SUMÁRIO:
I- As garantias bancárias de ordem externa obtidas por um sujeito passivo por força de contratos celebrados com entidades estrangeiras, com vista a assegurar o cumprimento das obrigações daquele sujeito passivo perante estas, estão isentas de Imposto do Selo, ao abrigo do artigo 381º, da Lei nº 2/2020, de 31 de Março, artigo 2º, do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, e artigo 7º, nº 1, alínea w), do Código do Imposto do Selo.
II- Esta isenção de tributação é inaplicável às comissões bancárias cobradas por instituições bancárias pela emissão e manutenção daquelas garantias bancárias.
DECISÃO ARBITRAL
I.RELATÓRIO
1. A..., S.A., sociedade anónima com sede no ..., ...-... ..., Oeiras, com o número único de identificação ... (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo) apresentou em 2024-10-14, pedido de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), e 10º, nº 1, alínea a), e nº 2, todos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração da ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2024... e das liquidações de Imposto do Selo (doravante designado por IS) que incidiram sobre as garantias na ordem externa, prestadas pela Requerente, nos anos de 2022 e 2023, bem como sobre as respectivas comissões.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2024-10-15 e notificado a AT nesse próprio dia.
3. Nos termos e para os efeitos da alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários, que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. As partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugado do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT, na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 2024-12-24, de acordo com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho arbitral de 2024-12-26 veio a AT, em 2025-02-03 apresentar a sua resposta, conjuntamente com o processo administrativo anexo.
7. Por despacho arbitral de 2025-02-21 foi agendada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
8. Na referida reunião realizada em 2025-03-24, além de ter sido ouvida a testemunha arrolada pela Requerente, foi: notificada a Requerida, para no prazo de quinze dias, juntar aos autos as Declarações Mensais de Imposto do Selo (doravante designadas por DMIS), relativas aos anos de 2022 e 2023; notificada cada uma das partes para apresentarem alegações escritas e foi, ainda, designado o dia 24-06-2025, para o efeito de prolação da decisão arbitral.
9. Em 2025-04-04, a Requerida apresentou requerimento para junção aos autos, ao invés das DMIS, de um ficheiro em Excel, contendo informação para os períodos em causa, relacionada com as liquidações de IS efectuadas ao Requerente.
10. Com datas de 2025-04-29 e 2025-05-09, as partes, respectivamente, Requerente e Requerida, apresentaram as suas alegações escritas, onde reiteram e densificam as posições constantes dos seus anteriores articulados.
II.QUESTÃO A DECIDIR
A questão central que é submetida à apreciação e decisão deste tribunal circunscreve-se em saber se a tributação em sede de IS incidente sobre as garantias bancárias prestadas na ordem externa, nos termos da verba 10 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante designada por TGIS), e sobre as comissões bancárias cobradas por instituições bancárias pela prestação e manutenção daquelas garantias, nos termos da verba 17.3.3 da TGIS, deveriam ser isentas face ao disposto no artigo 381º, nº 3, alínea a) da Lei nº 2/2020, de 31 de Março (doravante designada por LOE 2020), no artigo 2º, do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro (até à sua revogação pelo artigo 2º, do Decreto-Lei nº 66-A/2022, de 30 de Setembro, que determinou a cessação de vigência de decretos lei no âmbito da pandemia da doença COVID-19), e, posteriormente, no artigo 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS.
Estão, assim, sob escrutínio as liquidações de IS efectuadas ao abrigo das verbas 10 e 17.3.3, ambas da TGIS.
III.POSIÇÕES DAS PARTES
-Posição da Requerente
A Requerente sustentou a procedência do pedido de pronúncia arbitral com base nos seguintes argumentos, que se sintetizam:
- As garantias bancárias são uma das várias modalidades de garantias gerais das obrigações, e visam salvaguardar a confiança dos operadores económicos nas transacções comerciais, quer nacionais, quer internacionais;
- As garantias bancárias são constituídas ao abrigo do princípio da autonomia privada das partes ínsito no artigo 405º, do Código Civil;
- A garantia bancária é uma garantia autónoma prestada por um banco a pedido de um seu cliente a favor de outrem – beneficiário – de quem o cliente é devedor;
- No plano contratual, as garantias bancárias têm subjacente uma relação tripartida entre (i) o garante (o banco); (ii) o devedor ordenante (a entidade contratualmente obrigada, perante um terceiro, à prestação da garantia, nos termos do contrato base ou principal); e (iii) o credor beneficiário (a entidade que poderá executar a garantia nos termos e condições nela previstos);
- Em caso de incumprimento contratual por parte do ordenante, o beneficiário poderá exigir o cumprimento das obrigações contratuais – e nessa medida, o pagamento dos quantitativos que lhe forem devidos – à primeira solicitação (on first demand) directamente ao banco garante;
- No âmbito do comércio internacional, a prestação de garantias bancárias – por conferirem maior segurança às transacções internacionais, actuando como garantia de boa execução contratual – é bastante frequente, sendo, inclusive, muitas vezes exigida pela contraparte como pressuposto da celebração do contrato;
- Na prática bancária, as garantias e contragarantias no âmbito do comércio internacional são comummente designadas por “garantias na ordem externa”, porquanto são prestadas a favor de um beneficiário estrangeiro;
- À semelhança das demais garantias bancárias, às garantias e contragarantias bancárias na ordem externa subjaz uma relação triangular entre: (i) o credor (o beneficiário da garantia) e o ordenador (devedor obrigado à prestação da garantia), emergente do contrato base celebrado entre ambos; (ii) o ordenador e o banco garante, proveniente do contrato de garantia; e (iii) o banco garante e o beneficiário, também por efeito do contrato de garantia;
- A prestação de uma garantia ou contragarantia bancária na ordem externa permite que, em caso de incumprimento contratual do ordenador e mediante interpelação do banco garante, o beneficiário possa accionar a garantia e obter o respectivo pagamento;
- As garantias bancárias e contragarantias na ordem externa prestadas por bancos portugueses, a pedido da Requerente, a favor dos beneficiários residentes noutras jurisdições, são uma forma de garantir a boa execução dos contratos de empreitada celebrados entre a Requerente e os beneficiários;
- No contexto da resposta ao impacto da pandemia COVID-19 sobre a actividade das empresas portuguesas, com a aprovação do Orçamento do Estado rectificativo para 2020 e com vista à criação de incentivos à internacionalização e exportação daquelas empresas, a Assembleia da República concedeu ao Governo autorização legislativa para criar isenções de IS, nos termos do artigo 381º, nº 3, alínea a), da LOE 2020: “[S]obre os prémios e comissões relativos a apólices de créditos à exportação, com ou sem garantia do Estado, com possível inclusão de outras formas de garantias de financiamento à exportação”;
- Por esta via, o legislador teve em vista fomentar a retoma da economia nacional por via das operações com o estrangeiro que permitissem importar capitais provenientes do exterior, através da exportação de bens e serviços, desonerando a carga fiscal que impenderia sobre as entidades exportadoras;
- Em execução de tal autorização legislativa, o Governo procedeu à regulamentação de tal incentivo, através do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro;
- A isenção de IS foi então expressamente consagrada no artigo 2º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro:” Beneficiam de isenção de imposto do selo, relativamente aos factos tributários ocorridos até 31 de Dezembro de 2022, os seguintes contratos: […] As garantias das obrigações, sob a forma de garantias bancárias na ordem externa ou de seguros de caução na ordem externa, desde que, em qualquer dos casos o imposto constitua encargo do exportador e o mesmo esteja a actuar no âmbito da sua actividade de exportação”;
- Mais tarde, por ocasião do Orçamento do Estado para 2022, aprovado pela Lei nº 12/2022, de 27 de Junho (doravante designada por LOE 2022), esta isenção veio a ser incorporada no artigo 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS;
- A aplicação da isenção de IS tem como pressupostos: (i) a prestação e manutenção de uma garantia bancária na ordem externa; (ii) o imposto ser suportado pelo exportador; e (iii)no âmbito de uma operação de exportação;
- Quanto ao requisito (i), a prova documental junta aos presentes autos demonstra inequivocamente que as garantias prestas pela Requerente assumem a natureza de garantias bancárias na ordem externa;
- Relativamente ao requisito (ii), em virtude do artigo 3º, nº 3, alínea e) do Código do IS, o encargo do imposto foi integralmente suportado pela Requerente;
- No que respeita ao requisito (iii), as operações realizadas pela Requerente – em concreto, a prestação de serviços de construção civil em Angola, Argélia, Cabo Verde, Venezuela e Kuwait tituladas por contratos de empreitada celebrados com contrapartes sediadas ou domiciliadas naqueles territórios consubstanciam efectivas exportações;
- Adicionalmente, também as comissões cobradas pelos bancos garantes pelos serviços prestados no âmbito da emissão das referidas garantias bancárias na ordem externa estão isentas de tributação em sede de IS, nos termos destes preceitos legais;
- O Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro – e, posteriormente o artigo 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS – visou concretizar uma autorização legislativa concedida ao Governo pela Assembleia da República, através do artigo 381º, nº 3, alínea a), da LOE 2020;
- As leis e decretos-lei têm igual valor, com excepção dos decretos-leis autorizados e os decretos-leis que densifiquem leis de bases, os quais têm de se conformar com as respectivas leis de autorização legislativa e leis de bases, por conseguinte, hierarquicamente inferiores a estas;
- Ou seja, as leis de autorização legislativa, enquanto pressupostos normativos de outras leis (os respectivos decretos-lei autorizados), são leis de valor reforçado;
- As leis de valor reforçado, precisamente por serem leis hierarquicamente superiores e, bem assim, não terem igual valor, devem ser respeitadas pelas demais leis, sob pena de inconstitucionalidade;
- É neste contexto que o Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, enquanto decreto-lei autorizado – e, bem assim, o artigo 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS – tem de ser interpretado e concretizado à luz da respectiva autorização legislativa – o artigo 381º, nº 3, alínea a), da LOE 2020;
- O objectivo do artigo 381º, nº 3, alínea a), da LOE 2020, foi, claramente, isentar de IS os prémios de seguro, outras formas de garantia e respectivas comissões, desde que relacionados com operações de exportação;
- No caso das garantias, o análogo ou equivalente aos prémios de seguro são as comissões por garantias prestadas;
- Com efeito, para os prémios de seguro, também eventuais comissões conexas com as garantias beneficiam da isenção de IS, inexistindo fundamento para que sejam objecto de tratamento diferenciado nesta matéria;
- O objectivo do legislador, ao consagrar a isenção de tributação de operações de exportação em sede de IS nestas termos, resulta evidente: eventuais contraprestações – e.g., comissões – cobradas pela seguradora no âmbito de “apólices de seguro”, para além do prémio de seguro, também estão isentas de IS;
- Tendo presente a relação hierárquica entre lei de autorização e decreto-lei autorizado, a coerência sistemática e a teleologia subjacente à consagração do regime de isenção de IS das operações de exportações de bens e serviços e o regime referente às “apólices de seguro”, constata-se que o legislador pretendeu isentar de tributação não só a constituição de seguros ou garantias (e, por maioria de razão, contragarantias), mas também os encargos suportados a título de comissões, no contexto de tais operações;
- Apenas este resultado interpretativo assegura a plena coerência sistemática e teleológica do regime consagrado do artigo 2º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, e, posteriormente, no artigo 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS;
- Da interpretação dos artigos 2º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, e 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS, conforme artigo 381º, nº 3, alínea a), da LOE 2020, sempre resulta aplicação da isenção de IS (também) das comissões cobradas pelos bancos garantes à Requerente pela prestação de serviços relacionados com a emissão das garantias e contragarantias bancárias na ordem externa;
- Estando as garantias e contragarantias bancárias na ordem externa, bem como as comissões que lhe estão associadas, abrangidas pela isenção de IS prevista no artigo 2º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, e, posteriormente, no artigo 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS, e verificando-se os respectivos pressupostos de aplicação, conclui-se serem as liquidações de IS controvertidas nos presentes autos ilegais e anuláveis, nos termos do artigo 163º, do CPA; e
- Na medida da procedência do presente pedido de pronúncia arbitral, para além do direito ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, a Requerente terá ainda direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da Requerida, nos termos do artigo 43º, nº 1, da LGT.
-Posição da Requerida
A Requerida sustentou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral com base nos seguintes argumentos que, em breve nota, se sintetizam e que se mencionam, maioritariamente, por transcrição:
- Em momento algum, a Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral;
- É à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo;
- Face à factualidade e documentação aportada aos presentes autos, não se suscitam dúvidas que as garantias e contragarantias bancárias prestadas pelos bancos portugueses, a pedido e por ordem da Requerente, entidade obrigada à sua apresentação e devedora da obrigação garantida, em favor de beneficiários residentes noutras jurisdições, como forma de garantir a boa execução dos contratos de empreitada, celebrados entre a Requerente e os beneficiários sob apreço, bem como as comissões cobradas pela sua prestação, estavam sujeitas a IS, nos termos das verbas 10 e 17.3.3, da TGIS, respectivamente;
- No Orçamento de Estado para 2020, com vista à criação de incentivos à internacionalização e exportação das empresas portuguesas, a Assembleia da República concedeu ao Governo uma autorização legislativa no sentido de criar isenções em sede de IS, nos termos do artigo 381º, da LOE 2020, nos seguintes termos: “1- O Governo compromete-se, no decurso do ano 2020, a estudar novos modelos de incentivos à internacionalização das empresas portuguesas. 2-Para efeitos do número anterior, fica o Governo autorizado a criar novos benefícios fiscais que constituam um incentivo à exportação por parte das empresas portuguesas. 3. O sentido da extensão da autorização legislativa prevista no nº anterior consiste em: a) Permitir a criação de isenções de imposto do selo sobre os prémios e comissões relativos a apólices de seguros de créditos à exportação, com ou sem garantia do Estado, com possível inclusão de outras formas de garantias de financiamento à exportação”;
- Em concretização da autorização legislativa concedida pelo referido artigo 381º, da LOE 2020, o Governo procedeu à criação de um novo incentivo fiscal com vista à internacionalização das empresas portuguesas nos seguintes termos:
“1-Beneficiam de isenção de imposto do selo, relativamente aos factos tributários ocorridos até 31 de dezembro de 2022, os seguintes contratos:
(…)
b) As garantias das obrigações sob a forma de garantias bancárias na ordem externa de seguros caução na ordem externa, desde que, em qualquer dos casos o imposto constitua encargo do exportados e o mesmo esteja a atuar no âmbito da sua atividade de exportação.”;
- Esta medida – desenhada em pleno contexto da pandemia Covid 19 e projectada para ter uma duração limitada, dado que estava prevista vigorar entre 1 de Janeiro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022 – dirigida às empresas exportadoras portuguesas, teve em vista fomentar a retoma da economia nacional, por via de operações com o estrangeiro que permitissem importar capitais provenientes do exterior, através da exportação de bens e serviços, desonerando de IS as entidades exportadoras quando estas, para exportar, estivessem obrigadas a prestar como contrapartida do negócio celebrado apólices de seguros de crédito à exportação, apólices de seguros caução ou garantias bancárias na ordem externa;
- Por ocasião do Orçamento do Estado para 2022, aprovado pela LOE 2022, a isenção passaria a ter um estatuto estrutural e permanente, sendo incorporada, ipsis verbis, pelo legislador na alínea w) do nº 1 do artigo 7º do Código do IS;
- A aplicação da referida isenção de IS tem como pressupostos cumulativos: i) a prestação de uma garantia das obrigações (o que remete para o contexto da verba 10, da TGIS, acima mencionada), sob a forma de garantia bancária na ordem externa (o que exclui as comissões cobradas pela sua prestação, conforme resulta da literalidade da norma), ii) que os encargos do imposto sejam suportados pelo exportador, e iii) actuando no âmbito de uma operação de exportação;
- Apesar dos exemplos das garantias trazidas aos presentes autos aparentarem ser garantias bancárias na ordem externa, inexiste correspondência directa e inequívoca entre as liquidações de IS impugnadas, alegadamente realizadas nos termos da verba 10, da TGIS, e as referidas garantias;
- Não é possível aferir que todo o IS peticionado pela Requerente diga respeito única e exclusivamente, a liquidações efectivadas, nos termos da verba 10, da TGIS, sobre garantias bancárias prestadas na ordem externa, e não sobre quaisquer outras garantias, nomeadamente na ordem interna, prestadas por bancos durante aqueles períodos de imposto;
- Não há nos autos faturas, extractos ou outros documentos bancários, que permitam comprovar de forma segura terem existido liquidações de IS, realizadas pelo Novo Banco, S.A. e pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos da verba 10, da TGIS, sobre as alegadas garantias bancárias na ordem externa;
- Os quadros-síntese, detalhando a correspondência entre cada operação, respectivo contrato de empreitada, garantia, contragarantia, beneficiário, configuram um mero documento interno da Requerente sem o valor probatório de uma fatura e/ou extracto ou outros documentos bancários emitidos pelos bancos garantes com a indicação do IS liquidado, nos termos da verba 10, da TGIS, e dos números das garantias sobre as quais a tributação ocorreu;
- A Requerente não logrou apresentar elementos de prova que corroborassem as alegações vertidas no seu pedido de pronúncia, ónus que sobre si impendia, ao abrigo do nº 1 do artigo 74º da LGT, pelo que tal facto necessariamente terá de ser valorado contra si, em obediência aliás ao artigo 414º do CPC;
- Perante uma situação de dissonância entre a prova apresentada nos autos e os factos que sustentam a causa de pedir e o pedido, devendo, em consequência, e de acordo com as regras da repartição do ónus da prova, essa circunstância ser processualmente valorada pelo tribunal arbitral contra a Requerente que é quem legalmente tem essa obrigação;
- Não compete à Requerida tecer considerandos acerca de alegadas inconstitucionalidades de normas jurídicas;
- Não obstante, a haver uma alegada inconstitucionalidade, por violação da lei autorizada face à lei de autorização legislativa, a mesma só poderá atingir a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, única forma que teve como base a alínea a) do nº 3 do artigo 381º da LOE 2020;
- Contudo, inexiste aqui qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade que se possa apontar às normas de isenção que a Requerente entende serem, igualmente, aplicáveis às comissões cobradas pela prestação de garantias bancárias na ordem externa;
- Só se poderia eventualmente falar de uma “inconstitucionalidade” ou “ilegalidade” se a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, ultrapassasse os limites impostos pela lei de autorização legislativa, a que estava subordinada, o que, comprovadamente e objectivamente, não aconteceu;
- A lei de autorização legislativa prevista na alínea a) do nº 3 do artigo 381º da LOE 2020, fazia referência a “comissões”, mas conforme resulta claro da letra da lei, o ponto de partida e limite do qual o interprete não se pode afastar, as “comissões” nela referidas respeitam exclusivamente às “… comissões relativa [a]s a apólices de seguros de créditos à exportação” e não a quaisquer outras;
- As comissões análogas nos seguros às comissões bancárias não são os prémios de seguros, mas sim as designadas “comissões de mediação”, sendo que era a estas comissões em concreto que, numa interpretação sistemática e teleológica, o legislador na lei de autorização legislativa se estava a referir, conforme decorre evidente do teor da norma;
- Pese embora a autorização concedida abrisse também a possibilidade de isentar as “comissões relativa [a]s a apólices de seguros de créditos à exportação”, a verdade é que, no uso dessa autorização legislativa, através da publicação do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, o legislador, no âmbito da sua liberdade conformadora, optou igualmente por as deixar de fora da isenção;
- Não é de aceitar, por falta de apoio na letra e no espírito da lei, bem como de aderência à realidade e à substância de cada operação económica em concreto, o paralelo feito pela Requerente entre as comissões cobradas pela prestação das garantias na ordem externa e os prémios cobrados pelas apólices de seguros de crédito à exportação;
- É matéria assente na nossa doutrina e jurisprudência que consagram benefícios fiscais, na medida em que constituem uma derrogação aos principais princípios jurídico-tributários, possuem uma natureza excepcional e anti-sistemática, devendo, por esse motivo ser interpretadas de forma declarativa ou estrita;
- Não se verifica, no caso das comissões cobrados pelos bancos pela emissão de garantias na ordem externa, o preenchimento dos pressupostos previstos em nenhuma das duas normas de isenção, sob apreço, o que impede o direito ao seu reconhecimento;
- Não é constitucionalmente nem legalmente admitido ao intérprete (ou à Requerida) integrar uma “aparente” lacuna numa norma tributária de isenção, como pretende a Requerente;
- Não há igualmente de proceder à interpretação extensiva das referidas normas de isenção, de forma a abranger as comissões cobradas pelos bancos garantes à Requerente pela prestação de serviços relacionados com a emissão das garantias e contragarantias bancárias na ordem externa, pois o legislador manteve sempre a mesma coerência sistemática sobre esta matéria, nunca dando sinais evidentes que tenha estado no seu espírito abranger pela isenção tais comissões bancárias;
- O IS liquidado em 2022 e 2023, nos termos da verba 17.3.3 da TGIS, sobre as comissões cobradas pelos bancos garantes à Requerente pela prestação de serviços relacionados com a emissão das alegadas garantias e contragarantias bancárias na ordem externa, no valor de € 70.587,98, é legal, na medida em que tais comissões não podem aproveitar das isenções estabelecidas na alínea b) do nº 1 do artigo 2º, do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, e, posteriormente na alínea w) do nº 1 do artigo 7º do Código do IS;
- Não se verificando nos presente autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecida à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no artigo 43º, da LGT.
IV. SANEAMENTO
a. O Tribunal Arbitral Colectivo foi regularmente constituído, e é competente em razão da matéria, face ao disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a), artigo 5º, nº 3, alínea a), e no artigo 6º, nº 2, alínea a), e nº 3, todos do RJAT;
b. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado dentro do prazo de noventa dias, previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT;
c. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, e estão regularmente representadas, em consonância com o disposto nos artigos 4º e 10º, nº 2, ambos do RJAT;
d. O processo não enferma de nulidades;
e. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se;
f. Inexiste qualquer obstáculo à apreciação da causa.
V.FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provadas
a. A Requerente é uma sociedade comercial anónima, com sede efectiva em Portugal, que integra o Grupo B...;
b. A Requerente exerce, a título principal, actividade no sector da construção civil, nomeadamente na geotecnia e fundações, edificações, infra-estruturas, metalomecânica, obras subterrâneas, obras ferroviárias e obras marítimas actuando sob o Código de Actividade Empresarial 42990 “Construção de outras obras de engenharia civil, N.E”;
c. O objecto social da Requerente compreende “A actividade de construção civil e da construção de obras públicas e particulares, em todos os seus domínios e actividades conexas, ex escutando todo o tipo de edifícios e infraestruturas, incluindo trabalhos, estudos e projectos em quaisquer dessa áreas e outras específicas, nomeadamente de geotecnia, das fundações, da reabilitação, da metalomecânica, das obras subterrâneas, ferroviárias e marítimas”, bem como “a prestação de serviços de assistência, manutenção, reparação, operação, gestão e exploração dessas estruturas e de equipamentos nelas integrados, tais como infraestruturas rodoviárias, ferroviárias, portuárias e marítimas, aeroportuárias, mineiras, de produção e distribuição de energias captação, tratamento e distribuição de água”;
d. Ao longo dos anos de 2022 e 2023, a Requerente executou serviços de construção civil no âmbito de contratos de obras públicas celebrados com entidades públicas e privadas angolanas, argelinas, cabo-verdianas, venezuelanas e kuwaitianas;
e. No âmbito de serviços de construção civil prestados no estrangeiro, a Requerente é frequentemente obrigada, legal ou contratualmente, a apresentar garantias e contragarantias do bom e integral cumprimento das responsabilidades por si assumidas perante as suas contrapartes localizadas em Angola, Argélia, Cabo Verde e Kuwait;
f. A Requerente recorreu a bancos nacionais – Novo Banco, S.A., Caixa Geral de Depósitos, S.A., Banco Comercial Português, S.A., e Banco BPI, S.A. – para a constituição e emissão de garantias e contragarantias bancárias na ordem externa a favor das suas contrapartes, no âmbito dos contratos de obras públicas mencionados em d.;
g. As garantias bancárias na ordem externa prestadas pela Requerente, ainda que anteriores aos anos de 2022 e 2023, foram objecto de prorrogação ou renovação nesses anos, estando em vigor durante os anos de 2022 e 2023;
h. Sobre tais garantias e contragarantias bancárias na ordem externa obtidas pela Requerente, os bancos garantes liquidaram e cobraram IS à Requerente, ao abrigo da verba 10, da TGIS, no montante total de 82.383,27 €;
i. Nos anos de 2022 e 2023, os bancos garantes cobraram à Requerente comissões pela constituição (referentes a garantias concedidas nestes anos) e manutenção (por referência a garantias concedidas em anos anteriores) de garantias bancárias na ordem externa, sobre as quais liquidaram IS à taxa de 3%, nos termos da verba 17.3.3, da TGIS, no montante de 70.587,98 €;
j. Nos anos de 2022 e 2023, os bancos garantes, mediante a entrega das correspondentes DMIS, entregaram ao erário público o IS previamente liquidado e cobrado à Requerente;
k. Em 14 de Fevereiro de 2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa com vista à anulação das liquidações de IS que incidiram sobre as garantias bancárias na ordem externa prestadas pela Requerente em 2022 e 2023 e respectivas comissões, emitidas e/ou cobradas pelo Novo Banco, S.A, pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., pelo Banco Comercial Português, S.A., e pelo Banco BPI, S.A.;
l. Em 13 de Maio de 2024, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pela Requerida;
m. Em 27 de Maio de 2024, a Requerente exerceu o seu direito de audição, tendo, nessa sede, procedido à junção dos elementos de prova que suportam a sua pretensão perante a Requerida;
n. Em 15 de Julho de 2024, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento por parte da Requerida da reclamação graciosa nº ...2024..., deduzida contra as liquidações de IS que incidiram sobre as garantias na ordem externa prestadas pela Requerente em 2022 e 2023 e respectivas comissões, reflectidas nas DMIS entregues junto da Requerida, pelo Novo Banco, S.A, pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., pelo Banco Comercial Português, S.A., e pelo Banco BPI, S.A.;
o. Para fundamentar tal decisão, a Requerida considerou não serem os elementos de prova carreados para o procedimento tributário pela Requerente suficientes para demonstrar que os factos tributários – i.e., a prestação de garantias bancárias na ordem externa e respectivas comissões – estavam cobertos pela isenção de IS prevista nos artigos 2º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, e 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS;
p. Com data de 2024-10-14 a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que tenham sido considerados não provados
A.3. Fundamentação da matéria de facto dada com provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada (cfr., artigo 123º, nº 2, do CPPT, e artigo 607º, nº 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito para o objecto do litígio (cfr., artigo 596º, do CPC, aplicável ex vi, artigo 29º, alínea e), do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame de avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo, de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr., artigo 607º, nº 3, do CPC, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 43/2013, de 26 de Junho).
Somente quando a força probatória de certos meios de prova de encontra pré-estabelecido por lei (v.g., a força probatória dos documentos autênticos - cfr., artigo 371º, nº 3, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
No caso concreto a convicção do tribunal teve em consideração o extenso acervo documental junto pela Requerente quer aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, quer em sede de alegações, que permite cumprir, de forma bastante, o ónus de prova que incidia sobre esta e efectuar a ligação entre (i) os contratos de empreitada celebrados com entidades estrangeiras, públicas e privadas, (ii) as garantias e contragarantias bancárias que visavam assegurar, perante aquelas entidades, que a Requerente iria cumprir com as responsabilidades assumidas ao abrigo daqueles contratos e (iii) as consequentes liquidações de IS resultantes da verba 10, da TGIS, e a entrega deste imposto ao Estado.
Em reforço da prova documental, a testemunha C..., depôs de forma circunstanciada, tendo o tribunal ficado convencido da sua veracidade e fidedignidade, com a consequente demonstração da materialidade das operações em causa.
Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova, e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.
VI. DO DIREITO
Na prossecução do seu objecto social, e em particular no âmbito de serviços de construção civil, efectuados no estrangeiro, a Requerente, à semelhança do que, por regra, se verifica no comércio internacional, é obrigada a, frequentemente, prestar a favor das suas contrapartes (entidades públicas ou privadas a quem presta serviços de construção civil, de diversa natureza) garantias do bom e integral cumprimento das responsabilidades assumidas perante aquelas entidades.
Para a constituição e emissão das referidas garantias na ordem externa, a Requerente recorre a bancos nacionais, sem prejuízo de, em determinadas situações, por imposição legal ou contratual, as garantias terem de ser prestadas por um banco do país onde é executado o contrato de empreitada e cobertas por contragarantias bancárias emitidas por bancos portugueses.
Nestas circunstâncias, o banco português emite uma segunda garantia bancária – a contragarantia – a favor do banco estrangeiro, com o objectivo de garantir a garantia por este prestada a favor da contraparte da Requerente nas operações de exportação.
Durante os anos de 2022 e 2023, e como melhor consta do probatório, a Requerente recorreu a bancos nacionais – Novo Banco, S.A., Caixa Geral de Depósitos, S.A., Banco Comercial, S.A., e Banco BPI, S.A. – com vista a “caucionarem” o bom e integral cumprimento das obrigações assumidas pela Requerente, ao abrigo dos diversos contratos de empreitada de obras celebrados com entidade publicas e privadas angolanas, argelinas, cabo-verdianas, venezuelanas e kuwaitianas.
Sobre as garantias e contragarantias de que vimos dando conta, com referência aos anos de 2022 e 2023, os bancos garantes liquidaram e cobraram IS à Requerente, no montante de 82.383,27 €, em conformidade com a verba 10, da TGIS, cuja redacção era, ao tempo, a seguinte:
“10- Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente – sobre o respectivo valor, em função do prazo, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo de contrato (…)”.
Em igual período (anos de 2022 e 2023), os bancos garantes cobraram à Requerente comissões pela constituição e manutenção das garantias na ordem externas por si prestadas, tendo sobre estas liquidado e cobrado IS, no montante de 70.587,98 €, nos termos da verba 17.3.3, da TGIS.
Isto posto,
No contexto da resposta ao impacto negativo da pandemia COVID 19, junto da actividade económica do país, e com o objectivo de criação de incentivos à internacionalização e exportações das empresas, veio a Assembleia da República a conceder uma autorização legislativa ao Governo para criar isenções de IS nos moldes previstos no artigo 381º, nº 3, alínea a), da LOE 2020:
Artigo 381º
Autorização legislativa para incentivos à internacionalização
“1-O Governo compromete-se, no decurso do ano de 2020, a estudar novos modelos de internalização das empresas portuguesas.
2-Para efeitos do número anterior, fica o Governo autorizado a criar novos benefícios fiscais que constituam um incentivo à exportação por parte das empresas portuguesas.
3-O sentido e a extensão da autorização legislativa previsto no número anterior consistem em:
a) Permitir a criação de isenções de imposto do selo sobre os prémios e comissões relativos a apólices de seguros de crédito à exportação, com ou sem garantia do Estado, com possível inclusão de outras formas de garantias de financiamento à exportação (…)”.
Resultante da autorização da sinalizada autorização legislativa, veio o Governo, através do Decreto-Lei 109/2020, de 31 de Dezembro, proceder à regulamentação e concretização daquela isenção de IS, com igual escopo, o que desde logo ressalta do seu preâmbulo e do seu subsequente artigo 2º:
“O presente decreto lei procede assim, à criação de um novo incentivo fiscal à internacionalização das empresas portuguesas, em concretização da autorização legislativa a concedida ao Governo pelo artigo 381º da Lei nº 2/2020, de 31 de março, na sua redação atual, que aprova a Lei do Orçamento do Estado para 2020.”
(…)
Artigo 2º
Isenção de imposto do selo
“1. Beneficiam de isenção de imposto do selo, relativamente aos factos tributários ocorridos até 31 de dezembro de 2022, os seguintes contratos;
(…)
b) As garantias das obrigações, sob s forma de garantias bancárias na ordem externa ou de seguros caução na ordem externa, desde que, em qualquer dos casos, o imposto constitua encargo do exportador a atuar no âmbito da sua atividade de exportação”
Em momento posterior, no âmbito da LOE 2022, a isenção aqui em causa foi incorporada no artigo 7º, nº 1, alínea w), do Código do IS (sendo, mais tarde, o Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, revogado pelo artigo 2º, do Decreto-Lei nº 66-A/2022, de 30 de Setembro):
Artigo 7º
Outras isenções do imposto
“1. São também isentos do imposto:
(…)
“w) As garantias das obrigações, sob a forma de garantias bancárias na ordem externa ou de seguros de caução na ordem externa, desde que, em qualquer dos casos, o imposto constitua encargo do exportador e o mesmo esteja a atuar no âmbito da sua atividade de exportação”.
Convocado o quadro normativo pertinente, vejamos, mais em detalhe, a situação factual subjacente, tendo presente que estamos perante liquidações de IS diferentes: (i) a tributação de garantias e contragarantias na ordem externa, em que as entidades bancárias liquidaram e cobraram IS à Requerente, ao abrigo da verba 10, da TGIS, no valor de 82.383,27 €, e (ii) a tributação de comissões cobradas pelas instituições bancárias pela emissão e manutenção das garantias bancárias na ordem externa, em que as entidades bancárias liquidaram e cobraram IS à Requerente, ao abrigo da verba 17.3.3, da TGIS, no valor de 70.587,98 €.
Conforme supra referido, a Requerente, em resultado da celebração de contratos de empreitada com entidades públicas e privadas estrangeiras, necessitou de obter (e obteve) garantias bancárias, cuja finalidade visou assegurar, perante aquelas, a sua responsabilidade assumida nos contratos celebrados, nomeadamente os referidos no pedido de pronúncia arbitral (cfr. artigos 13º e seguintes).
A associação entre a celebração de tais contratos e a obtenção das garantias bancárias específicas emitidas pelas instituições financeiras decorre, com meridiana clareza dos documentos juntos aos autos (em número significativo) pela Requerente, quer aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, quer em sede de alegações (dando-se aqui particular destaque aos descritivos constantes das próprias garantias bancárias prestadas, das quais resulta a associação atrás referida) e, também do depoimento prestado pela testemunha arrolada por aquela.
Nesse sentido, é possível fazer-se a articulação entre (i) os contratos de empreitadas que suportam a necessidade de obter garantias bancárias, (ii) a própria emissão de garantias bancárias, e (iii) os documentos que atestam a liquidação de IS e entrega do mesmo ao Estado.
Em função desta articulação e tendo em conta o disposto no artigo 381º, da LOE 2020, o artigo 2º do Decreto-Lei nº 109/2020, de 31 de Dezembro, e o artigo 7º, nº 1, alínea w) do Código do IS, conclui-se que a liquidação de IS incidente sobre as garantias bancárias contratadas pela Requerente em prol de terceiros, para efeitos de garantir o cumprimento das obrigações por si assumidas nos contratos de empreitada de obras públicas celebrados com contrapartes estrangeiras, é ilegal e deverá ser anulada.
Como tal, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos actos impugnados neste processo de liquidação de IS, realizados ao abrigo da verba 10, da TGIS, incidentes sobre essas garantias bancárias de ordem externa contratadas pela Requerente.
Por conseguinte, deve o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente ser, nesta parte, julgado procedente e, como tal, devem aqueles actos de liquidação ser anulados, bem como, nesta parte, deverá ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, impondo-se o consequente reembolso à Requerente do montante de imposto indevidamente pago, em conformidade com o disposto no artigo 24º, nº 1, do RJAT.
Já no que concerne à liquidação de IS incidente sobre as comissões bancárias cobradas sobre aquelas garantias bancárias prestadas pela Requerente, ainda que se compreenda o raciocínio prosseguido por esta para justificar a extensão da isenção prevista nas normas anteriormente mencionadas a tais comissões, a verdade é que não decorre expressamente da letra da lei daquelas normas (nem da norma que consagra a autorização legislativa que está na génese deste benefício fiscal) que aquelas comissões bancárias também possam fruir deste benefício fiscal.
Em função disto e tendo em consideração os princípios de hermenêutica jurídica que o intérprete e aplicador da lei está obrigado a seguir (particularmente restritos quando se tratam de normas que comportam benefícios fiscais), não é possível dar razão à Requerente neste segmento e concluir, igualmente, que a liquidação de IS, efectuada pelos bancos garantes, incidente sobre as comissões bancárias cobradas por estes em resultado das garantias bancárias prestadas à Requerente, padeça de qualquer ilegalidade.
Donde, tem necessariamente de improceder, a arguição efectuada pela Requerente de que as liquidações impugnadas de IS incidentes sobre as comissões bancárias, cobradas à Requerente, ao abrigo da verba 17.3.3, da TGIS, sejam ilegais.
Nesse sentido, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente terá, nesta parte, de improceder, mantendo-se aqueles actos de liquidação de IS e, por conseguinte, improcedem também, nesta parte, os pedidos de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e de reembolso do imposto pago pela Requerente.
VII. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º, da LGT, aplicável ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:
Artigo 100º
Efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo
A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial, ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena restituição t legalidade do acto ou situação objecto do litigio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatório, se for caso disso, a partir do termo do prazo de execução da decisão”.
Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT, utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD, não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação judicial que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que proclama, como primeira directriz que “o processo arbitral deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O nº 5 do artigo 24º do RJAT, ao afirmar que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código do Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo tributário.
Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando coloca-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.
Em face desta decisão e em face dos pedidos formulados pela Requerente, há que restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada, em conformidade com os artigos do RJAT e da LGT acima mencionados.
Esse restabelecimento da situação que existiria caso a ilegalidade não tivesse sido praticada implica, nos presentes autos, a condenação da Requerida em reembolsar a Requerente do montante de imposto indevidamente liquidado e pago, sendo que o valor exacto desse reembolso dependerá de actos materiais de execução desta decisão arbitral anulatória a praticar pela Requerida, bem como o pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos.
O direito a tais juros encontra-se regulado no artigo 43º, nº 1, da LGT, que, ao que importa, estabelece que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Ora, resultando provado que os actos de liquidação contestados, na parte correspondente ao IS que, ao abrigo da verba 10, da TGIS, foi liquidado sobre as garantias bancárias de ordem externa obtidas pela Requerente, enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de Facto e de Direito, e considerando-se que tal erro é imputável aos serviços, é devido pela Requerida o pagamento de juros indemnizatórios, contados sobre o valor do imposto indevidamente pago, calculados à taxa legal supletiva, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito, nos termos conjugados dos artigos 43º, nº 1, e 100º, ambos da LGT, artigo 61º, do CPPT, e artigo 24º, nº 5, do RJAT.
VIII. DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral Colectivo:
i. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, declarar a ilegalidade dos actos de liquidação de IS, referentes aos anos de 2022 e 2023, no montante total de 82.383,27 €, que, ao abrigo da verba 10 da TGIS, incidiram sobre as garantias e contragarantias de ordem externa obtidas pela Requerente, e bem assim da ilegalidade, nesta parte, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
ii. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente na parte relativa ao IS liquidado, ao abrigo da verba 17.3.3 da TGIS, nos anos de 2022 e 2023, no montante total de 70.587,98 €, que incidiu sobre as comissões bancárias cobradas pelas instituições financeiras alusivas à constituição e manutenção de garantias bancárias, absolvendo-se a Requerida, nesta parte do pedido;
iii. Julgar procedente o pedido da Requerente de reembolso do IS indevidamente liquidado e pago, incidente sobre as garantias e contragarantias de ordem externa obtidas pela Requerente, condenando-se a Requerida ao reembolso desse imposto, no montante de 82.383,27 €;
v. Julgar procedente o pedido da Requerente de lhe serem pagos juros indemnizatórios, condenando-se a Requerida ao pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos, calculados à taxa legal supletiva, sobre a importância a reembolsar, desde a data do pagamento indevido à taxa legal supletiva e até à data da emissão da correspondente nota de crédito;
vi. Condenar ambas as partes ao pagamento das custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos.
IX. VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nº s 1 e 2, do CPC, 97º-A do CPPT, e artigo 3º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 152.971,25 € (cento e cinquenta e dois mil, novecentos setenta e um euros e vinte e cinco cêntimos) correspondente ao valor indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida.
X. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4, do RJAT, e artigos 3º e 4º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexo, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 3.672,00 € (três mil seiscentos e setenta e dois euros), a pagar pela Requerente na proporção de 46,14% = 1.694,26 € (mil seiscentos e noventa e quatro euros e vinte e seis cêntimos) e pela Requerida na proporção de 53,86% = 1.977,74 € (mil novecentos e setenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos), face aos decaimentos.
NOTIFIQUE
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1 alínea e) do RJAT, com versos em branco, e revisto pelos árbitros.
[A redacção do presente acórdão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].
Lisboa, 24 de Junho de dois mil e vinte e cinco
Os árbitros,
(Carla Castelo Trindade - Presidente)
(José Coutinho Pires - Vogal e Relator)
(António Cipriano da Silva - Vogal)