SUMÁRIO:
I. Os gastos com serviços de consultadoria contratados por uma SGPS para a aquisição da totalidade do capital social de outra sociedade, quando acompanhada de uma intervenção efetiva na gestão da sociedade participada adquirida, através da prestação de serviços gestão (a SGPS atua como um operador económico sendo os gastos titulados por uma fatura), constituem despesas dedutíveis em sede de IVA.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Prof.ª Doutora Marta Vicente e Dr. Ricardo Jorge Rodrigues Pereira (Adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ..., ...-... Braga, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Braga sob o n.º ..., nos termos do disposto no artigo 2.º n.º 1 alínea a), 5.º n.º 3 alínea a), 6.º n.º 2 alínea a), 10.º n.º 1 alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT, requereu a constituição de tribunal arbitral coletivo, com vista à declaração de ilegalidade daquele ato de liquidação adicional de IVA n.º ... do período 2212T.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (AT).
1.1. Do pedido
A Requerente formula o seu pedido:
“Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente pedido arbitral ser considerado procedente por provado e anulada a liquidação adicional de IVA n.º ... do período 2212T, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.”
1.2. Tramitação processual
A Requerente apresentou o PPA em 02-09-2024, o qual foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 04-09-2024.
Os signatários foram designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a) e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
Em 23-10-2024 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13-11-2024 e no mesmo dia foi proferido despacho arbitral no sentido da Requerida apresentar resposta, no prazo de 30 dias.
A Requerida juntou o processo administrativo e apresentou Resposta em 18-12-2024, na qual se defende por impugnação, mantendo toda a fundamentação aduzida em sede de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
Em 10-03-2025 o Tribunal proferiu despacho arbitral em que convidou a Requerente a indicar os factos (ou tema da prova) sobre que pretende a inquirição das testemunhas arroladas, na sequência do que o Tribunal decidirá sobre a utilidade ou dispensa desse meio de prova. Prazo: 5 dias.
A 19-03-2025 a Requerente veio indicar os factos de que pretende fazer prova através da prova testemunhal.
No dia 21-03-2025 o Tribunal Arbitral proferiu despacho em que designou o dia 30-04-2025 para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a inquirição das testemunhas a apresentar pela Requerente.
Na data aprazada foram ouvidas as testemunhas apresentadas pela Requerente, e foi fixado o prazo simultâneo de dez dias para alegações escritas, e designado o dia 13-05-2025 para a decisão.
Ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 16.º f) do RJAT foi solicitado às partes para juntarem as peças processuais em formato word.
Em 13-05-2025 as Partes apresentaram alegações.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos n.º 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
a) A Requerente é uma sociedade com sede e direção efetiva em Braga.
b) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), que tem como objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas; (cfr. Resposta e RIT).
c) A Requerente resultou da constituição de uma joint venture entre a B... e a C... para a aquisição da D..., sucursal do E... na capital espanhola e simultaneamente o maior contrato de concessão da marca germânica na Península Ibérica; (cfr. RIT).
d) A D... SL, com o NIF ES - ... desenvolve a sua atividade em duas instalações distintas em Madrid, e engloba as marcas ..., ... e ..., tendo registado em 2021 um total de 6.919 unidades vendidas e um volume de negócios de 201,8 milhões de euros”; (cfr. Resposta e RIT).
e) Quando entregou a Declaração de Início de Atividade, via Internet, em 2022- 06-16, retroagindo o início, para efeitos de IVA a 2022-06-02, e indicou no campo do “Tipo de Operações que iria efetuar - Transmissões de bens e prestações de serviços que conferem direito à dedução integral, por afetação real de parte dos bens e serviços utilizados; (cfr. art. 61 da Resposta e PA).
f) A aquisição da D..., SL encontra-se abrangida pela atividade da Requerente - gestão de participações sociais em outras sociedades; (cfr. depoimento da testemunha F...).
g) A Requerente celebrou, em 13-05-2021, um contrato de prestação de serviços com a sociedade G..., SA., pessoa coletiva n.º...; (cfr. doc. 3 anexo II do RIT).
h) A G..., no âmbito do contrato celebrado, realizou os seguintes serviços: análise de documentos contabilísticos, análise de declarações fiscais, de contratos de trabalho, de contratos de arrendamento, verificação da existência de litígios com outras entidades e com as autoridades fiscais de Espanha, verificação da existência de dívidas e/ou litígios com a Segurança Social espanhola, várias deslocações a Madrid, entre muitas outras; (cfr. depoimento da testemunha F...).
i) No âmbito dos serviços prestados por esta empresa à Requerente, foi emitida a fatura n.º ZFTF..., em 29-12-2022, no valor de 295.000 €, mais IVA no valor de 67.850 €; (cfr. doc. 3 anexo II do RIT).
j) A fatura contém a seguinte descrição: “honorários de acordo com a nossa carta-contrato datada de 13 de Maio de 2021: Remuneração de sucesso fixa facturada com a assinatura dos primeiros contratos vinculativos”; (cfr. Anexo I do projeto do RIT).
k) A empresa G... efetuou uma due diligence ou consultoria, que tinha como objetivo a aquisição da D..., S.L.; (cfr. depoimento da testemunha F...).
l) A G... prestou serviços à Requerente no âmbito da aquisição da D..., nomeadamente no relativo aos recursos humanos, dado que as normas do Direito do Trabalho são diferentes do português e os administradores da Requerente não estavam habilitados para intervir nesta matéria; (cfr. depoimento da testemunha F...).
m) Da assessoria prestada pela G... resultou um Know-how, que adquirido no início das negociações da aquisição da D..., ainda é usado pela Requerente; (cfr. depoimento da testemunha F...).
n) A G... prestava informações através de vários canais de informação, nomeadamente através de documentos e conselhos verbais; (cfr. depoimento da testemunha F...).
o) A Requerente presta serviços de assessoria às suas participadas pelos quais cobra uma taxa de gestão (“management fee”), correspondente a uma percentagem do volume de negócios; (cfr. depoimento da testemunha F...).
p) Os serviços prestados pela Requerente à D... consistem na definição de políticas comerciais, intervenção na negociação das financeiras com os particulares; (cfr. depoimento da testemunha H...).
q) O membro do Conselho de administração da Requerente, I... está em permanência em Madrid, acompanhando a atividade da D..., na gestão de vendas e serviços pós-vendas desde maio de 2021; (cfr. depoimento da testemunha F...).
r) O Administrador J... vai uma vez por mês à sociedade em Madrid e ambos integram o Conselho de Administração da sociedade espanhola; (cfr. depoimento da testemunha F...).
s) A Requerente não se limita a adquirir, deter e alienar participações sociais, tendo efetivamente uma interferência ativa na gestão das sociedades em que participa; (cfr. PPA e depoimento da testemunha F...).
t) O contrato com a G... foi celebrado ainda antes da Requerente ter sido constituída e após a constituição, a Requerente assumiu os contratos celebrados ainda antes do registo; (cfr. PPA)
u) O procedimento inspetivo interno credenciado pela ordem de serviço n.º 012024... do período 2022-12T foi iniciado por comunicação à Requerente 06-03-2024; (cfr. RIT).
v) Procedimento inspetivo realizado na sequência da ação inspetiva relativa ao pedido de reembolso do IVA solicitado pelo sujeito passivo no período 2023-06T credenciada pela Ordem de Serviço Externa nº OI2023...; (cfr. RIT).
w) Por comunicação de 15-03-2024 a Requerente foi notificada do projeto do RIT e para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição prévia (cfr. RIT).
x) No período concedido para tal, a Requerente optou por não o fazer; (cfr. PA).
y) Nesse processo de inspeção tributária foram efetuadas correções à matéria coletável de IVA do ano de 2022, conforme consta do relatório de inspeção; (cfr. RIT).
z) Na sequência dessa Inspeção Tributária a Requerente por carta regista com data de 17-05-2024 recebida a 20 -05-2024, foi notificada da liquidação adicional de IVA n.º ... do período 2212T; (cfr. docs. 1 e 2 juntos com o PPA).
aa) Consta do RIT nomeadamente o seguinte:
“V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
Análise da relação fornecedores anexa ao pedido de reembolso do período 2022-12T
Procedeu-se à análise de risco dos sujeitos passivos que titulam as operações passivas do contribuinte em análise. E na sua análise verificou-se coerência de valores entre a DP do sujeito passivo e as dos seus fornecedores (as operações ativas declaradas pelos fornecedores comportam o imposto suportado, mas, como veremos, incorretamente deduzido na íntegra pelo SP).
Para efeitos de apreciação, solicitou.se cópias de faturas e contratos de fornecimento de serviços e cópias dos meios de pagamento a fornecedores. Da documentação fornecida, destaca-se a fatura de serviços prestados pelo fornecedor ilustrada no quadro infra:
Fornecedor
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NIPC
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Fat.
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Data
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Valor
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IVA
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Total
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G..., AS
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...
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ZFTF BB32/0320022171
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29-12-2022
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295.000,00 €
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67.850,00 €
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362.850,00 €
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Este documento que suporta a dedução de IVA no valor acima plasmado, tem subjacente contrato de prestação de serviços (vide anexo II) cuja análise nos impele a asseverar que o citado direito não pode ser exercido, como adiante veremos.
SGPS). O objetivo preconizado por este acordo foi o da potencial aquisição da D..., S.L e análise aos termos do acordo firmado entre as partes permite dizer que o mesmo visava o apoio em várias fases.
Fase I - Estudo e análise preliminar de valor da empresa-alvo;
Fase II - Negociações preliminares;
Fase III - Coordenação do processo;
Fase IV - Apoio e negociação no levantamento de fundos.
Uma leitura atenta ao conjunto de tarefas descritas nas diversas fases do contrato de assessoria leva a concluir de forma inexorável que ele se reveste de uma natureza enquadrável na noção de exercício de atividade não económica. Vejamos:
1- Esteve sempre em causa a simples operação de aquisição e detenção de participações sociais, resultando da constituição de uma joint venture entre a B... e a C... para a aquisição da D..., sucursal do E... na capital espanhola (ver Anexo III, publicação em jornal). Ou seja, o sujeito passivo ( A..., SGPS, SA) foi constituído para a aquisição da participação na joint venture. O mesmo equivale a dizer, que os dois grupos se uniram para a aquisição de participações sociais da D..., não constituindo isso uma atividade económica na aceção decorrente do artigo 4° n° 2 da Sexta Directiva (77/388 CEE) e artigo 9o n° 1 da Diretiva 2006/112. Nesta se determina que a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, porque eventual dividendo, fruto de tal participação, resulta da simples propriedade do bem e não é a contrapartida de qualquer atividade económica.
2- Só deve ser admitida a dedução do IVA suportado em aquisições de participações sociais quando as despesas relativas à referida transmissão de participações sociais estão numa relação direta e imediata com a atividade principal desenvolvida pelo transmitente.
Ora,
o entendimento da AT é de que o direito à dedução do IVA dos serviços de intermediação, do tipo daqueles que foram contratados à empresa G..., SA, NIPC..., alicerçado no contrato de prestação de serviços e assim faturado, depende da existência da relação direta e imediata dos serviços adquiridos com o conjunto da atividade económicas desenvolvida pelo sujeito passivo integrada no âmbito de incidência do imposto e que o pagamento de serviços externos de consultoria com vista à aquisição de participações sociais não constitui o exercício de uma atividade económica. Dito de outro modo, ainda que à saciedade, a aquisição de participações sociais não constitui custo com uma relação direta e imediata com a atividade principal desenvolvida.
Isto é, para que fosse legalmente admissível a dedução do IVA pago com serviços prestados da G... no âmbito de um contrato de mediação para aquisição de participações sociais era necessário que se concluísse que esta operação se integra ou está numa relação direta com a atividade do sujeito passivo e de que decorresse a sua sujeita a imposto, o que não sendo o caso, inviabiliza a pretensão do SP.
Conclusão: ficando assente que a operação em causa, que foi sujeita a IVA (tendo este sido deduzido), foi a prestação de serviços tendentes à aquisição de participações sociais, atentemos, antes de mais, se esta pode ou deve ser qualificada como atividade económica para efeitos do IVA. A resposta é, a nosso ver, clara, sendo, de resto, matéria sobre a qual o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) há muito que vem apreciando e veiculando reiteradamente o julgamento de que as simples operações de aquisição, detenção e transmissão das participações sociais não constituem em si mesmas uma atividade económica na aceção do artigo 4o n°2 da Sexta Diretiva (77/388/CEE) e artigo 9° n° 1 da Diretiva 2006/112/CE, uma vez que “a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, por o eventual dividendo, fruto de tal participação, resulta da simples propriedade do bem e não é a contrapartida de qualquer atividade económica" .
Portanto, não ficou demonstrado pelo sujeito passivo, quer seja pelas respostas aos esclarecimentos solicitados pela inspeção tributária, quer seja pelo fornecimento de elementos, a existência de uma relação direta e imediata dos bens e serviços adquiridos (participações sociais) com a atividade económica desenvolvida por ele, relação que permitiria, confirmada que fosse, admitir a dedução nos termos do artigo 20° do CIVA.
Assim, tendo em conta os argumentos anteriormente expostos, não é de aceitar a dedução do IVA suportado no valor de 673.850,00 € na fatura da G..., emitida à empresa A..., SGPS, SA, no período 2212T, valor este reportado até ao período em que o SP solicitou o IVA (período 2023/06T).
bb) O contrato teve como objeto (cfr. anexo II RIT):
“Fase I – Análise Preliminar de Valor
a) Contactos preliminares com os assessores da Empresa-alvo;
b) Recolha e análise da informação disponibilizada pela Empresa-alvo e seus assessores;
c) Apoio na análise dos ativos (tangíveis e intangíveis) a incluir no perímetro da Transação e as condições do novo contrato de concessão comercial;
d) Apoio na elaboração do plano de negócios da Empresa-alvo tendo em consideração o contexto da Transação e o novo contrato comercial;
e) Apoio na identificação e análise das potenciais sinergias decorrentes da integração com a B...;
f) Preparação de modelo financeiro, incluindo análises de sensibilidade aos key value drivers do negócio e uma análise de geração de cash flow e
g) Apoio na definição da estrutura preliminar da Transação.
Fase II – Negociações preliminares
a) Assessoria na elaboração de uma Non Binding Offer (“NBO”) a apresentar aos acionistas da Empresa-alvo; e
b) Apoio nas negociações preliminares (se aplicável).
Fase III – Coordenação do processo
a) Coordenação do processo financeiro, fiscal e outros que se revelem necessários (e.g. legal técnico e ambiental) e acompanhamento dos trabalhos; e
b) Análise das conclusões-chave identificadas no processo e repercussão das mesmas no modelo financeiro nas sinergias identificadas e na estrutura de Transação.
Fase IV – Apoio no levantamento de fundos
a) Preparação de modelo financeiro da B... e restantes empresas do grupo, incluindo analises de sensibilidade aos key value drivers do negócio, análise dos impactos das sinergias e análise da capacidade de geração de cash flow.
b) Atenção da capacidade de geração de cash flow do perímetro da Transação e da B... e determinação das respetivas necessidades de financiamento (aquisição e operação);
c) Identificação e apoio na elaboração da Long-list de potenciais financiadoras para apresentação da oportunidade;
d) Elaboração de um documento de apresentação da oportunidade para fins de levantamento de dívida (Memorando de Informação);
e) Assessoria no processo de angariação e apoio na negociação dos termos contratuais até ao financial close da operação de financiamento.
Fase V – Negociação dos contratos
a) Apoio na preparação da Binding Offer (“BO”);
b) Coordenação com os assessores legais (e outros) dos aspetos económicos e financeiros a incluir nos contratos finais;
c) Suporte na definição da estrutura da Transação; e
d) Apoio na negociação dos contratos.”
cc) A Requerente afirma que “se impugna todo o relatório de inspeção e respetivos anexos quanto à factualidade que com os mesmos se pretenda provar, por não lhes poder ser atribuído o efeito pretendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)” (cfr. art. 20 do PPA).
3.2. Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3.3. Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados. Não tem de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, conforme previsto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base nas suas afirmações.
A testemunha H... afirmou que é contabilista da empresa-mãe (K..., SGPS, S.A.) que participa em 60% do capital da Requerente, desde 2005.
No âmbito da sua atividade profissional a testemunha H... trata dos movimentos contabilísticos da sociedade K..., SGPS, S.A.
A Testemunha F... afirmou que é contabilista da Requerente desde a sua constituição em 2022, e Diretora Financeira do grupo onde se insere a Requerente
acompanhando este grupo há mais de 20 anos.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo, bem como, nos pontos indicados com base nos depoimentos das testemunhas.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA- Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/133, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
4. Matéria de direito
4.1. Da falta de fundamentação
a) Posição da Requerente
A Requerente alega que as correções efetuadas pela AT incorrem em vício de fundamentação.
Neste sentido, a Requerente sustenta que:
“É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas;
Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
1. Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.
2. Esta será a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quando, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o ato tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o ato padecerá de falta de fundamentação.
3. O artigo 77.º n.º 1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.
Compulsada a fundamentação tecida pela AT, não pode deixar de concluir-se que as correções em questão não se encontram devidamente fundamentadas, apresentando traços caraterísticos de uma manifestação de arbítrio, refugiando-se na forma sem atender à substância.
Com efeito, a fundamentação acima transcrita e constante do relatório de inspeção não cumpre qualquer exigência legal.
Assim, a fundamentação constante do relatório de inspeção, e que serviu de base às liquidações ora impugnadas, é manifestamente insuficiente para as correções efetuadas.
O relatório de inspeção limita-se a referir que a aquisição de serviços externos de consultoria com vista à aquisição de participações sociais não constitui o exercício de uma atividade económica.
E que por isso, o IVA não é dedutível.
Mas não explica os fundamentos que levaram à conclusão que essa aquisição não constituía uma atividade económica.
Nada refere o relatório de inspeção que permita concluir que aquela aquisição não se trata de uma atividade económica.
Ao ler o relatório de inspeção, não se consegue perceber o itinerário que levou a inspeção a concluir como concluir, e a corrigir o IVA da fatura da aquisição de serviços.
Verificando-se, portanto, uma insuficiente fundamentação das correções efetuadas para efeitos de IVA do período 2212T.
Face ao exposto, estamos perante uma errónea quantificação da matéria coletável para efeitos de IVA.
E perante uma insuficiente fundamentação das correções efetuadas.
Que legitimam que a liquidação adicional de IVA, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, seja integralmente anulada.”
b) Posição da Requerida
A Requerida na Resposta defendeu o seguinte:
“Sobre a falta de fundamentação sempre se dirá que, com o devido respeito por entendimento diverso, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação dos atos impugnados.
Tendo presente no que respeita à fundamentação dos atos administrativos que o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão.
Seguindo de perto a jurisprudência assente, que refere:
“Variando a densidade da fundamentação em função do tipo legal de ato e das suas circunstâncias, é aceitável uma fundamentação menos densa de certos tipos de atos, considerando-se suficiente tal fundamentação desde que corresponda a um limite mínimo que a não descaracterize, ou seja, fique garantido o "quantum" indispensável ao cumprimento dos requisitos mínimos de uma fundamentação formal: a revelação da existência de uma reflexão e a indicação das razões principais que moveram o agente”, in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no recurso n.º 31616 de 13- 04-2000,
Atentos à doutrina que refere que determinado ato, in casu, o ato administrativo-tributário, se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final, in A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 687 e seg, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg,.
Analisando a cognoscibilidade do iter volitivo ou percurso cognitivo da administração no que concerne ao ato final, maxime a liquidação, seguindo a jurisprudência assente sempre se dirá que fundamentar.
“(…) Não significa uma exaustiva descrição de todas as razões que determinam a sua prática, mas implica esclarecer devidamente o seu destinatário dos motivos que estão na génese e das razões que sustentam o seu conteúdo. (...) Esse dever de fundamentação visa, assim, permitir ao destinatário do ato conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram à Administração à sua prática. (...) Um ato está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal – o bonus pater familia de que fala o artigo 487º, n.º 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.” in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 016217de 28-10-1998;
Para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual, sendo a fundamentação do ato administrativo-tributário suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
(...)
Ora, resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato,
Como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que fez no presente pedido de pronúncia arbitral.
Pelo que não se pode deixar de concluir, como conclui a boa jurisprudência, que: “Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados emconta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido…”, in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0105/12 de 30-01-2013.
Quando é manifesto e inquestionável que a Requerente demonstra, ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, uma perfeita compreensão do ato ora em crise.”
O que releva, a esta luz, é que seja indicado o motivo porque a Administração atuou ou não atuou de determinada forma, em termos compreensíveis e congruentes, o que no caso ocorre.
c) Apreciação
Os atos de liquidação adicional de IVA, constituem um tipo de atos administrativos, e o artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) determina que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
O artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece que:
“A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A fundamentação pode ser sucinta e per relationem, desde que se encontre garantida a função primordial de dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do ato. Considera-se, assim, que um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. Acórdão do STA, processo n.º 42180, de 20 de Novembro de 2002). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o ato que, diretamente e por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. Acórdão do STA, processo n.º 46796, de 14 de Março de 2001).
Tendo em consideração o teor do RIT suprarreferido, o Tribunal Arbitral considera que os SIT fizeram constar do RIT as razões que no seu entender fundamenta as correções efetuadas para efeitos de IVA do período 2212T, em cumprimento do dever de fundamentação dos atos tributários pelo que improcede o alegado vício de fundamentação das correções efetuadas pela AT.
4.2. Thema dicidendum
A questão a decidir nestes autos consiste em determinar se a Requerente, que é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), pode deduzir o IVA por si suportado com a aquisição de serviços de assessoria jurídica, financeira e de gestão contratados para a aquisição da D..., que resultou numa aquisição consubstanciada numa joint-venture (JV).
Está em causa o IVA suportado e deduzido pela Requerente, e constante da fatura emitida pela empresa G..., no valor de 67.850,00 €.
Em síntese a Requerida defende que o direito à dedução do IVA pelos serviços de consultadoria prestados pela K..., SA., tendentes à aquisição de participações sociais da D..., depende de uma existência direta e imediata dos serviços adquiridos com o conjunto da atividade económicas desenvolvida pelo sujeito passivo integrada no âmbito de incidência do imposto e que o pagamento de serviços externos de consultoria com vista à aquisição de participações sociais não constitui o exercício de uma atividade económica.
Considera a AT que a Requerente deduziu IVA indevidamente e consequentemente emitiu a liquidação adicional supra identificada com o fundamento na indevida dedução de IVA.
Ficou provado nos presentes autos que a Requerente adquiriu o capital social da D..., mediante uma joint-venture e participa na sua atividade empresarial.
4.2.1. A dedução do IVA
A) legislação
Diretiva IVA (DIVA)
A base legal relevante, tendo por referência o que se encontrava consagrado na DIVA à data dos factos tributários aqui em causa:
O n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva IVA determina o seguinte:
O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.
O Código do IVA
a) dedução
“Artigo 19.º
Direito à dedução
“1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; (…)
Artigo 20.º
Operações que conferem o direito à dedução
1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
(…)
Artigo 22.º
Momento e modalidades do exercício do direito à dedução
1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
(…)
b) Requisitos das faturas
As formalidades das faturas exigidas pelo artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA são as seguintes:
“as faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;
c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;
d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for cado disso;
f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura”.
B) Jurisprudência
A Jurisprudência do TJUE:
O Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) 12 de novembro de 2020 refere: “Reenvio prejudicial - Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) - Sexta Diretiva 77/388/CEE - Artigo 4.° - Conceito de “sujeito passivo” - Sociedade holding mista - Artigo 17.° - Direito à dedução do IVA pago a montante - IVA pago a montante por uma sociedade holding mista sobre serviços de consultadoria relativos a uma prospeção de mercado com vista à eventual aquisição de participações sociais noutras sociedades - Desistência dos projetos de aquisição - IVA pago a montante sobre uma comissão bancária pela organização e montagem de um empréstimo obrigacionista destinado a dotar as filiais dos meios necessários para realizar investimentos - Investimentos não realizados”.
No processo C-42/19, que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267. ° TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 5 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de janeiro de 2019, no processo Sonaecom, SGPS, SA, contra Autoridade Tributária e Aduaneira, foi decidido:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:
“71. Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões prejudiciais:
1) Os artigos 17.o e 4.o da Diretiva 77/388/CEE devem ser interpretados no sentido de que uma denominada sociedade holding mista, como a Sonaecom, tem o direito de deduzir integralmente o imposto sobre o valor acrescentado suportado com os custos de aquisição de participações numa sociedade à qual pretendia prestar serviços tributáveis. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apurar este elemento. O direito à dedução surge mesmo que, afinal, essa aquisição não se concretize e aplica‑se independentemente do montante do imposto sobre o valor acrescentado suportado com os serviços previstos.
2) A cedência, efetiva e isenta de imposto, do capital adquirido por uma holding mista à sociedade‑mãe do grupo exclui a dedução. A relação direta com esse serviço, efetivamente prestado e isento de imposto, prevalece sobre a intenção inicial de prestar serviços tributáveis a uma filial a adquirir com esse capital.”
O acórdão do TJUE de 29 de Outubro de 2009, proferido no Processo C-29/08 (acórdão SFK), refere:
25. Tal como foi correctamente realçado por todas as partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, pela sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, se as transmissões de participações, como aquelas em causa no presente processo, constituem operações abrangidas pelo campo de aplicação da Sexta Directiva e da Directiva 2006/112.
26. Contrariamente ao que foi exposto pela SKF na audiência, que é da opinião que a transmissão de participações financeiras, nomeadamente as que estão em causa no processo principal, não está sujeita a IVA, esta questão deve, em minha opinião, ter uma resposta positiva, como foi aliás defendido pela Skatteverket, pelos três governos que apresentaram observações no presente processo e pela Comissão.
27. É certo que decorre da jurisprudência que a transmissão de participações financeiras detidas por uma empresa noutras empresas não constitui, em princípio, uma actividade económica na acepção da Sexta Directiva e não está, pois, abrangida pelo seu âmbito de aplicação (11).
28. No entanto, segundo o Tribunal de Justiça, a partir do momento em que, nomeadamente, uma operação relacionada com acções ou participações sociais se efectua no âmbito de uma actividade comercial de transacção de títulos (12) ou para realizar uma intervenção directa ou indirecta na gestão das sociedades em causa, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de accionista ou de sócio (13), esta operação pode cair no âmbito de aplicação do IVA.
29. Assim, no caso de tomadas de participações acompanhadas de intervenção directa ou indirecta na gestão das sociedades em que essas operações tiveram lugar, o Tribunal de Justiça decidiu que essa intervenção na gestão das filiais deve ser considerada uma actividade económica, na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique transacções sujeitas a IVA, nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros ou contabilísticos, comerciais e técnicos, por uma holding das referidas filiais (14).
30. Ora, decorre claramente do processo principal que a SKF, sociedade‑mãe de um grupo industrial, interferiu na gestão da filial e da empresa associada, visadas na decisão de reenvio, fornecendo a essas duas empresas diversas prestações de serviços a título oneroso, nomeadamente de natureza administrativa, contabilística e comercial, em relação às quais a SKF está sujeita a IVA. Como foi apropriadamente referido pelo Governo sueco, na audiência, essa interferência demonstra que a SKF possui interesses financeiros em relação à filial e à empresa associada que ultrapassam os de um simples accionista.
C) Jurisprudência nacional
Consta do sumário do Acórdão do TCAS de 17-01-2019 proferido no Processo 552/17.6BESNT o seguinte:
“1. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais.”
Decidiu-se nesse Acórdão o seguinte:
“Antecipa-se, sem dificuldade, que o Tribunal de Justiça tem sustentado, em jurisprudência constante, que o direito à dedução do IVA, conforme previsto nos artigos 167.º e seguintes da Directiva IVA, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que oneraram as operações efectuadas a montante. (v., neste sentido, por todos, acórdão de 21 de Março de 2018, Volkswagen AG/Finančné riaditeľstvo Slovenskej republiky, disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=200484&doclang=PT).
De harmonia com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante. Estabelece o artigo 4.º, n.º 1 do mesmo diploma que: «É permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação».
No que respeita, mais em particular, ao direito à dedução de uma sociedade holding, o Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou no sentido de que “… não é sujeito passivo do IVA, não tendo, portanto, direito à dedução nos termos do artigo 17.º da Sexta Directiva, uma sociedade holding cujo único objecto é a tomada de participações noutras empresas, não interferindo directa ou indirectamente, na gestão dessas empresas, sem prejuízo dos direitos que a referida sociedade holding tenha na sua qualidade accionista ou de sócio” (acórdão do TJUE, de 20.06.1991, no caso Polysar In vestments Netherlands BV, processo n. º C-60/90, n.º 17; vide, ainda, a título de exemplo, acórdãos do TJUE, de 14.11.2000, caso Floridienne AS e Berginvest SA, processo C-142/99, n.º 17; de 27.09.2001, caso S. R. Cibo Participations SA, processo C-16/00, n. º 18; e, de 06.09.2012, caso Portugal Telecom SGPS, SA, processo C-496/11, n.º 31).
Acresce dizer, que as referidas operações são actividades económicas, desde que se verifique alguma das seguintes hipóteses: - a aquisição ou a detenção de participações seja acompanhada pela interferência, directa ou indirecta, na gestão das sociedades participadas, na medida em que tal implique a realização de operações sujeitas a IVA;
- a aquisição ou a detenção de participações seja efectuada no quadro de uma actividade comercial de negociação de títulos com vista à interferência, directa ou indirecta, na gestão das sociedades em que se verificou a tomada da participação; ou, - a aquisição ou a detenção de participações constituir o prolongamento directo, permanente e necessário da actividade tributável. Afigura-se que, também no caso sub judicio, é de reiterar tal jurisprudência. Com efeito, resulta do probatório (e não impugnado) a recorrida exerce a actividade de gestão de participações sociais, prestando às participadas serviços técnicos de gestão, identificação de novas oportunidades de negócio, apoio nos processos de negociação, apoio na gestão e na tesouraria, serviços de planeamento e estratégias de mercados, apoio na gestão de recursos humanos e na área de compras e ainda serviços de controlo, manutenção preventiva e recuperação nos edifícios de escritório e fabris. (cfr. pontos 2,4 e 11 do probatório). Por estes serviços, a recorrida cobrou fees de gestão e emitiu a respectiva factura com IVA liquidado (ponto 4 do probatório). Decorre do que antecede que a recorrida não se limita a adquirir, deter e alienar participações sociais, tendo efectivamente uma interferência activa na gestão das sociedades em que participa. Como se esclarece no Acórdão Larentia + Minerva e Marenave Schiffahrt (entendimento que já vinha do acórdão Portugal Telecom, no ponto 37), «(…) o artigo 17.º, n.º 2 e 5, da Sexta Directiva [actual artigo 168.º da Directiva 2006/112 e corresponde aos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA] deve ser interpretado no sentido de que: os custos ligados à aquisição de participações nas suas filiais suportado por uma sociedade holding que participa na sua gestão e que, a esse título, exerce uma actividade económica devem ser considerados parte dos seus custos gerais e o IVA pago sobre estes custos deve, em princípio, ser integralmente deduzido, a menos que algumas operações económicas realizadas a jusante estejam isentas de IVA nos termos da Sexta Directiva, caso em que o direito a dedução só deve operar segundo as modalidades previstas no artigo 17.º, n.º 5 da Directiva» (ponto 33 do acórdão). Por tais razões, tal como foi afirmado na sentença recorrida, assiste à recorrida o direito à dedução do IVA nos termos do artigo 20.º do CIVA, relativamente às prestações de serviços não questionadas em momento algum nos presentes autos. Nada, pois, a censurar, à sentença sob recurso.”
A decisão proferida no Processo n.º 578/2017-T refere o seguinte:
“O direito à dedução constitui um elemento essencial do mecanismo do IVA, garantindo a correta aplicação do princípio fundamental da neutralidade do imposto. Em regra, esse direito não pode ser limitado, e qualquer limitação que lhe seja imposta deve ser interpretada restritivamente.
Para que os bens ou serviços adquiridos a montante sejam passíveis de dedução, deve existir, como regra geral, uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito. O objetivo final do sujeito passivo não interfere nessa análise.
Nesta medida, sendo a aquisição uma operação, por natureza, passiva, a dedutibilidade do IVA das despesas associadas, no todo ou em parte, à mesma, estaria, em rigor, condicionada à forma como a titularidade da mesma será exercida no futuro, ou seja, de forma meramente passiva, limitando-se ao recebimento dos lucros a ela associados ou, alternativamente, de forma ativa, com interferência direta ou indireta na gestão da mesma, dela resultando um prolongamento de uma atividade tributada.
O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, CT 2.º juízo, de 15-01-2013, proferido no Processo n.º 01949/07 decidiu:
I) No regime instituído pelo Decreto-Lei n.° 495/88, de 30 de Dezembro, as Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são consideradas sociedades cujo objecto é a detenção estável de participações sociais de outras sociedades, que lhe são juridicamente independentes, tendo por único objecto contratual a gestão dessas participações como forma indirecta de exercício de actividades económicas, podendo, no entanto, prestar serviços técnicos de administração e de gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações de, pelo menos, 10% do capital, com direito de voto, ou, excepcionalmente, às sociedades nas quais detenham uma participação de, pelo menos, 10%, com direito de voto, ou com as quais tenham celebrado «contratos de subordinação.
II) Essa prestação tem de ser reduzida a escrito.
II) Uma SGPS que adquire serviços de consultadoria a entidades não residentes, pelo quais incorre em IVA, e que de seguida os redebita na totalidade, com liquidação de IVA, às suas participadas, não pode deduzir o IVA incorrido nessas aquisições por aplicação do método de dedução da afectação real, a menos que demonstre que tais serviços foram utilizados pelas segundas nas suas próprias actividades.
IV) Na situação anteriormente referida, não tendo sido feita essa demonstração, designadamente por não existir contrato escrito entre a SGPS e as participadas relativo a tais prestações de serviços, a dedução do IVA só poderá ser feita por aplicação do método pro rata.
No processo n.º 1102/2024-T, e no que é relevante para os presentes autos, foi escrito o seguinte: “
40. O regime comunitário das deduções tem consagração expressa na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 (DIVA), entre outros, nos seus artigos 167.º, 168.º e 178.º, correspondentes aos artigos 17.º e 18.º da anterior Diretiva 77/388/CEE (Sexta Diretiva IVA).
41. O adequado exercício do direito à dedução exige a observância de requisitos objetivos e subjetivos, conforme estabelecido na legislação interna e acima se deu nota.
42. No plano formal, a dedução do imposto relativo à aquisição de bens e serviços implica, em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 178.º da DIVA, a posse de uma fatura emitida nos termos legais, isto é, contendo todos os elementos previstos na norma da diretiva relativa à faturação. De entre os requisitos objetivos, destaca-se que o imposto suportado deve constar de fatura ou documento equivalente, emitido em nome e sob a posse do sujeito passivo, cumprindo os requisitos legais dispostos, inter alia, nos artigos 36.º, n.º 5 e 40.º, n.º 2 do CIVA.
43. Já quanto aos requisitos subjetivos, é indispensável que os bens ou serviços sejam adquiridos para os fins exclusivos da atividade económica, de modo que o custo suportado se repercuta na formação do preço final das operações tributáveis, em conformidade com o previsto no artigo 20.º do CIVA. Dispondo a alínea a) do art.º 168.º, da DIVA, no sentido de que, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem, em princípio, direito a deduzir o imposto devido ou pago relativo a esses bens ou serviços.
44. É consabida a natureza do Imposto sobre o Valor Acrescentado enquanto tributo indireto de matriz comunitária, cuja incidência recai, em última análise, sobre o ato de consumo, devendo o seu funcionamento obedecer ao princípio da neutralidade fiscal.
45. Essa neutralidade é garantida e concretizada pelo mecanismo de dedução do imposto, consagrado no Código do IVA e harmonizado com as diretrizes comunitárias, nomeadamente, a Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006, atualmente em vigor e que estabelece as bases do “Sistema Comum do IVA”.
46. Repisando-se no sentido de que o mecanismo de dedução, designado também de método das faturas ou crédito de imposto, permite que o sujeito passivo deduza, por meio de operação aritmética de subtração, o imposto suportado na aquisição de bens e serviços (inputs) do imposto liquidado nas operações de venda e prestação de serviços (outputs), eliminando, assim, o efeito cumulativo ou de cascata.
47. Para que se possa falar em dedutibilidade, é necessário que haja um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido e a operação tributável subsequente, de forma que os inputs estejam diretamente relacionados com os outputs sujeitos a imposto.
48. Vem sendo reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) – por todos, veja-se o Acórdão vulgarmente conhecido como Caso BLP –, que tal relação deve ser “direta e imediata”, exigindo-se uma proximidade especial entre a utilização do bem ou serviço e a concretização ou efetivação de uma concreta operação tributável (operação ativa).
49. Levando-se na devida conta o disposto no artigo 19.º do CIVA e em consonância com a interpretação do TJUE, nomeadamente a firmada no Caso Midland Bank (Acórdão de 8 de junho de 2000, Pº C-98/98) , no pressuposto de que o sujeito passivo desenvolve exclusivamente operações tributáveis, não se impõe, não obstante, a demonstração individualizada de tal nexo de causalidade para cada aquisição, bastando que o custo suportado se incorpore integralmente na formação do preço das operações ativas realizadas.
50. A existência de uma relação “direta e imediata” entre os bens e serviços adquiridos a montante e as operações tributáveis a jusante, constitui um elemento essencial para o correto exercício do direito à dedução do IVA.
51. Tal exigência implica que os inputs – ou seja, os bens e serviços adquiridos – se encontrem intrinsecamente vinculados às operações sujeitas a imposto, de forma a assegurar que o IVA suportado se incorpore efetivamente no preço final das operações e não se converta, de forma indevida, em custo adicional para o sujeito passivo.
52. O conceito de “relação direta e imediata” exige, em primeiro lugar, uma ligação causal, i.e., que se estabeleça uma relação de proximidade especial entre a utilização dos bens ou serviços e a realização das operações tributáveis ativas.
53. Não obstante e tal como já acima aventado, não sendo necessária a demonstração de tal nexo causal para cada transação de forma individualizada, o conjunto dos inputs deve integrar o custo das operações ativas realizadas. Nessa conformidade, se a operação a jusante for tributável, o imposto suportado na aquisição dos elementos a montante só é suscetível de desoneração se se demonstrar que esses elementos fazem parte integrante do custo repercutido para a formação do preço final, conforme preconiza o sistema de crédito de imposto previsto tanto no CIVA, quanto na Diretiva 2006/112/CE.
54. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem desempenhado um papel crucial na definição e delimitação do conceito de “relação direta e imediata”.
55. No Caso BLP (Acórdão de 6 de abril de 1995, Pº C-4/94), por exemplo, o Tribunal enfatizou que a relação entre o input e o output deve ser não só direta, mas também imediata, implicando que a utilização dos bens ou serviços adquiridos esteja intimamente ligada à realização das operações tributáveis.
56. Essa abordagem foi reforçada pelo Acórdão Midland Bank (Acórdão de 8 de junho de 2000, Pº C-98/98), no qual o TJUE concluiu que, quando o sujeito passivo se dedica exclusivamente a operações tributáveis, a necessidade de se demonstrar uma conexão individualizada entre cada despesa e cada operação é dispensada, desde que se verifique a incorporação integral dos custos na formação do preço das operações ativas.
57. Em suma, a exigência de uma relação direta e imediata tem como objetivo preservar a neutralidade do IVA, garantindo que o imposto suportado a montante não se converta em custo efetivo para o contribuinte. Essa interpretação, consolidada na doutrina e na jurisprudência do TJUE, reforça que apenas as despesas diretamente relacionadas à atividade tributada devem beneficiar do direito à dedução, sendo vedadas quaisquer imposições que possam levar à distorção do sistema do IVA, comprometendo o seu caráter não cumulativo e a neutralidade e equidade fiscal.
58. Ainda assim, repise-se, de acordo com a jurisprudência que vem sendo firmada pelo TJUE, não é imperativo que se comprove, de forma individualizada, uma relação “direta e imediata” entre cada aquisição de bens ou serviços (inputs) e cada operação tributável (output).
59. Em vez disso, o que se exige é que exista, de forma funcional, uma correlação causal entre o conjunto das despesas realizadas e as operações tributáveis desenvolvidas, de modo que o custo suportado se incorpore integralmente na formação do preço das operações ativas.
60. Essa interpretação encontra respaldo, nomeadamente, no já citado Acórdão Midland Bank, onde o TJUE concluiu que, quando um sujeito passivo se dedica exclusivamente à realização de operações tributáveis, não se impõe a demonstração específica de um nexo individualizado para cada transação. Basta que se verifique que os custos incorridos em aquisições a montante são, de facto, repercutidos na formação dos preços das operações sujeitas ao imposto. Assim, a exigência do Tribunal centra-se na necessidade de se constatar que as despesas estão integradas e refletem, de forma adequada, o encargo do IVA na cadeia de produção e distribuição, preservando, assim, a neutralidade fiscal do imposto.
61. Intuindo-se daqui que ao invés de se exigir um vínculo estrito, “direto e imediato”, com uma concreta operação ativa tributável em sede de IVA, o TJUE exige que se comprove, no âmbito global da atividade do contribuinte, a existência de um nexo causal suficiente que assegure a dedutibilidade do IVA suportado, conforme demonstrado pela plena repercussão dos custos no preço final das operações tributáveis.
62. No âmbito da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, tem-se reconhecido que o direito à dedução do IVA pode ser aplicado até mesmo em situações relativas a atividades preparatórias, ou seja, aquelas realizadas com vista à futura execução de operações tributáveis, ainda que, por si só, tais atividades não venham a resultar em operações sujeitas a imposto.
63. Em particular, no contexto da gestão de participações sociais, o Acórdão do TJUE de 14 de fevereiro de 1985, caso Rompelman, evidencia que o contribuinte pode deduzir o IVA suportado em despesas preparatórias, desde que estas se destinem a viabilizar a atividade econômica futura, mesmo que não se concretize imediatamente uma operação tributada. Essa interpretação reforça a lógica subjacente ao princípio da neutralidade fiscal, permitindo que os custos inicialmente suportados não representem um encargo efetivo, mas sejam considerados parte integrante do investimento destinado à realização de operações tributáveis.
64. Assim sendo, meridianamente se conclui que o direito à dedução em IVA possui uma amplitude tal que abrange inclusive as chamadas atividades preparatórias – aquelas realizadas com a finalidade de viabilizar futuras operações tributáveis – independentemente de estas, porventura, virem a concretizar-se ou não. E tanto assim que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia é clara ao afirmar que o direito à dedução deve ser concedido também no que concerne às atividades preparatórias, sem que seja exigido que estas já tenham originado operações tributáveis.
65. Essa abordagem visa não prejudicar o sujeito passivo que, no âmbito da sua atividade económica, incorre em despesas que se destinam à preparação ou ao investimento necessário para o desenvolvimento futuro das operações sujeitas a imposto, tal como pode ocorrer, v.g., no âmbito de uma concreta operação de aquisição de participações sociais que pressuponha a aquisição da totalidade de uma sociedade participada por parte de uma sociedade dominante para sobre ela interferir nas normais operações de gestão e administração. E uma vez adquirido o direito à dedução, este subsiste, mesmo que a atividade económica projetada não venha, eventualmente, a dar origem a operações tributáveis ou que o sujeito passivo, por motivos alheios à sua vontade, não consiga utilizar os bens ou serviços que fundamentaram a dedução. Assim, o contribuinte não deve ser penalizado pela eventual não frutificação imediata da atividade para a qual os inputs foram adquiridos.
66. Em síntese, o direito à dedução, consagrado tanto na legislação nacional – especialmente no Código do IVA – quanto nas disposições da Diretiva 2006/112/CE, revela-se como um princípio basilar que assegura a não verificação de efeitos cumulativos do IVA e a neutralidade fiscal dos sujeitos passivos. A proteção conferida a esse direito, corroborada pela rigorosa interpretação do TJUE, impõe que quaisquer restrições à sua aplicação sejam interpretadas de forma restritiva, preservando o conteúdo essencial do sistema do IVA e garantindo que os custos inerentes à atividade económica não sejam indevidamente tributados.”
(...)
107. a Requerente não se limitou a adquirir e a deter participações sociais, tendo na D... uma interferência ativa na gestão daquela sua participada. Vejamos,
108. A aquisição, por uma sociedade dominante, da totalidade do capital social de uma participada – isto é, a detenção de 100% das suas participações sociais – levanta uma questão fulcral: a de saber se tal operação, nos moldes em que foi efetivada, contribui para que se possa percecionar a adquirente como sujeito passivo de IVA, com pleno direito à dedução do imposto suportado nas despesas incorridas com essa aquisição.
109. Esta problemática impõe-se sobretudo quando se visa ultrapassar a dicotomia entre a “mera detenção de participações sociais” e o exercício efetivo de uma “atividade económica”, na aceção do artigo 9.º, n.º 1 da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA) e do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA).
110. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem sido clara ao distinguir duas realidades: i) a mera detenção de participações sociais, que se traduz numa aplicação de capital fora do âmbito de incidência do IVA (Polysar, C-60/90; Sofitam, C-333/91), e ii) a gestão ativa dessas participações, que constitui atividade económica, na medida em que implique a prestação de serviços às participadas (Cibo Participations, C-16/00; Floridienne/Berginvest, C-142/99; Portugal Telecom, C-496/11).
111. Ora, o Tribunal não pode deixar de reconhecer que a aquisição da totalidade do capital social de uma empresa (in casu, a participada) confere à sociedade adquirente (dominante) um poder absoluto de controlo, permitindo-lhe intervir de forma estruturante na condução estratégica, operacional e financeira da participada.
112. A partir do momento em que essa participação de 100% no capital social da participada é firmada, o poder de decisão da dominante sobre a participada deixa de ser meramente potencial para se concretizar numa capacidade de interferência efetiva, ainda que exercida por via indireta.
113. Tal circunstancialismo reveste-se de especial importância quando a sociedade dominante passa a dirigir, coordenar e controlar a participada, nomeadamente através da designação dos seus órgãos sociais, da aprovação das suas contas, da determinação da sua política económica ou da prestação de serviços de apoio à gestão (jurídicos, administrativos, financeiros ou informáticos).
114. A este propósito, pode inferir-se da decisão arbitral proferida no Processo n.º 269/2017-T, que o Tribunal reconheceu que, quando a sociedade adquirente passa a deter a totalidade das participações de uma participada e, nessa sequência, intervém ativamente na sua gestão, deve ser qualificada como “holding dominante ativa”, e, por conseguinte, como sujeito passivo de IVA. Intuindo-se também daquela decisão arbitral que a aquisição de participações, ainda que por si só seja um ato passivo, adquire natureza económica sempre que esteja integrada numa estratégia de gestão e exploração ativa do grupo, com prestação efetiva de serviços onerosos à participada.
115. O controlo integral obtido pela sociedade dominante com a aquisição de 100% das participações sociais, não se reduz à titularidade jurídica da totalidade das participações, mas opera uma transformação substancial na sua esfera jurídica e funcional, passando a integrar o núcleo das decisões relevantes da participada.
116. O exercício desse controlo, mesmo que efetivado indiretamente, através da nomeação de gerência; da aprovação de orçamentos e da implementação de políticas de grupo, configura uma atuação típica de operador económico nos termos do artigo 9.º, n.º 1 da Diretiva IVA, em linha com o critério funcional perfilhado pelo TJUE.
117. Neste contexto, o TJUE tem reafirmado que a prestação de serviços às participadas, ainda que apenas consistentes na refaturação de custos com serviços de consultoria ou administração, configura operações sujeitas e não isentas de IVA (cfr. Caso Portugal Telecom, §43-44), permitindo, por conseguinte, o exercício pleno do direito à dedução do imposto suportado a montante, incluindo o IVA incidente sobre despesas com consultoria e assessoria jurídica relativas à aquisição das participações.
118. Não se trata, portanto, in casu, de uma aquisição meramente passiva, nem de uma operação isolada de investimento financeiro, mas de uma clara manifestação de atividade económica, com objetivos empresariais concretos, em que a sociedade dominante atua como operador económico no exercício de funções de gestão e coordenação no âmbito de um grupo de sociedades.
119. Em suma, a aquisição por parte da Requerente de uma participação social de 100% da D..., SA, revela intenção de aquisição do controlo da empresa consistindo só por si uma atividade económica e suscetível de justificar a ilegalidade das liquidações adicionais impugnadas.
120. Ainda que assim se não entenda tais despesas sempre teriam de cair no conceito de despesas gerais.
121. O sistema comum do IVA, tanto a nível comunitário como nacional, impõe o respeito pelo princípio da neutralidade fiscal: as despesas relacionadas com o exercício de uma actividade económica, são, em regra, dedutíveis, desde que se possa perspetivar que têm uma relação direta com a actividade do sujeito passivo. A tal propósito reitera-se aqui tudo quanto acima se enunciou.
122. Assim, fundado o presente Coletivo no artigo 168.º da Diretiva 2006/112/CE e com respaldo na interpretação consolidada do TJUE, é patente que a mera aquisição de participações sociais não configura, por si só, uma actividade económica. Não obstante, nos casos em que a sociedade dominante adquire uma participação social de tal modo relevante que lhe permite o controlo total da participada e se verifica a prestação ativa de serviços de gestão, consultoria e administração à participada, passa a poder perspetivar-se a existência da necessária actividade económica que justifica, em sede de IVA, a desoneração do imposto incorrido na aquisição de inputs ligados, ainda que indiretamente, ao exercício de tal actividade.
123. Os custos incorridos na aquisição de serviços que, mesmo inicialmente vinculados à aquisição de participações, agregam-se, ainda que de forma indireta, à formação do preço de serviços de gestão (efetivos e contínuos), enquadrando-se como despesas gerais essenciais ao funcionamento da actividade económica do sujeito passivo (in casu, a aqui Requerente).
124. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) oferece-nos fundamentos sólidos que, no entendimento do Coletivo, corroboram a dedutibilidade do IVA em situações análogas às que estão em causa na questão sub judicio. Vejamos: i) Acórdão Cibo Participations (Processo C‑16/00): Este caso ilustra que a despesa com serviços relacionados com a gestão de participações sociais integra o custo da actividade económica, justificando a dedução do IVA, ainda que tais serviços estejam inseridos num contexto envolvendo a aquisição de participações sociais; ii) Acórdão Kretztechnik (Processo C‑465/03): Reforça a ideia de que os serviços preparatórios e de apoio à execução de operações que visam a realização de actividade tributada integram as despesas gerais, sendo, assim, dedutíveis; iii) Acórdão Ryanair (C‑249/17): A decisão que recaiu sobre este caso reflete a situação em que, mesmo quando o objetivo projetado não se concretiza, o IVA suportado na preparação de operações económicas – desde que o objetivo fosse prestar serviços de gestão de participações sociais à participada – deve ser integralmente dedutível; iv) Acórdão Sonaecom (Processo C‑42/19): Confirma que sociedades holdings que exercem interferência ativa na gestão das suas participadas podem deduzir o IVA suportado em serviços que, embora relacionados à aquisição de participações, contribuem de forma concreta para a realização de operações sujeitas a IVA.
125. Esta posição interpretativa está ainda sintonizada com o entendimento sobre esta temática que vem sendo firmado pelos tribunais nacionais e cujas decisões têm reiterado a necessidade de, nalguns casos, se reconhecer o carácter económico das actividades desenvolvidas pelas sociedades holdings. Vejamos: i) Acórdão do TCAS de 17.01.2019, Processo n.º 552/17.6BESNT: Este acórdão concluiu que a prestação de serviços de gestão e consultoria, mesmo quando vinculada à aquisição prévia de participações, constitui actividade económica, autorizando a dedução do IVA suportado. No sumário daquele arresto diz-se: “[I.] Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos pela holding às suas filiais.”; ii) Acórdão do STA de 28.04.2021, Processo n.º 02521/07.5BEPRT: Reitera-se o entendimento de que, comprovada a prestação de serviços destinados à administração e gestão das participadas, é possível a dedução do IVA, uma vez que os custos se incorporam ao “output” da actividade económica do sujeito passivo. Naquela decisão sumariza-se como segue: “[I] - De acordo com a jurisprudência do TJUE, vertida no acórdão de 12 de Novembro de 2020 (proc. C-42/19) “O artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, bem como o artigo 17.”, n.ºs 5 1, 2 e 5, da Sexta Diretiva 77/3881CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade holding mista cuja interferência na gestão das suas filiais é reiterada está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado suportado a montante na aquisição de serviços de consultadoria relativos a uma prospeção de mercado com vista à aquisição de participações sociais noutra sociedade, incluindo quando essa aquisição tenha acabado por não se concretizar”; e, finalmente, iii) A decisão Arbitral tirada no Processo 269/2017-T.
126. Este Acórdão reiterou que a atividade de aquisição de participações sociais, per se, não confere direito à dedução do IVA, mas que esse direito deve ser reconhecido quando a aquisição se inscreve numa lógica de prestação de serviços à participada. Foi ainda salientado que, mesmo que os serviços não tenham sido ainda iniciados, a intenção de os prestar, aliada a elementos objetivos e concretos (como contratos, planos de negócio ou correspondência interna), é suficiente para fundar o direito à dedução. A decisão reforça a ideia de que não deve ser negado o exercício do direito à dedução com base numa análise meramente formal ou na ausência de receitas no momento da dedução. E tal como dito acima, podendo inferir-se daquela decisão arbitral o reconhecimento pelo Tribunal de que, quando a sociedade adquirente passa a deter a totalidade das participações de uma participada e, nessa sequência, intervém ativamente na sua gestão, deve ser qualificada como “holding dominante ativa”, e, por conseguinte, como sujeito passivo de IVA. Intuindo-se também daquela decisão arbitral que a aquisição de participações, ainda que por si só seja um ato passivo, adquire natureza económica sempre que esteja integrada numa estratégia de gestão e exploração ativa do grupo, com prestação efetiva de serviços onerosos à participada.
127. Podemos dizer que, embora com as devidas adaptações, porque não estamos perante uma holding, as despesas apresentadas ainda que titulem os inputs ligados à aquisição de participações sociais, estamos a falar no valor de 100% das participações sociais adquiridas à D..., SA, o que lhe permite intervir, ainda que de forma indireta, na gestão do Grupo B..., através da disponibilização de serviços de consultadoria, definição de estratégias de investimento, etc.. (Ver essencialmente pontos “P” e “Q”. do probatório).
128. Com efeito, no mínimo, não podemos deixar de considerar que tais custos foram incorridos e podem bem ser considerados como sendo despesas gerais que concorrem para a realização de operações ativas da Requerente e que são exatamente as prestações de serviços de administração e gestão que aquela vem realizando à sua participada. Neste sentido, de que estamos perante despesas gerais, traga-se aqui à colação a jurisprudência firmada pelo TJUE e acima sobejamente explicitada, referindo-se, por todos, o Acórdão do TJUE tirado no âmbito do Processo n.º C-16/00, Caso CIBO.”
D) Apreciação
A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), que tem como objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas.
Os serviços prestados à Requerente pela G... estavam relacionados com a potencial aquisição da totalidade do capital social da D..., S.L.
A empresa G... efetuou uma due diligence ou consultoria, que tinha como objetivo a aquisição da D..., S.L., a qual se concretizou através de uma joint-venture.
Após a concretização da aquisição da D..., a Requerente passou a ter uma intervenção ativa na gestão da sua participada como consta dos factos dados como provados.
Não existe qualquer prova de que Requerente não repassou para as suas participadas a dedução do IVA que pagou aquando da emissão da fatura à G....
As decisões do TJUE assumem nestes autos um papel relevante na medida em que se tem entendido que, e como corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais dos Estados-Membros quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.
Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência, são unânimes em considerar que o IVA é um imposto de matriz comunitária, cujas normas, harmonizadas no conjunto dos Estados-Membros da União Europeia, constam da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006. É um imposto plurifásico que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir, razão pela qual o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado” (Cfr. Xavier Basto, A Tributação do Consumo e a sua coordenação internacional, Lisboa 1991, p. 41).
O direito à dedução designado como método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs, devendo garantir a neutralidade fiscal, a qual configura a característica nuclear do imposto, constituindo o equivalente, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento, como é afirmado pelo no Acórdão S. Puffer, C-460/07, do TJUE de 23 de abril de 2009.
O direito à dedução é considerado como um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante, como é mencionado nos Acórdãos do TJUE nos Acórdãos Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11; Bonik, C-285/11; e Petroma Transports C-271/12.
O regime de deduções instituído pela Diretiva IVA (DIVA) tem por objetivo desonerar por completo o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA visa garantir, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA.
A regra principal de funcionamento do IVA assenta no mecanismo da dedução do imposto suportado, tendente a evitar que, de forma oculta, se incorpore no preço de bens e serviços, o que originaria o surgimento de efeitos cumulativos, contrários à sua neutralidade que busca e que se apresenta como a uma caraterística principal.
O artigo 168.º da DIVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006), consagra o princípio geral da liquidação e dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo, desde que tais bens e serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas.
A Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro estabelece no artigo 168.º a) que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor o IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.
A análise desta norma permite concluir que a dedução integral e imediata do imposto constitui a regra geral no que diz respeito às despesas do sujeito passivo com bens e serviços utilizados para os fins das suas operações tributadas.
De mencionar, a propósito do princípio da neutralidade do IVA, que “O Tribunal de Justiça recorda frequentemente na sua jurisprudência em matéria de IVA que o direito à dedução (e, por conseguinte, ao reembolso do imposto pago) é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.
No entanto, ainda que, à primeira vista, este direito à dedução deva sempre aplicar-se com o objetivo de atingir uma tributação neutra, há certos limites que se impõem a esse direito. A este respeito, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça exige que exista uma relação direta e imediata entre a aquisição de um bem ou de um serviço e a operação tributada a jusante. Por outras palavras, a aquisição deve, segundo critérios objetivos, destinar-se a servir a atividade económica do sujeito passivo. Em contrapartida, quando são efetuadas aquisições para efeitos de operações isentas ou que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode ser cobrado nenhum imposto a jusante nem pode ser pode ser deduzido nenhum imposto a montante”. Cfr. CURIA Fichas Temáticas - Deduções do Imposto Sobre o Valor Acrescentado”, in https://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2021- 06/tra-doc-pt-div-c-0000-2020-202000844-05_00.pdf.
Considerando os factos dados como provados entende este Tribunal Arbitral que os serviços de e consultoria prestados pela G... à Requerente relativos á aquisição da D..., titulados pela fatura suprarreferida configura o exercício de uma atividade económica subsumível nas regras de incidência do IVA, donde, todos os custos inerentes à aquisição desses serviços não podem deixar de culminar na formação do preço das operações de gestão, pelo que, devem ser considerados como despesas gerais dedutíveis em conformidade com a DIVA, o Código do IVA e os diversos precedentes do TJUE e dos tribunais nacionais acima devidamente explicitados, devendo considerar-se legitimada, sem necessidade de outras considerações, a dedução integral do IVA suportado.
Por todo o exposto e considerando os Acórdãos suprarreferidos se a Requerente adquiriu uma sociedade e passou a estar presente na gestão da sociedade adquirida tem de se considerar que está em causa uma atividade económica.
Como ficou provado a Requerente no âmbito da aquisição e detenção de participações sociais da D... contratou a G... para a prestação de serviços relacionados com a aquisição em Joint Venture. Após a aquisição dessa sociedade passando a ter uma interferência direta na gestão da sociedade participada, através da intervenção na definição de políticas comerciais e na negociação das financeiras com os clientes.
Existindo assim uma relação direta na atividade económica da sociedade participada a Requerente tem o direito à dedução do IVA suportado com as despesas relacionadas a montante objeto destes autos.
Assim, e face ao exposto, deverão os atos tributários de liquidação adicional, objeto da presente ação arbitral ser anulados, decidindo-se pela procedência do pedido arbitral.
5. Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral e em consequência:
a) Anular a liquidação adicional de IVA n.º ... do período 2212T;
b) Condenar a Requerida nas custas do processo.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 67.850,00, indicado pelos Requerentes sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se
Lisboa, 25 junho de 2025
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)
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(Marta Vicente – Adjunta)
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(Ricardo Jorge Rodrigues Pereira – Adjunto)