Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1263/2024-T
Data da decisão: 2025-06-20  IRS  
Valor do pedido: € 2.419.760,86
Tema: Dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta do IRS – Sociedades Transparentes.
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SUMÁRIO: 

A dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS (acórdão do STA de 07.06.2023 – P 01301/21.0BEBRG).

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            Os Árbitros Victor Calvete, Cristina Aragão Seia e Rita Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

 

I. RELATÓRIO

 

1.             A..., titular do número de identificação fiscal ..., e B..., titular do número de identificação fiscal..., ambos residentes na Rua ..., n.º ..., ...-...Lisboa, C..., titular do número de identificação fiscal..., e D..., titular do número de identificação fiscal..., ambos residentes na R. ..., n.º ..., ..., ...-...Lisboa, E..., titular do número de identificação fiscal..., e F..., titular do número de identificação fiscal..., ambos residentes na R. ..., n.º ..., ...-... Lisboa, G..., titular do número de identificação fiscal..., e H..., titular do número de identificação fiscal..., ambos residentes na ..., n.º..., ...-... Lisboa, I..., titular do número de identificação fiscal ..., residente na R. ..., n.º ..., ... ...-... Lisboa, J..., titular do número de identificação fiscal..., e K..., titular do número de identificação fiscal..., ambos residentes na R. ..., n.º..., ...-... Lisboa, L..., titular do número de identificação fiscal ..., residente na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, M..., titular do número de identificação fiscal..., e N..., titular do número de identificação fiscal..., ambos residentes na R. ..., n.º..., ...-... Lisboa, O..., titular do número de identificação fiscal ... e P..., titular do número de identificação fiscal..., residentes na ... n.º ..., ..., ...-... Lisboa, Q..., titular do número de identificação fiscal..., e R..., titular do número de identificação fiscal..., ambos residentes na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, S..., titular do número de identificação fiscal..., e T..., titular do número de identificação fiscal..., ambos residentes na..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, U..., titular do número de identificação fiscal..., residente na R. ..., n.º..., ...-... Lisboa, e V..., titular do número de identificação fiscal..., e W..., titular do número de identificação fiscal ..., ambos residentes na R. ..., n.º..., ...-... Barcarena, (“Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024... (docs. 1 a 13) e das liquidações de juros compensatórios n.º 2024..., n.º 2024..., n.º 2024 ... e n.º 2024..., n.º 2024 ...; n.º 2024...; n. 2024...; n.º 2024..., n.º 2024... (docs. 14 a 21), com as demais consequências legais.

 

2.             É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 2 de Dezembro de 2024 e automaticamente notificado à Requerida.

 

4. Os Requerentes sustentam o pedido no acórdão do STA de 07.06.2023 proferido no processo n.º 01301/21.0BEBRG e em várias decisões do CAAD, designadamente as proferidas nos processos n.ºs 260/2023-T e 221/2024-T, onde foram apreciadas questões idênticas à questão em apreço, a respeito de um investimento feito pela mesma sociedade no ano de 2020, que julgaram totalmente procedentes os pedidos, anulando as liquidações ali contestadas. Juntaram ainda Pareceres, que vão no sentido por eles preconizado, um da autoria dos Professores JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS, e outro do Professor JOSÉ CASALTA NABAIS. Os Requerentes, em síntese, defendem que, nas liquidações em causa, a AT desconsiderou ilegalmente uma dedução à colecta associada ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento (SIFIDE), originariamente gerada na esfera de uma sociedade transparente e imputada aos seus sócios pessoas singulares (os ora Requerentes) e que a utilização dessa dedução na esfera pessoal de cada um fica sujeita aos (baixíssimos) limites previstos para as deduções de natureza pessoal no n.º 7 do artigo 78.º do CIRS. 

 

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 21 de Janeiro de 2025, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

6. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 10 de Fevereiro de 2025, tendo no dia 17 de Fevereiro a Requerida sido notificada para apresentar a sua resposta.

 

7. Em 24 de Março de 2025, a Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação. Não juntou processo administrativo em virtude da inexistência do mesmo. A AT, na sua defesa, sustentou que o benefício fiscal (SIFIDE II), é dedutível à coleta por força da alínea k) do n.º 1 do artigo 78.º do CIRS, mas está sujeito à ordem nele estabelecida e à limitação a que alude o seu n.º 7, consoante o escalão de IRS em que estiver incluído o sujeito passivo. Ou seja, entende existir um tecto global, considerando ainda que a referida alínea k) não faz qualquer distinção sobre a forma de manifestação dos benefícios fiscais elegíveis para dedução à coleta, ou seja, dos benefícios fiscais previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e demais legislação complementar, pelo que, onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir (cfr. artigo 9.º do CC), e, se fosse essa a intenção do legislador, este tê-lo-ia feito em termos precisos, concluindo pela improcedência do pedido.

8. Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, foi proferido despacho arbitral, em 21 de Maio de 2025, a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

 

II. SANEAMENTO

 

9. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º e 3.º da Portaria de Vinculação.

 

10. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

11. Analisada a prova oferecida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Os Requerentes são sócios de uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do CIRC designada por X...– Sociedade de Advogados, S.P., R.L, pessoa coletiva n.º..., conforme se alcança do Anexo G da declaração de Informação Empresarial Simplificada de 2023 – doc. 26;
  2. Por aplicação do referido regime de transparência fiscal e dos estatutos da sociedade, a matéria coletável desta entidade é imputável aos Requerentes, a título de rendimento da Categoria B de IRS,  na percentagem que a cada um cabe, conforme a seguir se refere: A... 3,98%, C... 9,53%, E... 10,00%, G... 9,34%, I... 4,82%, J... 9,89%, L... 7,61%, M... 9,24%, O... 3,86%, Q... 10,40%, S... 10,61%, U... 5,50% e  V... 5,22%
  3.  No exercício de 2023, a sociedade  apurou matéria coletável no valor de € 7.266.044,71, tendo no mesmo exercício feito um investimento relevante em unidades de participação de um fundo de investimento, no montante de € 2.475.126,75, que tem como objeto o financiamento de empresas dedicadas sobretudo à investigação e desenvolvimento, nos termos previstos no artigo 37.º, n.º 1, alínea f), do Código Fiscal do Investimento, que veio a ser deferido pela Agência Nacional de Inovação, conforme documento (doc. 27 e doc. junto pelos Requerentes em 12 de Maio de 2025.
  4. Tal investimento gerou na esfera da sociedade transparente uma dedução à coleta de igual montante, tendo os Requerentes nos respetivos anexos D da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2023 feito a respetiva imputação, conforme documentos 28 a 40 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
  5. Nas respetivas liquidações levadas a efeito em 2024 respeitantes ao exercício de 2023 a AT desconsiderou a dedução à coleta relativa ao SIFIDE (docs 1 a 13), tendo consequentemente apurado juros compensatórios  (docs 14 a 20).
  6. Os Requerentes C... e D..., M... e N..., Q... e R..., S... e T... e V... e W..., optaram por fazer, dentro do prazo legal, o pagamento integral do IRS e dos juros que lhes foi liquidados pela AT.
  7. Já os demais Requerentes optaram por assegurar a suspensão da cobrança dos valores que lhes foram liquidados, oferecendo, para tal, garantias sobre a forma de penhores sobre unidades de participação no âmbito dos processos de execução n.º ...2024..., relativo aos Requerentes A... e B..., n.º ...2024... relativo aos Requerentes E... e F..., n.º ...2024..., relativo aos Requerentes G... e H..., n.º ...2024..., relativo aos Requerentes J... e K..., n.º ...2024..., relativo ao Requerente I..., n.º ...2024..., relativo ao Requerente João Galvão, n.º ...2024..., relativo aos Requerentes O... e P... e n.º ...2024..., relativo ao Requerente U... .
  8. Em 29.11.2024, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral e o pedido de pronúncia arbitral que deram origem ao presente processo.

 

§2 – Factos não provados

 

12. Não há factos não provados com relevância para a decisão

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

13. O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.

 

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1 – Questão de fundo

 

14. Considerando a matéria de facto dada como provada e fazendo o seu enquadramento com o direito aplicável, a questão de fundo a decidir nos presentes autos consiste em saber se, relativamente à dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais SIFIDE II, reguladas pelo artigo 38.º do CFI, em sede de sociedades transparentes, a sua imputação aos sócios, pessoas singulares, fica ou não sujeita aos limites estabelecidos no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS, na redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro vigente em 2020. 

 

Já foram proferidas decisões, no CAAD, em dois processos sobre a mesma questão relativa a investimentos feitos pela mesma sociedade de advogados em anos anteriores, em que procederam os respectivos pedidos arbitrais. Por perfilharmos o mesmo entendimento, acompanhamos de perto o que ali se decidiu.

 

Considerando o benefício fiscal do SIFIDE, importa, no que é relevante para o presente litígio, referir que o artigo 38.º (Âmbito da dedução) do CFI determina que:

 

            1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2025, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que se enquadrem na categoria das micro, pequenas ou médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

(…)

 

Por sua vez, o artigo 90.º (Procedimento e forma de liquidação) do CIRC, para que remete o transcrito n.º 3 do artigo 38.º do CFI, estabelece o seguinte,:

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

(...)

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

(...)

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

 

Já o artigo 78.º (Deduções à coleta) do CIRS, cuja redação vigente em 2020 que ao caso se aplica, era a seguinte:

 

1 - À coleta são efetuadas, nos termos dos artigos subsequentes, as seguintes deduções relativas:

(...)

k) Aos benefícios fiscais.

(...)

7 - A soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 não pode exceder, por agregado familiar, e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas:

a) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável igual ou inferior ao valor do 1.º escalão do n.º 1 artigo 68.º, sem limite;

b) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do 1.º escalão e igual ou inferior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o limite resultante da aplicação da seguinte fórmula:

(euro) 1 000 + [(euro) 2 500 - (euro) 1 000) x [valor do último escalão – Rendimento Coletável]] valor do último escalão - valor do primeiro escalão;

c) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o montante de (euro) 1 000.”

(...)

Como é patente, não está em causa a elegibilidade para o benefício fiscal do SIFIDE II, surgindo as divergências entre Requerentes e Requerida apenas quanto ao facto da aplicabilidade ou não dos limites a que alude o nº. 7 do artigo 78.º do CIRS. Para a Requerida esses limites são de aplicar, enquanto os Requerentes entendem que o limite previsto no n.º 7 do artigo 78.º não é aplicável às deduções imputadas aos sócios de sociedades transparentes por efeito do disposto no artigo 90.º, n.º 5, do CIRC.

 

Como já se decidiu no proc. 221/2024-T acima referido  «o artigo 38.º do CFI estabelece a dedução do benefício fiscal do SIFIDE à coleta de IRC, com remissões para o artigo 90.º do CIRC e, no seu n.º 2, menciona as deduções e, entre elas, constam os benefícios fiscais dedutíveis à coleta de IRC. Ora, não tendo as sociedades transparentes tributação em IRC, por força do artigo 12.º do CIRC, poder-se-á pensar a sua inaplicabilidade às sociedades transparentes. Porém, como já se viu, o n.º 5 do artigo 90.º do CIRC, ao estabelecer que as deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal a que alude artigo 6.º do mesmo diploma, são imputadas aos respetivos sócios ou membros e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no citado artigo 6.º. Parece-nos inequívoco que o legislador transferiu as referidas deduções in totum para o IRS, dado que o n.º 5 do artigo 90.º do CIRC não fixa qualquer limitação à dedução dos benefícios fiscais em sede de IRS. Por outro lado, o SIFIDE não é um benefício fiscal em sede de IRS, sendo determinado no âmbito do IRC, por isso de natureza empresarial e transferido para os sócios das sociedades transparentes por força da imputação do artigo 6.º e do n.º 5 do artigo 90.º do CIRC, como já se viu. Nesta perspetiva fica afastado dos limites de deduções à coleta referidas no n.º 7 do artigo 78.º do CIRS, que são deduções de âmbito pessoal. Aliás, esta  era uma prática que vinha sendo aceite pela AT, conforme circular 8/90 e mais recentemente em Despacho da substituta do Diretor Geral de 2013/12/04, P.º 2013003058 respeitante a CFI e informação vinculativa 15282, processo 2019 001072 respeitante a benefício fiscal da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos. A jurisprudência do CAAD tem vindo maioritariamente a dar razão à perspetiva dos Requerentes, designadamente os Acórdãos proferidos nos processos 93/2022-T e 260/2023-T. O STA, no acórdão de 07-06-2023, processo n.º 1301/21.0BEBRG, decidiu que “…a dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS…”. Entendemos ser de seguir o consagrado no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, que se transcreve: “Nas decisões que proferir o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito”.»

 

Nos termos do referido acórdão do STA que veio firmar jurisprudência a este respeito determinou-se claramente que “A dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria coletável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7 do Código do IRS”.

 

Assim, resulta claramente da jurisprudência do STA e do próprio CAAD que deve ser considerada a dedução do SIFIDE nos termos do disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, no caso de imputação da matéria coletável aos sócios de sociedades sujeitas ao regime de transparência. 

 

Pelo que, no presente litígio deveria a dedução do SIFIDE ter sido efetuada nestes termos, não sendo aplicável o limite de dedução prevista no n.º 7 do artigo 78.º do Código do IRS.

 

§2 – Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios

 

15. Procedendo o pedido e tendo os Requerentes C... e D..., M... e N..., Q... e R..., S... e T... e V... e W... pago o imposto que se veio a revelar indevido, têm estes direito a juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito. O que está de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação dos atos tributários, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago e ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT, artigo 43.º, n.º 1 e no CPPT, artigos 61.º, n.º 5, que serão devidos desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

No caso em apreço, a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à AT por erro de direito praticado, para o qual a Requerente em nada contribuiu.

 

§3 – Quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida

 

16. Os Requerentes A... e B..., E... e F..., G... e H..., J... e K...,  I..., L..., O... e P... e U... prestaram garantias para suspender os processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das respetivas liquidações impugnadas pretendendo ser ressarcidos de todos os gastos suportados, nos termos do artigo 53.º da LGT.

 

O artigo 53.º (Garantia em caso de prestação indevida) da LGT estabelece o seguinte:

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

 

Por sua vez o artigo 171.º do CPPT dispõe que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

 

Ora, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até será o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação subjacente.

 

Porém, do ponto de vista do Tribunal, não estamos em presença de garantia bancária ou equivalente, pois os Requerentes em causa ofereceram como garantias, com vista à suspensão dos respetivos processos executivos, penhores sobre unidades de participação. Como refere A. LIMA GUERREIRO, em anotação ao artigo 53.º na sua "Lei Geral Tributária Anotada", «o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (como o seguro-caução). Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais» - pág. 245. Razão pela qual se considera inaplicável ao caso a legislação enunciada. 

 

Por outro lado, as garantias foram prestadas no âmbito de processos de execução fiscal, pelo que de acordo com o n.º 2 do artigo 103.º da LGT, a apreciação dos atos administrativos praticados nos processos de execução fiscal pelos órgãos da administração tributária, a sua apreciação não cabe a este Tribunal, mas ao Juiz de Execução, termos em que consideramos improcedente o pedido.

 

 

V. DECISÃO

 

17. Termos em que se decide:

 

a) Julgar ilegais as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024 ...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024...; n.º 2024 ... e as liquidações de juros compensatórios n.º 2024..., n.º 2024..., n.º 2024 ... e n.º 2024 ..., n.º 2024...; n.º 2024...; n. 2024...; n.º 2024..., n.º 2024..., anulando-as, com as demais consequências legais;

b) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes os Requerentes C... e D...,  M... e N..., Q... e R..., S... e T... e V... e W..., provando-se o pagamento do imposto indevidamente liquidado;

c)   Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

 

VI. VALOR DO PROCESSO

            

18. Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.419.760,86.

 

 

VII. CUSTAS

 

19. Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 31.212,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Junho de 2025

 

 

Os árbitros,

 

 

 

 

Victor Calvete

(Presidente)

 

 

 

Cristina Aragão Seia 

(Relatora)

 

 

 

Rita Alves Guerra