SUMÁRIO:
1. A criação líquida de emprego, no âmbito do RFAI - Regime Fiscal de Apoio ao Investimento - não é um pré-requisito, condição ou exigência para usufruir de benefícios fiscais.
2. A exigência é que o investimento promova a criação de emprego e que essa criação de emprego esteja causalmente associada ao investimento e não a um aumento global de trabalhadores, o que vale por dizer que, o que, nesta matéria, conta é a criação de postos de trabalho na sequência do investimento e não um aumento líquido de trabalhadores no quadro de pessoal da empresa.
Acordam os Árbitros, Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro Presidente), Dr. Manuel da Fonseca Benfeito (Árbitro Vogal) e Dr.ª Sílvia Oliveira (Árbitro Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral constituído em
25-2-2025, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A sociedade A..., S.G.P.S [...], com sede em ...– ...-... ..., sob a jurisdição fiscal do Serviço de Finanças de ..., da Unidade Orgânica de Leiria, doravante designada por A... ou Requerente, é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedade [RETGS], cujo lucro tributável é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
2. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito parcial, realizada a coberto da Ordem de Serviço nº OI2024... determinada por despacho superior de 25-7-2024, tendo como foco reflectir no resultado do Grupo as correcções apuradas, ao abrigo de procedimentos inspectivos realizados às sociedades dominadas, B..., SA [...] e C..., SA [...], respectivamente, através das Ordens de Serviço OI2023... e OI2023... .
3. Do procedimento inspectivo interno relativo ao período de 2020, efectuado ao sujeito passivo, sociedade dominante, no âmbito da aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, resultaram as situações relatadas, que foram sujeitas a correção na declaração de rendimentos (Mod.22) do GRUPO, por parte da AT, nos termos resumidos no quadro seguinte, referindo-se a importância de 33.479,86 € a dupla Tributação Internacional e a importância de 504 090,08€ a benefícios fiscais atribuíveis às sociedades dominadas, distribuídos pela C..., SA, no montante de 127.148,73 € e pela B..., SA, no montante de 376.941,35 €,confome tudo a Requerida AT fez constar no Quadro 3, que a seguir se explicita, extraído do RIT.


4. As correcções feitas pela AT, no Âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento [RFAI] tiveram como fundamento uma alegada inobservância de criação líquida de postos de trabalho.
5. A Requerente, no seu petitório não contesta a correção relativa à colecta por dupla tributação internacional feita à B..., pelo que, assim, o pedido de pronúncia arbitral apenas se circunscreve às correcções feitas pela Requerida AT, no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento [RFAI], no montante já referido de 504.090,08 €.
Ora, a este propósito,
6. Relativamente à C... os serviços de inspecção tributária não contestam a criação de 2 postos de trabalho, em consequência do Investimento feito, como consta do Procedimento de Inspecção Interno à C..., S.A, ao abrigo da OI2023... e que a AT nele faz constar:

7. Porém, neste Procedimento Inspectivo, a Requerida considera não ter havido uma criação efectiva de emprego, sustentando esta sua asserção no argumento de que o número médio de trabalhadores desta empresa, C..., existente no final de 2020 [período do investimento] é inferior à média dos 12 meses anteriores ao ano do investimento realizado – ano de 2019 –: “em Dezembro de 2020, o número de trabalhadores é de 170, inferior à média dos 12 meses anteriores – 183 -, conforme quadro” , que se reproduz do RIT daC... .

8. Concluindo daí que, face a esta comparação, não se encontra preenchido o requisito da criação de emprego a que alude a alínea f) do nº. 4 do artigo 22º do CFI, conforme transcrição que se reproduz:

9. Relativamente à B..., os serviços de inspecção tributária consideram que esta sociedade demonstrou a criação de, pelo menos, 9 postos de trabalho na sequência do investimento feito, como se reproduz do Relatório de Procedimento Inspectivo feito a esta sociedade ao abrigo da OI2023... .

10. Neste Procedimento Inspectivo, a AT considera não estar preenchido o requisito da criação de emprego, porquanto “em Dezembro de 2020, o número de trabalhadores é de 251 trabalhadores, inferior à média dos 12 meses anteriores – 256 -, conforme quadro”, que se reproduz do RIT da B... .

11. A Requerente, em 18-12-2014, apresentou pedido de pronúncia arbitral, requerendo que seja declarada ilegal a liquidação adicional de IRC, na parte contestada, determinando-se a sua anulação com todos os efeitos legais (reembolso do imposto suportado) e que a AT (Requerida) seja condenada no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT, incidentes sobre o imposto suportado (através da transferência bancária, feita em
25-11-2024, através do BBVA, no montante de 603.283,00 €).
12. Para a Requerente a questão controvertida e que dá causa ao presente pedido arbitral consiste em saber se:
a) A alínea f) do nº. 4 do artigo 22º CFI exige a criação líquida de emprego;
b) A definição de «criação de emprego» e a sua determinação pode ser feita por simples instrução administrativa.
13. Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alega, em síntese:
A – QUANTO À CRIAÇÃO DE EMPREGO
a) Segundo a Requerente, podem beneficiar do regime fiscal de apoio ao investimento [RFAI], por força do nº. 4 do artigo 22º do CFI, os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente um conjunto de condições, de entre as quais ressaltam as que constam da alínea f) que consubstancia na necessidade de efectuar investimento relevante “que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo da manutenção dos bens objecto do investimento”.
b) Relativamente a este requisito a Inspecção Tributária considera que para que os “sujeitos passivos possam beneficiar do RFAI, tem de se verificar a criação de postos de trabalho directamente conexos com o investimento em causa”.
c) Ora, quanto a este requisito não há dissídio entre a Requerente e a Requerida.
d) Porém, segundo a Requerente refere, a inspecção tributária entende que, para além deste requisito, terá de verificar-se “um aumento efectivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, que se verifique, em termos líquidos, uma efectiva «criação de emprego»”.
Para tal,
e) Escuda-se na definição constante da alínea 16) as Definições das «Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional» para 2022-2027 [OAR], nos termos da Comunicação da Comissão – C 132/2- publicada no Jornal Oficial da União Europeia, em 29.4.2021 que refere:
“16) «Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir, do número de postos de trabalho criados, os postos de trabalho suprimidos durante o mesmo período, expresso em unidades de trabalho anuais”.
f) A requerente defende que a citada alínea f) do nº 4 do artigo 22º do CFI apenas exige que o investimento realizado proporcione a criação de novos postos de trabalho directamente conexos com o investimento em causa, independentemente de, no mesmo período, se registarem outras entradas ou saídas de trabalhadores, não relacionados com o investimento, ou seja, o que se exige é apenas que o investimento realizado tenha permitido a criação de novos postos de trabalho e não que tenha que haver uma criação líquida de postos de trabalho avaliada e relacionada com a actividade global da sociedade.
g) A sustentar o seu entendimento invoca a fundamentação do decidido no Acórdão do CAAD, no Processo 307/2019-T, de 9 de Março de 2020, que cita:
“Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Com efeito, o regime legal em questão foi criado pela Lei 10/2009, no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, que visou “promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social”.
No âmbito do programa IIE, incluíram-se medidas de «Apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da protecção social» (cfr. als. d) e e) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei 10/2009).
No quadro daquele programa, o RFAI 2009 foi criado como “um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento”, conforme resulta do art.º 1.º do mesmo Regime.
Foi, assim, o regime em questão, expressamente e no que para o caso interessa, formulado como um incentivo ao investimento (gerador de crescimento económico) tendo em vista o reforço da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, explicando-se dessa forma a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, que radica na al. f) do n.º 3 do art.º 2.º do RFAI 2009, criado pela referida Lei 10/2009.
Neste contexto, a criação de emprego previsto na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, já que é esse um dos propósitos assumidos pelo legislador e consta expressamente da letra da lei.
Não obstante não se poderá, nem deverá, julga-se, esquecer que o regime em questão visará, à frente daquele propósito, fomentar o investimento, para além da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos portugueses, sendo essencialmente um regime de apoio ao investimento, e não ao emprego.
Neste quadro, portanto, e na leitura e interpretação do regime em questão, dever-se-á sempre ter presente em primeira linha a ideia do incentivo ao investimento, sendo a criação de emprego uma condição, mas não o fundamento, do direito ao benefício fiscal”. [itálico, negrito e sublinhado da nossa responsabilidade].
h) Sustenta a Requerente que, como o RFAI foi criado como um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento eformulado como um incentivo ao investimento, gerador de crescimento económico, tendo em vista o reforço da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses e não como um incentivo ao emprego, deverá, por isso, entender-se que a criação de emprego previsto na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, deverá ser entendida como um requisito do direito ao benefício fiscal, mas não como seu fundamento.
i) Reforça, ainda, a Requerente que, para efeitos de cálculo dos benefícios fiscais instituídos por aquele Regime, são consideradas aplicações relevantes as despesas associadas aos projectos de investimento relativas a activos fixos tangíveis afectos à realização do projecto e não os custos salariais decorrentes da criação de postos de trabalho, pois esta última parte só, depois, foi aditada pela Lei 82/2023, de 29 de Dezembro.
j) O que significa que a finalidade do incentivo foi a do investimento e não a criação líquida de postos de trabalho, esta apenas exigida quando os custos elegíveis são calculados com base ou por referência aos custos salariais estimados, a que se referem o nº. 9 do artigo 14º do Regulamento (EU) nº. 651/2014 da Comissão e no nº. 36 das OAR já referidas.
k) Conclui, por fim, a Requerente, dizendo que a expressão «criação e postos de trabalho» não pode ser assimilada à «criação líquida de postos de trabalho», estando a primeira associada ao investimento realizado, independentemente, de, sob o aspecto global, a empresa tenha verificado ou não um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço, recolhendo, em favor deste seu entendimento, o decidido no Acórdão do CAAD no Processo 752/2023-T, de 29-4-024 que, no ponto 3 do seu sumário refere:
“3 – Para aceder ao benefício do RFAI, o investimento realizado deve contribuir direta e causalmente para a criação de novos postos de trabalho, mantidos por um período (mínimo) de 3 anos, não exigindo a lei que se verifique a criação “líquida” de postos de trabalho aferida em relação à atividade global da Requerente. Isto, sem prejuízo de, em qualquer caso, e independentemente do critério adotado, a Requerente ter cumprido esse pressuposto”.
l) Ora, tendo assumido a Requerida AT, nos presentes Autos que, em qualquer das sociedades dominadas foram criados postos de trabalho, estará, portanto, preenchido o pressuposto constante da alínea f) do nº. 4 do artigo 22º do CFI.
B – QUANTO À DEFINIÇÃO DA “CRIAÇÃO DE EMPREGO” POR INSTRUÇÃO ADMINISTRATIVA
a) A Requerente, a propósito do invocado ofício circulado nº 20259, de 28-6-2023, pela AT, no RIT, vem dizer que, tratando-se de uma mera instrução administrativa, que pretende dar uma definição do que seja a criação e a manutenção de postos de trabalho, a mesma não pode consubstanciar uma resposta interpretativa de uma norma fiscal, porque, ao pretender dar uma definição de um conceito que constitui um elemento essencial do acesso a um benefício fiscal, está ferida de inconstitucionalidade.
b) Em defesa do que alega e de que as normas definidoras dos factos sujeitos a imposto, incluindo as normas que contenham critérios materiais de incidência real constituem matéria de reserva de lei da Assembleia da República, invoca o Acórdão nº. 107/2024 do Tribunal Constitucional, de 14-2-2024, que, no seu ponto 14, determina o seguinte:
“14. Antes de avançar, convém deixar explanados os aspetos fundamentais da disciplina jurídico-constitucional dos impostos que sustentam a decisão que deve aqui ser tomada. E eles resultam todos, de forma direta ou indireta, de um entendimento rigoroso do que constitui o princípio da legalidade fiscal ou princípio da legalidade dos impostos, sendo relevante notar algumas notas essenciais de tal princípio:
- em termos sintéticos, o princípio da legalidade fiscal traduz «a exigência de os impostos serem criados e disciplinados nos seus elementos essenciais através de lei (do parlamento)» (Casalta Nabais, ob. cit., p. 143);
- trata-se, assim, de uma legalidade qualificada que se distingue do princípio da legalidade da administração, ultrapassando este por as suas exigências serem mais profundas e rigorosas;
- em termos orgânicos, consubstancia-se num princípio de reserva de lei formal, o qual determina, nos termos da primeira parte da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição (isto é, no domínio da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República), a intervenção de uma lei da Assembleia da República, seja uma intervenção material que regule diretamente a disciplina do imposto em questão, seja uma intervenção de cariz meramente formal, autorizando o Governo, enquanto legislador, a regular essa disciplina através de Decreto-Lei (autorizado);
- a primeira parte da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição refere-se apenas à «criação de impostos»; todavia, há um largo consenso na doutrina e na jurisprudência deste Tribunal sobre a necessidade de se fazer uma articulação entre este preceito e a norma contida no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, o que implica que a reserva de lei formal deve cobrir o domínio dos elementos essenciais dos impostos ou o momento da sua criação ou instituição e, ainda, as respetivas garantias – mas já não os momentos da sua liquidação e cobrança;
- estes elementos essenciais ou momento de criação ou instituição do imposto são compostos, assim, pela incidência (objetiva, reportada ao facto gerador do imposto; e subjetiva, referente aos sujeitos ativos e passivos, com especial relevo para os contribuintes); pela taxa e outros elementos legislativos que permitam determinar o montante de imposto a pagar; e, ainda, pelos benefícios fiscais, na medida em que estes constituem regras negativas de incidência, por implicarem que não haverá imposto a pagar ou que o montante de imposto a pagar será menor;
- mesmo para quem discorde desta última compreensão das coisas, a referência expressa do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição aos benefícios fiscais, sempre imporia a conclusão de estes estarem abrangidos pelo princípio da legalidade fiscal;
- as exigências decorrentes do princípio da legalidade fiscal, com o sentido acabado de explanar, reportam-se a cada imposto em concreto;
- resumindo as notas anteriores poderá dizer-se, com Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2010, p. 329 e seg.) que «o âmbito da reserva legislativa da AR decorre claramente delimitado do art. 103º», cabendo-lhe «a criação de cada um dos impostos, incluindo o seu regime no que concerne aos elementos enunciados no art. 103º-2» o que inclui, «naturalmente, a extinção de impostos», estando também «sujeitos a reserva de lei parlamentar os benefícios e isenções fiscais, que outra coisa não são senão regras negativas de incidência»;
- a doutrina assinala ainda o facto de decorrer deste magno princípio um princípio da reserva material de lei, normalmente apelidado de princípio da tipicidade, o qual impõe que a lei «contenha a disciplina tão completa quanto possível da matéria reservada» (cfr. Casalta Nabais, ob. cit., p. 143), correspondente, como vimos, aos elementos essenciais de cada imposto”. [itálico, negrito e sublinhado nossos].
c) Sustentando-se, nomeadamente, no consignado nos pontos 2 e 11 daquela instrução administrativa, que referem:
“2. O CFI é omisso quanto à definição de “criação de postos de trabalho”
(…)
11. Assim, a par do cumprimento das normas especificas previstas no RFAI quanto à criação de postos de trabalho proporcionados por um determinado investimento, bem como quanto à respetiva manutenção, terá, em simultâneo, de se verificar um aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento, de forma a assegurar a “criação de emprego” nos termos em que este conceito é definido no RGIC, devendo, tanto as condições relativas à criação de postos de trabalho, como as condições relativas à sua manutenção, verificar-se até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI”. [itálico, negrito e sublinhado nossos].
A Requerente alega que a AT está a criar uma “lei nova”, quando considera que “terá, em simultâneo, de se verificar um aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento” e, nessa conformidade, estará a violar o princípio da legalidade, na forma de abuso de poder, por tal matéria constituir reserva de lei parlamentar.
14. A Requerida defende-se, por impugnação, alegando na sua resposta, no essencial, o seguinte:
a) A divergência de entendimento entre a Requerente e a requerida AT centra-se no conceito de “criação de postos de trabalho”, relevante para efeitos da aplicação do benefício do RFAI, e na forma como o mesmo deve ser aferido.
b) O RFAI, como uma medida activa de apoio ao investimento, deve estar em consonância com o enquadramento europeu em que se insere, desde logo, o considerando 31 do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 -6-2014 de Junho, o qual determina que “Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável”.
c) Ora, quanto ao requisito da criação de postos de trabalho e a sua manutenção, tendo em conta o objetivo de criação de emprego, subjacente aos auxílios com finalidade regional, a AT defende que deverá atender-se à definição constante das alíneas k) e o) do ponto 1.2 (Definições) das Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para 2014-2020 (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, C 209, de 23 de Julho de 2013, que estabelece, na sua introdução, as diretrizes essenciais de plano conceptual:
“1.2. Definições
20. Para efeitos das presentes orientações, são aplicáveis as definições que se seguem. Entende-se por:
(…)
k) «Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados;
(…)
o) «Número de trabalhadores», o número de unidades de trabalho anuais (UTA), isto é, o número de assalariados a tempo inteiro durante um ano; os trabalhadores a tempo parcial ou os trabalhadores sazonais são considerados como frações de UTA;
d) O Regulamento (UE) n.o 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, publicado no JOUE nº. 187, de 26-6-2014, também conhecido como o Regulamento Geral de Isenção por Categoria [RGIC], estabelece, no nº. 32 do seu artigo 2º, o seguinte:
“Definições
Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:
(…)
32) «Aumento líquido do número de trabalhadores», o aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo, devendo os postos de trabalho suprimidos durante esse período ser, por conseguinte, deduzidos e o número de trabalhadores a tempo inteiro, a tempo parcial e sazonais ser considerado segundo as respetivas frações de trabalho anual;”
e) Defende a AT, invocando o primado do Direito da EU, que a condição relativa à criação de postos de trabalho proporcionada pelo investimento relevante e à sua manutenção, face ao disposto na alínea f) o n.º 4 do artigo 22º do CFI, só fica cumprida se os postos de trabalho criados garantirem um acréscimo efectivo do número global de trabalhadores admitidos na empresa em determinado período, salvaguardando assim os valores subjacentes aos auxílios com finalidade regional, nos quais se inscreve o RFAI.
f) E, por isso, defende que o conceito de criação de emprego constante dos normativos europeus e, portanto, aplicável aos presentes autos, deverá ser o da “criação líquida de postos de trabalho”.
g) Acrescentando que, in casu, na interpretação da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI se deva atender ao espírito do legislador ou ao fim para que foi criado o regime em apreço, que, em seu entender, foi o de incrementar a atividade económica e criar emprego, enquanto desígnio europeu e que, por isso, fundamenta os auxílios regionais.
h) E, para sustentar esse entendimento, recorre ao decidido pelo CAAD no Processo nº. 565/2018-T, que cita:
“Neste âmbito, a Requerida considera, desde logo, incumprida, a condição prevista no artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, por não se ter mantido o aumento líquido do número total de trabalhadores a contrato sem termo no ano subsequente ao investimento (2015). Por seu turno, a Requerente, embora não conteste a redução global do número de trabalhadores, defende que este critério comparativo não tem suporte legal, pois a comparação deve ser feita por referência aos postos de trabalho especificamente criados pelo investimento realizado, sendo irrelevante que o número total de trabalhadores tenha diminuído. No tocante aos cinco postos de trabalho que afirma terem sido criados em consequência do investimento efetuado, os trabalhadores encontram-se ao seu serviço, concluindo que os mesmos estão salvaguardados.
Constituindo o RFAI uma medida excecional de fomento à empregabilidade e de incremento do rendimento per capita das regiões desfavorecidas, no quadro de direito europeu acima assinalado, a aferição da criação e manutenção dos postos de trabalho reclamados pela alínea f) em análise, deve ser efetiva, ao nível da entidade que aufere o benefício, pelo que se afigura que a comparação há-de ser feita nos moldes preconizados pela Requerida, i.e., globalmente, pois só assim se pode afirmar que o investimento tenha sido indutor da criação de postos de trabalho, pressuposto que, segundo entendemos, deve ser incremental. Aliás, a condição que a lei impõe de criação incremental de postos de trabalho no ano do investimento (2014) é medida em função do número global de trabalhadores da entidade, a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores, não havendo razão para adotar critério distinto em relação à manutenção dos postos de trabalho nos anos subsequentes.
De qualquer forma, ainda que prevalecesse a interpretação da Requerente, esta não logrou demonstrar que os postos de trabalho dos cinco trabalhadores que identificou em fase contenciosa (sem que, assinale-se, o tivesse feito no procedimento de reclamação graciosa), foram criados na sequência, ou em razão, do investimento elegível para o RFAI.
Com efeito, resulta da citada alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, invocada na fundamentação da decisão da Reclamação Graciosa, que é condição necessária que os sujeitos passivos efetuem “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento”.
A Requerente limitou-se a juntar (à Reclamação Graciosa) um contrato e uma lista de elementos do ativo adquiridos nesse ano [2014], sem ter estabelecido qualquer elo de ligação entre o investimento e os trabalhadores cujos postos de trabalho alega terem sido criados. Ficou, pois, por demonstrar um pressuposto essencial da acessibilidade ao benefício do RFAI, o que se refere ao nexo de causalidade entre a realização de investimentos com relevância e elegíveis para o benefício do RFAI em 2014 e a criação dos postos de trabalho dos cinco colaboradores identificados, cujos contratos a termo se converteram em contratos sem termo nesse mesmo ano, bem como a sua manutenção até ao final do período mínimo de detenção dos bens objeto de investimento”.
[sublinhado nosso].
i) E quanto à instrução administrativa contida Ofício Circulado nº20259, de 28 de Junho de 2023, contesta que chegue a “criar lei nova”, reflectindo, apenas, a posição interpretativa da AT, quanto ao espírito ou intenção do legislador ou fim para que foi criado o regime e quanto à sua coerência com o sistema normativo em que se insere a norma, salientando que aquele ofício circulado procede à divulgação do entendimento perfilhado pela AT, face às diversas questões interpretativas suscitadas, no que respeita à aferição da condição relativa à criação de postos de trabalho e sua manutenção para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), a que se refere a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal ao Investimento (CFI).
A concluir,
j) Pugna pela manutenção da correcção efectuada, porquanto, em seu entender, verifica-se que do investimento efetuado e considerado relevante no âmbito do RFAI em 2020, não originou a criação líquida de postos de trabalho exigida pela al. f) do n.º4 do art.º 22.º do CFI, e que quanto ao pedido formulado pela Requerente relativamente a juros indemnizatórios, entende que os mesmos não são devidos, por não ter ocorrido erro imputável aos serviços da AT na liquidação do tributo.
15. A Requerente deu entrada do seu pedido junto do CAAD a 18-12-2024,
16. No dia 19-12-2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT [Requerida].
17. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
18. Em 6-2-2025, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
19. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 25-2-2025.
20. No dia 7-4-2025, a Requerida, devidamente notificada para o efeito (em 1-3-2025), apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação e fez a apresentação junto deste Tribunal Arbitral do Processo Administrativo.
21. Não tendo sido manifestado interesse na produção de prova testemunhal foi proferido despacho arbitral, em 10-4-2025, dispensando-se a reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações e notificando a Requerente para, até 23-5-2025 pagar a taxa de arbitragem subsequente (o que veio a efectuar em 16-4-2025).
22. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do RJAT [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do artigo 5º. e artigo 6.º, n.º 1].
23. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos do artigo 4.º e do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
24. A apresentação do pedido, por parte da Requerente, é tempestiva, porquanto, contando os 90 dias a que se refere o artigo 10º do RJAT, a partir de 26-11-2024 (primeiro dia de prazo a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação efectuada pela Requerida), o último dia de prazo ocorreria a 23-2-2025. Ora, tendo a Requerente apresentado o seu pedido de pronúncia arbitral a 18-12-2024 – e sido aceite a 19-12-2024 -, manifestamente que o fez em prazo.
25. O processo não enferma de nulidades.
26. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre decidir.
II – MATÉRIA DE FACTO
A – FACTOS PROVADOS
1. A sociedade A..., S.G.P.S [...], com sede em ...–...-... ..., é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedade [RETGS], cujo lucro tributável é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades do seu perímetro fiscal: a. B..., SA [...] e a C..., SA [...],
2. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito parcial, realizada a coberto da Ordem de Serviço nº OI2024... determinada por despacho superior, tendo como foco reflectir no resultado do Grupo as correcções apuradas, ao abrigo de procedimentos inspectivos realizados às suas sociedades dominadas e do seu perímetro fiscal, B..., SA [...] e C..., SA [...], respectivamente, através das Ordens de Serviço OI2023... e OI2023... .
3. Do procedimento inspectivo interno relativo ao período de 2020, efetuado ao sujeito passivo, enquanto sociedade dominante, no âmbito da aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, resultaram as situações relatadas, que foram sujeitas a correção na declaração de rendimentos (Mod.22) do GRUPO, por parte da AT, nos termos resumidos no quadro seguinte, referindo-se a importância de 33.479,86 € a dupla Tribtação Internacional e a importância de 504.090,08€ a benefícios fiscais das sociedades dominadas, distribuidos pela C..., SA, no montante de
127.148,73 € e pela B..., SA, no montante de 376.941,35 €, confome tudo a Requerida AT fez constar no Quadro 3, que a seguir se expllicta, extraído do RIT.

4. Em resultado da ação inspetiva executada à B..., credenciada pela ordem de serviço n.º OI2023..., respeitante ao período de 2020, a AT propôs as correções indicadas no quadro seguinte, apenas se considerando as de montante de 376.941,35 €, por respeitarem ao objecto dos presentes Autos, não se contemplando a verba de 33.479,86 €, referente à dupla tributação internacional, porque não contestada pela Requerente.

5. A AT admitiu que o sujeito passivo criou 13 postos de trabalho decorrentes do investimento realizado em 2020, elegível para o RFAI, mas questiona se os postos de trabalho ocupados pelos trabalhadores D..., NIF ..., Motorista, E..., NIF ..., Técnica Administrativa, F..., NIF..., Técnico de Contabilidade e G..., NIF ..., Técnica Administrativa decorrem do investimento efetuado e elegível para o RFAI, salientando, para entretanto, que o investimento efectuado se circunscreveu às instalações fabris e estes trabalhadores estão a exercer funções noutras áreas, como é o caso da administrativa, não deixando, porém, de aceitar e admitir que a B... demonstrou ter criado, pelo menos, 9 postos de trabalho decorrentes directamente do investimento efetuado.
6. A AT confessou que desconsiderou aquele montante de 376.941,35 €, porque a B... não demonstrou a criação de emprego noestabelecimento em comparação com a média dos 12 meses anteriores ao investimento (251 no final de 2020 comparado com uma média de 256 em 2019), e que, por isso, os investimentos indicados pelo sujeito passivo como relevantes para o RFAI de 2020 não reúnem os requisitos para serem elegíveis por incumprimento do artigo 22.º, n.º 4, f) do CFI.


7. Em resultado da ação inspectiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2023..., da Unidade Orgânica de Leiria, por despacho superior de 23-2-2023, com extensão ao período de 2020, de âmbito parcial ao IRC, respeitante ao período de 2020, para o sujeito passivo C..., S.A, os serviços da Requerida AT propuseram as correcções, no montante de 127.148,73 €, como indicadas no quadro a seguir:

8. A AT confirma que, de acordo com os elementos remetidos por C... relativos ao RFAI, verifica-se que o investimento elegível foi realizado nas instalações da sede da empresa, sitas em..., ..., e enquadra-se no aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, tendo sido analisados os elementos fornecidos pelo sujeito passivo e não tendo sido, a este propósito, detectadas irregularidades.
9. Porém, quanto ao cumprimento dos requisitos elegíveis para que a Requerente possa ter acesso ao benefício fiscal de apoio investimento, alega que não cumpriu o requisito da criação de postos de trabalho.
10. O sujeito passivo declarou uma dotação de RFAI do período de tributação de 2020 no montante de 127.148,73 €, conforme Anexo D da declaração de rendimentos modelo 2022.

11. No que respeita à criação de emprego, o sujeito passivo demonstra a sua criação com a exibição do quadro seguinte.

12. Admite a Requerida, como se constata do quadro anterior, que o sujeito passivo demonstra a criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado. Porém, no seu entender e de acordo com o Ofício Circulado nº. 20259, para que possa beneficiar dos incentivos fiscais a que se refere a alínea f) do n. 4 do artigo 22º do RFAI, teria de se verificar um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, “uma efectiva criação de emprego”.
13. E, por isso, a AT entende não se encontrar preenchido o requisito da criação de emprego a que alude a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI normativo em estreita conexão com a criação de emprego num contexto sustentável constante do RGIC.


14. Em 7-8-2024 foi remetido à Requerente o Projecto de Relatório de Inspecção para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos do artigo 60º da LGT e, não tendo o sujeito passivo exercido o seu direito de audição, a AT manteve-o, como Relatório Final [RIT], procedendo às correcções nele propostas. E, para as sociedades dominadas, tal procedimento foi também feito, como se indica:
I – C...
Em 29-5-2024 foi-lhe enviada a competente notificação para, querendo, exercer o seu direito de audição do projecto de relatório, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, não o tendo exercido este sujeito passivo, tendo-se tornado, definitivas as correcções propostas.
II – B...
Em 21-6-2024 foi-lhe enviada a respectiva notificação, através do CTT, para, querendo, exercer, o direito de audição sobre o conteúdo do projecto de relatório, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA. Não tendo o sujeito passivo exercido o seu direito de audição prévia, as correcções propostas tornaram-se definitivas.


15. E, assim, face ao exposto, para o período em questão, a declaração de rendimentos modelo 22, relativa ao lucro tributável do GRUPO foi corrigida para os valores sistematizados no quadro seguinte, reportando-se 33.479,86 € a dupla tributação internacional e 504.090,08 € aos benefícios fiscais, pelo RFAI, a que alude a alínea f) do nº. 4 do artigo 22º do CFI.


16. A AT não contesta a realização de investimentos relevantes para o RFAI, tanto pela B... como pela C..., como se alcança dos excertos retirados do RIT de cada uma daquelas sociedades dominadas e do perímetro fiscal da Requerente.
I - PARA A B...

II - PARA C...

17. A AT, em 3-10-2024, emitiu a nota de liquidação nº. 2024..., num total de 558.124,77 €, corrigindo a parcela relativa a dupla tributação internacional em 33.479,86 € [1.078.865,58 – 1.045.375,72 = 33.479,86] e a parcela dos benefícios fiscais, em 504.090,08 € [775.035,85 – 270.945,77 = 504.090,08], liquidando, também, juros compensatórios por recebimento indevido, no montante de 65.713,06 €, proveniente da liquidação correctiva sobre IRC, na sequência do procedimento inspectivo credenciado pela sobredita OI2024..., notificando, posteriormente, a Requerente para pagamento até 25-11-2024, da importância total de 603.283,00 €, configurando esta verba a soma das correcções efectuadas, como se indica no quadro seguinte (sendo que, dado que a importância de 33.479,86 € não foi impugnada pela Requerente no PPA, não será considerada na análise a efectuar).


B - FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
C. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, competindo-lhe antes selecionar os factos relevantes para a decisão da causa, recortados em função da sua pertinência jurídica e adequação às várias soluções plausíveis da questão de Direito a decidir, nos termos da aplicação conjugada do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 1 do artigo 596.º e n.º 3 do artigo 607.º, estes do CPC, aplicáveis por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, como aliás o admite o Tribunal Central Administrativo Sul, no seu Acórdão, proferido em 25-6-2019, no Processo nº. 2459/14.0BESNT e disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/1b5cfb9fdf24abb08025842400486a8b?OpenDocument, que, no seu sumário, refere:
“1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. artºs. 596, nº.1 e 607, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº.371, do C. Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação”.
[itálico nosso].
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na convicção formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme o nº. 5 do artigo 607º CPC, apenas cedendo à força probatória plena dada pelos documentos autênticos, nos termos do artigo 371º CC.
III – MATÉRIA DE DIREITO
Do já exposto, a única questão, que aqui se debate, reside em saber se:
a) A alínea f) do nº. 4 do artigo 22º CFI exige a criação líquida de emprego;
b) A definição de «criação de emprego» e a sua determinação pode ser feita por simples instrução administrativa.
A – AS INSTRUÇÕES ADMNISTRATIVAS
1. Como fundamento das correcções feitas e desconsideração da importância de 504 090,08 €, contra a requerente, a título de benefícios fiscais enquadráveis no RFAI, suporta-se a AT no seu entendimento plasmado no Ofício-Circulado n.º 20259, de 28-6-2023, segundo o qual teria que haver, da parte daquela, um aumento líquido do número de postos de trabalho – uma criação líquida de postos de trabalho -, reafirmando que só, assim, se cumpriria o preceituado na alínea f) do nº. 4 do artigo 22º do CFI.
Todavia,
2. O Novo Código do Procedimento Administrativo, no seu artigo 148º [antigo 120º CPA] restringe, expressamente, a figura do acto administrativo aos actos decisórios com eficácia externa, isto é, aqueles que afetam direitos ou interesses exteriores à entidade que o praticou, ao consignar: “Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
3. Ora, uma informação emitida pela estrutura orgânica competente da AT, tendo como destinatários os seus serviços internos, e enquanto orientação genérica vinculativa para esses destinatários, na uniformização de questões interpretativas, em nada afecta a posição jurídica do particular, uma vez que a interpretação que por aí é dada apenas consubstancia a opinião da administração fiscal, que o sujeito passivo é livre de assumir ou não, vg. nas autoliquidações que venha a praticar, pelo que, desse modo, os efeitos vinculativos de tal resposta acontecem apenas em relação à entidade que a proferiu, e não directamente em razão da natureza do acto, que é interno, como aliás o CAAD, no Processo nº. 68/2022-T, de 11-7-2022 o reafirma: “3- A Informação Vinculativa não tem natureza de ato administrativo por lhe faltar o requisito de eficácia externa”
4. Sobre esta questão pronunciou-se já o CAAD no Processo nº. 493/2021-T, de 19-10-2022, dizendo no ponto 67 da sua decisão que “67. As instruções genéricas ou administrativas são um instrumento do exercício da atividade tributária, que, no essencial, visam a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços, pois, a elas se referem o artigo 55.º do CPPT e o artigo 68.º-A da LGT, as quais, sendo da exclusiva competência do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem ele tiver delegado essa competência, vinculam os funcionários e os órgãos da Administração Tributária, mas não vinculam os contribuintes. Estes apenas estão sujeitos à lei, podendo, todavia, optar por cumprir as suas obrigações tributárias em conformidade com o estabelecido nas orientações genéricas dos serviços e, neste caso, em caso de erro, este poderá, eventualmente, ser imputado aos serviços da Administração Tributária (cf. n.º 2 do art.º 43.º da LGT)”, consignando, no sumário dessa mesma decisão, o seguinte:
“1. As orientações genéricas (instruções administrativas) ínsitas em circulares ou ofícios circulados, que visam a uniformização de interpretação e aplicação das leis tributárias, só vinculam os funcionários e os órgãos da Autoridade Tributária e Aduaneira, não vinculam os contribuintes.
2. A circunstância dos sujeitos passivos optarem por adotar o entendimento vertido nas orientações genéricas, só por si, não implica ou determina que o erro em que o sujeito passivo tenha incorrido seja imputável aos serviços da AT.
(…)
[Itálico e negrito nossos].
5. Também o STA no ponto 4.2 do seu Acórdão, de 5-1-2012, proferido no Processo nº. 01011/11 assume a mesma posição, quanto à natureza jurídica das informações vinculativas, ao referir:
“Na verdade, concordamos com o entendimento constante da decisão recorrida, no sentido de que as informações vinculativas não constituem actos administrativos, à face da definição que dele é dada no art. 120° do CPA, sendo insusceptíveis de ser impugnadas contenciosamente.
Este art. 120º do CPA dispõe: «Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.»
Ora, como apontam Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Comentada e anotada, 3ª ed., Vislis, 2003, anot. 12 ao art. 68º, p. 346), «A informação vinculativa, não se destina a, por si mesma, produzir efeitos numa situação individual e concreta, produzindo efeitos apenas perante a própria administração tributária, que fica obrigada a decidir em conformidade com o informado, se o interessado assim o requerer, formulando o necessário pedido de apensação do procedimento de informação vinculativa ao do pedido de reconhecimento de benefício fiscal (arts. 68°, n° 2, da LGT e 57°, nº 3, do CPPT). Assim, as informações vinculativas não constituem actos administrativos, à face da definição que dele é dada no art. 120° do CPA, sendo insusceptíveis de ser objecto de recurso contencioso. A decisão do recurso hierárquico tem idênticos efeitos, pelo que não pode ser impugnada contenciosamente. Os interessados, porém, se pretenderem ver reconhecido algum direito relativo à sua situação tributária ou aos pressupostos não concretizados de benefícios fiscais, poderão propor acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos do art. 145° do CPPT.»
O efeito produzido pela prestação desta informação vinculativa, por si e em relação ao objecto do pedido, mais não é do que o de obstar a que a AT proceda posteriormente em sentido diverso ao da informação prestada, sendo que, apesar disso, se o contribuinte optar por proceder em sentido não coincidente com a que resultar do sentido da informação, a AT, se quiser fazer valer a interpretação da informação, tem que iniciar o respectivo procedimento para efectuar as correcções tributárias, que culminará, então, na prática do acto tributário que ao caso couber. Mas o contribuinte não fica obrigado a seguir a posição da AT, podendo, por sua vez, agir de acordo com interpretação (embora discordante da interpretação feita pela AT) que entenda ser a decorrente das normas legais que estiverem em causa e não lhe ficando vedada a possibilidade de impugnar o acto de liquidação porventura dali decorrente.
E nem se diga que o contribuinte ficará, nesse caso, prejudicado pelo efeito de qualquer caso resolvido, caso não possa impugnar esta informação vinculativa. É que, vigorando no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária (art. 54º do CPPT), aquele efeito ligado ao caso resolvido só poderia ocorrer se o acto aqui em questão (informação vinculativa) se configurasse como acto destacável (e, assim, com impugnabilidade autónoma) ou fosse imediatamente lesivo. Na verdade, como escreve Jorge de Sousa (CPPT, Anotado e comentado, Vol. I, 6ª ed., 2011, anotações 2 e 3 ao art. 54º, p. 467 e 468) em sede de contencioso tributário, só é possível, em regra, impugnar contenciosamente o acto final do respectivo procedimento (o acto de liquidação), pois só este atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica e patrimonial do contribuinte, «fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres. Esse princípio extrai-se também do art. 66° da LGT, em que se estabelece o regime dos actos interlocutórios do procedimento tributário, que determina que os contribuintes e outros interessados podem reclamar de quaisquer actos ou omissões praticadas pela administração tributária, mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade. (…) Nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de tributo, a esfera jurídica dos interessados apenas é atingida por este acto e, por isso, em regra, será ele e apenas ele o acto lesivo contenciosamente impugnável» (cfr. também o ac deste STA, de 5/4/2006, rec. 1286/05)”.
6. Por tudo isso não pode a AT, fazer prevalecer ao sujeito passivo o seu entendimento, do que seja criação de emprego para efeitos de regime fiscal de apoio ao investimento, mormente, a alínea f) do nº. 4 do artigo 22º do CFI, já que, como veio de ser dito, a mera existência de uma informação vinculante não conduz à aplicabilidade da sua “doutrina” em qualquer circunstância ou situação, uma vez que com a emissão daquele tipo de informação a Administração Tributária só fica vinculada a ter o entendimento que perfilhou ou expendeu no caso concreto e, mesmo, naquelas situações a que se refere o artigo 68º da LGT essa informação que seja prestada ao contribuinte só vincula os serviços no caso concreto que lhes é submetido, não constituindo precedente na análise futura de questões semelhantes.
7. O efeito produzido pela prestação desta informação vinculativa, por si e em relação ao objecto do pedido, mais não é do que o de obstar a que a AT proceda posteriormente em sentido diverso ao da informação prestada, pois ao proceder de forma diversa ao da informação prestada, a AT viola o princípio da tutela da confiança, mas o contribuinte não fica obrigado a seguir a posição da AT, podendo agir de acordo com outra interpretação (embora discordante da interpretação feita pela AT), que entenda ser a resultante das normas legais que estiverem em causa e não lhe ficando vedada a possibilidade de impugnar o acto de liquidação porventura dali decorrente.
8. É que, a “norma administrativa” emitida pela AT não pode ser considerada de per si, de forma isolada, sem qualquer relação com a concreta situação do sujeito passivo, como se tratasse de método de afectação ilegal e proibido, porquanto, se houver razões que justifiquem a sua aplicação, pode tratar-se de método idóneo a efectuar a aludida afectação, mas se não se verificarem tais razões, tratar-se-á de método inadequado para proceder a essa mesma afectação.
9. No caso em análise, nada é dito acerca da possibilidade ou impossibilidade de aplicação dessa regra de “criação de emprego”, tomando esse critério pelo melhor, de forma acrítica e sem conexão intrínseca com a realidade económica e com a situação do sujeito passivo, não se podendo sobrepor essas normas administrativas aos preceitos legais.
10. Temos, por isso, que concluir pela razão a dar à Requerente no que toca a pretender que não se lhe aplique à sua situação concreta o disposto naquela dita circular nº. 20259, de 28-6-2023, no que se refere à interpretação a dar à alínea f) do nº. 4 do artigo 22º do CFI, mostrando-se, assim, a autoliquidação contestada afectada por vicio de violação de lei e por errada fundamentação, vícios, que justificam a anulação da liquidação, nos termos do nº. 1 do artigo 163º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força da alínea c) do artigo 2º. da LGT.
B – A CRIAÇÃO DE EMPREGO PARA EFEITOS DO RFAI.
I – QUANTO À QUESTÃO CONTROVERTIDA
1. Na Decisão arbitral proferida, em 7-5-2023, no Processo nº. 149/2022, pode ler-se, nos seus pontos 65, 66 e 67, acerca da condição da criação de postos de trabalhos para efeitos do RFAI, o seguinte:
“65.Quanto à questão de saber se a alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009 exige que os investimentos relevantes para efeitos do RFAI proporcionem a criação líquida de postos de trabalho por contratos sem termo (tal como sustentado pela Requerida), entende o Tribunal Arbitral que não será essa a interpretação correta, e que a dita norma apenas exige que o investimento realizado pelo sujeito passivo contribua direta e causalmente para a criação de novos postos de trabalho no momento da sua conclusão, independentemente de, no mesmo período, se registarem outras entradas e saídas de trabalhadores (tal como sustentado pela Requerente).
66. O mesmo entendimento foi acolhido relativamente à alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do novo CFI nas Decisões Arbitrais de 09-03-2020, processo n.º 307/2019;17-01-2022, processo n.º 546/2020-T; 27-06-2022, processo n.º 508/2021-T.
67. Na Decisão Arbitral de 09-03-2020, processo n.º 307/2019-T, pode ler-se o seguinte:
“Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Com efeito, o regime legal em questão foi criado pela Lei 10/2009, no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, que visou «promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social».
No âmbito do programa IIE, incluíram-se medidas de «Apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da protecção social» (cfr. als. d) e e) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei 10/2009).
No quadro daquele programa, o RFAI 2009 foi criado como «um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento», conforme resulta do art.º 1.º do mesmo Regime.
Foi, assim, o regime em questão, expressamente e no que para o caso interessa, formulado como um incentivo ao investimento (gerador de crescimento económico) tendo em vista o reforço da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, explicando-se dessa forma a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, que radica na al. f) do n.º 3 do art.º 2.º do RFAI 2009, criado pela referida Lei 10/2009.
Neste contexto, a criação de emprego previsto na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, já que é esse um dos propósitos assumidos pelo legislador e consta expressamente da letra da lei.
Não obstante não se poderá, nem deverá, julga-se, esquecer que o regime em questão visará, à frente daquele propósito, fomentar o investimento, para além da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos portugueses, sendo essencialmente um regime de apoio ao investimento, e não ao emprego.
Neste quadro, portanto, e na leitura e interpretação do regime em questão, dever-se-á sempre ter presente em primeira linha a ideia do incentivo ao investimento, sendo a criação de emprego uma condição, mas não o fundamento, do direito ao benefício fiscal.
Assim, e tendo presente igualmente as finalidades de modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos portugueses, dever-se-á concluir que o regime em questão visa promover o investimento modernizador, que aumente a competividade do país, e fomente a actualização, ou a aquisição de novas, competências pelos trabalhadores.
Posto isto, sustenta a AT que, na leitura da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, se deverá lançar mão do enquadramento europeu em matéria de auxílios de Estado com finalidade regional no qual se inscreve o RFAI, constituído, nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do CFI, pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014 , que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.°e 108.° do Tratado.
Sendo, evidentemente, um elemento relevante, crê-se que, antes de mais, se deve recorrer ao Regulamento (CE) N.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009, que, como se viu, está na génese do RFAI integrado no CFI.
(…).
Aqui chegados será possível, crê-se, verificar que o Regulamento em questão distingue efectivamente, entre dois tipos distintos de apoios às PME, que são os apoios quantificados:
a) com base nos custos do investimento; e
b) nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento.
E é para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito, e exigido o aumento líquido de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica.
O Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, segue, no que para o caso importa, a mesma lógica, referindo no preâmbulo que «A fim de não favorecer o investimento em capital em relação ao investimento nos custos da mão de obra, deve prever-se a possibilidade de quantificar os auxílios regionais ao investimento com base quer nos custos do investimento quer nos custos salariais do emprego diretamente criado por um projeto de investimento.», e dispondo no art.º 17.º que:
«2. Os custos elegíveis devem ser um dos seguintes custos ou ambos:
a) Os custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos;
b) Os custos salariais estimados do emprego diretamente criado pelo projeto de investimento, calculados para um período de dois anos.».
No art.º 14.º também se dispõe que:
«4. Os custos elegíveis devem ser os seguintes:
a) Custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos;
b) Custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos; ou
c) Uma combinação das alíneas a) e b), que não exceda o montante de a) ou b), consoante o que for mais elevado.».
É neste contexto que o n.º 9 do mesmo art.º 14.º, citado pela AT, dispõe que:
«9. Quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b), devem ser preenchidas as seguintes condições:
a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período;
b) Cada posto de trabalho deve ser preenchido no prazo de três anos após a conclusão dos trabalhos; e
c)Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME.».
Ora, como se viu já, o RFAI foi sempre um apoio ao investimento, e é calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
Daí que não seja fundada, julga-se, a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho do Regulamento em questão, para a interpretação a fazer da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do RFAI.
De resto, terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho.
Considerando-se, então, que a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, não se reporta à criação líquida de postos de trabalho, nos termos em que, por exemplo, o referido art.º 19.º do EBF e as Directivas sobre apoios de Estado o fazem, é ainda necessário densificar qual o sentido e alcance da expressão “criação de postos de trabalho”, ali empregue, tem.
Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.
Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção.
Assim, e por exemplo, se uma determinada empresa adquirir um veículo pesado de mercadorias e contratar um motorista habilitado à sua condução, para o conduzir, verificar-se-á o pressuposto da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI.
Mas uma empresa que adquira um veículo pesado de mercadorias, e já dispusesse nos seus quadros de um motorista habilitado à sua condução (que estivesse, por exemplo, afecto à condução de um veículo ligeiro de mercadorias), e contrate um colaborador para a limpeza das suas instalações, que também faça a lavagem e limpeza do veículo adquirido, não preencherá o referido pressuposto de criação de postos de trabalho, já que, embora o referido colaborador possa executar alguns serviços relacionados com o bem adquirido, não se poderá, em princípio, concluir que a sua contratação se relacione de forma causalmente adequada àquela aquisição.
Deverá ser assim este, julga-se, o critério para aferir da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI.”
[itálico, negrito e sublinhado nossos].
2. Por isso, o Tribunal Arbitral fixou, no seu sumário, o seguinte:
“I. Para acederem aos benefícios fiscais associados ao RFAI, aos sujeitos passivos cumpre provar que criaram postos de trabalho na sequência e em conexão com um investimento elegível para efeitos do RFAI (cf. artigo 2.º, n.º 3, alínea f), do “Regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009”, aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março, condição contida no atual artigo 22.º, n.º 4, alínea f), do novo Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro).
II. Neste âmbito, a “criação de postos de trabalho” refere-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, o sujeito passivo ter verificado um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
[itálico e sublinhado nossos].
3. Também, no Processo CAAD, nº. 652/2024-T, de 11-10-2024, e sobre esta mesma questão da «criação líquida de emprego”, foi fixado que: “2- Não é condição de acesso ao benefício fiscal RFAI a exigência de uma situação de “criação líquida de emprego” pelo sujeito passivo investidor” pelas razões que se transcrevem:
“A argumentação da AT, constante dos RIT’s, encontra-se sintetizada nos passos da resposta que, por simplicidade, a seguir se transcrevem:
Mais se acrescenta que, a par do cumprimento das condições específicas previstas no artigo 22.º/4-f) do CFI, terão igualmente que ser cumpridas as condições gerais previstas no RGIC, entre elas, a condição de “criação de emprego”, ou seja, que se verifique, em termos líquidos, um aumento efetivo do número de postos de trabalho, e, consequentemente, do número de trabalhadores do estabelecimento.
Esta condição de “aumento líquido do número de trabalhadores” encontra-se ainda definida no § 32 do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 2014-0616, no qual se estabelece ter de existir «O aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo (…).»
Por sua vez, o artigo 14.º/9-a) do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 2014-06-16, estipula que deve ocorrer «(…) Um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período.».
Acresce que alínea k) do ponto 20 das Definições das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 encontra-se a definição para “criação de emprego”: «Um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir, do número de postos de trabalho criados, os postos de trabalho suprimidos durante o mesmo período, expresso em unidades de trabalho anuais.»
Ou seja, na definição de “criação de emprego” está implícita, uma vez que a mesma abarca dois conceitos distintos, mas complementares:
• A criação líquida de postos de trabalho: «(…) após deduzir, do número de postos de trabalho criados, os postos de trabalho suprimidos durante o mesmo período (…)»;
• O aumento do nível de empregabilidade, esse aferido pelo «aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores (…) expresso em unidades de trabalho anuais», ajustado pela criação líquida de postos de trabalho.
Apreciando,
O tema é conhecido, tendo sido objeto de numerosas decisões arbitrais, numa jurisprudência que, se não pacífica, é largamente maioritária.
O relevante não será certamente, o número de decisões, mas sim o facto de este tribunal arbitral com elas se identificar.
(…)
“Sendo legalmente irrelevante, para efeitos de acesso ao RFAI, saber se houve ou não criação líquida de emprego pela empresa, considerada a globalidade do estabelecimento, resulta inútil apreciar a bondade dos critérios utilizados pela AT para concluir que não houve uma tal criação líquida de emprego.
Assim sendo, há que concluir também pela improcedência do segundo (e último) argumento fundamentador das liquidações impugnadas”.
4. Também o STA, no Processo nº. 411/16.0EPNF, nº 0411/16.0BEPNF, de 8-11-2023 (Relator FRANCISCO ROTHES) em que a AT dele interpôs recurso, veio fixar que “ III - No âmbito do RFAI 2009, nem a letra nem a ratio legis da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º autorizam a interpretação da expressão aí utilizada de criação de postos de trabalho com o sentido de criação líquida de emprego” com o argumentário que se transcreve:
“Antes do mais, é de notar que a AT não pôs em causa a ligação causal entre o investimento efectuado pela ora Recorrida e a criação dos empregos ocorrida em 2011 nem a sua manutenção durante o período de dedução. O que considera é que não houve criação de postos de trabalho porque esta condição só poderia considerar-se preenchida se «à data de 31 de Dezembro de 2011 se verifica[sse] um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos doze meses precedentes», o que não ocorreu. Ou seja, a AT sustenta que não basta a criação de postos de trabalho causada pelo investimento realizado, exigindo-se ainda que o número global de trabalhadores do sujeito passivo tenha aumentado.
Dando de barato que a alegação da Impugnante (de que «no exercício de 2011, em consequência do investimento relevante realizado, teve uma criação líquida de postos de trabalho de 8 colaboradores») não tenha sido objecto de julgamento por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel – que não a julgou provada nem não provada, como lhe competia (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT) – (O que, por si só, justificaria a devolução do processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, caso a tese de AT vingasse), a verdade é que a fundamentação em que a AT suportou a recusa da aplicação do benefício, de inexistência de criação líquida de emprego, nunca serviria o seu propósito, pois arranca de um erro na interpretação da norma em causa, como bem considerou a sentença recorrida. Por isso, permitimo-nos conhecer do recurso.
Desde logo, a letra da lei – que constitui «o ponto de partida da interpretação» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182, que assinala uma dupla função à letra da lei enquanto factor hermenêutico: por um lado, «uma função negativa», qual seja «a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei»; por outro lado, «uma função positiva», que se reconduz a dois efeitos, sendo o primeiro, que, «se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador» e o segundo «quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais de um significado)», «dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis».) –aponta nesse sentido. Na verdade, como bem assinalou a Juíza do Tribunal a quo, o legislador disse «investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º» (sublinhado nosso) e não que haja criação líquida de emprego nesse ou noutro período – expressões de sentido obviamente diverso –, apesar de ter utilizado expressamente esta segunda expressão relativamente a outros regimes de benefícios fiscais. Ora, o n.º 3 do art. 9.º CC impõe-nos presumir, não só «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas», como também que «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Mas ainda que se pudesse considerar que a letra da lei comportava o significado que a Recorrente lhe aponta – e, a nosso ver, não pode –, sempre teríamos de ter presente que «na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ibidem.). Ora, criação de postos de trabalho não se confunde com criação líquida de emprego, sendo que esta última expressão tem, manifestamente, um carácter bem mais restritivo que a primeira. Tenha-se presente que se aconselha redobrado cuidado na tarefa hermenêutica uma vez que nos situamos no âmbito de benefícios fiscais, que, como é sabido, se encontram a coberto do princípio da legalidade tributária (cfr. art. 8.º da LGT e art. 103.º da Constituição da República Portuguesa), o que proíbe a sua integração por analogia (cfr. art. 11.º, n.º 4, da LGT). Para além disso, as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais (cfr. art. 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), pelo que devem ser interpretadas nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições.
Mas não é só a letra da lei a apontar esse significado. Também a sua razão de ser (a ratio legis) – factor hermenêutico cuja consideração é imposta ao intérprete pelo n.º 1 do art. 9.º do CC (Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes procurando reconstituir a partir do seu texto o pensamento legislativo.) – vai no sentido de que a norma releva a criação efectiva (e ulterior manutenção durante o período da dedução) de postos de trabalho (Sendo de realçar que a AT, através da Ficha Doutrinária – Processo 2010 002853 e 2010 001800, divulgou já o entendimento de que é suficiente a criação de um posto de trabalho.), independentemente de ser positiva a relação entre o número absoluto dos trabalhadores nesse ano e no ano anterior, i.e., independentemente do efectivo aumento global do número de trabalhadores da empresa. Se não vejamos:
O RFAI 2019 integra-se no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, criado pela Lei 10/2009, de 10 de Março, programa que visou «promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social» (cfr. art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2009) e no seu âmbito incluíam-se medidas de «Apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da protecção social» [cfr. alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 3.º da Lei 10/2009).
O RFAI 2009 foi criado no âmbito do mesmo Programa como «um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento», conforme resulta do respectivo art. 1.º do mesmo Regime e é um regime que visa, essencialmente o investimento e não o emprego (o apoio ao investimento é calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados). Ou seja, o RFAI 2009 foi formulado como um incentivo ao investimento. Assim sendo, a criação de emprego é uma condição para a aplicação do benefício fiscal nele previsto, não é o seu objectivo principal, motivo por que bem se compreende que o legislador se tenha bastado com a «criação de postos de trabalho», ao invés de exigir, como noutros a criação líquida de emprego. Nesse contexto, a criação de postos de trabalho a que alude a alínea f) do n.º 3 do art. 2.º daquele regime, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, mas não o fundamento desse direito.
No mesmo sentido aponta o Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009 e que está na sua génese.
Na verdade, o referido Regulamento distingue dois tipos de apoios às PME: os apoios quantificados com base nos custos do investimento e os apoios quantificados com base nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento. É para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito de criação líquida de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica.
Ora, como deixámos já dito, o RFAI 2009 foi um apoio ao investimento, calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
Por isso, também a ratio legis não autoriza a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho para a interpretação a fazer da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º do RFAI 2009, que se refere a criação de postos de trabalho.
Concluímos, pois, que a expressão criação de postos de trabalho não pode ser interpretada, como pretende a Recorrente, com o sentido de criação líquida de postos de trabalho.
No caso, a AT reconhece que foram criados 5 postos de trabalho, que não põe em causa que se devem ter como causados pelo investimento relevante, o que basta para que se considere verificado o pressuposto da criação de postos de trabalho a que se refere a alínea f) do n.º 3 do art. 2.º do RFAI 2009.
Não pode, pois, proceder o recurso também nesta parte”. [Itálico, negrito e sublinhado nossos].
5. O Tribunal Arbitral não encontra razões e argumentos para discordar desta interpretação relativamente à norma contida na alínea f) do nº. 4 do artigo22º do CFI, na versão aplicável, pelo mérito dos argumentos expandidos. Por outro lado, certificando-se que já existe uma interpretação e aplicação uniforme da condição da criação de postos de trabalho no âmbito do RFAI, conforme nº. 3 do artigo 8º CC, considera, assim, demonstrado que a Requerente cumpriu a condição prevista nesse preceito, dado que o investimento relevante proporcionou directamente a criação de postos de trabalho, facto que a requerida AT admitiu.
II - QUANTO AOS JUROS COMPENSATÓRIOS LIQUIDADOS
1. A AT liquidou juros compensatórios pelas correcções que efectuou, no montante de 65.713,06 €, reportando-se os mesmos a ambas as correcções: a fundada na dupla tributação internacional e a decorrente dos benefícios fiscais que não considerou.
Ora, tendo o Tribunal dado provimento ao pedido da Requerente, quanto a estes benefícios fiscais, no montante de 504.090,08 €,impõe-se, por isso, anular o montante destes juros compensatórios, calculados para esta importância, pelas razões que a seguir se explanam.

2. Doutrinalmente, os juros compensatórios constituem um adicional ao imposto cuja liquidação ocorre quando, por facto imputável ao contribuinte, se verifica um retardamento da liquidação, em parte ou na totalidade do imposto devido. Neste sentido, os juros compensatórios são uma reparação dos prejuízos causados ao Estado pelo atraso na liquidação, um agravamento, uma cláusula penal legal, uma sobretaxa sem natureza sancionatória. Têm, por isso, subjacente uma ideia de ressarcimento do credor tributário pelo atraso na liquidação e pela indisponibilidade de determinada prestação, devidamente balizada no tempo, mas sem qualquer intuito sancionatório na sua liquidação ao sujeito passivo.
3. E, dessa forma, são definidos, no âmbito do Direito Fiscal, como uma compensação dada ao credor tributário, por certas utilidades concedidas ao devedor, com a função de completar a indemnização devida, compensando, dessa forma, o lesado pelo ganho perdido até total reintegração do seu crédito, como o fixou o TCA-Sul, no seu Acórdão proferido no processo 05908/12, de 27-11-2012:
“(…).
“5. No âmbito do direito tributário, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim compensando o prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. Os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, assim aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.35, da L.G.T.).
6. Não há confusão entre os juros compensatórios e os juros de mora, ambos passíveis de ser devidos à Fazenda Pública. Os primeiros pressupõem o atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, devido a motivo imputável ao contribuinte. Por sua vez os juros de mora pressupõem que o imposto, já liquidado, não foi pago no prazo fixado na lei ou pela Administração Fiscal (cfr.artº.86, nº.1, do C.P.P.T.)”.
4. A razão de ser dos juros compensatórios assenta, assim, num juízo de censura, na sequência de uma conduta, no mínimo, negligente, imputável ao sujeito passivo, que justifica a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Fisco pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido com suporte numa conduta ilícita ou de desvalorização normativa do quadro legal vigente, aplicável, nos termos do artigo 35º LGT, mormente os seus nºs. 1 e 6.
5. A este propósito, acresce, ainda, referir o estabelecido no nº. 1 do artigo 102º CIRC, que determina: “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária”., fixando no seu nº. 4 o que deva entender.se por retardamento da liquidação: “Entende-se haver retardamento da liquidação sempre que a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º seja apresentada ou enviada fora do prazo estabelecido sem que o imposto devido se encontre totalmente pago no prazo legal”.
Dito isto,
6. Haverá, agora, que indagar sobre os pressupostos da obrigação de pagamento de juros compensatórios e quais os factos que possam ter motivado o retardamento da liquidação, subjetivamente imputáveis ao sujeito passivo, sendo que, no que se refira à culpa, esta deve ser uma culpa em abstrato, o que significa que deve ser apreciada, em face das circunstâncias de cada caso, pela diligência do “bonus pater família” ou homem médio, devendo ter-se por verificado este requisito quando, em face das circunstâncias do caso e das regras da experiência, for de concluir que qualquer pessoa do círculo de relações do sujeito passivo poderia ter sabido que o seu comportamento violava normas jurídico-tributárias e podia e devia ter conformado o seu comportamento à observância dessas normas.
7. A obrigação de pagamento de juros em direito tributário depende, no essencial, dos mesmos pressupostos ou fundamentos de que depende a formação da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade por factos ilícitos e que a doutrina já há muito sistematizou: a) facto voluntário, b) ilícito, c) culpa, d) dano e) nexo de causalidade entre o facto e o dano, pressupostos estes que estão também presentes na obrigação de juros compensatórios, como decorre do artigo 35.º da LGT e confirmado no Acórdão do TCA-Norte, no Processo nº. 00233/06BEPNF, de 2-2-2102:
“I. A obrigação do pagamento de juros em direito tributário depende essencialmente dos mesmos pressupostos fundamentais de que depende a formação da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade por factos ilícitos e que a doutrina já há muito sistematizou [a) facto voluntário; b) ilícito; c) culposo; d) danoso; e) nexo de causalidade entre o facto e o dano], pressupostos estão também presentes na obrigação de juros compensatórios, como decorre do artigo 35.º da L.G.T.
II. Pressuposto da obrigação do pagamento dos juros compensatórios é, por isso, e desde logo, que o facto seja subjectivamente imputável ao sujeito passivo, isto é, que sobre ele possa recair um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente;
III. A culpa a considerar deve ser uma culpa em abstracto, o que significa que deve ser apreciada, em face das circunstâncias de cada caso pela diligência de um bom pai de família ou homem médio, devendo ter por verificado este requisito quando, em face das circunstâncias do caso e das regras da experiência, for de concluir que qualquer pessoa do círculo de relações do sujeito passivo poderia ter apreendido que o seu comportamento violava normas jurídico-tributárias e podia e devia ter conformado o seu comportamento à observância dessas normas (cfr. artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil)”
8. Deste modo, a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação, a título de dolo ou de negligência.
9. Ora, como a constituição da relação jurídica tributária consubstancia um pressuposto da obrigação tributária, só haverá lugar à prestação tributária se se verificar a ocorrência do facto tributário, sendo que, e independentemente da ocorrência do facto tributário, o sujeito passivo, nos termos do nº. do artigo 31º da LGT, está adstrito a um conjunto de obrigações acessórias, como a de apresentar as declarações que venham a ser necessárias para determinar o seu enquadramento fiscal, v.g., o nº. 2 do artigo 31º e, também o artigo 59º, ambos da LGT, de onde decorre, inevitavelmente, que cada sujeito passivo, em função do seu enquadramento fiscal, tem o dever de identificar e conhecer as suas obrigações tributárias, cumprindo-as de forma adequada, correcta e atempadamente. Acresce, ainda, dizer que a lei fiscal coloca ao dispor dos contribuintes mecanismos adequados, para, sempre que o entendam ou tenham dúvidas, possam solicitar informações, esclarecimentos ou apoio técnico, no sentido de que seja possível, a cada contribuinte, independentemente da sua forma jurídica, cumprir de forma correta e legal as respetivas obrigações tributárias, nos termos do nº. 3 do artigo 59º e artigo 68º todos da LGT.
No caso em apreço, a Requerente, enquanto sociedade, enquadrada no regime e âmbito do RETGS, tem a sua contabilidade organizada em conformidade com as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro [NCRF] e procedeu à entrega da sua declaração de Rendimentos de IRC, Modelo 22, em 6.7.2021, relativa ao lucro tributável do grupo do período de 2020, conforme o confirma a AT no RIT:

10. Para o que vem sendo discutido, a Requerente, no que se refere aos benefícios fiscais, deduziu a importância de 504.090,08 €que, no entender da AT, não deveria ter feito por não adequada interpretação do preceito contido na alínea f) do nº. 4 do artigo 22 do CFI, pelo que, nesse entendimento, a AT procedeu à sua correcção, para efeitos de liquidação adicional de IRC, tendo, também procedido à liquidação de juros compensatórios, conforme o comprova no seu RIT:

11. Em relação à Requerente, e pelo foi apreciado, verifica-se que esta cumpria aquele requisito da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, tendo assim direito à dedução à colecta desses benefícios fiscais, no montante de 504.090,08 €. E, assim, voltando à temática dos requisitos legais, em ordem à exigibilidade dos juros compensatórios, por parte da AT e no seguimento do que atrás se disse, não estão preenchidos os pressupostos legais para a sua liquidação por parte da AT, já que da parte da Requerente não se verificou um errado enquadramento jurídico-tributário e, daí, retardamento da liquidação do imposto devido com a entrega da declaração de rendimentos modelo 22-IRC do período de tributação de 2020 ou em fora do prazo legal, porquanto, à luz da lei, o erro de enquadramento é imputável à AT, não, havendo, sequer, da banda da Requerente qualquer atraso, seja na entrega da declaração de rendimentos, seja do imposto devido.
12. Pelo que, não se verificando os pressupostos legais para a exigibilidade de juros compensatórios, a sua liquidação enferma de ilegalidade, devendo, por isso, ser anulada na parte proporcional, correspondente à liquidação impugnada, ou seja, expurgando todos os juros compensatórios directamente relacionados com a verba de 504.090,08 €, considerando, apenas, os liquidados e decorrentes da dupla tributação internacional, esta no montante de 34.806,60 €.
III – QUANTO AO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATORIOS
1. No pedido de pronúncia arbitral, conjuntamente com a anulação do acto de liquidação de juros compensatórios, a Requerente pede o reembolso do valor pago indevidamente e o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos nos artigos 43.º e 100.º da LGT.
2. Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."
3. Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.
4. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto ou juros compensatórios por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
5. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios que a requerente reclama, o STA, em Pleno da Secção do CT, no Acórdão nº. 01611/11.4BELRS-A, de 26-5-2022, veio firmar que:
“I - Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão.
II - Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios”.
6. Também o Acórdão do TCAS, no Processo 1770/12.9BELRS, de 22-5-2019, vem reforçar o direito a juros indemnizatórios, bem como a «obrigação de restituição do imposto que houver sido pago», esta já, também e como anteriormente referimos, sufragada:
“1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).
3. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
4. As obrigações pecuniárias e de quantidade, como é o caso da obrigação de apuramento de juros indemnizatórios derivada do indevido pagamento de uma liquidação tributária, devem ser cumpridas de acordo com o princípio nominalista, em moeda que tenha curso legal no País, impondo a lei o pagamento de juros face a tal tipo de obrigações. O juro consiste no preço do dinheiro em função do tempo, remunerando o seu titular em face da sua disponibilização temporal a terceiro. Especificamente, os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada e imputável à Fazenda Pública (cfr.artºs.550 e 806, nº.1, ambos do C.Civil).
5. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.24, nº.1, do anterior C.P.Tributário; artº.43, da L.G.T.).
6. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
a) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b) Que o erro seja imputável aos serviços;
c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
7.[6] No âmbito do direito tributário, a interpretação de distinguir "erro" de "vício", como defende a doutrina e jurisprudência dominantes, e só relevar aquele, para efeitos de exame do direito a juros indemnizatórios, não é a que melhor garante a aplicação da teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário (cfr.artº.100, da L.G.T.). É que tal distinção pode conduzir a um tratamento diferenciado dos contribuintes, de forma injustificada.
8.[7] Cremos que a interpretação da expressão "erro imputável aos serviços" que melhor se estriba na letra da lei, considerando que a L.G.T. e o C.P.P.T. não distinguem os conceitos de "erro" e de "vício", deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do acto tributário. Nesse sentido vai, de resto, o estipulado no artº.100, da L.G.T., norma que deve ser concatenada com a do artº.43, nº.1, do mesmo diploma, a qual consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário, na mesma utilizando o legislador a expressão "ilegalidade" como fundamento da dita reconstituição. Ora, a expressão "ilegalidade" aqui utilizada comporta, também, a violação de normas de procedimento que, embora não contendam com a própria definição da relação jurídica tributária substantiva, viciam o acto de liquidação. Tal expressão, a "ilegalidade", é igualmente utilizada pelo legislador, e com a mesma amplitude, no corpo do artº.99, do C.P.P.T., quando define os fundamentos do processo de impugnação, espécie processual por excelência do contencioso tributário”.
7. Tal disposição tem apoio na alínea b) do nº. 1 do artigo 24º do RJAT, quando refere que “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária (…), nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, (…) restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.
8. Ainda e nos termos do nº. 5 do artigo 24º do RJAT, “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto no nº 1 do artigo 43º da LGT e para o nº. 5 do artigo 61º do CPPT, e que implica o pagamento de juros indemnizatórios “desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito”.
9. Nos presentes autos, dúvidas não subsistem de que existe erro imputável aos serviços, como já demonstrado e ainda pelo facto de o nº. 2 do artigo 43º da LGT, esta norma consignar que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.
10. Há, assim, lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou, indevidamente, à taxa de juro legal e a partir de um ano contado sobre a data da entrada do pedido de revisão oficiosa, no cumprimento do disposto na alínea c) do nº. 3 do artigo 43º da LGT [Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária].
11. Assim, por tudo o que se deixou dito, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos, de facto e de direito, vício que justifica a anulação da liquidação e o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº. 1 do artigo 163º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força da alínea c) do artigo 2º. da LGT.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, impõe-se concluir que estão preenchidos os pressupostos, de facto e de direito, no que se refere ao investimento relevante realizado, no âmbito do RFAI, em 2020 e que o mesmo originou a criação de postos de trabalho nos termos da alínea f) do nº. 4 do artigo 22º do CFI, julgando-se a impugnação procedente e, em consequência, anula-se a liquidação adicional de IRC n.º 2024..., de 25-6-2025, decorrente do processo de Inspecção à Requerente, credenciado pela Ordem e Serviço OI2024... e às sociedades dominadas e do perímetro fiscal da Requerente, B..., SA [...] e C..., SA [...], respectivamente, através das Ordens de Serviço OI2023... e OI2023..., na parte contestada (RFAI).
Termos em que se acorda, neste Tribunal Arbitral, na seguinte Decisão:
a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e anular a liquidação adicional impugnada de IRC, atrás identificado, quanto ao montante total impugnado de 504.090,08 €, por benefícios fiscais, ao abrigo do RFI e a que se refere a alínea f) do nº. 4 do artigo 22º do CFI e condenar a Administração Tributária ao reembolso do imposto indevidamente pago.
b) Anular, na parte proporcional e correspondente à liquidação impugnada, todos os juros compensatórios directamente relacionados com o montante de IRC que se manda anular (504.090,08 €), no montante de 61.620,45 €.
c) Face ao exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e 100.º, da LGT e artigo 61.º do CPPT, verificando-se a existência de erro em acto de liquidação de tributo, imputável aos serviços da AT, e daí resultando o pagamento de tributo em montante superior ao legalmente devido, julga-se procedente o pedido da Requerente quanto ao direito a juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante a reembolsar e a calcular nos termos legais.
d) Condenar a Requerida AT nas custas do processo, abaixo fixadas.
V - VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306º, n.º 1, do Código do Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força das alíneas a), b) e e) do nº. 1 do artigo 29º do RJAT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 569.803,14 €, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
VI – CUSTAS
Tendo em conta o valor da causa acima fixado, e nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código do Processo Civil, por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o montante das custas é fixado em 8.568,00 € (oito mil quinhentos e sessenta e oito euros), a cargo da requerida AT, pelo decaimento.
Lisboa, 27 de Junho de 2025.
O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro [RJAT], regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.
O Árbitro Presidente
(Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha)
O Árbitro Vogal
(Dr. Manuel da Fonseca Benfeito - Relator)
O Árbitro Vogal
(Dr.ª Sílvia Oliveira – com declaração de voto)
Declaração de Voto
Acompanho o sentido decisório porquanto não partilho do entendimento da Requerida de que para se poder beneficiar da RFAI se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” à expressão “criação líquida de postos de trabalho”.
Neste âmbito entendo que, para efeitos daquele benefício fiscal, não está “(…) em causa, para efeitos da verificação do cumprimento dos requisitos da RFAI, a aferição do número total de postos de trabalho (criados sem termo) (…), mas apenas a aferição de postos de trabalho especificamente criados pelo investimento realizado, ou seja, o número de trabalhadores admitidos (por causa do investimento), como condição indispensável ao benefício fiscal”.
Com efeito, na RFAI o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa seja elegível para usufruir do benefício fiscal em questão e, na medida em que, dele resulte (de forma causalmente adequada), a criação de posto(s) de trabalho e a sua manutenção devendo ser este o critério para aferir da criação de postos de trabalho previsto na alínea f) do nº 4 do artigo 22º do CFI. 3. E, como decorre da leitura da alínea c) do nº 9 do artigo 14º do RGIC, a mesma não faz qualquer referência a um “aumento líquido do número total de trabalhadores”.
Ora, nos respectivos RIT que deram origem à liquidação impugnada é referido (posição também assumida pela Requerida na Resposta) que, no âmbito do procedimento inspectivo, realizado na B..., tendo sido analisados “(…) os elementos remetidos pelo sujeito passivo não se tendo detetado irregularidades no cumprimento dos diferentes requisitos exigíveis (…) para que possa usufruir do presente benefício fiscal [RFAI] com exceção do requisito da criação de posto de trabalho (…)” entenderam os SIT que “(…) para poder beneficiar do RFAI é necessário que o investimento efetuado proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final dos 5 anos ou pelo período mínimo de manutenção dos investimentos, aplicável para Não PME (…)” mas “(…) o sujeito passivo demonstra a criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado. Contudo, e conforme definido no ofício circulado n.º 20259, terá que se verificar um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja uma efetiva criação de emprego”. Assim, “(…) atendendo a que B... não demonstrou a criação de emprego no estabelecimento em comparação com a média dos 12 meses anteriores ao investimento (…)” entenderam os SIT que “(…) verifica-se que os investimentos indicados pelo sujeito passivo como relevantes para o RFAI de 2020 não reúnem os requisitos para serem elegíveis por infração ao artigo 22.º, n.º 4, f) do CFI.” (sublinhado nosso).
Já no âmbito do procedimento inspectivo realizado na C..., entenderam os SIT que “(…) o sujeito passivo demonstra a criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado. Contudo, (…), terá que se verificar um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja uma efetiva criação de emprego. Tendo por base esta relação (…) verifica-se que o número de trabalhadores existente no final do ano de 2020 (período do investimento) é inferior à média dos 12 meses anteriores (ano de 2019) ao investimento realizado. (…)”. Por este facto, vieram os SIT entender que “(…) verifica-se que os investimentos indicados pelo sujeito passivo como relevantes para o RFAI de 2020 não reúnem os requisitos para serem elegíveis por infração ao artigo 22.º, n.º 4, f) do CFI. (…)” (sublinhado nosso).
Nesta matéria, como anteriormente defendi na Decisão Arbitral que relatei no âmbito do P 753/2023-T, "(…) tendo em conta que, (…), não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” à expressão “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático e, nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho” será a de que a “criação de postos de trabalho”, pressuposta pelo benefício fiscal em questão, se refere à criação de postos de trabalho e à sua manutenção pelo período exigido, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter ou não tido um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço” (negrito e sublinhado nosso).
Nestes termos, dado ser este o único requisito associado à RFAI que a Requerida não aceitou, concordo que seja procedente o PPA.
Sílvia Oliveira