Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1232/2024-T
Data da decisão: 2025-06-27  IRS  
Valor do pedido: € 1.500,00
Tema: IRS – Falta de constituição de mandatário judicial. Absolvição da instância.
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Sumário:

I – Nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado.

II – A falta de constituição de advogado constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

DECISÃO ARBITRAL

I.              Relatório

A..., titular do número de identificação fiscal (“NIF”) ..., residente na ..., ..., ...-... Moita (“Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral «no âmbito de indeferimento de reclamação graciosa e recurso hierárquico da Autoridade Tributária e Aduaneira, respeitante ao direito de liquidação de imposto IRS de 2017»

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

A)    Constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral coletivo em 04-02-2025, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.

B)    História Processual

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente invoca, de forma genérica, a discordância com o indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico apresentados junto da AT, suscitando questões de natureza tributária relativas ao IRS de 2017, alegadamente abrangidas por circunstâncias excecionais, incluindo os efeitos da pandemia de COVID-19 sobre prazos legais.

O pedido apresentado pelo Requerente não contém a identificação clara de qualquer ato de liquidação ou autoliquidação objeto de impugnação, não foi inicialmente subscrito por advogado e não veio acompanhado da procuração forense, tal como legalmente exigido nos termos do artigo 6.º do CPPT e do artigo 29.º do RJAT.

Posteriormente, o Requerente justificou a ausência de mandatário por razões económicas, mantendo a ausência de constituição de advogado.

Foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

A Requerida, na sua resposta, apresentou defesa por exceção, invocando, em síntese, os seguintes argumentos:

(i)          A falta de constituição de mandatário judicial como causa de exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância artigo 41.º in fine do CPC, aplicável nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

(ii)        A ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, por não indicar qualquer ato tributário concreto, causa de pedir inteligível ou pedido final claro, nos termos do artigo 193.º do CPC;

(iii)       A incompetência material do tribunal arbitral, por ausência de qualquer ato de liquidação ou matéria abrangida pela jurisdição do CAAD, nos termos do artigo 2.º do RJAT.

No que respeita ao mérito, e sem prejuízo das exceções suscitadas, a Requerida defende que:

(i)          A declaração de IRS de 2017 foi entregue apenas em junho de 2022, fora do prazo legal e fora do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT;

(ii)        Não foi efetuada qualquer liquidação de imposto subsequente à entrega da declaração;

(iii)       A reclamação graciosa apresentada pelo Requerente foi rejeitada liminarmente por falta de objeto tributário;

(iv)       O recurso hierárquico foi igualmente indeferido com fundamento na inexistência de ato de liquidação e por aplicação regular da lei;

(v)        As medidas excecionais de suspensão de prazos relacionadas com a COVID-19 não se aplicam aos prazos para entrega de declarações fiscais.

Face a todos estes fundamentos, a Requerida peticiona a absolvição da instância com fundamento nas exceções dilatórias e, subsidiariamente, a improcedência do pedido arbitral.

As partes foram notificadas do despacho arbitral, dispensando a reunião do Tribunal com as partes, nos termos do artigo 18.º do RJAT, bem como para, querendo, apresentar alegações finais escritas.

II.            Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 4.º, 5.º e 11.º, n.º 1, alínea c), todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.

Contudo, dispõe o n.º 1 do artigo 6.º, do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que é obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários, nos termos previstos na lei processual administrativa.

O n.º 1 do artigo 11.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) estatui a obrigatoriedade de constituição de mandatário, com remissão para as normas do Código do Processo Civil (“CPC”).

O artigo 40.º, do CPC, determina ser obrigatória a constituição de advogado nas causas enumeradas no seu n.º 1:

«a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário;

b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor;

c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.»

Neste sentido, é possível extrair do quadro legal anteriormente descrito que nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado, por ser admissível recurso das decisões neles proferidas, independentemente do valor da causa, nas situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 25.º, do RJAT, bem como a sua impugnação, nos termos do artigo 27.º e com os fundamentos previstos no artigo 28.º, ambos do RJAT.

A falta de constituição de advogado por parte do Requerente constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea h), do CPTA.

Assim, com base nos fundamentos enunciados supra, decide-se julgar verificada a exceção dilatória da falta de constituição de advogado pelo Requerente, absolvendo-se a Requerida da instância.

III.          Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção dilatória da falta de constituição de advogado pelo Requerente e consequente absolvição da Requerida da instância.

IV.          Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 1.500,00, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

V.            Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 306,00, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo do Requerente.

Notifique-se.

O Tribunal Arbitral,                                                              Lisboa, 27 de junho de 2025

 

Sérgio Santos Pereira