Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1036/2024-T
Data da decisão: 2025-06-06  IRC  
Valor do pedido: € 180.676,77
Tema: Plano de opções sobre ações – art.º 18.º do CIRC. Fundamentação a posteriori
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SUMÁRIO

  1. Os pagamentos com base em ações, efetuados aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, em razão da prestação de trabalho ou de exercício de cargo ou função, concorrem para a formação do lucro tributável   no período de tributação em que os respetivos direitos ou opções sejam exercidos pelas quantias liquidadas ou, se aplicável, pela diferença entre o valor dos instrumentos de capital próprio atribuído e o respetivo preço do exercício pago, efetuando-se então o necessário ajustamento por acréscimo ou dedução ao resultado líquido.
  2. O indeferimento da reclamação graciosa é necessariamente contextual, não podendo  ser fundamentado  “ a posteriori”,   na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral assinada pela representante processual da  Requerida, com base em factos não invocados na fundamentação da decisão impugnada.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente), José Manuel Parada Ramos e António de Barros Lima Guerreiro (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 13 de novembro de 2024, acordam no seguinte:

 

 

RELATÓRIO

A... UNIPESSOAL LDA. (doravante designada por “Requerente”), sociedade comercial constituída de acordo com o direito português, titular do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede social na ..., nº ..., ...-..., ..., Lisboa, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também referida por “AT” ou “Requerida”), com vista à apreciação decisão do Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, proferido em 21 de maio de 2024, deduzida contra a autoliquidação resultante da entrega da Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referente ao exercício de 2020, e bem assim, o ato de liquidação de IRC n.º 2021..., no qual foi apurado o montante a pagar de € 180.676,77 (cento e oitenta mil, seiscentos e setenta e seis euros e setenta e sete cêntimos).

Em 8 de agosto de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Autoridade Tributaria.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, as quais nada disseram, foram designados árbitros os signatários que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 13 de novembro 2024.

Em 30 de outubro de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido, juntando à mesma o processo administrativo (“PA”), constituído por uma reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 27 de junho e 2023 da autoliquidação resultante da entrega da Declaração Modelo 22 do IRC do exercício de 2020, da qual resultou a Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2021... . 

Por despacho de 9 de março de 2025, foram as partes notificadas para uma reunião para o dia 24 de março às 10:15 horas, nos termos do art. 18.º do RJAT, para se proceder à inquirição das testemunhas. Por ausência da testemunha arrolada pela Requerida, ficou agendada nova reunião para o dia 2 de abril para a sua inquirição.

No dia de 1 de abril a Requerida apresentou Requerimento, enunciando que prescindia da inquirição da testemunha por ela arrolada e requereu a prossecução dos ulteriores termos do processo.

Em 1 de abril de 2025 as partes foram notificadas para apresentação de alegações simultâneas, no prazo de 10 dias.

Em 29 de abril, a Requerida e a Requerente apresentaram as suas alegações. 

SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de autoliquidação de IRC (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º do RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

QUESTÃO DECIDENDA

Em 27 de junho de 2023, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a autoliquidação do IRC do exercício de 2020, na qual requeria, nos termos do nº 11 do art. 18º do Código do IRC,  a dedução dos gastos por ela registados e por ela acrescidos nas suas declarações modelo 22 do IRC ao longo do período de 2017 a 2020, respeitantes a pagamentos aos colaboradores com base em ações, cujas opções foram exercidas ou canceladas no ano do exercício de 2020, no montante de € 1.166.934,09.

A Autoridade Tributária indeferiu a referida reclamação, fundamentando a decisão na  falta de prova dos gastos  que o Sujeito Passivo pretende deduzir,  por considerar que:

(i)             Os documentos entregues não permitem validar o alegado, uma vez que para além do extrato da “Conta 6326”, não apresenta qualquer extrato de outras contas da sua contabilidade bem como da contabilidade da “sociedade-mãe”, que demonstre o tratamento contabilístico das operações económicas qui em análise.

 

(ii)           Não foi possível concluir, inequivocamente, qual o justo valor atribuído às “Stock options” no momento da atribuição/adesão do colaborador ao “Plano”

 

(iii)         No que concerne às regras dos preços de transferência, não foi possível concluir, fiavelmente, que as operações efetuadas entre as sociedades relacionadas identificadas no processo de reclamação graciosa se praticaram em condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes.

          

(iv)          Não se reconhece qualquer validade probatória para os devidos efeitos, do referido documento “Minuta de Acordo de Cessação”, uma vez que para além de não conter qualquer elemento identificativo do colaborador, bem como as condições de cessação do referido “Plano”, não se encontra assinado por qualquer uma das partes intervenientes.

A  questão de direito a decidir, à luz dos elementos que constam do presente processo, é a legalidade , à luz dos fundamentos concretos invocados, do indeferimento da Reclamação Graciosa anteriormente referida em que a administração fiscal   recusaria a  dedução dos   gastos no valor mencionado registados pela requerente e acrescidos nas Declarações Modelo 22 apresentadas ao longo do período de 2017 a 2020, pedida com fundamento no nº 11 do art. 18º do  Código do IRC, referentes a pagamentos aos colaboradores com base em ações, cujas opções foram exercidas ou canceladas no ano de exercício de 2020.

 

POSIÇÃO DAS PARTES

Posição da Requerente no PPA

Os fundamentos apresentados pela Requerente em apoio da sua petição, são, em síntese, os seguintes:

a.          A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas de direito português, que tem por objeto a prestação de serviços de engenharia e consultoria na área de software de Gestão de Relacionamento com o Cliente, na prestação de serviços de engenharia e formação nas áreas das tecnologias de informação e das telecomunicações, no desenvolvimento de sistemas de aplicações informáticos e na elaboração, desenvolvimento e manutenção de projetos de redes informática e de telecomunicações, estando a respetiva atividade identificada pelo CAE principal 62020 – “Atividades de consultoria e programação informática”.

 

b.          A Requerente desenvolve o seu negócio no seio de um grupo multinacional, atuando como prestadora de serviços em Portugal em representação da sua sócia única e empresa-mãe do grupo, a B... Inc., com sede nos Estados Unidos da América. 

 

c.          No âmbito da sua atividade, a Requerente presta exclusivamente serviços de venda e de marketing em nome da B... Inc. (EUA) e serviços de desenvolvimento de software em nome da C... (Estónia), constituindo rédito da sua atividade a remuneração destas atividades pelos serviços prestados, a qual é determinada de acordo com as regras da OCDE e legislação aplicável no que tange a preços de transferência. 

 

d.          No exercício findo de 31 de dezembro de 2020, a Requerente tinha afetos à sua atividade 162 (cento e sessenta e dois) trabalhadores. 

 

e.          Alguns dos trabalhadores da Requerente tinham a essa data contratualizados, como parte das suas componentes remuneratórias, planos de pagamentos com base em ações, mais concretamente, planos de opções sobre ações, vulgo “stock options”, ao abrigo da política remuneratória definida pelo grupo empresarial em que se insere.

 

f.           O compromisso de atribuição dos referidos planos de stock options é assumido pela B... Inc. (empresa-mãe), estando as opções de aquisição das suas ações dependentes de determinadas condições e objetivos a cumprir pelos trabalhadores da Requerente, nos termos definidos contratualmente.

 

g.          Pese embora os planos de stock options sejam criados e atribuídos diretamente pela B... Inc., os montantes relativos às stock options atribuídas aos trabalhadores da Requerente, bem como os respetivos custos inerentes são reconhecidos nas demonstrações financeiras da Requerente, ao abrigo das normas contabilísticas aplicáveis.

 

h.          Os gastos reconhecidos nas contas da Requerente relativos à atribuição de stock options são imputados e constituem parte da base de cálculo (ou seja, integram o conjunto de custos incorridos localmente para efeitos de cômputo da remuneração a auferir pela Requerente) da remuneração pelos serviços prestados à B... Inc. e C..., tal como decorre das orientações genéricas da OCDE e das regras de preços de transferência aplicáveis.

 

i.           Em virtude do regime fiscal aplicável prever o diferimento da dedutibilidade dos gastos relativos a pagamentos com base em ações para o momento em que as opções de aquisição sejam exercidas, i.e. no momento em que tais rubricas remuneratórias constituem rendimentos do trabalho dependente sujeitas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), tais gastos não foram, considerados fiscalmente dedutíveis na sua esfera, tendo a Requerente procedido aos correspondentes acréscimos nas Declaração Modelo 22 dos períodos de tributação de 2017 a 2020.

 

j.           Em novembro de 2020, na sequência de um acordo de incorporação realizado pelo grupo, nos termos do qual a “D...” passou a ser o investidor maioritário, verificou-se a extinção do plano de stock options até então em vigor.

 

k.          Nessa sequência, os trabalhadores a quem anteriormente tinha sido atribuído um plano de incentivo de capital que permitia a opção de compra de ações da B... Inc. manifestaram a sua intenção de exercer o seu direito de compra dessas ações (por meio de um exercício sem dinheiro).

 

l.           Por seu turno, a B... Inc. expressou, igualmente, a sua intenção de adquirir aos trabalhadores as ações por estes recebidas no âmbito do plano de stock options (por meio de um exercício a dinheiro) de modo a ser esta a única detentora das suas ações que estavam, até esse momento, alocadas aos trabalhadores que tinham direito a essas ações em razão do plano de stock options vigente.

 

m.        O acordo para validar as intenções das partes foi assinado no dia 17 de dezembro de 2020 e as respetivas transferências bancárias foram concretizadas para as contas dos trabalhadores, pela venda das ações à B... Inc., no dia 18 de dezembro de 2020.

 

n.          Como consequência das operações acima descritas, nomeadamente do exercício das opções (e a correspondente aquisição das ações) por parte dos trabalhadores, verificou-se o apuramento de rendimentos (em espécie) da Categoria A de IRS na esfera dos trabalhadores da Requerente, os quais foram reportados na Declaração Mensal de Remunerações (“DMR”) com o código A65, no montante total de € 1.741.073,35, apresentada com referência a dezembro de 2020.

 

o.          As obrigações decorrentes do plano de stock options, nomeadamente a atribuição e exercício das stock options, bem como a extinção do plano, foram igualmente reportadas pela Requerente na Declaração Modelo 19 dos períodos aplicáveis.

 

p.          Os compromissos de pagamento em ações da B..., Inc. (empresa-mãe) foram refletidos na rubrica “Outros instrumentos de capital próprio” da Requerente, representando em termos teóricos a “contribuição de capital” da empresa-mãe que a Requerente “gastou” na remuneração dos seus empregados no âmbito do referido plano de stock options.

 

q.          Deste modo, no exercício findo a 31 de dezembro de 2020, a Requerente registava compromissos no âmbito do plano de stock options no montante acumulado de € 1.218.465,78 (um milhão, duzentos e dezoito mil, quatrocentos e sessenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos), dos quais € 799.347,41 (setecentos e noventa e nove mil, trezentos e quarenta e sete euros e quarenta e um cêntimos) respeitaram a gastos reconhecidos no exercício de 2020, ano no qual foi acionado o plano de stock options e consequentemente extinto o mesmo.

 

r.           Assim, o montante acumulado de € 1.218.465,78, correspondente ao valor de mercado das ações e o justo valor dos benefícios a serem liquidados com base nessas ações, foi reconhecido pela Requerente ao longo da vigência e até à respetiva extinção do plano de opções em contrapartida de gastos com pessoal na rubrica SNC 6326, conforme detalhe apresentado infra:

2017

8 703,76 €

2018

178 959,67 €

2019

231 454,94 €

2020

799347,41 €

 

s.          Do montante acumulado acima mencionado (€ 1.218.465,78), € 1.166.934,09 (um milhão, cento e sessenta e seis mil, novecentos e trinta e quatro euros e nove cêntimos), correspondem a gastos contabilisticamente reconhecidos nos períodos de 2017 a 2020, de um total de 568,495 ações atribuídas com referência ao início do exercício de 2020, das quais se verificou o exercício de opções de aquisição de 560,665 ações e o cancelamento das restantes opções de 7,830 ações não exercidas no âmbito da extinção do plano de stock options em 2020.

t.           O benefício concedido aos trabalhadores não representa qualquer responsabilidade direta na esfera da Requerente, inexistindo, porquanto, qualquer desembolso direto, no momento do acionamento das stock options, por parte da Requerente no âmbito do referido plano de stock options.

u.          Considera a Requerente que se encontram preenchidos os requisitos para a dedução fiscal, no período de 2020, dos montantes acrescidos em períodos anteriores relativamente ao acionamento do plano de stock options, sendo tais custos imputados no resultado do período de acionamento do referido plano, conforme os normativos aplicáveis, sem prejuízo da Requerente não ter, no entanto, procedido diligentemente à devida e respetiva dedução na Declaração Modelo 22 de IRC desse período, submetida em 30 de junho de 2021.

v.          Deste modo, constatou a Requerente que a autoliquidação acima referenciada enferma de errónea quantificação no que respeita ao lucro tributável apurado no montante de € 1.002.115,13 e ao total de imposto a pagar de € 180.676,77 (cento e oitenta mil, seiscentos e setenta e seis euros e setenta e sete cêntimos).

w.        Nessa sequência, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, que correu termos sob o n.º de procedimento ...2023... e que foi indeferida pela Administração tributária.

x.          A Administração tributária violou o princípio do inquisitório, tendo fundamentado a sua decisão de indeferimento em meros juízos conclusivos, suposições e presunções, sem concretização da base factual daquilo que invoca e sem analisar em detalhe toda a prova documental produzida pela Requerente.

y.          A Requerente não solicitou, em momento algum, a dedução de montantes imputáveis por referência ao período de tributação de 2019, tendo apenas vindo solicitar na Reclamação Graciosa a dedução ao resultado tributável de 2020, ano de exercício dos respetivos direitos e opções, dos montantes que resultaram desse mesmo exercício das opções no ano de 2020, sem prejuízo de tais direitos e opções poderem ter “nascido” na esfera dos seus trabalhadores pelo decurso do tempo (“vesting period”) ou em razão das condições aplicáveis para o efeito (“vesting schedule”), conforme o respetivo plano de stock options, nos termos e para os efeitos do n.º 11 do artigo 18.º do Código do IRC.

z.          Os benefícios concedidos a trabalhadores ao abrigo de planos de incentivos de aquisição de ações ou de opções sobre ações são reconhecidos de acordo com as disposições da Norma Internacional de Relato Financeiro 2 (“IFRS 2”) “Pagamento com base em ações”, as quais vigoram diretamente no ordenamento jurídico português por força do Regulamento (UE) 2023/1803 da Comissão, de 13 de agosto de 2023, que adota determinadas normas internacionais de contabilidade nos termos do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho.

aa.       A aplicação deste normativo contabilístico justifica-se pela ausência de enquadramento oferecido pelas normas contabilísticas nacionais, devendo, nesse caso, recorrer-se ao disposto nas Normas Internacionais de Contabilidade. 

bb.       De acordo com as disposições previstas na IFRS 2, os benefícios concedidos são reconhecidos como gastos durante o exercício em que os serviços são prestados pelos empregados e a sua contrapartida, em capital próprio ou passivo, se forem pagamentos em ações da empresa-mãe ou em dinheiro com base em valor de ações da empresa-mãe, respetivamente. 

cc.       No caso concreto, os compromissos de pagamento em ações da B..., Inc. (empresa-mãe) foram, efetivamente, refletidos na rubrica “Outros instrumentos de capital próprio” da Requerente, representando em termos teóricos a “contribuição de capital” da empresa-mãe (B... Inc) que a Requerente “gastou” na remuneração dos seus empregados no âmbito do referido plano

dd.       Em suma, no que concerne ao plano de ações em análise, o mesmo tem as seguintes características:

·      Quem concede o benefício é a entidade-mãe (B... Inc.

·      Quem recebe os bens e serviços é a subsidiária (Requerente)

·      Quem líquida a atribuição do benefício é a entidade-mãe (B... Inc.)

·      O benefício em análise tem por base as ações da entidade-mãe (B... Inc.)

 

ee.       Entende a ora Requerente, ao abrigo da citada norma contabilística, que é razoável reconhecer na sua esfera o custo em gastos com benefícios aos colaborares (“rubrica 63 – gastos com o pessoal”), juntamente com um aumento correspondente no capital próprio (outros instrumentos de capital próprio – “rubrica 53 – outros instrumentos de capital próprio”) durante o período em que o serviço e, quando aplicável, as condições de desempenho são cumpridas – procedimento contabilístico que veio, neste sentido, adotar.

 

ff.         Tal resulta, nomeadamente do previsto no parágrafo B53 da IFRS 2 (Apêndice B) “[a] subsidiária não tem a obrigação de entregar instrumentos de capital próprio da sua empresa-mãe aos seus empregados. Por conseguinte, em conformidade com o parágrafo 43B, a subsidiária deve mensurar os serviços recebidos dos seus empregados de acordo com os requisitos aplicáveis às transações de pagamento com base em ações e liquidadas com capital próprio e reconhecer um aumento correspondente do capital próprio como sendo a contribuição da empresa-mãe.”.

 

gg.       O tratamento fiscal a conferir em sede de IRC aos pagamentos efetuados com base em ações encontra-se estatuído no n.º 11 do artigo 18.º do Código do IRC.

 

hh.       Resulta do normativo legal referido que: “[o]s pagamentos com base em ações, efetuados aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, em razão da prestação de trabalho ou de exercício de cargo ou função, concorrem para a formação do lucro tributável do período de tributação em que os respetivos direitos ou opções sejam exercidos, pelas quantias liquidadas ou, se aplicável, pela diferença entre o valor dos instrumentos de capital próprio atribuídos e o respetivo preço de exercício pago.”.

 

ii.         Ora, no caso em apreço, a Requerente manteve o tratamento contabilístico dos direitos e opções que foram nascendo na esfera dos colaboradores durante o vesting period do plano de stock options durante os períodos de tributação de 2017 a 2020, registando tais opções pelo justo valor enquanto gastos contabilísticos, não tendo, contudo, até à presente data, efetuado qualquer dedução pelo exercício efetivos das opções de aquisição de ações no ano de 2020 e no âmbito daquele plano, dedução que é, aliás, a pretensão cuja apreciação é objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

jj.         No final do período de tributação de 2020, foram exercidas opções de aquisição de 560.665 ações e extintas opções de aquisição de 7,830 ações, às quais correspondem gastos de € 1.166.934,09 contabilisticamente reconhecidos nos períodos de 2017 a 2020 e aquando do nascimento desses direitos e opções, nos termos e para os efeitos da IFRS 2 e conforme se demonstrou, não eram custos aceites fiscalmente, por não terem ainda sido exercidas as referidas opções, sem prejuízo do seu registo contabilístico enquanto meros gastos contabilísticos nos termos da IFRS 2.

 

kk.       Tal como resulta da alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º do Código do IRS, foram reportados rendimentos do trabalho dependente na esfera dos colaboradores aquando do exercício das respetivas opções e que ascenderam a € 1.741.073,35, conforme a Declaração Mensal de Remunerações e Declaração Modelo 19 apresentadas pela Requerente por referência ao período de 2020.

 

ll.         A Administração tributária tributou os trabalhadores em sede de IRS em razão dos rendimentos obtidos com o acionamento das opções, tendo, para o efeito, a Administração tributária se quedado com a apresentação da Declaração Mensal de Remunerações e Declaração Modelo 19 apresentadas pela Requerente por referência ao período de 2020, os mesmo exatos documentos aos quais não reconhece valor probatório em sede de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa mas já foram o bastante para proceder à tributação dos trabalhadores em sede de IRS.

 

mm.   Prosseguindo, refira-se que em face do exposto e à luz do n.º 11 do artigo 18.º do Código do IRC, entende a Requerente que estão reunidos os requisitos para a dedução fiscal dos gastos acrescidos nos períodos de 2017 a 2020, no montante de € 1.166.934,09, posto que é nesse ano que se verifica que estes gastos “(…) concorrem para a formação do lucro tributável do período de tributação em que os respectivos direitos ou opções sejam exercidos, (…)”, o que é exatamente o que sucede no caso sub judice.

 

nn.       Refira-se, ainda que, também no caso das opções não exercidas que foram canceladas ou extintas, entende a Requerente que estão, igualmente, reunidas as condições para a respetiva dedução, tal como mencionado na nota 19 do Relatório e Contas, com referência ao exercício de 2020, posto que estas foram convertidas num direito dos trabalhadores em receber um montante em dinheiro equivalente à contraprestação por incorporação de ações, menos qualquer preço de exercício aplicável, constituindo rendimentos destes e, logicamente, um custo dedutível na esfera da Requerente.

 

oo.       Não obstante a Requerente registar nas suas contas, gastos com a atribuição de stock options por imposição das normas contabilísticas, não foi diretamente efetuado por si qualquer desembolso com a atribuição das stock options, sendo tal encargo assumido e suportado pela casa-mãe, sendo tal valor repercutido na esfera da Requerente, nos termos e para os efeitos da IFRS 2 e artigo 23.º do Código do IRC.

 

pp.       Em decorrência da aplicação das regras de preços de transferência, no apuramento do rédito pelos serviços prestados no âmbito da sua atividade, a Requerente imputou os gastos registados no âmbito do plano de stock options à B... Inc. e à C... .

 

qq.       Tais gastos, refletem, por conseguinte, também rendimentos na esfera da Requerente, que por sua vez, foram incluídos no seu resultado fiscal e sujeitos a tributação em sede de IRC nos termos gerais.

 

rr.         A não dedutibilidade em sede de IRC daqueles gastos conduziu a uma “dupla tributação” de uma mesma realidade na esfera da Requerente, situação com a qual, sob pena da violação do princípio de tributação pelo lucro real, a Requerente não poderá concordar.

 

ss.        O princípio da tributação pelo lucro real, previsto no referido n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que, em regra, os proveitos ou ganhos e custos ou perdas, reais, devem constituir os elementos com recurso aos quais se determina a base sobre a qual opera a tributação sobre o rendimento das empresas.

 

tt.         Ora, o pedido da correção do lucro tributável através da dedução do montante de € 1.116.934 justifica-se pelos próprios mapas de suporte ao registo das stock options na conta SNC 6326 referente aos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, sendo certo que este montante respeita às ações exercidas/extintas no exercício de 2020 (apesar de parte das opções terem nascido na esfera dos colaboradores em períodos tributários anteriores, mas neles não exercidas).

 

uu.       Com efeito, este montante relativo às ações exercidas/extintas no exercício de 2020 é inferior ao montante total efetivamente registado na conta, o qual ascendia a € 1.218.465,78, apresentando uma diferença de € 51.182,26, a qual corresponde precisamente ao montante das ações exercidas em 2019 e que não foram objeto da Reclamação Graciosa apresentada. 

 

vv.       Ao contrário do alegado pela Administração tributária, a Requerente, na sua reclamação graciosa apresentada, não pretendeu deduzir no exercício de 2020 quaisquer gastos incorridos em 2019.

 

ww.    Isso mesmo o demonstra o valor objeto do acréscimo realizado aos períodos de 2017, 2018, 2019 e 2020 e o valor (inferior) objeto do pedido de dedução, cuja diferença resulta do facto de não se ter peticionado a dedução, em 2020, de um gasto incorrido em 2019. 

Posição da Requerida na resposta ao PPA

Chamada a pronunciar-se, a Requerida defendeu-se impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:

a.          Verifica-se através dos Balancetes apresentados para os anos de 2017 a 2020 (Documento 12 junto ao PPA), que os únicos clientes da Requerente são a empresa-mãe (conta SNC 2112) e a C... (conta SNC 2114).

 

b.          Da consulta ao sistema informático da AT, resulta que foi acrescido ao resultado tributável dos períodos de tributação de 2017, 2018, 2019 e 2020, respetivamente, os seguintes valores: € 8.703,76, € 178.959,67, € 231.454,94 e € 799.347,41 correspondente a pagamentos com base em ações (associado ao campo 714 do Quadro 07 da Declaração de Rendimento Modelo 22 (DRMod22).

 

c.          Também foi verificado que , para aqueles períodos de tributação, não foram acrescidas ao lucro tributável, variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período (não há preenchimento do campo 702 do quadro 07 da DRMod22).

 

d.          A requerente não fornece qualquer explicação para ter incorrido em gastos com pessoal referentes a compromissos no âmbito do plano de stock options anteriores à data da sua constituição. 

 

e.          Acrescem as graves e inexplicadas divergências entre os valores declarados pela Requerente naquela declaração modelo 19 relativamente, por exemplo, a 2019 (€ 809.223,02) e os valores que a Requerente vem alegar ter suportado a título de gastos relativos às stock options atribuídas aos trabalhadores em 2019 e que refere ter acrescido para efeitos de apuramento do resultado tributável cuja dedutibilidade fiscal vem requerer em 2020 nos termos do n.º 11 do art.º 18.º do CIRC (€231.454,94). 

 

f.           Considerando existir apenas um Plano de stock options conforme o alegado pela Requerente, então, do montante da dedução ao lucro tributável de 2020 (€1.166.934,09) requerido, nos termos do n.º 11 do art.º 18.º do CIRC, deverá ser desconsiderado o valor dos gastos acrescidos anteriormente ao lucro tributável (entre 2017 e 2019), correspondentes ao valor pago em 2019 (€ 809.223,02), a ser passível de dedução ao lucro tributável, nos termos do n.º 11 do art.º 18.º do CIRC, deste ano (em que os rendimentos foram atribuídos efetivamente aos seus trabalhadores) e não em 2020, como pretende a Requerente.

 

g.          No que concerne à aplicação do principio de especialização de exercícios previsto no art.º 18.º do CIRC, que alegadamente afastou a possibilidade de se deduzir ao lucro tributável de 2020, um suposto gasto fiscal de 2019 no montante de € 809.223,02, correspondente ao total inscrito na declaração Modelo 19 apresentada pela Requerente para o período de 2019 (declaração respeitante a entidades patronais que criem ou apliquem, no ano a que reporta a declaração, planos de ações, de subscrição, de atribuição ou outros de efeito equivalente, em benefício de trabalhadores ou membro de órgão sociais), vem a Requerente dizer que a jurisprudência nacional e a doutrina, têm vindo a afirmar que este principio não deve ser aplicado de forma absoluta, “mas sim, em articulação com outros princípios tributários, tais como o princípio da justiça material e da capacidade contributiva”.

 

h.          De facto, parece estarmos diante de um cancelamento daquele plano de stock options, não resultando na contribuição por parte da empresa-mãe de ações suas, porquanto os trabalhadores não vieram a exercer o direito de opção (porque não o puderam fazer diante as circunstâncias da fusão de sociedades, entretanto havida), que foi convolado num pagamento em dinheiro a efetuar pela empresa –mãe. 

 

i.           Considerando os factos invocados pela própria Requerente, não provados, importa resumir os mais relevantes para apreciação do pedido por si efetuado: a) O Plano de pagamento, aos trabalhadores da Requerente, com base em ações, no caso em apreço, plano de opções sobre ações da empresa-mãe ("stock options"), resulta de uma determinação do grupo empresarial; b) Os planos de stock options foram criados e atribuídos diretamente pela empresa-mãe (B... INC.); c) A empresa-mãe tem a obrigação de liquidar o pagamento com base em ações próprias (da B... INC.).

 

j.           A Requerente recebeu os serviços prestados pelos seus trabalhadores associados aos planos de stock options e reconheceu-os como gastos contabilísticos. Fiscalmente, tais gastos foram acrescidos ao lucro tributável referente aos períodos de tributação de 2017 a 2020, nos termos do n.º 11 do art.º 18.º do CIRC; e) Em paralelo, a Requerente reconheceu em capital próprio (na conta SNC 533 Outros Instrumentos de Capital próprio) a contribuição da empresa-mãe do plano de stock options, que vai ser pago por via da Requerente. 

 

k.          Assim, a Requerente, como entidade patronal, e porque este plano de stock options resultará numa forma de remuneração ao seu trabalhador (ainda que determinado, atribuído e liquidado pela empresa-mãe) em função de determinadas condições e objetivos na execução das suas funções, reconheceu essa remuneração como um gasto com pessoal. Mas atendendo a que cabe à empresa-mãe a referida liquidação, a contribuição será por sua conta. 

 

l.           Refere a Requerente que o valor referente aos gastos com os serviços prestados pelos seus trabalhadores é considerado pela Requerente na faturação referente a remuneração pelos serviços prestados à B... INC. e C..., numa forma indireta de re-débito, Contudo, não se pode entender que tal faturação traduza o pagamento à requerente por parte da B... INC., decorrente dos gastos incorridos com os serviços prestados pelos seus trabalhadores, resultantes do Plano de stock options.

 

m.        Estamos perante duas operações distintas que têm enquadramentos contabilísticos e fiscais distintos. 

 

n.          A operação resultante do acordo de prestação de serviços entre a Requerente e a sua empresa-mãe e outra sociedade subsidiária da empresa-mãe (a C...), que utiliza como base de faturação os valores apurados decorrentes da atividade da Requerente exclusivamente exercida para aquela prestação de serviços e que supostamente respeita as regras previstas para Preços de Transferência – uma operação autónoma e que poderá ocorrer mesmo que não seja atribuído qualquer Plano de stock options por parte da empresa-mãe. 

 

o.          Como é bom de notar, a Requerente vem dizer expressamente que é a prestadora de serviços em Portugal em representação da sua empresa-mãe (a B... INC.) e que presta exclusivamente serviços de venda e marketing em nome da B... INC. e serviços de desenvolvimento de software em nome da C... . 

 

p.          Daqui resulta, que os únicos clientes que a Requerente tem, em resultado da sua atividade, são a empresa-mãe (a B...  INC.) e outra empresa do grupo (a C...) – também provado pelas rubricas de clientes existentes nos balancetes apresentados (Documento 11 junto ao PPA) -, cuja faturação é feita com base nos custos/gastos em que incorreu no decorrer da sua atividade (uma base de imputação como outra qualquer a definir entre as partes), onde se incluem entre outros gastos com pessoal, os gastos reconhecidos no seu resultado contabilístico relacionado com o plano de stock options (referente a ações da empresa-mãe).

 

q.          É a própria Requerente, que assume no §19 do Anexo às DF2020 (cfr. Documento 7), as “despesas [com gastos reconhecidos com os planos de stock options] são transferidas da  B... INC. para a A..., LDA como um investimento na subsidiária”.

 

r.           Se tais contribuições da B... INC. são transferidas a título de investimento na subsidiária é porque não são objeto de faturação e cobrança por parte da Requerente, junto da sua empresa-mãe. 

 

s.          Assim, os valores faturados não correspondem à contraprestação daqueles gastos com os Planos de stock options, já que a sua contraprestação é a contribuição da empresa-mãe reconhecida em capital. 

 

t.           Uma outra operação, é aquela que está na base do pedido em apreciação, que é a atribuição por parte da empresa-mãe, a trabalhadores da Requerente, de planos stock options sobre ações suas (da empresa-mãe), cuja obrigação de liquidar aquele plano é da responsabilidade da empresa-mãe. 

 

u.          A remuneração atribuída aos trabalhadores da Requerente, que tem subjacente um Plano de stock options sobre ações da empresa-mãe como contrapartida dos serviços prestados ao longo do período de aquisição, serão gastos da Requerente (entidade patronal) ao longo daquele período de aquisição, todavia “custeados” pela contribuição da empresa-mãe, já que foi esta última sociedade quem atribuiu tais planos (benefícios) aos trabalhadores da Requerente e a quem será exigida a liquidação (se os trabalhadores optarem por exercer aquele direito).

 

v.          Esta contribuição (da empresa-mãe) foi reconhecida em capital (e bem, de acordo com a IFRS2) porque chegado o momento da liquidação do plano de stock options para o qual tenha sido exercido a opção por parte dos trabalhadores da requerente é à empresa-mãe que é exigida essa liquidação. 

 

w.        Em suma, a Requerente incorre em gastos com pessoal, mas o encargo é por conta da empresa-mãe que contribui para o efeito, somente pelos seus interesses intrínsecos, na qualidade de acionista, que daí possam resultar (como refere a Requerente, no §19 do Anexo às DF2020, contribui como um investimento na subsidiária). 

 

x.          Daqui resulta, que desta operação cabem dois reconhecimentos contabilísticos intrínsecos e em simultâneo, cada um deles é consequente um do outro. 

 

y.          Isto é, por um lado, cabe o reconhecimento de gastos com pessoal consequentes do Plano de stock options (na Requerente) relativamente ao qual foi a empresa-mãe que determinou a sua atribuição e ficou obrigada à sua liquidação, e por outro lado, terá de haver o reconhecimento da variação patrimonial positiva em capital (aumento) que resulta da contribuição por parte da empresa-mãe pelo facto de a Requerente incorrer em gastos com pessoal no âmbito daquele Plano de stock options, de sua conta.

 

z.          Dos factos relatados e dos documentos junto aos autos, é percecionado que a Requerente, ao longo dos períodos de 2017 e 2020, reconheceu em gastos com pessoal os serviços prestados pelos seus empregados abrangidos pelo plano de stock options e reconheceu em conta de Capital, na conta #533 Outros instrumentos de capital próprio (OICP) a contribuição por parte da B... INC., originando uma variação patrimonial positiva não refletida no resultado líquido daqueles períodos de tributação.

 

aa.       Refere o n.º 11 do art.º 18.º do CIRC, “Os pagamentos com base em acções, efectuados aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, em razão da prestação de trabalho ou de exercício de cargo ou função, concorrem para a formação do lucro tributável do período de tributação em que os respectivos direitos ou opções sejam exercidos, pelas quantias liquidadas ou, se aplicável, pela diferença entre o valor dos instrumentos de capital próprio atribuídos e o respectivo preço de exercício pago”. 

 

bb.       Nestes termos, relativamente ao reconhecimento de gastos como componente negativa do lucro tributável, o Código do IRC não acompanha o momento do reconhecimento contabilístico daquele gasto, o mesmo é diferido até ao período de tributação em que os respetivos direitos ou opções sejam exercidos.

 

cc.       O art.º 21.º do CIRC refere que concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, o que de imediato se entende que a variação patrimonial positiva reconhecida em Capital ( decorridos três anos após a liquidação daquele Plano de stock optionsverifica-se, através da consulta da IESDA, que no ano de 2023, essa variação patrimonial positiva ainda incrementa o saldo do Capital da Requerente ) a contribuição da empresa-mãe para o plano de stock options concedido aos trabalhadores da Requerente – no valor total de €1.218.465,78, deveria ter contribuído para os lucros tributários daqueles períodos tributários de 2017, 2018, 2019 e 2020. 

 

dd.       Importa então, ter presente a exclusão prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 21.º do CIRC: “[a]s entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio” 

 

ee.       Daqui resulta, que a variação patrimonial positiva resultante da contribuição efetuada pela empresa-mãe por ser a entidade que assumiu o compromisso quanto ao Plano de stock options, não se encontra abrangida por aquela alínea a) do n.º 1 do art.º 21.º do CIRC, porquanto não estamos diante de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, uma vez que o que está em causa são stock options sobre as ações da empresa-mãe, a B... INC e não sobre as ações da Requerente. A entidade emitente, no caso em apreço, é a B... INC.

 

ff.         Agora atentos aos valores declarados pela Requerente relacionados com a operação em apreço, para efeitos de tributação do lucro tributável, referente aos períodos de 2017 a 2020, por consulta às declarações de rendimento Modelo 22 (DRMod22), verifica-se que, fiscalmente, a requerente apenas cuidou em declarar parcialmente o impacto da operação nos respetivos lucros tributáveis de 2017 a 2020.

 

gg.       A  Requerente na sua explanação quanto ao tratamento fiscal a atribuir a esta operação (arts.94.º a 105.º do ppa), olvidou esta parte do reconhecimento fiscal daquela variação patrimonial positiva.

 

hh.       É evidente que ao longo dos períodos de 2017 a 2020, a Requerente teve a preocupação de acrescer ao lucro tributável, através do preenchimento do campo 714 do Quadro 07 da DRMod22[6], o valor correspondente aos gastos com pessoal – stock options reconhecidos em resultados contabilísticos daqueles exercícios, em respeito ao disposto no art.º 18.º, n.º 11 do CIRC.

 

ii.         Contudo, não teve o cuidado de acrescer ao lucro tributável a variação patrimonial positiva resultante da contribuição efetuada pela empresa-mãe, que não se encontra abrangida pelas exceções previstas no art.º 21.º do CIRC e como tal, deve ser dada à tributação. 

 

jj.         Desta operação como um todo, para efeitos fiscais, não poderá resultar qualquer resultado tributável para a requerente. a requerente não teve qualquer dispêndio com a operação. 

 

kk.       A Requerente reconheceu gastos com pessoal no montante das remunerações, mas quem incorreu na obrigação de pagar essas remunerações não foi a própria, mas sim a sua empresa-mãe, que veio a contribuir com as suas ações aquando do exercício da opção por parte dos empregados. Na prática, a Requerente foi “intermediário” (por se tratar da entidade patronal na forma de a empresa-mãe atribuir àqueles trabalhadores (do grupo) o Plano de stock optionsreferentes às suas ações.

 

ll.         Cabia à Requerente para vir peticionar a dedução dos gastos fiscais reconhecidos contabilisticamente e acrescidos aos respetivos lucros tributáveis de 2017 a 2020, a obrigação de ter acrescido aos respetivos lucros tributáveis (de 2017 a 2020) o valor correspondente à contribuição efetuada pela empresa-mãe, que se encontra reconhecida em Capital (e ainda em Balanço, a 2023.12.31) e que se traduz numa variação patrimonial positiva, sujeita a tributação nos termos do art.º 21.º do CIRC. 

 

mm.   Conforme consta dos factos apresentados, a Requerente não acresceu ao lucro tributável daqueles períodos de tributação (2017 a 2020), o incremento no capital da Requerente em resultado da contribuição por parte da sua empresa-mãe, que se traduz numa variação patrimonial positiva a tributar nos termos do art.º 21.º do CIRC.

 

nn.       Não são rendimentos (obtidos por via da sua faturação) que uma sociedade venha a obter (que pode até nem acontecer) que asseguram a neutralidade fiscal desta operação (no caso em apreço, na esfera da Requerente) como quer fazer crer a Requerente (arts.109.º a 111.º do PPA), mas sim o reconhecimento fiscal da variação patrimonial positiva.

 

 

MATÉRIA DE FACTO

Factos Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

a.          Em 2020, alguns dos trabalhadores da Requerente tinham a essa data contratualizados, como parte das suas componentes remuneratórias, planos de pagamentos com base em ações da sociedade-mãe, mais concretamente planos de opções sobre ações, ao abrigo da política remuneratória definida pelo grupo em que a Requerente se insere.

 

b.          Em novembro de 2020, na sequência de um acordo de in  corporação realizado pelo grupo, nos termos do qual a “D...” passou a ser o investidor maioritário, verificou-se a extinção do plano de opções sobre ações até então em vigor.

 

c.          Os trabalhadores a quem anteriormente tinha sido atribuído um plano de incentivo de capital que permitia a opção de compra de ações da  sociedade mãe  B... Inc. manifestaram a sua intenção de exercer o seu direito de compra dessas ações (por meio de um exercício sem dinheiro).

 

d.          A B...  Inc. expressou, igualmente, a sua intenção de adquirir aos trabalhadores as ações por estes recebidas no âmbito do plano (por meio de um exercício a dinheiro) de modo a ser esta a única detentora das suas ações que estavam, até esse momento, alocadas aos trabalhadores que tinham direito a essas ações em razão do plano de opções sobre ações vigente.

 

e.          O acordo para validar as intenções das partes foi assinado no dia 17 de dezembro de 2020 e as respetivas transferências bancárias foram concretizadas para as contas dos trabalhadores, pela venda das ações à  B... Inc., no dia 18 de dezembro de 2020.

 

f.           No exercício findo a 31 de dezembro de 2020, a Requerente registava compromissos no âmbito do plano de stock options no montante acumulado de 1.218.465,78 €.

 

g.          Esse montante foi reconhecido pela Requerente como gastos na rubrica SNC 6326, conforme detalhe apresentado infra:

2017

8 703,76 €

2018

178 959,67 €

2019

231 454,94 €

2020

799 347,41 €

 

 

h.          Tais gastos não foram considerados fiscalmente dedutíveis na esfera da Requerente, que procedeu aos correspondentes acréscimos nas Declaração Modelo 22 dos períodos de tributação de 2017 a 2020.

 

i.           No âmbito da extinção do plano, no final do período de tributação de 2020, foram exercidas opções de aquisição de 560.665 ações e extintas opções de aquisição de 7,830 ações, às quais correspondem gastos de € 1.166.934,09 contabilisticamente reconhecidos nos períodos de 2017 a 2020.

j.           A diferença, de € 51.182,26 corresponde a opções que haviam sido exercidas em 2019 ou extintas em 2017 e 2018, conforme se verifica pelos dados que constam do documento 9 apenso ao processo.

 

k.          As obrigações decorrentes do plano de stock options, nomeadamente a atribuição e exercício das stock options, bem como a extinção do plano, foram igualmente reportadas pela Requerente na Declaração Modelo 19 dos períodos aplicáveis, tendo sido declarados rendimentos obtidos pelos seus colaboradores referentes às opções exercidas em 2019 e em 2020 de € 809.223,02 e de € 1.741.073,35, respetivamente.

l.           Foram reportados rendimentos do trabalho dependente na esfera dos colaboradores aquando do exercício das respetivas opções e que ascenderam a € 1.741.073,35, conforme a Declaração Mensal de Remunerações e Declaração Modelo 19 apresentadas pela Requerente por referência ao período de 2020.

m.        A Administração tributária tributou os trabalhadores em sede de IRS em razão dos rendimentos obtidos com o acionamento das opções,  como evidenciam a Declaração Mensal de Remunerações e a Declaração Modelo 19 apresentadas pela Requerente por referência ao período de 2020.

n.          A Requerente imputou os gastos registados no âmbito do plano de stock options à B... Inc. e à C... .

o.          A Requerente, na sua reclamação graciosa apresentada, não peticionou a dedução de quaisquer gastos com as opções exercidas em 2019.

p.          Em 2020, a Requerida não deduziu no Campo 760 da Declaração Modelo 22, respeitante ao apuramento do lucro de exercício, qualquer importância referente às opções exercidas ou canceladas nesse período , mas, no campo 714 dessa Declaração modelo 22 , acresceu a título de pagamentos em ações, a importância de € 799,347,41. 

r         A 30 /6/ 2021, apresentou a Declaração modelo 22 de 2020, que originou a Liquidação nº 2021 ... da qual resultou imposto a pagar no montante de € 180.676,77. 

Motivação da decisão da matéria de facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3, do CPC (aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos, que é consensual, bem como nas declarações prestadas pelas testemunhas indicadas pela Requerente. 

Apreciação

O mapa apresentado pela Requerente no documento 9 que integra o processo, detalha as opções por colaborador abrangido no Plano (indicando o respetivo NIF), quais as exercidas e/ou acanceladas entre 2017 e 2020 e os respetivos montantes, bem como os respetivos encargos, os quais coincidem com os registados na contabilidade da Requerente e por ela acrescidos na declarações modelo 22 desses exercícios, perfazendo o montante total de € 1.218.465,78.

O montante das opções exercidas ou canceladas em 2020 foi de € 1.166.934,09, que é a dedução peticionada pela Requerente, importância integrada do total de € 1.218.465,78 por ela acrescido nos exercícios de 2017 a 2020.

A diferença entre o valor total acrescido (€ 1.218.465,78) e o peticionado (€ 1.166.934,09), de € 51.182,26, respeita a opções exercidas em 2019 ou canceladas em exercícios anteriores, cuja dedução não é pedida pela Requerente.

Verifica-se que o valor registado como gasto pela Requerente com o plano de opções se mostra inferior ao que consta das declarações modelo 19 por ela entregues, segundo as quais os montantes de rendimentos auferidos pelos seus colaboradores no âmbito do Plano foram, respetivamente, de € 809.223,02 e € 1.741.073,35, em 2019 e em 2020.

Conforme ficou provado, a Requerente não peticiona a dedução de gastos com as opções exercidas pelos seus colaboradores em 2019, tratando-se de matéria não compreendida no escopo do presente processo.

Quanto à diferença entre a dedução peticionada, de € 1.166.934,09, apurada na declaração modelo 22 de 2020,  e a importância de € 1.741.073,35, que consta da declaração modelo 19, de modelo aprovado pela Portaria nº 698/2002, de 15/6, referente a esse exercício, em sede de inquirição a testemunha Dr. E... justificou-a como resultante da diferença entre as importâncias registadas anualmente na contabilidade da Requerente com base em estimativas, que foram as consideradas na Declaração modelo 22, e o valor final da avaliação efetuada em 2020 por entidade externa, com base no qual foram apurados os rendimentos do trabalho dependente dos colaboradores.

O  que cumpre apreciar no presente processo não é a correção dos valores inscritos  na declaração Modelo 19 de 2020, a  qual acomoda, aliás, confortavelmente a importância peticionada., mas a legalidade do pedido da Requerente, que tem por base os valores que constam da sua contabilidade, os quais  a Declaração modelo 22 deveria ter refletido. De acordo com o n.º 11 do art.º 18.º do CIRC, cuja aplicação está em causa, os pagamentos com base em ações, efetuados aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, em razão da prestação de trabalho ou de exercício de cargo ou função, concorrem para a formação do lucro tributável do período de tributação em que os respetivos direitos ou opções sejam exercidos, pelas quantias liquidadas ou, se aplicável, pela diferença entre o valor dos instrumentos de capital próprio atribuídos e o respetivo preço de exercício pago.

Consequentemente, o Quadro 07 da declaração do IRC Modelo 22 contém dois campos - os campos 714 e o campo 760 (“pagamentos com base em opções”), destinados a acrescer e deduzir, respetivamente, os gastos registados anteriormente e no exercício das opções, conforme consta do Manual do Preenchimento do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 publicado pela AT (IRC 2023, com plena aplicação ao exercício de 2020, a que respeitam os factos controvertidos):

“Campos 714 e 760 – Pagamentos com base em ações (art.º 18.º, n.º 11)

 O preenchimento do campo 714 resulta do facto de o momento do reconhecimento contabilístico do pagamento com base em ações previsto na Norma Internacional de Relato Financeiro (IFRS) 2 – Pagamento com base em ações ser, em regra, anterior ao momento do reconhecimento fiscal. 

Com efeito, o reconhecimento fiscal só opera no período de tributação em que os respetivos direitos ou opções sejam exercidos, pelas quantias liquidadas ou, se aplicável, pela diferença entre o valor dos instrumentos de capital próprio atribuídos e o preço de exercício pago, pelo que estas importâncias devem ser deduzidas no campo 760, no respetivo período de tributação.”

Caso o trabalhador ou membros dos órgãos estatutários não exerçam o direito de opção, com a consequente extinção das ações, a compensação paga pela renúncia a esse direito constitui rendimento do trabalho dependente, que é integralmente custo de exercício da entidade patronal (conforme acórdão do TCA Sul de 11/3/2021, proc-36512.BESNT).

O n.º 11 do art. 18º do CIRC aplica-se tanto aos casos do exercício a dinheiro da opção em que a ação é adquirida pelo trabalhador à entidade patronal como nos casos de  exercício  sem dinheiro, em que a opção é exercida sem o pagamento de qualquer importância, uma vez as ações são vendidas a terceiros, que financiam o exercício do direito de opção.

Foi provado que, nos exercícios de 2017 a 2020 a Requerente acresceu, na sua totalidade, os gastos reconhecidos com o plano de opções atribuído a parte dos seus colaboradores no Campo 714 do Q07 da M22 e que o exercício do direito de opção foi sem dinheiro.

Ficou, igualmente provado, que em 2020 a Requerida não deduziu no Campo 760 da Declaração Modelo 22 qualquer importância referente às opções exercidas ou canceladas nesse exercício.

Em 2022-06-02,  a Requerente submeteu a declaração nº..., referente ao e acordo de incorporação realizado pelo grupo, em que a “D...”, sociedade mãe, passou a ser o investidor maioritário, em novembro de 2020 o plano extinguiu-se e os trabalhadores manifestaram a sua intenção de exercer o seu direito de compra de ações (por meio de um exercício sem dinheiro), e por sua vez a “B... Inc.”, expressou igualmente a sua intenção de comprar aos trabalhadores as ações adquiridas, por forma a ser a única detentora das suas ações. O acordo foi assinado em dezembro de 2020 e as respetivas transferências foram concretizadas para as contas dos trabalhadores, pela venda das ações à “B... Inc.”, no mesmo mês, apurando-se um rendimento de Cat. A - Rendimento em Espécie, e comunicada à Administração Tributária, no montante global de €1.741.073,35.

A extinção do plano de ações e o consequente direito à subscrição das ações da sociedade decorreu da fusão por incorporação identificada nos autos e não de qualquer acordo posterior, tendo ficado demonstrado que os rendimentos atinentes às opções exercidas foram tributados como rendimentos do trabalho dependente no período de tributação a que respeitam.

Assim, o facto de não terem sido juntos aos autos, trabalhador a trabalhador, acordos traduzidos e assinados, não tem, por si só, qualquer pertinência para a decisão da causa, sendo suficiente  a prova pela correspondência trocada que esse acordo existiu, foi cumprido foi registado na contabilidade da Requerente, que faz fé nos termos gerais.

Refere o relatório de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente:

“Nos exercícios de 2019 e 2020, alguns dos trabalhadores exerceram o seu direito de opção, conforme resulta da informação constante das Declarações Modelo 19, DMR e Declarações Modelo 3 de IRS (dos Trabalhadores benificiários dos planos). 

No entanto, estas operações não se encontram refletidas na contabilidade da reclamante, uma vez que a “Conta 533” apresenta-se no final do exercício de 2020 com o saldo total acumulado correspondente ao somatório de todos os gastos suportados nos exercícios de 2017 a 2020. 

 Assim, devendo as demonstrações financeiras ser preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo e que em termos fiscais tem o seu enquadramento no artigo 18º do código do IRC, os gastos e os rendimentos devem ser imputados ao período a que efetivamente respeitam, independentemente do momento em que ocorra o seu pagamento ou recebimento.

 E, face à norma antes exposta, a reclamante, no exercício de 2020, não poderá deduzir ao lucro tributável um gasto que se refere ao exercício de 2019, uma vez que em 2019 foram pagos aos trabalhadores rendimentos no montante global de €809.223,02, conforme resulta da Declaração modelo 19 por si entregue em 2020-06-24, não se tornando possível, aos serviços efetuar uma correlação inequívoca entre os valores pagos aos trabalhadores e os valores considerados como gastos com as ações extintas por opção desses trabalhadores nos exercícios de 2019 e 2020.

Concomitantemente, a Requerida alega verificarem-se “graves e inexplicadas divergências entre os valores declarados pela Requerente naquela declaração modelo 19 relativamente, por exemplo, a 2019 (€ 809.223,02) e os valores que a Requerente vem alegar ter suportado a título de gastos relativos às stock options atribuídas aos trabalhadores em 2019 e que refere ter acrescido para efeitos de apuramento do resultado tributável cuja dedutibilidade fiscal vem requerer em 2020 nos termos do n.º 11 do art.º 18.º do CIRC (€231.454,94).”

No entanto, conforme se constata pela documentação que consta do processo, em particular do mapa que integra a primeira página do documento 9 apenso ao PPA, ficou provado que o montante cuja dedução é peticionada pela Requerente (€ 1.166.934,09), respeita exclusivamente a opções sobre ações exercidas ou canceladas em 2020, o qual não inclui os gastos com o as opções exercidas em 2019 e/ou canceladas em exercícios anteriores, num total de € 51.182,26.

Relativamente ao tratamento fiscal a dar às variações patrimoniais positivas registadas pela Requerente, em resultado de o encargo com o plano de opções ser assumido pela entidade-mãe, , trata-se de matéria não invocada na fundamentação da decisão impugnada, Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua atividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.

O processo arbitral tributário é, assim, um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), sendo, como este, um meio processual de mera apreciação da legalidade de actos, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Não é um contencioso de plena jurisdição

No âmbito de um contencioso de mera legalidade, esta tem de ser apreciada com base no ato impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral, não podendo o tribunal, perante  a invocação  de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos. 

O que, de resto, se compreende à luz dos direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efetiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4 da CRP), pois, se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse invocado outros fundamentos na decisão da reclamação graciosa, a fundamentação do pedido de pronúncia arbitral poderia ser diferente e as provas que o Sujeito Passivo a trazer ao processo poderiam ser diferentes. Por isso, aquele direito à tutela judicial efetiva não permite que o Tribunal conheça de possíveis fundamentos dos atos impugnados que o sujeito passivo não teve oportunidade  de conhecer quando elaborou a sua impugnação e relativamente aos quais não teve oportunidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos (reclamação graciosa, recurso hierárquico) e contenciosos (impugnação judicial o pedido de constituição do tribunal arbitral) que a lei prevê, nas condições em que a lei atribui esses direitos.

O que, aliás, também é imposto pelo princípio da separação de poderes (artigo 2.º da CRP) à face da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, :

– Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração ativa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária (acórdão do STA de 1-6-2011, processo n.º 058/11);

– (...) o tribunal não pode introduzir diferentes filtros para escrutinar a legalidade dos atos impugnados ou recorrer a novos fundamentos para os manter na ordem jurídica, estando impedido de invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, mais não resta do que anular os atos que constituem o objecto (imediato e mediato) da impugnação judicial (acórdão do STA de 31-1-2018, processo n.º 1157/17).

. I – O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.

II – Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um ato tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.

V – O Tribunal a quo não pode considerar não verificados outros requisitos da revisão dos actos tributários que a AT não pôs em causa, substituindo-se à AT na fundamentação do acto e, assim, desrespeitando o princípio da separação de poderes.

Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do ato, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.

Nos casos de autoliquidação, sujeitos a impugnação administrativa prévia necessária [artigos 131.º do CPPT e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março], a fundamentação relevante para aferir a legalidade é a da respetiva decisão. 

Na verdade, quando dois actos têm por objeto definir a posição da Administração Tributária sobre a mesma situação jurídica, o segundo, quando não é confirmativo, é revogatório por substituição. ( [1] )

Os atos que indeferem impugnações administrativas podem ser confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).

Mas, nomeadamente nos casos de reclamação graciosa de actos de liquidação ou autoliquidação, se a respetiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto, passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação. 

Nos casos em que uma decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um ato sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois a autoliquidação não tem fundamentação originária emitida pela Administração Tributária. Por isso, está-se perante uma situação de revogação por substituição, em que o acto subsiste na ordem jurídica após a decisão com a fundamentação que dela consta, como está ínsito no artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. ( [2] )

Mas, também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa.

Assim, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade da autoliquidação, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas forem invocados na Resposta apresentada no processo arbitral.

Por isso, no caso dos autos, não podem ser considerados possíveis fundamentos de indeferimento da reclamação graciosa que não foram invocados na sua decisão, como é o caso do não reconhecimento de uma variação patrimonial positiva, que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere na Resposta apresentada neste processo arbitral ou outros que hipoteticamente poderiam ser aventados, designadamente decorrentes do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, que não é invocado quer na decisão da reclamação graciosa quer no presente processo.

No que concerne à questão da verificação das regras dos preços de transferência nos gastos repercutidos às sociedades do grupo (B... e C...), como a própria Requerida afirma, estamos perante duas operações distintas com enquadramentos contabilísticos e fiscais distintos: “A operação resultante do acordo de prestação de serviços entre a Requerente e a sua empresa-mãe e outra sociedade subsidiária da empresa-mãe (a C...), que utiliza como base de faturação os valores apurados decorrentes da atividade da Requerente exclusivamente exercida para aquela prestação de serviços e que supostamente respeita as regras previstas para Preços de Transferência – uma operação autónoma e que poderá ocorrer mesmo que não seja atribuído qualquer Plano de stock options por parte da empresa-mãe.”

A verificar-se alguma violação das práticas adotadas em sede de preços de transferência pela requerente, a mesma teria de ser objeto de correção própria, ou seja, ao nível dos montantes repercutidos às sociedades beneficiárias dos serviços da Requerente, não relevando para a questão em apreciação, que é a da dedução dos encargos respeitantes às opções sobre ações exercidas em 2020. Para a constituição do direito à dedução, basta tais encargos terem sidos suportados, independentemente de o sujeito passivo ter adotado ou não o regime dos preços de transferência.

Refere ainda a fundamentação da decisão impugnada que a  Requerente não  confirmou, através de outras contas suas e contas da sociedade mãe, o tratamento contabilístico das operações económicas em análise.

No entanto, não só essas contas  não são identificadas, como esse tratamento contabilístico é o que resulta da própria escrita da Requerente, nos termos do nº 1 do art. 75º da LGT. Só seria exigível essa confirmação se fossem invocados indícios fundados de essa escrita não reflete a realidade das operações efetuadas, o que não aconteceu.

Também não procede o argumento de que não foi possível concluir, inequivocamente, qual o justo valor atribuído às “Stock options” no momento da atribuição/adesão do colaborador ao “Plano”.

Tal justo valor é apurado pelo contribuinte, resulta dos  seus elementos contabilísticos e serviu de base ao apuramento dos ganhos com planos de ações que foram tributados nos termos do 7) do alínea b) nº 3 do art. 2º do Código do IRS, tributação que a Requerente não pôs em causa no presente processo arbitral, o que é incompatível com a alegação dessa impossibilidade.

 Em face de todo o exposto, resultando da prova produzida que os trabalhadores da Requerente receberam no ano de 2020 as quantias que a Requerente pretende ver deduzidas, julga-se procedente, por vício de violação de lei,  o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 27 de junho de 2023, bem como da autoliquidação e da liquidação que na decisão da reclamação foram apreciadas, já que enfermam de erro sobre os pressupostos de facto.

Fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das outras questões suscitadas pela Requerente, designadamente atinentes à fundamentação da decisão da reclamação graciosa, da violação do princípio do inquisitório e de violação da Constituição.

 

DO PEDIDO DE EMISSÃO DE NOVA LIQUIDAÇÃO 

A Requerente pede que seja “emitida nova liquidação que contemple a correção ao lucro tributável, em sede de IRC, no montante de €1.166,934,09 (um milhão, cento e sessenta e seis mil, novecentos e trinta e quatro euros e nove cêntimos), referente à dedutibilidade de gastos suportados a título de pagamento com base em ações, no âmbito do plano de stock options vigente”.

Como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de março de 2017, processo n.º 0298/13, “não constituindo os tribunais órgãos com competência para a tributação, não podem eles assumir a função de mecanismo ou aparelho primário de indagação oficiosa de eventuais despesas dedutíveis ou a função de recepção e selecção das despesas que as entidades não-residentes queiram apresentar e deduzir de forma a serem tributadas pelo rendimento líquido, sob pena de afronta do núcleo essencial da função administrativa-tributária».

Assim, cabe à Administração Tributária definir os termos em que deve ser dada execução ao decidido por estre Tribunal Arbitral, como decorre do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT,

 

DO REEMBOLSO

A Requerente pede reembolso do montante anteriormente (auto)liquidado e indevidamente pago.

É consequência das anulação o direito da Requerente a ser reembolsada da quantia indevidamente paga, no valor de € 180.676,77, correspondente à dedução que deveria ter efetuado, valor atribuído ao processo que não é questionado pela Administração Tributária. 

 

 

DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O regime do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é o n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Nestes termos, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios a partir da data do indeferimento da reclamação, data a partir  do qual se considera haver erro imputável aos  serviços.

Os juros indemnizatórios, calculados com base na quantia a reembolsar, são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde 21 de maio de 2024, até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

DECISÃO

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o PPA e, em consequência:

  1. Declarar ilegal e anular a liquidação de IRC n.º 2021..., na qual foi apurado o montante a pagar de € 180.676,77, declarando-a ilegal e anulando-se também a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 27 de junho de 2023;
  2. Ser a Requerente reembolsada do montante de € 180.676,77 anteriormente (auto)liquidado e indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados, à taxa legal, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à emissão da respetiva nota de crédito, com as demais consequências legais.
  3. Condenar a AT nas custas do processo, em razão do decaimento.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se ao processo o valor de € 180.676,77, indicado pela Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

CUSTAS

Custas no montante de € 3.672,00, a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 4.º do RCPAT.

Lisboa, 6 de junho de 2025

 

O Tribunal Arbitral,

 

 

Jorge Lopes de Sousa
(Árbitro Presidente)

 

 

                                                                

José Manuel Parada Ramos
(Árbitro Adjunto e Relator)

 

 

António de Barros Lima Guerreiro
(Árbitro Adjunto)

 



[1] Na terminologia do art. 79.º da LGT, como sucedia nos arts. 138.º e seguintes do CPA de 1991, a «anulação» administrativa tem a designação de «revogação».

O art. 165.º do CPA de 2015, precisou a terminologia distinguindo entre «revogação». que «é o acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade, e a «anulação administrativa», que «é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro acto, com fundamento em invalidade».

No entanto, no procedimento tributário e contencioso tributário não houve qualquer alteração.

[2] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 06-10-1999, processo n.º 023379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-09-2002, página 3102; de 29-05-2002, processo n.º 047541, publicado em Apêndice ao Diário da República 10-02-2004, página 4047; de 12-12-2002, processo n.º 047699; de 18-12-2002, processo n.º 048366; de 06-05-2020, processo n.º 512/10.8BEPRT.