reclamação graciosa atrás junto como Doc. n.º 4 e certidão permanente que aqui se junta como Doc. n.º 5, investimentos estes designadamente em centrais de recepção e transmissão e em redes, nas regiões Norte, Centro, Alentejo, Algarve, Região Autónoma dos Açores (RAA) e, mais residualmente, na Região Autónoma da Madeira (RAM), grande Lisboa e península de Setúbal (cfr. o Doc. n.º 6 que aqui se junta).
b) Investimentos estes em ativos fixos tangíveis em estado de novo, afetos à sua exploração, num total de € 14.429.890,93, elegíveis para efeitos de RFAI, isto é, dito agora pela negativa, investimentos nos citados ativos que não se subsumem nas exclusões previstas no artigo 22.º, n.º 2, do Código Fiscal do Investimento (CFI doravante) aprovado pelo Decreto Lei n.º 162/2014 de 31 de outubro (cfr. o Doc. n.º 6 atrás junto).
c) É de sublinhar que a A... não usufruiu de qualquer benefício fiscal com respeito a qualquer das despesas de investimento aqui em causa (cfr. Docs. n.º 1 a 3, ou o Doc. n.º 6), que a A... tinha (e continua a ter) a sua situação contributiva regularizada (Doc. n.º 7), que a A... não era (e continua a não ser) tributada por métodos indiretos e dispunha no exercício fiscal em causa (e continua a dispor até à data), de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade (Docs. n.ºs 1 a 3 e Doc. n.º 6) como é do pleno conhecimento, incluindo cadastral, da AT (e aqui se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 2, da LGT), que a A... não era no exercício fiscal em causa (nem de então para cá), considerada empresa em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014 (ver os Docs. n.ºs 1 a 3, a IES que aqui se junta como Doc. n.º 8, e ainda o Doc. n.º 6), que os investimentos em causa e os bens em que se materializaram se mantiveram na empresa (Doc. n.º 6), e que os investimentos e consequente manutenção e melhoria da dinâmica e qualidade dos serviços da empresa proporcionaram e proporcionam a criação de postos de trabalho e sua manutenção, tendo sido adicionados 84 postos de trabalho no exercício (de 2021) de realização dos investimentos aqui em causa (Doc. n.º 6, e declarações legais apresentadas ao Instituto Nacional de Estatística – INE – por referência a Março de 2021 e Março de 2022 – Doc. n.º 9 e Doc. n.º 10).
d) Donde que, nos termos conjugados do artigo 2.º, n.º 2, alínea g), aplicável ex vi artigo 22.º, n.º 1, e deste artigo 22.º (RFAI – Regime Fiscal de Apoio ao Investimento), todos do Código Fiscal do Investimento (CFI), a requerente adquiriu o direito de abater à sua coleta de IRC (incluindo derrama estadual) um crédito de imposto apurado nos termos do artigo 23.º do CFI.
e) O crédito de imposto apurado com respeito ao investimento em referência nos termos do disposto no artigo 23.º do CFI, ascende ao total de € 2.462.131,25 (cfr. o detalhe do cálculo no Doc. n.º 6), sendo que a requerente não o inscreveu e por conseguinte não o deduziu na sua declaração de rendimentos (cfr. os Docs. n.ºs 1 a 3, e bem assim o Doc. n.º 6).
f) Donde a precedente reclamação graciosa, e o presente pedido de pronúncia arbitral.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
a) O presente pedido de pronúncia arbitral interposto pela Requerente tem como objeto o indeferimento da Reclamação Graciosa nº ...2024..., que teve por objeto a falta de dedução de créditos de IRC apurados em sede de Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (doravante RFAI) na autoliquidação do exercício fiscal de 2021 e, consequentemente (em termos finais ou últimos), o ato de autoliquidação de IRC da Requerente relativo a este exercício de 2021 terminado e 31/03/2022, na medida correspondente à não dedução à coleta do IRC (incluindo derrama estadual) de incentivos fiscais em IRC, mais concretamente do benefício fiscal apurado no âmbito do RFAI.
b) Pretende, por isso, a Requerente, naquilo que constitui a questão de fundo a decidir nos autos, lhe seja reconhecido o direito de deduzir os valores do benefício fiscal ao abrigo do RFAI à coleta de IRC referente ao exercício de 2021, terminado em 31/03/2022, no montante de € 2.462.131,25.
c) Conforme descrito na referida decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerida concluiu acertadamente não haver lugar ao aludido benefício fiscal em sede de RFAI, no período de tributação de 2021, devido ao facto de a atividade exercida se encontrar excluída da sua aplicação, nos termos do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro que aprovou o CFI, conjugado com a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de Junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (doravante RGIC), e as Orientações relativas ao auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (doravante OAR) publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de Junho de 2013.
d) Donde resulta que as aplicações relevantes indicadas pela Requerente, não são elegíveis para efeitos de aplicação do benefício fiscal previsto no RFAI.
e) A Requerente desenvolve a sua atividade no sector das telecomunicações.
f) A Requerente, por entender, erroneamente, que a atividade por si desenvolvida preenchia todos os requisitos legais para usufruir do benefício fiscal previsto para o RFAI (artigos nºs 22.º a 26.º do CFI), considera ter direito de abater à sua coleta de IRC (incluindo derrama estadual) a título de crédito de imposto apurado nos termos do artigo 23.º do CFI, em consequência da aplicação conjugada do artigo 22.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 2.º (por remissão do n.º 1 do artigo 22.º), todos do CFI.
g) Tendo em conta que a Requerente não inscreveu o alegado crédito de imposto e, por conseguinte, não o deduziu na sua declaração de rendimentos do exercício de 2021, apresentou pedido de reclamação graciosa, para conseguir usufruir da dedução à coleta de IRC (e derrama estadual) do montante total de € 2.462.131,25.
h) A reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi indeferida pelo competente serviço da AT com o fundamento no facto de que as atividades económicas exercidas pela Requerente não corresponderem aos códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (doravante CAE) previstos na Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro.
i) Consequentemente, e por discordar do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA).
j) No PPA, a Requerente sustenta e conclui (§ 126.º do PPA) que ficaram por deduzir à coleta o montante de € 2.462.131,25 e que quer o indeferimento da reclamação graciosa controvertida, quer a autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2021, terminado a 31 de Março de 2022, padecem de vício material de violação de lei.
k) A Requerente considera, erradamente, que deve:
a) Ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento da reclamação graciosa;
b) Ser declarada a ilegalidade da autoliquidação e, consequentemente, ser anulada, na parte correspondente ao montante de € 2.462.131.25;
c) Ser reconhecido o direito ao reembolso deste montante de € 2.462.131.25 e, assim como o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, calculado, até ao integral reembolso, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa.
l) Alegando em síntese que:
I. Efetuou em 2021 no território nacional investimentos em ativos tangíveis no estado de novo, afetos à sua exploração, num valor total de € 14.429.890,93, elegíveis, no seu entendimento, para efeitos de RFAI, designadamente em centrais de recepção e transmissão e em redes, nas regiões Norte, Centro, Alentejo, Algarve, Região Autónoma dos Açores (RAA) e, mais residualmente, na Região Autónoma da Madeira (RAM), grande Lisboa e península de Setúbal (§ 13.º a § 21.º do PPA);
II. Adquiriu, em consequência desses investimentos, o direito de abater à sua colecta de IRC (incluindo derrama estadual) um crédito de imposto apurado nos termos do artigo 23.º do CFI no montante de € 2.462.131,25 (§ 22.º e 23.º do PPA);
III. Exerce uma atividade não excluída do RFAI de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, por remissão do n.º 1 do artigo 22.º do CFI (§ 25.º e 26.º do PPA);
IV. O Direito Comunitário (através das OAR e do RGIC) afasta as atividades dos sectores siderúrgicos, energéticos, entre outros, mas não afasta a atividade do sector das telecomunicações (§ 45.º e 46.º do PPA);
V. Tanto o RGIC como as OAR apenas estabelecem as condições específicas para que os Estados Membros possam instituir um auxílio ao investimento com finalidade regional a redes de banda larga, investimentos para os quais existe regulamentação própria;
m) Invoca o conflito entre a portaria de execução (Portaria n.º 282/2014) e o CFI (lei habilitante) para alegar que a referida portaria que regulamenta o CFI não pode contrariar a expressa e específica previsão da lei habilitante de inclusão do sector das telecomunicações no âmbito dos investimentos admitidos pelo RFAI;
n) Que a inclusão do sector das telecomunicações no âmbito do RFAI, previsto na alínea g) do n.º 2 do artigo 2.º do CFI por remissão do artigo 22.º, não acarreta nenhuma violação do direito comunitário tendo em conta que tanto o RGIC como as OAR não excluem esse sector de atividade;
o) Pelo que conclui que a exclusão do sector das telecomunicações do CFI é inconstitucional, por violação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), que proíbe qualquer lei de “conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos” (§ 129.º do PPA);
p) Sustenta que as decisões arbitrais 548/2018-T, 218/2019-T e 89/2021, que trataram estas matérias, incorrem em erro metodológico na apreciação do direito comunitário relevante ao considerar como uma exclusão a não menção específica de um sector nas OAR, no caso o sector das telecomunicações (§ 160.º e 189.º do PPA);
q) Na perspectiva da Requerente “a norma comunitária de eleição dos sectores elegíveis é uma cláusula geral que permite à partida todos os sectores de atividade (parágrafos 10 das OAR 2014-2020 e 11 das OAR 2022-2027), à semelhança aliás da nossa lei de autorização legislativa” e que “nas OAR são antes as exclusões que se especificam expressamente, enquanto que as inclusões estão a coberto de norma geral de inclusão dos sectores de atividade em geral (§ 190.º e 191.º do PPA);
r) Refere ainda que “se dúvida houver a respeito deste plano comunitário (que não se concede, porquanto é claro que é isto que resulta das OAR e do RGIC), (…) deverá ser dado cumprimento ao dever de reenvio prejudicial para o TJUE previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TJUE)”.
s) Por tudo o que a Requerente expos, entende esta que deve ser declarado parcialmente ilegal e ser parcialmente anulado o ato de autoliquidação relativo ao período de 2021 e, consequentemente, ser reembolsado à Requerente o imposto que considera ter pago em excesso, no montante de € 2.462.131,25.
t) Devem ser considerados impugnados todos os factos pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código Processo Civil (doravante CPC), por força das alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT).
u) Com efeito, em momento algum a Requerente prova o que alega no seu PPA,
v) Aliás, essa necessária prova que haveria que ser contemporânea.
w) Que não foi, não obstante a Requerente ter sido instada a fazê-lo.
x) De facto, não foi apresentada pela Requerente prova, quer ao procedimento tributário, quer aos autos, capaz de contrariar a posição da AT.
y) E, bem assim, nos presentes autos.
z) Acresce que, atendendo à matéria em litígio e, na medida em que a qualificação jurídica da matéria é meramente de direito, a mesma é da competência deste Tribunal.
aa) O princípio do ónus da prova, previsto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), determina que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito tem necessidade de o provar.
bb) A posição da AT, expressa na apreciação da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, é no sentido de rejeição do direito a deduzir o referido quantitativo por a atividade ao abrigo da qual o alegado beneficio foi apurado – Atividades de Telecomunicações sem Fio», correspondente ao CAE (principal) 61200 e «Atividades de Telecomunicações por Fio», correspondente ao CAE (secundário) 61100 – não constarem da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro.
cc) Essa acaba por ser a conclusão da Requerente quando reconhece que a Portaria n.º 282/2014 exclui a atividade das telecomunicações do elenco de CAEs admitidos para efeitos de aplicação do RFAI, previstos no artigo 2.º desta Portaria.
dd) O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) encontra-se previsto no capítulo III do Código Fiscal ao Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei (DL) n.º 162/2014, de 31 de Outubro (artigos 22.º a 26.º), sendo aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2014.
ee) De acordo com o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das Orientações relativas aos Auxílios com finalidade Regional (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).
ff) O n.º 2 do artigo 2.º do CFI menciona as atividades económicas que respeitam o âmbito setorial de aplicação das OAR para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, 23 de julho de 2013 e do RGIC, que se passam a indicar:
· Indústria extrativa e indústria transformadora;
· Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
· Atividades e serviços informáticos e conexos;
· Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
· Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
· Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
· Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
· Atividades de centros de serviços partilhados.
gg) Dispõe ainda o n.º 3 do artigo 2.º do CFI que por “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior”.
hh) Assim, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 2.º do CFI, foi publicada a Portaria n.º 284/2014, de 30 de Dezembro, que procedeu à definição dos CAE correspondentes às várias atividades cujos projetos de investimento produtivo se inserem.
ii) Dispõe o artigo 2.º da citada Portaria que os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE – Rev. 3) correspondentes às atividades económicas previstas no n.º2 do art.º 2.º do DL n.º162/2014, de 31 de outubro são os seguintes:
· Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;
· Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
· Alojamento - divisão 55;
· Restauração e similares - divisão 56;
· Atividades de edição - divisão 58;
· Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;
· Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;
· Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;
· Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;
· Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;
· Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas – classes 82110 e 82910.
jj) No caso concreto (cfr. base de dados da AT - Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes) verifica-se que:
I. A requerente exerce as atividades a que correspondem os CAE 61200 "Atividades de telecomunicações sem fio” e CAE 61100 “Atividades de telecomunicações por fio”, e
II. Estas atividades não estão contempladas no art.º 2.º da Portaria 282/2014 de 30 de dezembro.
kk) Deste modo, conclui-se que as atividades enquadradas nos CAE 61100 e 61200, não são elegíveis para efeitos de RFAI, ficando afastadas deste benefício fiscal.
ll) Ou seja, o RFAI apenas pode ser aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade incluída nos códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3) indicados no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 de 30 de Dezembro, por remissão do n.º 2 do artigo 2º, n.º 2 e n.º 1 do artigo 22.º do CFI.
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente desenvolve a sua atividade no sector das telecomunicações.
b) A Requerente, por entender que a atividade por si desenvolvida preenchia todos os requisitos legais para usufruir do benefício fiscal previsto para o RFAI (artigos nºs 22.º a 26.º do CFI), considera ter direito de abater à sua coleta de IRC (incluindo derrama estadual) a título de crédito de imposto apurado nos termos do artigo 23.º do CFI, em consequência da aplicação conjugada do artigo 22.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 2.º (por remissão do n.º 1 do artigo 22.º), todos do CFI.
c) Tendo em conta que a Requerente não inscreveu o alegado crédito de imposto e, por conseguinte, não o deduziu na sua declaração de rendimentos do exercício de 2021, apresentou pedido de reclamação graciosa, para conseguir usufruir da dedução à coleta de IRC (e derrama estadual) do montante total de € 2.462.131,25.
d) A reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi indeferida pelo competente serviço da AT com o fundamento no facto de que as atividades económicas exercidas pela Requerente não corresponderem aos códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (doravante CAE) previstos na Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro.
e) Consequentemente, e por discordar do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
A Requerente considera que a Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, ao definir o âmbito setorial das atividades económicas abrangidas pelo Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, cujo âmbito de aplicação se encontra previsto no Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, é totalmente omissa quanto ao sector das telecomunicações, e, desse modo, restringe, por via regulamentar, as atividades elegíveis para efeitos de concessão do benefício fiscal de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea g), do CFI.
Nesse sentido, entende que a Portaria n.º 282/2014 padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 199.º, alínea c), 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º, n.º 5, da Constituição.
Adicionalmente, a Requerente imputa à posição sustentada pela Autoridade Tributária na decisão de indeferimento da reclamação graciosa uma interpretação desconforme ao direito europeu, tendo em atenção que nem as Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020 (OAR), nem o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC) afastam do seu campo de aplicação o sector das telecomunicações, designadamente actividades tendentes à expansão das redes fixa e móvel.
São estas, pois, as questões que cabe dilucidar[2].
O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020, entretanto prorrogado[3], e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.
Referindo-se ao âmbito objetivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, dispõe o seguinte:
"2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) Atividades e serviços informáticos e conexos;
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) Atividades de centros de serviços partilhados.
3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior."
O CFI estabelecia igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que esse artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1, nos seguintes termos:
"1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma actividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC."
Por seu lado, a Portaria n.º 282/2014, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, ostenta a seguinte redacção:
"Artigo 1.º
Enquadramento comunitário
Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.
Artigo 2.º
Âmbito setorial
Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;
b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
c) Alojamento - divisão 55;
d) Restauração e similares - divisão 56;
e) Atividades de edição - divisão 58;
f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;
g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;
h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;
i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;
j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;
k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910."
Por sua vez, o regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respectivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.
Constata-se, deste modo, que, embora sector das telecomunicações seja elegível, em abstrato, para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), a portaria de execução não definiu um CAE correspondente a essa área de atividade.
Mas não pode daí concluir-se, necessariamente, que a Portaria derrogou o regime jurídico estatuído pelo artigo 2.º, n.º 2, do CFI e invadiu a esfera da competência do poder legislativo.
Como se observou no acórdão proferido no Processo n.º 545/2018-T, que incidiu sobre o mesmo tema, importa ter presente que o elenco de atividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de atividades económicas abrangidas pelos projetos de investimento a título meramente exemplificativo. E, por outro lado, a elegibilidade dos projetos fica dependente, em concreto, da especificação dos códigos de atividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que, além disso, haverá de ter em conta as orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).
Neste sentido, a norma do artigo 2.º, n.º 2, do CFI tem a natureza de um reenvio normativo, remetendo para regulamento a definição de aspectos complementares de regulação que não poderiam ser densificados no texto da lei.
Sublinhe-se, a este respeito, que o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição não proíbe os reenvio normativos, admitindo que a lei remeta para a administração a edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ele estabelecida. O que o preceito constitucional veio a proibir, em geral, na revisão da Lei Fundamental de 1982, são as habilitações legais para a emissão, em matéria inicialmente regulada por lei, de regulamentos administrativos praeter legem, ou seja, de regulamentos que venham a “interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar” quaisquer preceitos da própria lei habilitante (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 398/2008).
A intervenção regulamentar visa, assim, regular aquilo que a lei se absteve de regular e não integrar a regulamentação legislativa, pelo que o poder exercido pela Administração não corresponde a uma delegação do poder legislativo feito pela norma habilitante mas constitui um poder regulamentar próprio, daí resultando que o reenvio tem natureza meramente formal: a lei reenviante não incorpora o conteúdo da norma regulamentar nem lhe pode atribuir força legal, mantendo as normas a sua diferente natureza e hierarquia, que obsta a que se possa falar em integração (cfr., sobre todos estes aspectos, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, págs. 70-81).
Não ocorre, por conseguinte, um qualquer fenómeno de deslegalização, visto que a lei não habilita a administração a emitir uma regulação primária e inovatória, mas apenas uma regulação meramente executiva ou complementar.
Nestes termos, não se verifica a alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade fiscal, da reserva legislativa da Assembleia da República em matéria de impostos, e do princípio da proibição de atos não legislativos de interpretação e integração das leis.
A Requerente defende, ainda, que o RGIC e as OAR não excluem a atividade de telecomunicações do regime jurídico nacional de incentivos fiscais ao investimento, nomeadamente no que concerne ao concreto investimento realizado pela Requerente em ativos para a expansão da rede fixa e da rede móvel.
E, tendo sido objetivo do legislador que aprovou o CFI assegurar a conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020 - nomeadamente, com as disposições constantes do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e as regras previstas no mapa nacional de auxílios estatais com finalidade regional -, haverá de entender-se que o artigo 2.º, n.º 2, alínea g), desse diploma, ao incluir o sector das telecomunicações no âmbito de aplicação dos benefícios fiscais, teve em vista adaptar o regime nacional ao Direito Europeu.
E, desse modo, a exclusão do sector das telecomunicações dos benefícios fiscais, com base em diploma regulamentar que omite a referência a essa atividade, viola o princípio da interpretação conforme ao direito europeu.
Vejamos, então.
Estando em causa uma eventual violação do princípio da interpretação conforme ao direito europeu, importa esclarecer – retomando o acórdão n.º 545/2018-T – que o estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno integra a reserva de competência exclusiva da União Europeia, aí se incluindo as normas que disciplinam os auxílios de Estado, concretizadas nos artigos 107.º a 109.º do TFUE.
Em matéria de competência exclusiva, só a União Europeia pode legislar e adoptar atos juridicamente vinculativos, cabendo aos Estados-Membros produzir a legislação e regulamentação nacional em execução das normas europeias, em aplicação do princípio do primado do direito europeu. É neste contexto institucional e normativo que devem ser interpretados e aplicados o CFI e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.
Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o CFI (e a regulação que dele consta do RFAI) e a Portaria n.º 282/2014 devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e, nesse sentido, a Portaria não pode ser tida como um mero regulamento de complementação do n.º 2 do art.º 2.º do CFI, mas como um diploma de execução de disposições de direito europeu.
Reportando-nos ao direito europeu, o ponto de partida em matéria de auxílios de Estado centra-se no artigo 107.º do TFUE, que, na parte que interessa considerar, dispõe o seguinte:
“1. Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
(…)
3. Podem ser considerados compatíveis com o mercado interno:
a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego, bem como o desenvolvimento das regiões referidas no artigo 349.º, tendo em conta a sua situação estrutural, económica e social;
(…)
c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;"
Estabelece-se, assim, uma regra geral de incompatibilidade dos auxílios com o direito da União Europeia, que apenas pode ceder em situações particulares e, designadamente, quando se tenha em vista, dentro de certo condicionalismo, o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas.
É nesse domínio que surgem as “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR)”, publicadas pela Comissão Europeia, em que se estabelecem, a título introdutório, as diretrizes essenciais de plano conceptual.
Com base no artigo 107.º, n.º 3, alíneas a) e c), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a Comissão pode considerar compatíveis com o mercado interno os auxílios estatais destinados a facilitar o desenvolvimento económico de certas regiões desfavorecidas da União Europeia, designando-se estes auxílios como auxílios com finalidade regional (ponto 1.).
O objetivo primordial do controlo dos auxílios estatais no domínio dos auxílios com finalidade regional consiste em autorizar os auxílios a favor do desenvolvimento regional, garantindo simultaneamente a igualdade das condições de concorrência entre os Estados-Membros (ponto 2.)
Os auxílios com finalidade regional só podem desempenhar um papel eficaz se forem empregues com parcimónia e de forma proporcionada e se concentrarem nas regiões mais desfavorecidas da União Europeia (ponto 5.).
Referindo-se ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, as OAR fazem menção aos auxílios ao investimento a redes de banda larga, estipulando que “podem ser considerados compatíveis com o mercado interno se, para além das condições gerais estabelecidas nas presentes orientações, respeitarem também as seguintes condições específicas: i) os auxílios são concedidos apenas a regiões onde não existem redes da mesma categoria (quer de banda larga de base quer NGA) e onde nenhuma é suscetível de ser desenvolvida no futuro próximo; ii) o operador de rede subvencionado oferece acesso ativo e passivo por grosso em condições equitativas e não-discriminatórias com a possibilidade de desagregação eficaz e total; iii) os auxílios devem ser atribuídos com base num processo de seleção concorrencial em conformidade com o ponto 78, alíneas c) e d), das Orientações relativas a redes de banda larga” (ponto 12).
Também o Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), no seu artigo 52.º, contempla os auxílios a infraestruturas de banda larga, estatuindo, na parte que mais releva, o seguinte:
"1. Os auxílios ao investimento a favor do desenvolvimento de redes de banda larga devem ser compatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.º, n.º 3, do Tratado, e devem ser isentos da obrigação de notificação prevista no artigo 108.º, n.º 3, do Tratado, desde que preencham as condições estabelecidas no presente artigo e no capítulo I.
2. Os custos elegíveis devem ser os seguintes:
a) Custos de investimento para a instalação de uma infraestrutura de banda larga passiva;
b) Custos de investimento em obras de engenharia civil relacionadas com a banda larga;
c) Custos de investimento para a instalação de redes de banda larga básica; e
d) Custos de investimento para a instalação de redes de acesso da nova geração («NGA»).
3. O investimento deve estar localizado em zonas onde não existam infraestruturas da mesma categoria (redes de banda larga básica ou redes NGA), nem seja provável que esse tipo de infraestrutura venha a ser desenvolvido em condições comerciais no prazo de três anos a contar do momento da publicação da medida de auxílio planeada, o que deve igualmente ser objeto de verificação através de uma consulta pública aberta."
Como se impõe concluir, os auxílios estatais assumem carácter de excepcionalidade e, quando se considerem compatíveis com o direito europeu, carecem de ser aplicados limitadamente.
Conclui-se, com efeito, que os instrumentos de direito europeu não se referem genericamente a auxílios ao investimento no sector das telecomunicações, mas tão somente a auxílios a infraestruturas de banda larga; e, ainda que estas infraestruturas possam considerar-se abrangidas no conceito amplo de telecomunicações, o certo é que já não se podem enquadrar nesse tipo de auxílios, pelo seu carácter mais restrito, os investimentos para expansão da rede fixa e da rede móvel.
Ora, a argumentação da Requerente assenta na ideia central de que não decorre do RGIC a exclusão das atividades de telecomunicações do regime jurídico nacional de incentivos fiscais ao investimento, nomeadamente no que concerne ao investimento realizado em ativos para a expansão da rede fixa e da rede móvel. Por outro lado, o CFI teria pretendido adaptar o direito interno às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado, incluindo no âmbito de aplicação dos benefícios fiscais ao investimento o sector das telecomunicações, o que tornaria inaceitável à luz do princípio da interpretação conforme o direito europeu a derrogação operada pela Portaria 284/2014.
Como é sabido, o princípio da interpretação conforme implica que o intérprete e o aplicador do direito, internamente, deverá, quando tenha de aplicar apenas o direito nacional, atribuir-lhe uma interpretação que se apresente conforme com o sentido, economia e termos das normas europeias (cfr. acórdão do STJ n.º 3/2004, de 25 de Março de 2004).
Ora, os Estados membros não estão vinculados a atribuir, em todos os casos, os auxílios estatais que sejam declarados como compatíveis com o direito da União Europeia e a Portaria para que a lei remeteu a definição dos códigos de atividade económica poderia selecionar, no interesse geral, determinadas atividades em detrimento de outras, ainda que estas se encontrassem também incluídas no âmbito objetivo de aplicação dos benefícios fiscais.
E, como ficou dito, o sector das telecomunicações nem sequer consta dos auxílios estatais a que fazem referência o Regulamento Geral de Isenção por Categoria e as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional.
É dentro deste enquadramento que se pode concluir que, por efeito do reenvio normativo efetuado pelo artigo 2.º, n.º 3, do CFI, a administração poderia desconsiderar qualquer dos códigos de atividade económica do sector das telecomunicações, no uso do seu poder regulamentar, sem com isto pôr em causa a aplicação do direito europeu.
Neste contexto, não é possível efetuar uma qualquer interpretação conforme que permita considerar como elegível o investimento realizado pela Requerente, nem tão-pouco ocorreu uma qualquer derrogação de norma legal, mas antes a regulamentação de norma legal que era em si mesmo inexequível, no ponto em que estava dependente da definição dos concretos códigos de atividade económica que deviam ficar abrangidos pelo benefício fiscal.
O pedido arbitral é assim improcedente, ficando necessariamente prejudicado o pedido de condenação em juros indenizatórios.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral, com as legais consequências;
b) Condenar a Requerente ao pagamento das custas.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 2.462.131,25 nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 31.824,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de junho de 2025
Os Árbitros,
Guilherme W. d’Oliveira Martins
João Zambujal de Oliveira
António Pragal Colaço
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.