Sumário:
O tribunal arbitral é incompetente ratione materiae para a apreciação do litígio que tenha como objeto a contribuição sobre o sector bancário por se tratar de tributo que reveste a natureza jurídica de contribuição financeira.
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, representante permanente de sociedade comercial anónima italiana, com número de identificação fiscal e de pessoa coletiva ... morada na Rua ..., n.º ..., ...-..., Lisboa , vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzida contra a autoliquidação da contribuição sobre o sector bancário referente ao ano de 2020, no montante de € 152.345,07, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sucursal em Portugal de uma instituição de crédito com sede em Itália, o B... S.P.A, encontrando-se registada junto do Banco de Portugal e dedica-se exclusivamente à atividade de factoring, com e sem recurso à aquisição, gestão e cessão de portfólios de créditos, no setor farmacêutico, e à prática de outros atos relacionados ou necessários à prossecução dessa atividade.
Neste contexto, as relações comerciais e financeiras da Requerente limitam-se às existentes com o seu head-office, sediado em Itália e com clientes do setor farmacêutico, junto dos quais desenvolve a sua atividade de factoring.
Por outro lado, a Requerente não receciona depósitos ou outros fundos reembolsáveis do público, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), o qual prevê as atividades reservadas a bancos ou instituições de crédito.
A Requerente procedeu à autoliquidação do montante da Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) referente ao período de tributação de 2020, mediante apresentação, em 24 de junho de 2020, da declaração Modelo 26, no qual apurou o montante da CSB a pagar de € 152.345,00, montante que foi integralmente pago.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Regulamento da CSB, a base de incidência correspondente ao referido montante da CSB autoliquidado pela Requerente corresponde à média anual dos saldos mensais da conta de passivos da Requerente para o ano de 2019, perfazendo um valor médio anual de € 138.495.517,82, ao qual foi aplicado a taxa da CSB de 0,110% prevista para o período de tributação de 2020, perfazendo o referido valor de € 52.345,07.
Segundo as instruções de preenchimento da declaração Modelo 26, a Requerente incluiu, no referido valor médio de € 138.495.517,82, uma alocação de capital da instituição de crédito não residente a que esta pertence (B..., SPA), registada no seu passivo com valor médio anual para o período de tributação de 2020 de € 125.527.060,59.
Ora, pese embora ao abrigo das regras contabilísticas aplicáveis, tais montantes tenham sido objeto de reconhecimento no passivo da Requerente, o regime deste passivo é totalmente distinto do tipo de passivos que devem estar sujeitos a CSB, pois trata-se de um passivo da Requerente perante o seu head-office que, num cenário de aplicação das medidas de resolução previstas no artigo 145.º-L e seguintes do RGICSF, a Requerente, nunca poderá beneficiar de qualquer compensação financeira prestada à B..., S.P.A., por parte do Fundo de Resolução previsto nos artigos 153.º-B e seguintes do RGICSF.
Desta forma, a Requerente apresentou, em 21 de junho de 2024, um pedido de revisão do ato tributário, solicitando a anulação da liquidação em causa e o reembolso da CSB suportado indevidamente, pedido que foi objeto de indeferimento.
A Requerente discorda da decisão de indeferimento, por entender que esta não se pronunciou quanto à violação do princípio da igualdade e equivalência decorrente da imposição à Requerente de montantes da CSB, que, revertendo para o Fundo de Resolução, não resultarão, no futuro, na obtenção por esta entidade de qualquer benefício, e, adicionalmente, entende que a argumentação da Autoridade Tributária, no que diz respeito à violação da liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, reflete uma interpretação errónea da jurisprudência dimanada do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão proferido no Processo n.º C-340/22.
Cumpre salientar que, na jurisprudência administrativa e constitucional, tem sido reiteradamente aceite que a CSB assume a natureza de uma contribuição financeira e a Requerente não contesta essa qualificação, que assim se distingue dos impostos e das taxas.
A caracterização da CSB como contribuição financeira tem importantes consequências relativamente ao tipo de relação com a administração pública.
Se o critério da capacidade contributiva se revela adequado a regular e limitar e imposição de impostos, o mesmo não sucede relativamente a contribuições financeiras como a CSB que assentam num benefício presumivelmente obtido por um grupo de entidades em resultado de uma qualquer atuação da administração pública, sendo que, nestes casos, o critério da equivalência é o mais adequado para aferir da compatibilidade constitucional dos regimes de contribuições financeiras com o princípio da igualdade, concluindo-se que uma entidade só pode ser “sujeito passivo da CSB, na medida em que integre o grupo de entidades que poderão ser causadoras dos custos a financiar por tal contribuição financeira ou que poderão beneficiar da atuação pública que a mesma se destina a financiar”.
Por outro lado, entende a Requerente que a Autoridade Tributária está obrigada, não só a desaplicar normas de direito interno ordinário, relativas ao Regime da CSB, por violação de princípios constitucionais, como também por violação do direito europeu, em função do princípio do primado previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
Neste plano, a Requerente considera que a situação de instituições de crédito residentes e participantes no Fundo de Resolução não é equivalente à de sucursais como a Requerente, cuja atividade se restringe ao factoring, não abrangendo o recebimento de depósitos e outros fundos reembolsáveis, nem a concessão de crédito por conta própria e que, por isso, não gerem os níveis de risco sistémico resultantes destas atividades.
Assim sendo, a CSB, quando aplicável a sucursais de instituições de crédito sediadas na UE que não se dediquem efetivamente ao recebimento de depósitos e outros fundos reembolsáveis do público e à concessão de crédito por conta própria, e não gerem os riscos sistémicos daí advenientes, traduz-se numa prestação fiscal unilateral exigida a entidades que nunca poderão tirar qualquer benefício, ainda que remoto ou potencial, dessas prestações, correspondendo a um verdadeiro imposto, na medida em que não encontra qualquer justificação, ao abrigo do principio da equivalência.
Peticiona assim a Requerente que seja reconhecida a inconstitucionalidade e ilegalidade da interpretação que subjaz à autoliquidação da CSB, por erro de direito e violação dos princípios da equivalência e igualdade e do disposto no artigo 4.º, n.º 3, da LGT.
Acresce que o Regime da CSB, ao tributar as sucursais de instituições de crédito residentes noutros Estados-Membros da UE pela totalidade do seu passivo, não lhes concedendo a possibilidade concedida às instituições de crédito residentes de deduzir os instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios e não cobertos pelo Fundo de Resolução, colide com o princípio da não discriminação em razão da residência e consubstancia uma limitação à liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49.º e 54.º do TFUE.
Pelo que o figurino da CSB determina que as sucursais de instituições de crédito se encontram sujeitas a tributação sobre a totalidade do seu passivo bruto, ao passo que as instituições de crédito residentes em Portugal se encontram sujeitas a tributação sobre o seu passivo líquido, deduzido dos respetivos capitais próprios.
É inequívoco que o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Regime da CSB, em conjugação com os artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da CSB impõem um tratamento diferenciado consoante a estrutura do sujeito passivo possua contornos puramente domésticos (sociedade sedeada em Portugal) ou uma dimensão europeia (sucursal de uma sociedade sedeada noutro Estado-Membro). Na primeira situação, uma instituição de crédito com sede em território nacional encontra-se sujeita a tributação sobre o seu passivo líquido, passivo deduzido dos respetivos capitais próprios ou instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios. Enquanto na segunda situação, uma sucursal de uma instituição de crédito com sede fora do território nacional encontra-se sujeita a tributação sobre o seu passivo bruto, impedida de qualquer dedução a título de capitais próprios ou instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios.
Verifica-se, assim, um tratamento discriminatório, em razão da residência, em matéria de tributação em sede da CSB, que constitui, por conseguinte, uma limitação à liberdade de estabelecimento, proibida pelos artigos 49.º e 54.º do TFUE.
Conclui pela procedência do pedido arbitral e a consequente anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da liquidação da CSB com o n.º..., e a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido, porquanto nos termos do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a Administração Tributária vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD no que se refere à apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida que se encontrem referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro, com excepção de pretensões elencadas nas diversas alíneas desse artigo, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição e não imposto.
Importa ainda reter que o objetivo que presidiu à criação da contribuição para o sector bancário foi o de criar um tributo com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados, assim se evitando que sejam os contribuintes a suportar as perdas e os encargos gerados pelo sector bancário, não havendo motivo para considerar verificada a violação do princípio da equivalência, entendido como um meio de impedir que se introduzam nos tributos comutativos diferenciações alheias ao custo ou ao benefício.
Acresce que o cálculo da base de incidência da contribuição sobre o sector bancário não toma como ponto de partida o valor total do passivo deduzido do valor dos capitais próprios - como se pretende fazer crer - , mas antes o valor do passivo deduzido do valor dos elementos que, embora fazendo parte integrante do passivo que figura no balanço, têm características de capital próprio, sendo assim de refutar a ideia de que há um alargamento da base tributável das sucursais.
E, por outro lado, não se encontra vedado às sucursais a dedução de capitais próprios, estando na disponibilidade da sucursal qualificar os fundos que lhe são afetos pela Sede como como passivo ou como capital próprio, em função de serem, ou não, passíveis de remuneração e do caracter de permanência. Ou seja, a incidência objetiva é igual a todos os sujeitos passivos abrangidos pela CSB, e, aliás, a diferenciação no sentido de excluir as sucursais geraria distorções de concorrência.
E, nestes termos, não se deteta nos normativos que constituem o regime jurídico da contribuição sobre o sector bancário qualquer tratamento desfavorável das sucursais de instituições de crédito com sede em Estados Membros da União Europeia suscetível de violar a liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Conclui pela procedência da exceção dilatória invocada e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.
2. Por despacho arbitral de 17 de fevereiro de 2025, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção, tendo respondido pelo requerimento de 5 de março seguinte no sentido da improcedência da exceção invocada.
Por despacho arbitral de 9 de março, a Requerente foi notificada para dizer se mantêm interesse na produção da prova testemunhal, dada a sua aparente desnecessidade. Tendo sido considerado necessária a produção da prova, pelo requerimento de 19 de março, foi agendada a reunião a que se refere o artigo18.º do RJAT, com inquirição de testemunha, para o dia 29 de abril de 2025.
O processo prosseguiu para alegações escritas, por prazo sucessivo, que foram apresentadas em 13 e em 29 de maio, em que as partes mantiverem as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 8 de janeiro de 2024.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II - Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma sucursal em Portugal de uma instituição de crédito com sede em Itália, o B... S.P.A, encontrando-se assim registada junto do Banco de Portugal.
B) A Requerente dedica-se à atividade de factoring, com e sem recurso, à aquisição, gestão e cessão de portfólios de créditos, no setor farmacêutico, e à prática de outros atos relacionados ou necessários à prossecução dessa atividade.
C) A Requerente não receciona “depósitos ou outros fundos reembolsáveis” do público, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
D) A Requerente procedeu à autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (CBS), referente ao período de tributação de 2020, mediante apresentação da declaração Modelo 26, em 24 de junho de 2020, no qual apurou um montante a pagar de € 152.345,07.
E) A Requerente procedeu ao pagamento da CSS em 26 de junho de 2020.
F) A Requerente apresentou, em 21 de junho de 2024, um pedido de revisão oficiosa contra o ato de autoliquidação.
G) O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho do Chefe de Divisão do Serviço Central, de 24 de julho de 2024, praticado com subdelegação de competência, e notificado por carta registada de 27 de julho de 2024.
H) O despacho de indeferimento baseia-se na informação dos serviços n.º 190-AIR1/2024, que constitui o documento n.º 5 junto ao pedido arbitral, e que aqui se dá como reproduzida.
I) O pedido arbitral deu entrada em 24 de outubro de 2024.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.
Não há factos não provados que interessem para a decisão da causa.
Pelas razões que serão consideradas adiante, a prova testemunhal produzida é irrelevante para o sentido decisório.
III - Saneamento
Incompetência do tribunal arbitral
5. A Autoridade Tributária suscitou a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido arbitral, tendo como objeto a contribuição sobre o sector bancário, por considerar que se trata de uma contribuição financeira, baseando-se no sentido interpretativo a atribuir ao artigo 2.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março - que estabelece a vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição do CAAD -, fazendo notar que, nos termos desse preceito, o objeto da vinculação se cinge à apreciação de pretensões relativas a impostos, com a necessária exclusão dascontribuições financeiras.
Em sentido oposto, a Requerente defende que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 contém uma remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, segundo o qual a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das declarações de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, e, nesse sentido, define o âmbito de competência dos tribunais arbitrais por referência a tributos que, segundo o disposto no artigo 3.º, n.º 2, da LGT, inclui os impostos, as taxas e as contribuições financeiras.
Por outro lado, interpretada no sentido de que opera uma restrição da vinculação dos tribunais arbitrais a pretensões relativas a impostos, o artigo 2.º do RJAT viola os artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição, na medida em que permite, através de regulamento, regular inovatoriamente matéria incluída na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República.
Acrescenta que, ainda que se entenda que a CSB não é qualificável como um imposto, constitui, em todo o caso, um tributo cuja administração compete à Autoridade Tributária e que se insere no âmbito da vinculação à jurisdição arbitral para os efeitos do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011.
A Requerente alega ainda que se dedica exclusivamente à atividade de factoring no setor farmacêutico, não tendo quaisquer relações comercias com entidades residentes ou localizadas em território nacional, o que conduz a concluir que não gera risco sistémico no sistema bancário português, nem tem qualquer responsabilidade grupal que justifique a sujeição à CSB.
No presente caso, a questão que primeiramente cabe analisar é a da inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por violação do princípio da hierarquia das normas estabelecido no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição. RP, quando interpretada no sentido de restringir a delimitação do âmbito da jurisdição arbitral definida no artigo 2.º do RJAT.
Em vista a enfrentar essa questão, cabe delimitar, a título introdutório, o âmbito aplicativo de cada uma dessas disposições.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do falado artigo 2.º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria colectável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, dispõe o seguinte:
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa por conseguinte um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.
Nesse sentido, a Portaria de vinculação tem uma finalidade semelhante à que decorre do n.º 2 do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para a arbitragem administrativa. Nos termos desta disposição, a partir do momento em que cada ministério assume, por portaria, a sua vinculação à jurisdição dos centros de arbitragem, ele fica vinculado a submeter-se a uma decisão arbitral, relativamente aos tipos de litígios compreendidos no âmbito da portaria. Trata-se de um instrumento colocado na livre disponibilidade dos ministérios, que são livres de assumirem, por portaria, a sua vontade de se submeterem à arbitragem dos centros institucionalizados relativamente a certos tipos de litígios e dentro de certos limites, sendo essa opção da Administração que confere aos interessados o direito potestativo de se dirigirem a um centro de arbitragem para dirimirem litígios que possam ser submetidos aos tribunais arbitrais (cfr., Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Coimbra, pág. 1340).
Ainda a este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela a Autoridade Tributária - o que conduz ao afastamento dos que sejam administrados pelas Regiões Autónomas ou consignados a outras entidades públicas.
Não parece, em todo o caso, que esse segundo nível de delimitação da competência dos tribunais arbitrais se confronte com o disposto no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição.
Em primeiro lugar, a norma constitucional, ao estabelecer que uma lei não pode “conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”, não proíbe os chamados reenvios normativos, designadamente nos casos em que a lei remete para a administração a edição de normas complementares da disciplina por ela estabelecida. Nessa circunstância, as normas mantêm a sua natureza e hierarquia e o reenvio da lei para regulamento está também sujeito aos limites constitucionais da reserva de lei, não podendo a lei, no âmbito da reserva de lei, deixar de esgotar toda a regulamentação primária das matérias, só podendo remeter para o regulamento os aspetos secundários (neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II vol, 4.ª edição, Coimbra, pág. 70).
Ora, o artigo 2.º da Portaria de vinculação não alterou nem restringiu o âmbito de jurisdição arbitral em matéria tributária, o qual continua a encontrar-se definido, nos mesmos precisos termos, no artigo 2.º do RJAT. O que sucede é que é a própria lei que disciplina a arbitragem tributária que, através do seu artigo 4.º, condiciona a vinculação da Administração Tributária aos tribunais arbitrais à emissão de um regulamento que se destina determinar, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Em primeiro lugar, importa ter presente que a remissão para diploma regulamentar da definição do âmbito da vinculação da Administração à arbitragem tributária teve justamente em vista permitir que fossem os departamentos governamentais com competências administrativas na gestão do sistema fiscal e judiciário que pudessem aferir da viabilidade do regime legal, tendo em consideração o carácter inovador do recurso à arbitragem em matéria tributária e ausência de quaisquer dados experimentais sobre a eficácia do sistema.
Por outro lado, um segundo nível de limitação do âmbito da arbitragem tributária por via regulamentar encontra-se justificado por razões de política legislativa e nada obstava que a Portaria de vinculação viesse a estabelecer critérios mais restritivos do que os legalmente previstos, quer quanto ao elenco de pretensões a que a Administração poderia vincular-se, quer quanto ao valor processual dos litígios que pudessem ser submetidos à arbitragem ou à composição do tribunal arbitral.
Neste contexto, não oferece especial dúvida que a entidade com competência regulamentar pudesse optar por restringir a vinculação às pretensões referidas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que apenas fossem incidentes sobre impostos, e deixasse de fora as questões relacionadas com taxas e contribuições que, além do mais, poderiam gerar uma maior grau de conflitualidade e de incerteza quanto à qualificação jurídica e exigir uma maior especialização por via da especificidade das questões que pudessem suscitar-se.
Em todo o caso, não há uma qualquer violação do princípio da hierarquia das normas, porquanto o regulamento em causa não alterou o âmbito de competência dos tribunais arbitrais que resulta do artigo 2.º do RJAT e limitou-se a definir o regime de vinculação à jurisdição arbitral justamente por efeito da remissão normativa efetuada pela lei.
Por identidade de razão, não se verifica a violação do princípio de reserva de lei a que se referem os artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea p). da Constituição. Por um lado – como se explicou -, a Portaria de vinculação não incide sobre matéria de competência dos tribunais que se encontre coberta pela reserva relativa da competência da Assembleia da República; e, por outro lado, a Portaria não regula aspetos primários do regime da arbitragem tributária - como seria o caso se incorporasse regras inovadoras sobre a matéria da competência -, mas visa concretizar o âmbito da vinculação à arbitragem tributária o que apenas poderia ter lugar por via regulamentar, visto que só as entidades com competências administrativas podem tomar opções quanto aos critérios e limites que deverão ser estabelecidos na sujeição da Administração Tributária à jurisdição arbitral.
6. A introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, foi implementada pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no uso de autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária” (n.º 1) e admitiu o processo arbitral tributário como um “meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (n.º 2).
O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT) concretizou a mencionada autorização legislativa com um âmbito mais restrito do que o inicialmente previsto, não tendo contemplado a competência para a ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária e limitou a arbitragem tributária às matérias elencadas no seu artigo 2.º, excluindo diversas das competências dos tribunais tributários referidas no artigo 97.º, n.º 1, do CPPT que são exercidas através do processo de impugnação judicial.
Acresce que – como se viu - a vinculação da Administração Tributária aos tribunais arbitrais ficou condicionada à emissão de portaria dos membros do Governo das áreas da justiça e das finanças, que veio a limitar o âmbito da vinculação a pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.
Como não pode deixar de reconhecer-se - revertendo agora à análise do caso -, a letra da lei é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe uma função negativa destinada a eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou correspondência com o enunciado verbal, e uma função positiva que se traduz em escolher de entre os sentidos possíveis da norma aquele que corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico jurídico.
E, por outro lado, a interpretação da lei fiscal rege-se pelos critérios que resultam do artigo 9.º do Código Civil e “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei” (artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
É assim evidente que se o legislador recorre ao conceito amplo de tributos na norma legal que define a competência dos tribunais arbitrais (artigo 2.º, n.º 1, do RJAT) e utiliza o conceito mais restrito de impostos na Portaria de vinculação (proémio do artigo 2.º), isso só pode significar que a expressão verbal tem, em qualquer dos casos, o sentido técnico jurídico que lhe corresponde e, por conseguinte, não pode extrair-se a conclusão de que a lei e o diploma regulamentar pretendem referir-se à mesma realidade jurídica quando se referem a tributos ou a impostos. Aliás, dificilmente se poderia compreender que as leis fiscais devessem ser interpretadas, sem qualquer particularismo, segundo os citérios de interpretação consagrados no direito civil, mormente quando estivessem em causa “termos próprios de outros ramos de direito”, e já não houvesse que aplicar esse princípio quando estejam em causa termos próprios do direito fiscal.
E mesmo numa interpretação sistemática da lei, o intérprete deve dar prevalência ao sentido que permita garantir a concordância material com outras disposições do sistema, e, no contexto significativo da norma que está em causa, essa concordância terá de ser estabelecida em relação ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que define o âmbito de competência dos tribunais por referência a tributos, e no artigo 3.º, n.º 2, da LGT, que inclui no conceito amplo de tributos os impostos, as taxas e as contribuições financeiras. Tendo usado o autor da portaria de vinculação um conceito com um significado jurídico preciso para delimitar o âmbito da vinculação (pretensões relativas a impostos), não faria sentido, mesmo numa interpretação baseada no elemento sistemático, que se atribuísse a esse enunciado linguístico um sentido não consentâneo com a unidade do sistema.
E não pode ignorar-se - como ficou dito – que o elemento literal constitui o limite da interpretação e condiciona a ulterior atividade do intérprete, pelo que só poderá partir-se para uma interpretação ampla se o preceito não contiver um sentido literal inequívoco que se enquadre com a finalidade que se pretendeu atingir (sobre estes últimos aspetos, Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 7.ª edição, págs. 457-458).
E é no sentido acabado de expor que se tem posicionado a doutrina: Sérgio Vasques/Carla Castelo Trindade, “O âmbito material da arbitragem tributária”, “Cadernos de Justiça Tributária”, n.º 00 (Abril/Junho 2013), págs. 24-25; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Coimbra, 2016, pág. 78; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso tributário, vol. II, Coimbra, 2017, págs. 439 e seguintes.
Natureza jurídica da contribuição sobre o sector bancário
7. A Requerente alega ainda que, por efeito do alargamento do âmbito de incidência subjetiva do tributo às sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede fora do território nacional, operado pelo artigo 185.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, a contribuição sobre o sector bancário passou a assumir as características de unilateralidade próprias de um imposto, na medida em que incide sobre entidades que não participam no Fundo de Resolução, nem beneficiam das medidas que possam ser implementadas por esse Fundo no quadro da prevenção do risco sistémico do sector bancário, em especial, quando as sucursais se dedicam à atividade de factoring, não abrangendo o recebimento de depósitos e outros fundos reembolsáveis.
Tal como vem colocada, a questão remete-nos para a indagação quanto à natureza jurídica desse tipo de contribuição, não podendo deixar de ter-se em consideração o recente acórdão do STA de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 02340/13), que, com desenvolvida fundamentação, caracterizou a contribuição sobre o sector bancário (CBS) como uma contribuição financeira (em idêntico sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2 de dezembro de 2020, Processos n.ºs 02518/15 e 0217/15).
A CSB foi criada pelo artigo 141.º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), como uma contribuição extraordinária, tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora da União Europeia (artigo 2.º). Tem como âmbito de incidência objetiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido dos fundos próprios de base (Tier 1) e complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos pelo Fundo da Garantia de Depósitos, e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos (artigo 3.º).
Entretanto, a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento de Estado para 2016), alargou o âmbito de incidência subjetiva, passando a incluir “as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português” e alterou a incidência objetiva, tomando por referência “o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido”.
A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada anualmente por transmissão eletrónica de dados, até ao último dia do mês de Junho (artigo 5.º) e paga até ao último dia do prazo estabelecido para o envio da declaração, sendo o pagamento efetuado nos termos do n.º 1 do artigo 40.º da Lei Geral Tributária (artigo 6.º).
À liquidação, cobrança e pagamento da contribuição aplica-se subsidiariamente o disposto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário (artigo 7.º).
A base de incidência, as taxas aplicáveis, bem como as regras de liquidação, de cobrança e de pagamento da contribuição foram regulamentadas pela Portaria nº 121/2011, de 30 de Março.
Importa ainda notar que a CSB constitui receita do Fundo de Resolução, criado mediante a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, ao Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigo 153.º-F, alínea a)) e definido como pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, que funciona junto do Banco de Portugal (artigo 153.º-B). O Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas (artigo 153.º-C) e nele participam obrigatoriamente, entre outras entidades, as instituições de crédito com sede em Portugal (artigo 153.º-D).
O próprio Relatório do Orçamento de Estado para 2011 explica a génese da contribuição sobre o sector bancário em termos suficientemente elucidativos quanto aos objetivos que se pretendiam atingir.
Aí se afirma (pág. 73):
«A Proposta do Orçamento do Estado para 2011 procede ainda à criação de uma contribuição sobre o sector bancário na linha daquelas que foram já́ introduzidas noutros Estados Membros, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos, protegendo também, assim, os trabalhadores do sector e os mecanismos de segurança social.
A contribuição incide, assim, sobre as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, sobre as filiais de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e sobre as sucursais, instaladas em território português, de instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em Estados terceiros».
As modificações introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, são ainda justificadas, no Relatório do Orçamento de Estado para 2016, pela “necessidade de, por um lado, assegurar uma repartição de risco mais adequada entre os contribuintes e o sector bancário e, por outro, num contexto de aumento das responsabilidades do Fundo de Resolução, estabelecer um nível de contribuições que assegure a sua solvência inequívoca. Adicionalmente, neste Orçamento introduz-se, pela primeira, uma lógica de tratamento igualitário de todos os participantes no mercado, independentemente do seu estatuto”.
Face ao regime jurídico sucintamente descrito, a CSB tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto dos regulados à respetiva entidade ou agência de regulação.
Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respetivos sujeitos passivos, nem se caracteriza como um imposto, pois que não se verifica o requisito de unilateralidade: não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, antes se pretendendo que o sector financeiro contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua atividade.
E a sua natureza não é afastada pela circunstância de as receitas provenientes da CSB serem consignadas ao Fundo de Resolução, porquanto o Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas pelo Banco de Portugal e visa a prevenção dos riscos sistémicos do sector bancário. Esse mesmo objetivo é assinalado na nota preambular da Portaria nº 121/2011, onde se refere que os elementos essenciais da CSB são definidos “em termos semelhantes aos de contribuições já introduzidas por outros Estados membros da União Europeia, com o duplo propósito de reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados”.
Como se conclui no citado acórdão do STA de 19 de Junho de 2019, a motivação legislativa constante dos diplomas que regularam a contribuição para o sector bancário e o Fundo de Resolução legitima a ilação de que a contribuição visou, em primeiro lugar e desde o início, atenuar as consequências resultantes das intervenções públicas no sector financeiro, face à situação de crise financeira então desencadeada no âmbito desse mesmo sector, reconduzindo-se a um instrumento de apoio na prevenção dos inerentes riscos do sistema, não se destinando a colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado.
Trata-se, nestes termos, de um tributo que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efetiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.
E nesse mesmo sentido se pronunciaram, entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.º 347/2017-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 280/2019-T, 855/2019-T e 868/2019-T.
8. A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade pública a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (ob. cit., I vol., pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).
Outros Autores sublinham que as contribuições financeiras assentam no princípio da equivalência (e não no princípio da capacidade contributiva), como forma de legitimação e parâmetro de distribuição dos encargos tributários, destacando que “neste tipo de tributos, há características homogéneas de certos sujeitos passivos (homogeneidade de grupo) que justificam que a tributação incida especialmente sobre eles, quer pela ligação especial do grupo ao fim público cuja tributação pretende especificamente concretizar (responsabilidade de grupo), quer pelo aproveitamento potencial pelo grupo daquele tributo, diferente do dos outros membros da comunidade (aproveitamento de grupo)” (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 53).
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o acórdão n.º 365/2008).
Em todo o caso, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos, que se caracterizam como sendo uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativamente pelo Estado ou por uma entidade pública, visando a obtenção de receitas para a satisfação de necessidades e fins públicos.
A Requerente refere, no entanto, que, no que respeita às sucursais de instituições de crédito com sede fora do território nacional, a contribuição para o sector bancário tem as características próprias de um imposto, visto que essas entidades não contribuem para o agravamento do risco sistémico do sector financeiro português nem beneficiam de quaisquer prestações compensatórias que possam ser instituídas com o objetivo de mitigar esse risco.
Mas não é assim.
Como se deixou esclarecido, a contribuição sobre o sector bancário foi instituída, não apenas para aproximar a carga fiscal suportada pelo sector financeiro da dos restantes sectores da economia, mas também para assegurar o apoio financeiro à aplicação de medidas pelo Banco de Portugal na prevenção dos riscos inerentes do sistema. E, sendo assim, não pode deixar de entender-se que as medidas que venham a ser implementas com esse objetivo aproveitam ao sistema financeiro no seu conjunto, independentemente de certas instituições bancárias poderem não ser participantes do Fundo de Resolução e não beneficiarem diretamente das operações financeiras que foram desenvolvidas com os recursos disponíveis do Fundo.
O certo é que as sucursais em Portugal de instituições de crédito não sediadas no território nacional integram o sistema financeiro e retiram vantagem de medidas que, ainda que não lhes sejam dirigidas, visam a prevenção do risco sistémico do sector financeiro, encontrando-se preenchido, nessa medida, o requisito da bilateralidade genérica que caracteriza as contribuições financeiras.
De resto, como resulta do Relatório do Orçamento de Estado para 2016, há pouco citado, a extensão da incidência subjetiva da contribuição sobre o sector bancário, operada pela Lei n.º 7-A/2016, teve a intencionalidade de sujeitar a tributação “todos os participantes no mercado, independentemente do seu estatuto”, desligando o encargo tributário da estrita qualidade de instituição participante no Fundo de Resolução. Além de que – como também se concluiu – a lógica dos tributos paracomutativos é a de incidir sobre um grupo de sujeitos passivos que possam beneficiar de uma contraprestação homogénea de cariz coletivo, e não necessariamente de uma contraprestação individualizada.
9. A Requerente alega, por último, que ainda que não possa ser qualificada como um imposto, a CSB constitui um tributo cuja administração compete à Autoridade Tributária e, como tal, se insere no âmbito da vinculação à jurisdição arbitral para os efeitos do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011.
O argumento é obviamente improcedente.
O referido preceito da Portaria n.º 112-A/2011 delimita o âmbito de vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral por referência a litígios que preencham cumulativamente dois seguintes requisitos: (a) tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos; (b) e se trate de impostos cuja administração lhe esteja cometida.
Tendo-se concluído que o CSB constitui uma contribuição financeira está necessariamente afastada a possibilidade de serem submetidos à jurisdição arbitral os litígios que tenham por objeto esse tipo de tributo. Por outro lado, a exigência de que os impostos em causa sejam administrados pela Autoridade Tributária tem unicamente em vista excluir as pretensões relativas a impostos cujo lançamento, liquidação e cobrança não se encontre atribuída à Autoridade Tributária, o que poderá suceder relativamente a impostos administrados pela Região Autónoma da Madeira no âmbito do poder tributário próprio (Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro). Esta segunda limitação, sendo cumulativa, não pode ser lida como respeitando a todas as espécies de tributos já que o se pretende é circunscrever a vinculação à arbitragem tributária às pretensões relativas a impostos que a Autoridade Tributária administra.
Em conclusão: tendo o presente pedido arbitral como objeto a contribuição sobre o sector bancário que reveste a natureza jurídica de contribuição financeira, o tribunal arbitral é incompetente ratione materiae para a apreciação do litígio.
III – Decisão
Termos em que se decide declarar a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e, em consequência, em absolver a Requerida da instância.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 152.345.07, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 17 de junho de 2025
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Marcolino Pisão Pedreiro
O Árbitro vogal
Vítor Braz