Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1336/2024-T
Data da decisão: 2025-05-13   Outros 
Valor do pedido: € 9.698,08
Tema: ASSB – Adicional de solidariedade sobre o setor bancário. Princípio da igualdade. Princípio da capacidade contributiva. Inconstitucionalidade.
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SUMÁRIO

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária. 

 

DECISÃO ARBITRAL

I - RELATÓRIO

1. A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, com o número fiscal ..., com domicilio fiscal na Rua do ... n.ºs ...  a ..., ... e ..., ...-... Porto, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do  artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante RJAT), e, bem assim, dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral,  nos termos e com os seguintes fundamentos: 

2. O pedido foi apresentado e aceite em 16.12.2024, e visa a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e da autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB), do período de 2023, no valor global de 9698,08 euros, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

3. Nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) constituiu o Tribunal Arbitral Singular em 24.02.2025.

4. Nesta mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT, enquanto parte requerida (doravante Requerida ou AT), foi notificada para, no prazo de 30 dias, querendo, apresentar resposta, devendo, no referido prazo, remeter cópia do processo administrativo.

5. Nessa resposta, efetuada em 29.03.2025, a Requerida sustentou a legalidade da liquidação efetuada, tendo concluído pelo pedido de improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Com a respetiva resposta, juntou informação económica do setor financeiro e um parecer do MP em processo de harmonização de jurisprudência bem como cópia do respetivo processo administrativo.  

6. Em 08.04.2025 as Partes foram notificadas de que o Tribunal Arbitral dispensava a reunião a que se refere o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, uma vez que os factos estavam estabelecidos e estava em causa apenas questões de direito, tendo sido concedido um prazo de 15 dias, a correr simultaneamente, para as Partes alegarem, facultativamente, tendo sido anunciado como prazo limite para a prolação do despacho a data de 15 de maio de 2025.

7. Em 02.05.2025 a Requerente alegou, tendo sustentado o pedido arbitral e rebatido a argumentação avançada pela Requerida em diversos números do articulado de resposta. 

Por seu turno, em 06.05.2025, a Requerida alegou, tendo reiterado integralmente o teor da argumentação plasmada em sede de Resposta.  

 

II – DA POSIÇÃO DAS PARTES

A - A REQUERENTE

8. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, em matéria de facto, no essencial, a Requerente diz o seguinte:

8.1 É a sucursal em Portugal da sociedade de direito espanhol B... S.A., sociedade comercial com sede em Rua ..., n.º..., ... (Galícia), a qual se dedica predominantemente ao comércio bancário.

8.2 Em 28 de junho de 2023, mediante a submissão da declaração Modelo 57, procedeu à autoliquidação do ASSB tendo, na sequência da referida apresentação, sido apurado um montante de ASSB no valor de 9698,08 €, cujo pagamento efetuou.

8.3 Não se conformou com tal pagamento pelo que apresentou reclamação graciosa que viria a ser objeto de indeferimento.

9. Em termos de direito veio invocar, no essencial, o seguinte:  

9.1 As normas do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho (Orçamento Suplementar para 2020), são inconstitucionais por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, em razão da criação de um ónus diferenciado e suplementar no financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), sem qualquer fundamento material associado. 

9.1.1 O ASSB deve ser qualificado como imposto especial sobre o setor bancário, como o reconhece diversa jurisprudência arbitral e a própria doutrina, citando Filipe de Vasconcelos Fernandes que o considera «um imposto de base real, na medida em que incide sobre uma matéria coletável objetivamente determinada, com total abstração daquela que é a concreta situação económica dos sujeitos passivos».

9.1.2 O legislador optou por imputar a um só setor de atividade – o bancário – o ónus de «reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social», tendo exclusivamente por base a despesa fiscal associada à «isenção de imposto sobre o valor acrescentado aplicável á generalidade dos serviços e operações financeiras».

9.1.3 Discorrendo sobre o entendimento expresso pelo Tribunal Constitucional (TC) nos acórdãos n.ºs 695/2014 e 187/2013 e os tribunais arbitrais nas decisões dos processos n.ºs 329/2023-T, 379/2023-T e 599/2022-T, e também na doutrina, designadamente Casalta Nabais, sobre a questão do princípio da igualdade, conclui que não existe qualquer relação entre a despesa fiscal associada às isenções de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) aplicáveis a serviços e operações financeiras e a  parcela da receita deste último que se encontra afeta ao FEFSS, uma vez que este último é calculado por referência às receitas gerais efetivas do IVA aplicável a todos os setores da atividade económica, algo que só reforça a arbitrariedade do regime que cria o ASSB, em aplicar a medida a um só setor de atividade.

9.1.4 O disposto nos artigos 1.º, n.º 2 e 2.º do ASSB, na interpretação segundo a qual os sujeitos passivos têm um especial ónus de financiamento do FEFSS padece de um vício de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, decorrente do disposto nos artigos 13.º e 104.º. da CRP.

9.2 O artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho e respetivo anexo VI faz incorrer em ilegalidade, por violação do Direito da União Europeia, designadamente do direito de estabelecimento, previsto no artigo 49.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do determinado na Diretiva 2014/59/UE, transposta pela Lei n.º 230-A/2015, de 26 de março.

9.2.1 O artigo 49.º do TFUE, em matéria de direito de estabelecimento, proíbe as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado Membro da União no território de outro Estado Membro. Por outro lado, o artigo 54.º do TFUE equipara as pessoas singulares nacionais dos Estados Membros às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado Membro e que aí tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu principal estabelecimento, sendo que qualquer medida nacional que seja incompatível com este artigo 49.º, o é igualmente com o artigo 18.º do TFUE (acórdão Comissão/Grécia, processo 270/83, n, º 14). 

9.2.2 Atento o disposto nas alíneas a) do artigo 3.º, e do n.º 1, do artigo 4.º do ASSB, e o facto de as sucursais da UE não terem personalidade jurídica e efetuarem diretamente, no todo ou em parte, operações inerentes à atividade da instituição de crédito não residente que integram, essa ausência de personalidade jurídica determina, à partida, a inexistência de capital social e a inexistência de capitais próprios, tal como estes são considerados e contabilizados para efeito das instituições de crédito com sede e efetiva administração em Portugal.

9.2.3 De acordo com jurisprudência consensual, o artigo 49.º do TJUE destina-se a pôr em prática no domínio das atividades não assalariadas, o princípio da igualdade de tratamento, princípio geral do direito da União, consagrado no artigo 18.º do TFUE, sendo considerada uma violação da liberdade de estabelecimento qualquer discriminação em razão da nacionalidade que resulte das legislações nacionais. 

9.2.4 As regras de determinação da base de incidência do ASSB são diferentes das que se aplicam às instituições financeiras residentes e prejudicam as sucursais face às instituições de crédito nacionais e residentes em território português, sendo claramente incompatíveis com o direito da União Europeia, sendo violado expressamente a liberdade de estabelecimento.

Diversa jurisprudência já se pronunciou sobre o critério da comparabilidade entre entidades residentes e não residentes, caso dos acórdãos proferidos nos processos C-18/15, de 13 de julho de 2016, Guerrite  C - 234/01, de 12 de junho de 2003, C-290/04, de 3 de outubro de 2006 e C-345/04, de 15 de fevereiro de 2007, segundo a qual uma medida nacional que constitua uma violação à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais apenas pode ser considerada compatível com o direito da União se for justificada por uma das derrogações previstas ou por razões imperiosas de interesse geral e, se, em ambos os casos, respeitarem o principio da proporcionalidade.

9.2.5 O TJUE no processo C-340/22, de 21 de dezembro de 2023 sobre a própria compatibilidade do ASSB com os artigos 49.º e 54.º concluiu que «A liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.º e 54.º do TJUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica como essas sucursais».

9.2.6 A conclusão a retirar do exposto é que a autoliquidação de ASSB é manifestamente ilegal, devendo ser anulada nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, tudo com as demais consequências legais.

9.3 A Requerente sustenta igualmente a violação do determinado na Diretiva 2014/59/UE, transposta pela Lei n.º 230-A/2015, de 26 de março. 

9.3.1 A diretiva estabeleceu um enquadramento harmonizado a nível europeu para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, com a definição de critérios gerais a nível europeu para determinar a fixação e o cálculo das contribuições das instituições de crédito para os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução e para efeitos de financiamento do Fundo Único de Resolução.

Todavia, o ASSB é um tributo sui generis, não previsto na diretiva, violando o regime harmonizado europeu no que respeita ao sistema de tributação do setor bancário, medidas de resolução e ao seu financiamento através da tributação do passivo neste setor. 

9.3.2. Assim, a imposição do ASSB determina uma sobreposição insanável de tributação que viola o TFUE e a Diretiva, na medida em que restringe o acesso ao mercado, nos seguintes termos:

- O legislador europeu excluiu a possibilidade de os EM tributarem as sucursais de bancos domiciliados noutros EM, determinando que a sua tributação respeita ao princípio da sede e não da fonte.

- O passivo da Requerente é duplamente tributado, duas vezes em Portugal, através da CSB e do ASSB e de novo em Espanha através das contribuições previstas na diretiva.

9.4 Anulada ou declarada a ilegalidade da autoliquidação relativa ao período de 2023, com base no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), deverá ter-se por verificado erro imputável aos serviços para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios pelos prejuízos resultantes do pagamento de imposto em excesso, a calcular desde a data do respetivo pagamento. 

10.1 Em alegações facultativas, a Requerente destaca a resposta da Requerida no que respeita a identificar o circunstancialismo da publicação do ASSB e no reconhecimento de que o adicional tem a natureza de um imposto indireto e socorre-se de larga transcrição do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2024, de 9 de junho de 2024,  para evidenciar a conclusão a que o mesmo chegou, de que existem razões para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º alínea a) do ASSB, a qual está em sintonia com recente acórdão do mesmo tribunal n.º 192/2025, de 25 de fevereiro de 2025.

10.2 No que respeita especificamente à violação do Direito da União Europeia, tendo por pano de fundo os artigos 49.º e 54.º do TFUE, cita diversa jurisprudência do TJUE que afasta a discriminação em função da nacionalidade e da residência, refuta a possibilidade de reconhecimento do capital alocado pela casa-mãe como capital próprio, dado em razão de não terem personalidade jurídica deixarem de fora sempre determinados instrumentos contabilísticos, e evoca expressamente conclusões do acórdão proferido no processo C-340/22 (Cofidis versus AT).

10.3 Finalmente, reafirma a violação do determinado na Diretiva 2014/59/EU, transposta pela Lei n.º 230/A/2015, de 26 de março, enunciando um conjunto de conclusões a extrair das alegações apresentadas. 

 

B – A REQUERIDA

11. Por seu turno, a Requerida, em resposta ao pedido de pronúncia arbitral, vem dizer, no essencial, o seguinte:

11.1.1. Após estabelecer uma breve contextualização e enquadramento jurídico do regime que criou o ASSB, parte para a demonstração da inexistente violação do princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio e da proibição da criação de impostos desproporcionais e não genéricos.

11.1.2 O princípio da igualdade fiscal ou tributária é considerado uma particularização do princípio geral da igualdade a que se refere o artigo 13.º da CRP e desdobra-se em duas dimensões, a da proibição do arbítrio legislativo e a proibição da discriminação, em ambas estando em causa a dimensão negativa do referido princípio. 

11.1.3 Na dimensão da proibição do arbítrio, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, refere que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa e só quando a medida legislativa não tem adequado suporte material é que existe uma infração, situação reiteradamente reconhecida na numerosa jurisprudência mencionada no acórdão n.º 545/2019, de 16 de outubro, nele se concretizando que «ao legislador ordinário cabe o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação, a qual, na espécie, assume necessariamente amplitude considerável. Estando-se num domínio reservado à margem de conformação do legislador, há que apenas apreciar se tal diferença de regime legislativo se poderá ter por desrazoável».

11.1.4  No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27, do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro, seja também chamado a contribuir para o sistema de segurança social.

11.1.5 A razão de ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços financeiros decorre apenas, segundo um estudo que acompanhou uma comunicação da Comissão Europeia, da complexidade das operações financeiras e da dificuldade em submeter as mesmas à disciplina do IVA, mas tem o efeito de beneficiar em termos de carga fiscal o exercício de atividades financeiras de modo a evitar um aumento do preço do crédito ao consumo.

11.1.6 O entendimento de que o setor financeiro é prejudicado com as isenções simples ou incompletas de IVA assenta numa lógica falaciosa, sendo recordado que a alínea a), do n.º 1, do artigo 137.º da Diretiva faculta aos Estados Membros a possibilidade de concederem aos seus sujeitos passivos o direito de optar pela tributação dos serviços e operações financeiras, pelo que, se fosse implementada tal norma, o IVA seria de 23% e aumentaria a carga fiscal suportada pelas instituições de crédito em Portugal.

11.1.7 A isenção de IVA desonera objetivamente de tributação o valor acrescentado a final no setor bancário em detrimento de outros setores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indireta em sede de IVA, que contribuem para o FEFSS através do denominado «IVA social», sendo certo que apenas uma parte diminuta da atividade financeira está sujeita ao imposto de selo, cujas taxas são substancialmente inferiores às do IVA, não estando esta, nem mesmo parcialmente, consignada à Segurança Social. 

11.1.8 Atenta a relevância económica do setor financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores como também desigualdades na distribuição do esforço tributário.

11.1.9 Não há nada que impeça o legislador de acrescentar tributação às operações sujeitas e isentas de IVA já tributadas em sede de imposto de selo, «Não impondo a Constituição um imposto único sobre o consumo, a lei pode criar paralelamente ao IVA (ou cumulativamente com ele) outros impostos sobre o consumo de certos bens ou serviços», como assinala Gomes Canotilho e Vital Moreira.

11.1.10 A criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável, o que não acontece, donde decorre que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, não violam o princípio constitucional da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, nem qualquer outro princípio constitucional.

11.2.1 A invocação da violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, em razão dos elementos objetivos da sua incidência não terem relação com os indicadores demonstrativos dessa capacidade, rendimento, consumo ou património, não pode ser sufragada, impondo-se que os impostos sejam construídos considerando os indicadores efetivos de aptidão dos sujeitos passivos para suportar uma determinada prestação tributária,  de modo que, por um lado, incidam sobre manifestações de riqueza, e por outro, que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas.

11.2.2 O ASSB configura um imposto indireto, e ao visar o reforço dos mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado aplicável á generalidade dos serviços e operações financeiras, de modo a aproximar a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores, representa a compensação de uma vantagem aferida em termos de carga fiscal, associada à aplicação da isenção de IVA sobre um conjunto vasto de operações financeiras. 

11.2.3 O ASSB tem um recorte idêntico ao da CSB, e o legislador ao adotar a técnica de fazer coincidir as bases de incidência conseguiu obter significativos ganhos de eficiência, ao mitigar os custos de implementação e contexto do imposto.

11.2.4 No relatório do FMI ao G 20, de junho de 2010, foram propostos como indicadores objetivos indiretos de um imposto sobre atividades financeiras, entre outros, os salários pagos pelas entidades financeiras e o seu lucro calculado em termos de fluxos de caixa, todavia, o legislador nacional optou pelo valor do passivo e pelo valor dos derivados fora do balanço por serem fatores que recaem, efetivamente, sobre a realidade económica relevante dos sujeitos passivos visados, sendo estes últimos uma fatia muito relevante das operações que não sendo tributadas em sede de IVA, sobre elas não incide qualquer tributação financeira.

11.2.5 A imposição postulada pelo princípio da capacidade contributiva é que o legislador configure as obrigações dos contribuintes com respeito a factos tributários que asseverem essa mesma capacidade de suportar o encargo correspondente, e o passivo e o valor nocional dos derivados emergem como critérios mais acertados para se estabelecer uma correlação com a atividade bancária com o objetivo de tributar o seu valor acrescentado.

11.2.6 O legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, não competindo à Requerida fazer qualquer consideração acerca das suas escolhas e, como se assinala em diversos acórdãos do Tribunal Constitucional, o princípio da capacidade contributiva tem de ser analisado numa ótica de conjugação com outros princípios.

11.2.7 O ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão  da capacidade contributiva, pelo que há uma verificação da conformidade constitucional do tributo, rejeitando a violação de todos e cada um dos parâmetros apontados, reproduzindo em abono desta tese, alargados trechos das decisões proferidas no âmbito dos processos n.ºs 609/2023-T e 325/2023-T, neste último caso do voto de vencido, ambos da autoria do mesmo árbitro, bem como dos votos de vencido expressos nos processos n.ºs  548/2024-T e 18/2024-T, de que a Requerida anexou cópias ao pedido de pronúncia. 

11.3.1 Relativamente à violação do direito da União Europeia, em que a Requerente refere que não é possível incluir no âmbito do ASSB as sucursais de entidades com sede ou direção efetiva na UE, sem com isso violar o Direito Europeu, por violação da liberdade de estabelecimento consagrada no TFUE, a Requerida junta um parecer da Procuradora Geral Adjunta junto do STA em que se pode ler que «as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro abrangem as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais, mas elas pressupõem o exercício de atividade em igualdade de circunstâncias e não com benefícios fiscais conseguidos por via de diversas formas de «estabelecimento».

11.3.2 Sobre esta matéria transcreve excertos do acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 098/17.6BELRS, de 21.09.2022, e doutros do mesmo Tribunal versando sobre a mesma questão dos capitais próprios, em que conclui que no âmbito do CSB existe, em termos de incidência, o mesmo tratamento para entidades residentes e não residentes.

11.3.3 Tendo por base a interpretação dos fundamentos da Decisão do TJUE no acórdão C-340/22 (Cofidis/AT), e os termos em que a questão lhe foi exposta, refere que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio aferir se, para efeitos do cálculo da base de incidência da ASSB é ou não legalmente admissível a desconsideração das rubricas do «capital próprio» da sucursal, bem como dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios pelas sucursais integrados no passivo.

11.3.4  A partir da delimitação da base de incidência constante do artigo 3.º do ASSB, a Requerida refere que não descortina qualquer discriminação das sucursais de instituições não residentes e de sociedades residentes, sustentando em abono desta tese, alargadas transcrições dos processos n.ºs 609/2023-T e 325/2023-T (voto de vencido), devendo, por isso, a decisão arbitral adotar a posição propugnada pela AT e não a errónea e desacertada interpretação da Requerente.

11.3.5 A Diretiva 2014/59/UE e o Regulamento n.º 806/2014, de 15 de julho de 2014, estabeleceram critérios gerais a nível europeu para determinar a fixação e o cálculo das contribuições das instituições de crédito para os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução e para efeitos de financiamento do Fundo Único de Resolução, mas como decorre da interpretação do TJUE, estas contribuições são comparáveis a prémios de seguro e não a impostos, o que deixa intacta a solidez orçamental dos Estados Membros. Assim, desde que os objetivos desse imposto ou taxa não sejam os mesmos dos previstos na referida diretiva, os Estados membros são livres de poderem cobrar qualquer imposto ou taxa. Esta margem de liberdade deixada aos Estados-Membros inclui o poder de aplicar tais impostos ou taxas às sucursais de instituições estabelecidas noutros Estados Membros, uma vez que as isenções das sucursais ao abrigo da Diretiva apenas dizem respeito aos mecanismos de financiamento da resolução.

11.3.6 Contrariamente ao alegado pela Requerente, o ASSB não está relacionado com os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução. Pelo mesmo motivo, inexiste uma situação de dupla tributação, uma vez que se verifica uma situação de dupla tributação quando sobre a mesma realidade incidem dois impostos, o que no caso, é totalmente impossível de ocorrer, visto que, dos tributos elencados pela Requerente apenas o ASSB é um imposto. Assim, o ato tributário impugnado deve ser mantido, por inexistir o invocado vício de violação do Direito Comunitário.

11.3.7 O regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito que viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º, 26.º e 49.º do TFUE. Não está vedado às sucursais a dedução de capitais próprios, estando na disponibilidade da sucursal qualificar os fundos que são afetos pela Sede como passivo ou como capital próprio, em função, entre outros critérios, de serem ou não passíveis de remuneração e do caráter de permanência, ou seja, a incidência é exatamente igual para todos os sujeitos passivos abrangidos pelo ASSB, aliás a diferenciação no sentido de excluir as sucursais é que seria fator para gerar distorções a nível da concorrência.

11.3.8  A circunstância de as entidades sob a forma de sucursais não disporem de uma rúbrica própria denominada capital social não impede a aplicação do regime legal do ASSB, resultando da competência fiscal dos Estados Membros que a liberdade de as sociedades poderem escolher entre os diferentes Estados Membros de estabelecimento não implica que estes últimos sejam obrigados a adaptar o seu próprio sistema fiscal de modo a garantir que uma sociedade que tenha escolhido estabelecer-se num determinado Estado Membro seja tributada a nível nacional, da mesma forma que uma sociedade que tenha escolhido estabelecer-se noutro Estado Membro, tendo em conta as vantagens ou desvantagens.

11.3.9  Da análise do regime do ASSB, em conjunto com todo o regime regulatório aplicável às instituições de crédito, não parece que resultem efeitos dissuasores do estabelecimento em Portugal de sucursais não residentes, pelo que, tendo em conta a natureza e a finalidade do imposto (compensação da isenção do IVA), seria violador do direito da UE não tributar as sucursais que prestam serviços no território nacional. 

11.4 Sobre a questão colocada pela Requerente da vinculação da AT à CRP refere que, ao contrário dos Tribunais que tem constitucionalmente o direito e o dever de fiscalização da constitucionalidade das leis, não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade e deve prudentemente subtrair-se a emitir qualquer juízo sobre a referida matéria, neste sentido se tendo pronunciado o acórdão do STA no processo n.º 860/10, de 12 de outubro de 2011.

11.5 O ASSB era devido e foi pago corretamente pelo que a impugnação deve improceder. A subordinação da atividade da Administração à CRP e à lei emerge, desde logo do disposto no n.º 2 do artigo 266.º, tendo a Requerida a obrigação de aplicar os diplomas legais, estando-lhe consequentemente vedado anular a autoliquidação, não lhe podendo ser imputado qualquer erro. 

Por isso, admitindo-se a procedência da impugnação, uma eventual condenação da AT nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT é totalmente ilegal, porque inexistiu erro imputável aos serviços. Não pode igualmente ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, por esta condenação ser ilegal decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos artigos 281.º, 282.º da CRP, nos termos supra referidos, uma vez não tinha disponibilidade legal para decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais, estando igualmente em causa o princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2 da CRP.

 

III – OS FACTOS

A - Matéria de facto  

12. O Tribunal Arbitral estabelece a seguinte matéria de facto:

a) A Requerente é uma instituição financeira de direito espanhol com sede em Espanha que opera em Portugal na forma jurídica de sucursal;  

b) Enquanto instituição financeira, a Requerente está abrangida pelo disposto no artigo 18.º e pelo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que procedeu à segunda alteração da Lei n.º 2020, de 31 de março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2020;

c) A Requerente apresentou em 28.06.2023, a Declaração Modelo 57, relativa ao ASSB do ano de 2023, e a coberto do documento n.º ... procedeu à autoliquidação de 9698,08 €, (nove mil e seiscentos e noventa e oito euros e oito cêntimos), tendo, na mesma data, procedido ao respetivo pagamento (documento junto com o pedido de pronuncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), dando cumprimento ao preceituado no artigo 258.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro;

d) Em 26.06.2024, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra o referido ato tributário na Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, tendo o mesmo dado origem ao processo n.º...2024...;

e) Sobre a referida reclamação graciosa, pronunciou-se o referido serviço, em 23.10.2024, tendo o Diretor de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de delegação e subdelegação de competências (Despacho n.º 10872/2023, inserto no Diário da República n.º 207/2023, de 25.10.2023), proferido despacho de indeferimento (documento junto com o pedido de pronuncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f) Em 16.12.2024, a Requerente apresentou no CAAD um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral.

 

B - Factos não provados

13. Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham sido dado como provados, sendo a questão a apreciar basicamente de direito 

 

C – Motivação

14. O Tribunal Arbitral relativamente aos factos provados teve em conta a prova documental apresentada a instruir o pedido de pronúncia e o processo administrativo junto aos autos pela Requerida, assim como o consenso existente entre as Partes quanto à matéria de facto.

 

IV – QUESTÕES A DECIDIR

15. – Em função da posição das Partes e da matéria de facto dada com provada, o Tribunal Arbitral estabelece como questões a decidir as seguintes:

- Anulação da autoliquidação do ASSB efetuada pela Requerente referente ao período de tributação do ano de 2023 e, em consequência, anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

- Em caso de procedência do pedido de pronúncia, verificação do direito à perceção de juros indemnizatórios. 

 

V - O DIREITO

A - A legislação nacional

16.1 O «Adicional de solidariedade sobre o setor bancário» foi aprovado pelo anexo VI, a que se refere o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.   

16.1.1 O artigo 1.º estabelece o seu «Objeto» nos seguintes termos:

«1 – O presente regime cria um adicional de solidariedade sobre o setor bancário e determina as condições da sua aplicação.

2- O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores.».

16.1.2. Por seu turno, no artigo 2.º a incidência subjetiva é fixada da seguinte forma:

«1 – São sujeitos passivos do adicional de solidariedade sobre o setor bancário:

a) As instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;

b) As filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva em território português;

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas u), w) e II do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro».

16.1.3. Nos artigos 3º e 4.º foi estabelecida a incidência objetiva e a sua quantificação, nos seguintes termos;

«Artigo 3.º

Incidência objetiva da base de incidência

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre: 

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;

 b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos. 

Artigo 4.º

Quantificação da base de incidência

1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes: 

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios; 

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido; 

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos; 

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados; 

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e 

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização. 

2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes: 

a) … 

b) … 

3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente. 

4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.».

16.1.4  Em matéria de liquidação, o artigo 6.º preceitua que:

1 – A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao último dia do mês de junho do ano seguinte ao das contas a que respeita o adicional, independentemente de esse dia ser útil ou não útil, por transmissão eletrónica de dados.

2 – (…) 

3 – (…) 

16.1.5  Nos termos do artigo 7.º o adicional é pago até ao último dia do prazo para o envio da declaração, e no artigo 9.º preceitua-se que «A receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.» 

16.2 Esta legislação mantém-se em vigor por força do artigo 258.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro.

B - A legislação comunitária

17. A Requerente invoca igualmente a ilegalidade do artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020 à luz do direito comunitário, designadamente do direito de estabelecimento previsto no artigo 49.º do TFUE.

Refere o artigo 49.º (ex artigo 43.º do TCE) que «No âmbito das disposições seguintes, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro.». 

«A liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às atividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 54.º, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, sem prejuízo do disposto no capítulo relativo aos capitais.».  

 

VI - FUNDAMENTAÇÃO

A - O indeferimento da reclamação graciosa

18. A sustentar o indeferimento, a Informação 293-AIR3/2024 analisou a reclamação nos seguintes termos:

«14. Faz-se notar que nenhum fundamento ou argumento avançado pelas Reclamantes respeita à ilegalidade por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas a que se refere o regime do ASSB, nem de interpretação ilegal pelos serviços na sua aplicação, ainda que com fundamento em inconstitucionalidade.

15. Dito isto, e a respeito da conformidade constitucional do ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não se pronunciar sobre o mérito e de facto nenhuma outra posição poderá ser tomada.

16. Com efeito, enquanto órgão da administração pública sob direção do Governo, a AT não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesmo ferida de ilegalidade institucional. 

17. Resulta pois do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 26 de Dezembro, diploma que aprova a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu art.º 2,º, n.º 1 que «(a) AT tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território nacional para fins fiscais, económicos e de proteção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia. [sic].

18. O n.º 2 do mesmo preceito, elenca as diversas atribuições ou tarefas que se configuram como administrativas incumbidas à AT, que no fundo aprofundam apenas o conceito de administração dos impostos, referido no número anterior, e, naturalmente, nenhuma faz qualquer referência ao controlo legal ou constitucional de normas tributárias.

19. Isto, porque o controlo legal ou constitucional de normas tributárias não se insere no escopo da função administrativa.

20. Essa função é sim, assegurada pelo Tribunal Constitucional conforme o disposto no artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que veda essa matéria em exclusivo a este órgão, e claro, à própria Assembleia da República e ao Governo no exercício da sua função legislativa.

21. Acrescente-se também que a Administração Pública, da qual a AT faz parte, não goza das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade e que no fundo será sempre uma suposição até pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP.

22. Nestes termos, contrariamente ao pretendido pela Reclamante, a alegada violação pelo legislador dos princípios constitucionais, aquando da criação do regime do ASSB, não consubstancia vício que possa ser invocado perante a AT

23. É de facto uma questão relativamente pacífica que na arquitetura jurídico-administrativa nacional que os órgãos administrativos, pelo dever de obediência (ao Governo) que lhes é imposto pela lei fundamental, não podem rejeitar a aplicação da lei com esse fundamento.

24.  A este respeito, veja-se as considerações de Vieira de Andrade, da sua obra «Direito Constitucional», Almedina, 1977, página 270 … «(…)», 

25. E no mesmo sentido vem João Caupers, na sua obra «Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição», 1985, página 157… « (…)». 

26. Ora, não se encontrando prevista nas leis orgânicas da AT ou até do Ministério das Finanças a competência para o controlo legal ou constitucional de normas tributárias, nenhuma decisão nossa sobre o mérito do presente pedido poderá ser proferida sob pena de nulidade.

27. Deste modo, não obstante, possuirmos uma posição nesta matéria, qualquer pronúncia nossa, favorável ou não aos interesses da Reclamante, pecará sempre por inutilidade da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer demais considerações para além das já enunciadas.

28. Nestes termos, deverá ser assim rejeitada a pretensão formulada.».

19. O processo administrativo revela que a reclamação graciosa apresentada pela Requerente na Unidade dos Grandes Contribuintes da Requerida pretende a anulação integral do ato tributário de liquidação com fundamento em violação de lei constitucional e do Direito da União Europeia.

Entende a Requerente que esta espécie tributária se encontra ferida de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, violação do direito da UE, bem como a violação da Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu. (n.ºs 9 da Decisão sobre a Reclamação Graciosa).

A Requerida não vislumbra na reclamação graciosa que tenha sido identificada qualquer norma concreta do ASSB que suporte a ilegalidade da tributação e a anulação do ato tributário, intuindo-se que tenha sido denunciado o regime em bloco. 

Na sua análise, a Requerida faz notar que «nenhum fundamento ou argumento avançado pela Reclamante respeita a ilegalidade por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas a que se refere o ASSB, nem de interpretação ilegal pelos serviços na sua aplicação, ainda que com fundamento em inconstitucionalidade».

Refere a AT que «a respeito da conformidade constitucional da ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da AT não se pronunciar sobre o mérito e de facto nenhuma outra posição poderá ser tomada.».

Justifica que «como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesmo ferida de legalidade institucional».

20. As questões colocadas pela Requerente na reclamação graciosa e enunciadas sumariamente no «Pedido e causa de Pedir» não chegaram a ser objeto de análise pela AT, não por razão de não terem obedecido à observância dos pressupostos processuais, mas pelo facto de, enquanto órgão executor das políticas governamentais, considerar que não comete qualquer erro quando aplica a legislação que se encontra em vigor.

De acordo com o artigo 56.º, n.º 1 da LGT, a AT está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo, não existindo o dever de decisão em determinadas circunstâncias, ao caso não aplicáveis.

A AT não possui as mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, a faculdade de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade, e sendo o braço executivo do Governo na execução da política fiscal não lhe cabe rejeitar a aplicação da lei com esse fundamento, todavia, não está impedida e, em certa medida, até está obrigada, a fazer a sua melhor defesa possível. 

21. Os termos da reação da Requerida, consubstanciados no indeferimento do pedido de revisão,  constituem um ato administrativo de incidência fiscal que não analisou nem deu resposta às concretas questões de suposta ilegalidade tributária colocadas pela Requerente, não, por não possuir «uma opinião vincada nesta matéria», como fez questão de assinalar no n.º 27 da informação que apreciou a reclamação graciosa, mas por entender que a respetiva resposta extravasa a legalidade formal de que se reveste o funcionamento dos seus serviços.

Nos seus efeitos, tal neutralidade, que a própria Requerida qualifica como abstenção, deve ser equiparada a um indeferimento tácito, ou seja, as objeções formuladas pela Requerente contra a liquidação foram rejeitadas, sendo certo que muito embora não possa ser assacado aos serviços da Requerida qualquer erro na tramitação que, por si, tenha determinado o pagamento do ASSB, a mesma é suscetível de comportar uma ilegalidade.

Com efeito, não estava na sua disponibilidade agir de forma diferente daquela em que agiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade (artigo 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar o regime com um fundamento de inconstitucionalidade ou de violação de um direito superior, 

Donde, em face da atitude decisória omissiva, este Tribunal Arbitral tomará posição sobre o referido indeferimento, em função da análise da argumentação desenvolvida pela Requerente, visando demonstrar as supostas ilegalidades que afetam a autoliquidação do ASSB.

Nesse sentido, impõe-se averiguar a natureza jurídica do ASSB e a projeção das suas normas em termos de inobservância da legalidade. 

B – A natureza jurídica do ASSB

22. O Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, no artigo 3.º, n.º 2 estabelece uma classificação para os tributos, segundo a qual «Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.».

O adicional, como o legislador o entendeu designar, não tem uma exata correspondência com a referida classificação, tanto podendo ser incluído na categoria de impostos, como nas outras espécies tributárias criadas por lei. 

O legislador não foi taxativo e usou a palavra «designadamente», para admitir que, para além dos que enuncia, pode existir outro tipo de imposições de caráter legal. 

Esta formulação legislativa surge no seguimento da revisão constitucional de 1997, em que no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, se estabeleceu uma reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República relativamente aos impostos e sistema fiscal e ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, constitucionalizando-se esta última categoria.

23. Sobre a distinção entre imposto e taxa, discorreu o TC no acórdão n.º 344/2019, de 04.06.2019, no sentido de que «se o pressuposto de facto gerador do tributo é alheio a qualquer prestação administrativa ou se traduz numa prestação meramente eventual, estamos perante um imposto; se o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, estamos perante uma contribuição; se o facto gerador do tributo é constituído por uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário ou por um facto que, de acordo com as regras da experiência, constitui um indicador seguro da existência daquela prestação, estamos perante uma taxa.».

24. Na esfera da doutrina, as contribuições financeiras tem sido vistas como um «tertium genus» de receitas fiscais, em que «a diferença  essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), as quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, página 1095). 

Já no que respeita às taxas, são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas, (Cf. Sérgio Vasques, in Manuel Direito Fiscal, página 287) e que no dizer de Filipe Vasconcelos Fernandes se baseiam num princípio de equivalência estrita ou individual, e que, nessa medida, são uma categoria de tributo cujo facto tributário se constitui em função de um nexo bilateral derivado para o qual influem os sujeitos passivos do grupo a que pertencem. (O Imposto Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, páginas 86 e 87 e nota 132).

25. Em termos literais, a palavra adicional, do latim adicio, significa ajuntar, unir a, aumentar, e, no contexto, em que foi publicado, só poderia ser entendido como se reportando à contribuição extraordinária criada para o setor bancário (CSB), pelo artigo 141.º, da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o OE para 2011, pois o mesma subjetiva e objetivamente foi recortado praticamente com a mesma incidência e parecia ser um ajustamento marginal a nível da carga fiscal que recai sobre o setor bancário.

Sucede que esta legislação foi publicada num contexto de profunda crise financeira a nível global, gerada pela falência de importantes instituições financeiras mundiais que criaram instabilidade no sistema bancário europeu, e que obrigou as instituições europeias a refletir sobre a forma de criar mecanismos de defesa do contágio dessas crises, tanto importadas, como geradas dentro do próprio sistema financeiro nacional por via de gestões danosas e má gestão. 

Foi o prenúncio de um processo legislativo desenvolvido a nível da União Europeia que se veio a converter na Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, e de que a comunicação da Comissão Europeia de 2010 – «Fundos de resolução de crises nos bancos», dirigida ao Conselho Europeu e ao Parlamento Europeu, já fazia eco. 

26. Sobre esta matéria já se pronunciou o Tribunal de Justiça no processo C- 340/22, interpretando a Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, no sentido de que as contribuições pagas por estas instituições não constituem impostos mas, pelo contrário, procedem, de uma lógica baseada num sistema de garantias, assente na existência de um fundo ou uma bolsa que ampara e suporta dificuldades financeiras que as mesmas possam revelar, de forma a evitar crises sistémicas.

27. Afastada está também a sua classificação como taxa, uma vez que não existe um sinalagma entre o valor da prestação e o benefício recebido, conforme o n.º 2 do artigo 4.º da LGT, de que «…assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares».

28. Posto isto, este Tribunal Arbitral considera que há uma certa convergência entre a Requerente e a Requerida no sentido do entendimento de que este Adicional se reconduz a um verdadeiro imposto com características autónomas em relação à CSB, se bem que a Requerida lhe atribua a natureza de imposto indireto, compensador de determinadas particularidades ou insuficiências a nível da tributação em IVA. 

É o artigo 1.º, n.º 2 do ASSB que proclama que tem como objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção do IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro às dos demais setores da sociedade, referência que mereceu, desde logo, reparos da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, aquando da sua apreciação da proposta de alteração da lei orçamental para o ano de 2020.

Na verdade, não existe uma conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário assim como também não há uma relação especifica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por o efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. Não obstante ter sido criada como uma contribuição extraordinária, ou seja, fora dos parâmetros da tributação da economia, dita normal, houve alguma infelicidade do legislador na sua caracterização como adicional.  

Em função do elemento objetivo, para ser adicional teria de incidir sobre a coleta do imposto principal e esse imposto seria o CSB. Todavia, o CSB não tem a natureza jurídica de um imposto, mas de uma contribuição financeira, como o declarou em termos definitivos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.01.2023, Processo n.º 01622/20, pelo que, desde logo, não existe uma uniformidade concetual entre os dois tributos.

Como se salienta na Decisão Arbitral n.º 502/2021-T, de 24.05.2022, o «Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário apresenta um cariz de imposto especial sobre o setor bancário que não se confunde com a Contribuição do Serviço Bancário», afirmação com que se concorda.

C - Ordem de conhecimento dos vícios 

29. A Requerente sustenta que as normas do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva em razão da criação de um ónus diferenciado e suplementar no financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), sem qualquer fundamento material associado. 

O disposto nos artigos 1.º, n.º 2 e 2.º do ASSB, na interpretação segundo a qual os sujeitos passivos têm um especial ónus de financiamento do FEFSS, padece de um vício de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, decorrente do disposto nos artigos 13.º e 104.º. da CRP.

Por outro lado, a Requerente assinala igualmente a violação do Direito da UE, designadamente em matéria do direito de estabelecimento, a que se refere o artigo 49.º do TFUE e do preceituado na Diretiva 2014/59/UE, transposta pela Lei n.º 230-A/2015, de 26 de março.

30. O Tribunal Arbitral irá apreciar os vícios imputados ao ato tributário pela ordem indicada pela Requerente, a começar na apreciação da legalidade das normas que vigoram no direito interno e, só após, pela apreciação de legalidade do regime do ASSB à luz do Direito da UE. 

Com efeito, conforme o artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, a ordem de conhecimento dos vícios na sentença deve conhecer daqueles cuja procedência determine uma mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, segundo o prudente critério do julgador, sendo certo que existe jurisprudência superior sobre qualquer das questões em juízo. 

Sobre a primeira questão, já se pronunciou o Tribunal Constitucional em diversos acórdãos e decisões sumárias, havendo atualmente um já claro sentido decisório de juízo de inconstitucionalidade de diversas normas do ASSB, não encontrando este Tribunal Arbitral razões para contrariar ou divergir do entendimento que se mostra prevalecente, razão por que decidirá em linha com a argumentação por ele expendida. 

Foi assim decidido nos acórdãos n.ºs 469/2014, posteriormente retificado pelo 507/2024, 529/2024, 592/2024 e 737/2024 e num conjunto alargado de decisões sumárias, n.ºs 436/2024, 458/2024, 480/2024, 549/2024, 551/2024, 618/2024, 625/2024, 688/2024, 694/2024, 714/2024 e 1/2025. 

Mais recentemente, o Acórdão n.º 125/2025, de 25 de fevereiro, ampliou o apoio ao mesmo entendimento, num coletivo constituído de forma mais diversificada.  

Por outro lado, existe uma jurisprudência arbitral quase consensual sobre a mesma questão de direito que o Tribunal Constitucional está a sufragar. 

Sobre a segunda questão, tratando-se a Requerente de uma sucursal de entidade financeira com sede fora do território nacional, relativamente a uma situação semelhante à da Requerente, pronunciou-se o Tribunal de Justiça (Primeira Secção), em acórdão de 21.12.2023, no processo C-340/22, (Cofidis versus AT), relegando-se, no entanto, para os tribunais «a quo» o concreto conhecimento das desconformidades com o direito europeu.

D – Violação do princípio da capacidade contributiva

31. Como resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1 da LGT, em linha com o artigo 104.º da CRP «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património», pelo que são esses os indicadores possíveis do critério de repartição dos impostos. 

32. No acórdão n.º 469/2024, o Tribunal Constitucional, depois de ter analisado e concluído pela violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, considerou que as considerações que efetuara a esse propósito, conduziriam, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva.

Essas considerações tinham respeitado ao entendimento de que não se afigurava que a isenção de IVA constituísse «fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa», desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024.

Como se escreveu no referido acórdão «Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.

Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.

Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.»

33. Atendo-se especificamente ao princípio da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional no referido acórdão, tendo por base o artigo 3.º do ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, formulou o seu juízo nos seguintes termos:

«Trata-se de norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023:

«[…]

A igualdade fiscal a que apela a recorrente pode ser entendida como dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim impedido um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República Portuguesa).

Afirmada assim a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva a que também alude a recorrente assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524).

[…]”.

 Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostos “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.

Como faz notar Filipe de Vasconcelos Fernandes (O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 106/109), no ASSB não está em causa, manifestamente, a tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço (e fora dele). […] [E] uma vez que os sujeitos passivos do ASSB são igualmente sujeitos passivos de IRC, esta circunstância acaba por suscitar uma compressão do rendimento que, sob a forma de lucro, acabará sujeito a este último imposto, cenário especialmente agravado pela não dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do ASSB ao lucro tributável dos respetivos sujeitos passivos”, nem a tributação de atos de despesa, verificando-se, aliás, “[…] a impossibilidade de reconduzir o ASSB ao arquétipo dos impostos sobre atividades financeiras (‘financial activities taxes’) e, bem assim, dos impostos sobre transações financeiras (‘financial transaction taxes’), em qualquer uma das suas modalidades […]”, nem , por fim, a tributação do património, já que não basta para qualificar o passivo como património a sua inclusão no balanço, nem – acrescente-se – a respetiva natureza autoriza à partida essa qualificação.

Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., pp. 111/113):

“[…]

[Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva – composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço – possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.

Se, no caso da CSB, a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típica desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.

[…]

Esta circunstância, que no essencial resulta da transposição, sem as necessárias adaptações, da estrutura de incidência da CSB para a estrutura de incidência do ASSB faz com que, em relação aos sujeitos passivo deste último imposto, não exista qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação, agora numa reformulação original enquanto ‘impostos de grupo’.

Todavia, a proliferação deste tipo de impostos especiais ou de grupo – que são uma realidade completamente distinta das contribuições financeiras onde, apesar de tudo, continua a subsistir uma expressão de bilateralidade, ainda que difusa – levanta problemas aos quais os tribunais e, em especial, o TC, não podem ficar indiferentes.

Efetivamente, com o precedente agora levantado com a criação do ASSB, está em causa a aparente possibilidade de o legislador poder replicar num novo tributo a estrutura de incidência de um outro (neste caso, a CSB) e designar aquele primeiro como adicional do segundo sem qualquer preocupação de coerência creditícia ou material entre ambos. Tal redundaria, em nosso entender, numa sobreposição dos argumentos de base creditícia aos argumentos de cariz normativo, onde naturalmente se incluem os princípios constitucionais estruturantes e os princípios fiscais constitucionais, como é o caso da capacidade contributiva.

[…]”.

Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”, que decorre daquele.

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.»

 

34. A linha argumentativa da Requerida, genericamente comum nestes processos em que está em causa o ASSB, foi refutada de uma forma ainda mais desenvolvida no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 192/2025, de 25.02.2025.

Sopesando argumentos, o Tribunal Constitucional foi afastando sucessivamente as objeções jurídicas opostas pela Requerida conducentes à improcedência da ação. Nele se escreveu, visando especialmente o princípio constitucional da capacidade contributiva, o seguinte:

«12. Concluindo-se, portanto, que o ASSB é um imposto, haverá que determinar se o regime a que o mesmo se encontra sujeito importa a violação do princípio da igualdade tributária e ou do princípio da capacidade contributiva, extraíveis, o primeiro, do artigo 13.º da Constituição, e, o segundo, ainda do artigo 104.º da Lei Fundamental.

Logo no Acórdão n.º 348/1997, o Tribunal teve oportunidade de esclarecer que o dever de pagamento de impostos, que constitui uma «obrigação pública com assento constitucional», é conformado pelo «princípio da igualdade tributária, fiscal ou contributiva», concretizando-se este «na generalidade e na uniformidade dos impostos». Sobre esta dupla dimensão do princípio da igualdade tributária, escreveu-se no referido aresto o seguinte:

«[…] como ensina Teixeira Ribeiro (cfr. ob. cit., p. 261), "generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos, não havendo entre eles, portanto qualquer distinção de classe, de ordem ou de casta, isto é, de índole meramente política; por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos".

«Deste modo, a generalidade do dever de pagar impostos significa o seu carácter universal (não discriminatório), e a uniformidade (igualdade) significa que a repartição dos impostos pelos cidadãos há-de obedecer a um critério idêntico para todos. E tal critério, como acentua José Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua admissibilidade), Coimbra, 1994, p. 265 e ss., "(...) é o da capacidade contributiva (capacidade económica, capacidade para pagar, etc.), o que significa que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva devem pagar o mesmo imposto (igualdade horizontal) e os contribuintes com a mesma capacidade contributiva devem pagar o mesmo imposto (igualdade horizontal) e os contribuintes com diferente capacidade contributiva devem pagar diferentes (qualitativa e/ou quantitativamente) impostos (igualdade vertical)", sendo certo que o âmbito subjetivo deste princípio vale tanto para os indivíduos (pessoas físicas) como para as pessoas coletivas. O legislador, na seleção e articulação dos factos tributáveis deverá ater-se a factos reveladores da capacidade contributiva "definindo como objeto (matéria coletável) de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto".

A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, "um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo".».

Como se retira da jurisprudência constitucional, se o princípio da igualdade tributária, enquanto refração do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), se impõe ao legislador como uma proibição de «fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria» (Acórdão n.º 344/2019), o princípio da capacidade contributiva fornece o critério tendente a assegurar a igualdade tributária, funcionando, no domínio dos impostos, como o tertium comparationis que há de servir de base à repartição. Neste sentido, «o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to pay). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical)» (Acórdão n.º 197/2013).

13. Em linha com a orientação amplamente prevalecente na jurisprudência do CAAD (v., Processos n.ºs 598/2022-T, 599/2022-T, 21/2023-T, 104/2023-T, 325/2023-T, 326/2023-T, 379/2023-T, 14/2024-T, 216/2024-T, entre muitos outros), o Tribunal recorrido considerou que «a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado».

Tendo em conta que a sujeição das instituições de crédito ao ASSB se encontra «associada à despesa fiscal decorrente da isenção [de IVA] aplicável a serviços e operações financeiras», o Tribunal a quo considerou que a justificação apresentada pelo legislador para o chamamento de uma certa categoria de contribuintes – as instituições de crédito – a contribuir através do ASSB para as necessidades, estas gerais, de financiamento da Segurança Social, não era de modo a afastar a violação do princípio da igualdade tributária determinada pela quebra da generalidade dos impostos. Essencialmente por três razões.

A primeira diz respeito às especificidades da isenção de IVA relativamente a operações bancárias e financeiras prevista no artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, que se limita a efetuar a transposição para o direito interno da regra constante da Diretiva 2006/112/CE (artigo 135.º). (…) .»

«A segunda razão prende-se com a verba 17 da Tabela de Imposto de Selo. (…) »

 «A terceira razão situa-se no plano da delimitação do âmbito de incidência subjetiva do imposto, tendo em conta a justificação que para ele é apresentada. (…) »

14. As razões que conduziram o Tribunal a quo a concluir pela violação do princípio da igualdade tributária foram, no essencial, acolhidas no Acórdão n.º 469/2024. Como aí se escreveu:

«Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:

“[…]

O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.

Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.

Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação.

Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:

“[…]

Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados. 

A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor.

[…]”.

Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.

Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).

[…]”.

Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.

Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.

Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.»

15. Pese embora os argumentos de sentido contrário apresentados tanto pela AT como pelo Ministério Público, não parece existirem razões para divergir deste entendimento.

A criação de um imposto sectorial, destinado a onerar determinado universo de contribuintes com o encargo de contribuir adicionalmente, via receita geral do Estado, para as necessidades de financiamento da Segurança Social representa, prima facie, uma discriminação negativa dos sujeitos visados pelo tributo, efeito este que, como acima se viu, é vedado pelo princípio da igualdade tributária, na vertente da proibição do arbítriose e na medida em que não disponha de um fundamento racional suficiente (v. os Acórdãos n.ºs 306/2010 e 695/2014).

Ora, como concluiu o Acórdão n.º 494/2024, o simples facto de os serviços e operações financeiras sujeitos ao ASSB gozarem de isenção de IVA e de o referido imposto ser apresentado como forma de compensar essa isenção não afasta, ao contrário do que defende o Ministério Público, a violação do princípio da igualdade tributária. Para que tal violação pudesse excluir-se era necessário que entre aquela sujeição e esta isenção existisse uma relação em que pudesse ancorar-se ou a que pudesse reconduzir-se o critério distintivo subjacente à diferente posição em que é colocada a categoria de contribuintes abrangida pelo ASSB relativamente ao dever geral de financiamento da Segurança Social através da contribuição para a receita geral do Estado.   

Como explica o Acórdão n.º 494/2024, não é isso que se verifica, sendo essencialmente quatro as razões que apontam nesse sentido.

Em primeiro lugar, sendo o IVA um imposto harmonizado a nível europeu, a isenção prevista no artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, para serviços e operações financeiras é determinada pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (artigo 135.º), não podendo o conteúdo dessas isenções ser alterado pelos Estados-Membros.

Em segundo lugar, tais isenções não conferem o direito à renúncia, o que significa que o sujeito passivo não pode optar pela aplicação do imposto às suas operações financeiras. E, «não liquidando IVA imposto sobre a operação isenta, não deduz o imposto em que incorra nas aquisições destinadas à sua realização», pelo que «passa a ocupar posição idêntica à do consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições» (Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, p. 312-313). A irrecuperabilidade do IVA suportado a montante impede, pois, que a isenção a que estão sujeitas as operações financeiras possa ser encarada como um efetivo benefício fiscal, como pressupõe o legislador quando se propõe neutralizar os seus efeitos por via da criação do ASSB.

Em terceiro lugar, o desequilíbrio que pudesse ainda assim advir da isenção do IVA prevista artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, foi já corrigido pelo legislador através do regime do Imposto de Selo, mais concretamente da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que sujeita a essa forma de tributação as operações financeiras. Este aspeto foi, aliás, expressamente salientado pela UTAO no Relatório n.º 13/2020, acima referido, onde, «em abono do rigor», se chama a atenção para o facto de as operações do setor abrangido pelo ASSB serem já «tributadas por uma miríade de taxas do Imposto do Selo». O que, tendo em conta que as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de natureza técnica relacionadas com a «dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações» (Sergio Vasques, O Imposto…, cit., p. 318), constitui, diga-se ainda, uma solução totalmente alinhada com a especial vocação do imposto de selo, que é, como refere Saldanha Sanches e sublinha a decisão recorrida, «tributar aquilo que não pode ser tributado de outra forma» (Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 435). 

Por último, ainda que o conjunto das razões anteriormente apontadas não fosse suficiente para atestar a ausência de fundamento material da distinção inerente à criação do imposto sectorial em que se traduz o ASSB, sempre ficaria por explicar, à face da proibição do arbítrio, a razão pela qual o tributo incide apenas sobre o setor bancário e não também sobre os demais setores de atividade, como seja, por exemplo, o dos seguros, cujas operações se encontram igualmente abrangidas pela isenção de IVA prevista no artigo 9.º do Código do IVA (v., n.º 28) e, nessa medida, desoneradas de contribuir através do aumento percentual da taxa correspondente ao “IVA Social” para o financiamento da Segurança Social. Note-se que não só estes setores de atividade estão excluídos do âmbito de incidência subjetiva do ASSB como sobre eles não incide qualquer imposto adicional simétrico, com as mesmas ou outras características, destinado a compensar a perda de receita fiscal associada às isenções de IVA de que igualmente beneficiam as respetivas operações.  

16. Os argumentos invocados pela AT não permitem reverter esta ordem de considerações, comum, aliás, à decisão recorrida. 

Em primeiro lugar, se o IVA constitui, como alega a AT, «uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação da receita fiscal obtida com o aumento de 1% da taxa normal do IVA – o denominado “IVA Social”», a verdade é que, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de novembro, tal consignação se verifica relativamente à receita do IVA resultante do aumento da taxa normal operada através do n.º 6 do artigo 32.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 1995), decorrendo, não das características próprias do tributo, mas antes de uma opção do legislador orçamental, que é tomada em cada ano nesse ou noutro sentido.

Em segundo lugar, a circunstância de, «desde 2011, todos os trabalhadores do setor bancário terem passado a integrar o regime geral de segurança social» não constitui, como sustenta AT,  justificação suficiente para que «o setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja [...] chamado a contribuir para o sistema de segurança social» através de um imposto sectorial como o ASSB, desde logo porque tal setor de atividade não beneficia de qualquer regime privilegiado ou posição de vantagem em matéria de contribuições, nem passou a ter, por força daquela integração, um dever especial ou diferenciado de financiamento da Segurança Social.

Em terceiro lugar, a ser verdade, como alega a AT, que a isenção de IVA incidente sobre as operações financeiras, apesar incompleta e contrabalançada pela tributação em sede de imposto de selo, não deixa ainda assim de gerar para as instituições de crédito abrangidas pelo ASSB um benefício efetivo, conduzindo a uma «subtributação do setor em matéria de fiscalidade indireta», daí não se segue que a via a prosseguir para a correção desse remanescente desequilíbrio possa ser toda e qualquer uma, já que tal equivaleria, se não a subverter a diferença fundamental entre impostos e contribuições financeiras, pelo menos a desconsiderar os princípios constitucionais a que se encontra sujeito o lançamento dos primeiros. Veja-se que não está em causa qualquer medida legislativa de ampliação do universo das operações financeiras sujeitas a imposto de selo (v. verba 17. da Tabela de Imposto de Selo), nem de aumento percentual da taxa que incide sobre as operações financeiras isentas de IVA, eventualmente acompanhada da consignação da receita assim arrecadável ao financiamento da Segurança Social. O que está em causa é o lançamento de um imposto, a incidir exclusivamente sobre as instituições de crédito, por via do qual essa categoria de contribuintes é chamada autonomamente a contribuir, via receita geral do Estado, para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social através da tributação de uma parte das componentes do passivo.

17. Desta circunstância, relativa já à definição da base de incidência objetiva do ASSB, retirou o Tribunal a quo a conclusão de que o regime fixado para o referido imposto é ainda incompatível com o princípio da capacidade contributiva.

Recorde-se que o âmbito de incidência objetiva do ASSB definido pela alínea a) do artigo 3.º do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020 corresponde ao passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos, coincidindo este, por sua vez, com o «conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros», com as exceções contempladas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020.

Tendo presente que os indicadores do critério de repartição dos impostos de acordo com a capacidade contributiva são dados pelas «realidades economicamente relevantes» (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2018, p. 295) e estas, em regra, pelo rendimento, o património e o consumo, a decisão recorrida concluiu que, no caso do ASSB, está tão só em causa «a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo», o que «impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva», colocando em causa a viabilidade constitucional do imposto, à face do princípio que se extrai dos artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição, por «ausência de uma cabal correspondência entre o ASSB e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva».

18. No Acórdão n.º 469/2024, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no mesmo exato sentido com base nos argumentos que seguidamente se transcrevem:

«Como faz notar Filipe de Vasconcelos Fernandes (O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 106/109), no ASSB não está em causa, manifestamente, a tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço (e fora dele). […] [E] uma vez que os sujeitos passivos do ASSB são igualmente sujeitos passivos de IRC, esta circunstância acaba por suscitar uma compressão do rendimento que, sob a forma de lucro, acabará sujeito a este último imposto, cenário especialmente agravado pela não dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do ASSB ao lucro tributável dos respetivos sujeitos passivos”, nem a tributação de atos de despesa, verificando-se, aliás, “[…] a impossibilidade de reconduzir o ASSB ao arquétipo dos impostos sobre atividades financeiras (‘financial activities taxes’) e, bem assim, dos impostos sobre transações financeiras (‘financial transaction taxes’), em qualquer uma das suas modalidades […]”, nem , por fim, a tributação do património, já que não basta para qualificar o passivo como património a sua inclusão no balanço, nem – acrescente-se – a respetiva natureza autoriza à partida essa qualificação.

Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., pp. 111/113):

“[…]

[Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva – composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço – possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.

Se, no caso da CSB, a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típica desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.

[…]

Esta circunstância, que no essencial resulta da transposição, sem as necessárias adaptações, da estrutura de incidência da CSB para a estrutura de incidência do ASSB faz com que, em relação aos sujeitos passivo deste último imposto, não exista qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação, agora numa reformulação original enquanto ‘impostos de grupo’.

Todavia, a proliferação deste tipo de impostos especiais ou de grupo – que são uma realidade completamente distinta das contribuições financeiras onde, apesar de tudo, continua a subsistir uma expressão de bilateralidade, ainda que difusa – levanta problemas aos quais os tribunais e, em especial, o TC, não podem ficar indiferentes.

Efetivamente, com o precedente agora levantado com a criação do ASSB, está em causa a aparente possibilidade de o legislador poder replicar num novo tributo a estrutura de incidência de um outro (neste caso, a CSB) e designar aquele primeiro como adicional do segundo sem qualquer preocupação de coerência creditícia ou material entre ambos. Tal redundaria, em nosso entender, numa sobreposição dos argumentos de base creditícia aos argumentos de cariz normativo, onde naturalmente se incluem os princípios constitucionais estruturantes e os princípios fiscais constitucionais, como é o caso da capacidade contributiva.

[…]”.

Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.

19.  Também neste plano não se prefiguram razões para divergir do juízo formulado no Acórdão n.º 469/2024.

Como o Tribunal referiu logo no Acórdão n.º 348/1997:

«O legislador, na seleção e articulação dos factos tributáveis deverá ater-se a factos reveladores da capacidade contributiva ‘definindo como objeto (matéria coletável) de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto’.

A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, ‘um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo’.

[…]».

Se o «princípio da capacidade contributiva constitui, pois, como escreve Sérgio Vasques, «”o pressuposto, o limite e o critério da tributação” (cfr. Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Edições Almedina, S.A., Coimbra, 2015, p. 296)» (Acórdão n.º 211/2017), isso significa que há de ser possível estabelecer relativamente a cada imposto uma relação entre a sua incidência real e o fator selecionado como revelador de uma maior capacidade contributiva.

Ora, no caso da alínea a) do artigo 3.º do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, tal relação não pode afirmar-se.

Com efeito, independentemente da questão de saber se são configuráveis outras manifestações de riqueza suscetíveis de indiciar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos do imposto para além do rendimento, do património e do consumo, ou mesmo da amplitude com que estes conceitos devem ser para esse efeito encarados, é seguro que o passivo das instituições de crédito,  isoladamente considerado, não consubstancia um indicador da «força económica» destes contribuintes de modo a poder constituir a base tributável selecionada para um imposto ad valorem como é o ASSB. 

É verdade que o passivo relevante corresponde ao «conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros» e este é integrado por elementos, como os depósitos dos clientes, que consubstanciam uma fonte de financiamento relativamente estável quer do crédito concedido, quer de outras operações financeiras com igual potencial de rentabilidade. Simplesmente, o passivo apenas se converte em ativo por via do seu emprego na geração de benefícios futuros e estes dependem sempre de um conjunto de múltiplas e complexas variáveis, nem sempre de fácil antecipação. Ora, não podendo confundir-se manifestações de riqueza com meios disponíveis para financiar a produção dessa riqueza, percebe-se que o passivo, desligado do ativo, não constitua um indicador, sequer indireto, da capacidade contributiva dos sujeitos passivos de ASSB ao dispor do legislador ordinário, sobretudo tendo em conta, como o Tribunal afirmou já, que «não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva» (Acórdão n.º 299/2019). 

20. A esta conclusão opõe a AT que «o ASSB tem a natureza de imposto indireto», sendo certo que o Acórdão n.º 469/2024, ao remeter para a doutrina de Filipe de Vasconcelos Fernandes, demonstrou que «o ASSB não pode considerar-se como incidindo sobre manifestações de capacidade contributiva relacionadas com rendimento ou património», mas não com o «consumo».

Contudo, o argumento não se afigura convincente.

Com efeito, para reconduzir o ASSB ao universo dos impostos indiretos não basta evidentemente que seja essa a natureza do tributo - no caso, o IVA - cuja «ausência visa colmatar». As propriedades relevantes para essa recondução teriam de estar presentes na tipificação do próprio ASSB, o que não sucede de todo em todo. Como explica Sérgio Vasques, «[a]inda que ao longo do tempo tenham sido concebidos diferentes critérios para melhor precisar a distinção entre impostos diretos e impostos indiretos, ela tem sempre girado em torno [do] fenómeno da repercussão tributária» (Manual …, cit., p. 217). Nessa medida, pode dizer-se que são impostos diretos «os que incidem sobre a própria pessoa [singular ou coletiva] que se pretende que suporte o encargo económico do imposto, onerando a riqueza que se encontra na esfera do sujeito passivo» e impostos indiretos «os que incidem sobre pessoa distinta daquela que se pretende que suporte o encargo económico do imposto, onerando a riqueza que se encontra na esfera de terceiro» (idem, p. 216). É justamente o que caracteriza os impostos sobre o consumo, cujo exemplo paradigmático é dado pelo IVA: embora formalmente pagos pelo sujeito passivo, «este transfere o seu custo para o consumidor, incluindo-o no preço pago pelo bem» (A. Brigas Afonso, “Noções gerais sobre Impostos Especiais de Consumo”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, N.º 3 (2006), p. 20). Ora, nada disto sucede com o ASSB, que é suportado diretamente pelas instituições de crédito no pressuposto que a elas - e só a elas - respeita a capacidade contributiva que se visa atingir através da cobrança do imposto.

21. Em suma, não se prefiguram razões para divergir do juízo positivo de inconstitucionalidade alcançado no Acórdão n.º 469/2024, devendo concluir-se, também aqui, pela incompatibilidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, este enquanto refração daquele.»

35.1 Numa interpretação mais abstrata sobre o princípio da capacidade contributiva, o Tribunal Constitucional densificou no acórdão n.º 17/15 que o princípio da capacidade contributiva assume um valor paramétrico fundamentalmente como condição da tributação, de molde a impedir que determinado imposto atinja uma riqueza ou rendimento que não existe, vedando a exação de uma capacidade de gastar que verdadeiramente não se verifica, repisando o que já constava do acórdão n.º 142/2004 do mesmo tribunal, de que a capacidade contributiva preenche o critério unitário da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos se deverá fazer segundo a capacidade económica ou capacidade de gastar de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). 

35.2 Também o Acórdão n.º 344/2019 refere que “(…) A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria. No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e para-comutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa. De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16). […]”.

35.3 No Acórdão n.º 590/2015, ponto 12 reflete-se que «A conceção puramente negativa da igualdade tributária, excluindo os casos de discriminação absurda, não garante, porém, a justiça material ou a coerência interna do sistema tributário. Impõe-se a definição de critérios materialmente adequados à repartição dos diversos tributos públicos. No caso dos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, na medida em que, exigindo-se aos membros de uma comunidade que custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um».

36. Neste mesmo sentido, Sérgio Vasques considera que, em razão do princípio da capacidade contributiva, «os impostos devem adequar-se à força económica do contribuinte e por isso o seu alcance mais elementar está na exigência de que o imposto incida sobre manifestações de riqueza e que todas as manifestações de riqueza lhe fiquem sujeitas». E sublinha que, para que o imposto corresponda à força económica de quem o paga, é forçoso que incida sobre realidades economicamente relevantes, realidades que se podem reconduzir sinteticamente ao rendimento, ao património e ao consumo» (Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, página 295).

37. Este Tribunal Arbitral partilha das considerações expendidas nos acórdãos do Tribunal Constitucional e na generalidade das decisões arbitrais a propósito do ASSB, e não vislumbra elementos novos na argumentação apresentada pela Requerida que lhe permitam afastar-se de tal entendimento.

Assim, impõe-se a conclusão de que a conjugação das normas previstas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 27-A/2020, são inconstitucionais por violação do princípio da igualdade e por violação da capacidade contributiva, enquanto emanação do princípio da igualdade tributária a que se refere o artigo 104.º, n.º 2 da CRP.

38. Ao serem declaradas inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que vigoram no direito interno, deixa de se justificar e fica prejudicada a apreciação de legalidade do regime do ASSB à luz do Direito da UE, designadamente, por violação do direito de estabelecimento, previsto no artigo 49.º do TFUE com remissão para o artigo 54.º do mesmo tratado. 

Com efeito, conforme o artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT a ordem de conhecimento dos vícios na sentença deve conhecer daqueles cuja procedência determine uma mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, segundo o prudente critério do julgador. 

O sentido decisório da presente Decisão Arbitral insere-se no juízo de inconstitucionalidade que vem sendo perfilhado pelo Tribunal Constitucional, pelo que se perspetiva uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos, não se vislumbrando, assim, interesse processual no prosseguimento da indagação da legalidade das normas do ASSB à luz do direito europeu.  

 

VII – REEMBOLSO

39. A Requerente pede o reembolso do montante indevidamente pago em razão da ilegalidade da autoliquidação a que estava legalmente obrigada a realizar.  O reembolso corresponde ao dever de reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, mencionada nos artigos 100.º da Lei Geral Tributária e 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, pelo que, dando-se por reconhecida a ilegalidade da tributação, deverá o montante ser reembolsado. 

 

VIII - JUROS INDEMNIZATÓRIOS

40. A Requerente vem afirmar que anulada ou declarada a ilegalidade da autoliquidação deverá ter-se por verificado erro imputável aos serviços para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios pelos prejuízos resultantes do pagamento de imposto em excesso

A base do pedido assenta nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, e segundo o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, a sua imputabilidade apenas depende da prática de um ato ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, sendo a imputabilidade do erro efetuada aos serviços independentemente da demonstração de culpa dos funcionários intervenientes nessa liquidação, 

O pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de «restabelecer a situação que existira se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.», conforme preceitua o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, Dando-se por reconhecida a ilegalidade da tributação e do consequente indevido pagamento, a Requerente viu-se privada de importâncias que em circunstâncias normais teriam acrescentado valor à sua situação patrimonial. 

Assim, nos termos desta disposição e dos artigos 43.º e 100.º da LGT, a Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia liquidada. 

 

IX – DECISÃO

41. Nestes termos, julga o Tribunal Arbitral Singular o seguinte:

a) Declarar inconstitucionais as normas previstas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 27-A/2020, por violação do princípio da igualdade e por violação da capacidade contributiva, enquanto emanação do princípio da igualdade tributária a que se refere o artigo 104.º, n.º 2 da CRP.

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular o ato tributário de autoliquidação do ASSB referente ao período de tributação do ano de 2023, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ela deduzida.

c) Em consonância, determinar o reembolso do montante pago pela Requerente e condenar a Requerida a fazer a sua devolução, na quantia de 9698,08 € (nove mil seiscentos e noventa e oito euros e oito cêntimos).

d) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a quantia paga, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

e) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais arbitrais.

 

X – VALOR

42. Nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA, aplicável por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, é fixado o valor do processo em € 9698,08 (nove mil seiscentos e noventa e oito euros e oito cêntimos).

 

XI – CUSTAS PROCESSUAIS ARBITRAIS.

43. Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, aplicável por remissão do seu artigo 4.º, n.º 1, fixa-se o montante das custas em 918 € (novecentos e dezoito euros).

 

XII – NOTIFICAÇÂO AO MINISTÉRIO PÚBLICO

44. Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do tribunal competente, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional. 

Notifiquem-se as Partes

Lisboa, 13 de maio de 2025.

 

O Árbitro Singular

 

António Manuel Melo Gonçalves