SUMÁRIO:
I - O Imposto do Selo, relativamente à verba 23.2 da TGIS, é devido aquando do preenchimento da livrança, independentemente do sujeito passivo ter ou não recebido/repercutido esse imposto ao devedor.
II - Nas situações previstas no artigo 2.º, nº 1, al. f) do CIS) e na verba 23.2 da TGIS, o responsável tributário, perante o Estado (sujeito ativo) é o sujeito passivo, e não o repercutido ou o titular daquele interesse económico.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais (Presidente), Prof. Dra. Nina Aguiar e Gonçalo Marquês de Menezes Estanque (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-01-2025, acordam no seguinte:
1. RELATÓRIO
A..., SA., contribuinte fiscal n.º ..., com sede no ..., ..., ..., ..., ...-... ... (designada por “Requerente”), apresentou, em 25-10-2024, pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referente ao processo n.º ...2024... e a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo realizados através da Declaração Mensal de Imposto do Selo (“DMIS”) n.º ... (posteriormente substituída pela DMIS n.º...), relativa ao período 03-2022, no total de €1.018.560,21.
A Requerente peticiona, ainda, o pagamento de juros indemnizatórios e a condenação da Requerida no pagamento das custas do processo arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 29-10-2024 e automaticamente notificado à Requerida.
Em 17-12-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 08-01-2025.
Nesta mesma data, em 08-01-2025, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.
Em 11-02-2025, a Requerida apresentou resposta, em que se defendeu por impugnação e onde peticionou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. A Requerida juntou, também, aos autos o processo administrativo.
Em 27-05-2025, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações.
2. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
Não foram arguidas exceções.
O processo não enferma de nulidades.
3. MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma instituição de crédito cuja constituição ocorreu por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, a 03-08-2014, na sequência da aplicação de resolução do Banco de Portugal ao B..., S.A. (“B...”), ao abrigo dos n.ºs 1 e 3 do artigo 145.º-C e do n.º 5 do artigo 145.º-G, ambos do Regime Geral das Instituições Financeiras (RGICSF) - (cfr. Documento n.o 1 junto ao PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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A Requerente, no âmbito da sua atividade, enquanto instituição de crédito, concede também crédito aos seus clientes, sob variadas formas e com distintos prazos de utilização - (cfr. Documento n.o 1 junto ao PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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Devido ao incumprimento dos devedores C... S.A. (NIF...) e D... SGPS, SA (NIF...), e de forma a tentar recuperar o crédito concedido às referidas entidades, em 18-03-2022 e 25-03-2022, a Requerente procedeu ao preenchimento de 32 livranças (5 referentes ao devedor D... SGPS, SA e 27 referentes ao devedor C... S.A.) - (cfr. Documentos n.os 5, 6 e 1, juntos ao PPA, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos);
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Em 19-04-2022 a Requerente submeteu a Declaração Mensal de Imposto do Selo (“DMIS”) n.º..., relativa ao período 2022-03, onde declarou, relativamente a livranças, nos termos da verba 23.2 da TGIS, imposto do selo no valor total de €1.046.062,89 - (cfr. Documento n.o 2 junto ao PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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Em 31-05-2023, a Requerente substituiu, através da DMIS n.º..., a anterior DMIS relativa ao período 2022-03, mantendo-se, porém, inalterado o imposto do selo declarado relativamente à verba 23.2 da TGIS - (cfr. Documentos n.os 1 e 3 juntos ao PPA, cujos teores se dá aqui por integralmente reproduzidos);
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O Imposto do Selo resultante das referidas DMIS foi pago pela Requerente - (cfr. Documento n.o 1 junto ao PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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O Imposto do Selo resultante do preenchimento das livranças subscritas pela D... SGPS, SA e pela C... S.A.ascendeu a €1.018.560,21 - (cfr. Art. 20.º do PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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O Imposto do Selo foi suportado pela Requerente, tendo sido contabilisticamente registado na conta #69901490 Outras perdas em op. crédito - (cfr. Documento n.º 8 junto ao PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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Em 19-04-2024 a Reclamante apresentou reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2024..., com vista à anulação parcial da liquidação, em matéria de Imposto do Selo da verba 23.2 da TGIS, respeitante à DMIS, referente ao período de março de 2021, com vista à restituição do IS em referência, no valor de €1.018.560,21, relativo às livranças subscritas pela D... SGPS, SA e pela C... S.A. e preenchidas pela Requerente - (cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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Através do Ofício n.º ...-DJT/2024, de 27-06-2024, a Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) da AT, notificou a Requerente do projeto de indeferimento da reclamação graciosa - (cfr. processo administrativo);
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A Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia - (cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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Através do Ofício n.º ...-DJT/2024, de 24-07-2024, a Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) da AT, notificou a Requerente do indeferimento da reclamação graciosa - (cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
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Em 25-10-2024, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não existem factos relevantes que se tenham considerado não provados.
3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria de facto provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação.
Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos processo por ambas as partes.
4. MATÉRIA DE DIREITO
4.1. Posição das Partes
Da posição da Requerente
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No essencial, alega a Requerente que:
I. A Requerente procedeu ao preenchimento de livranças como forma de executar as dívidas de clientes, tendo, na qualidade de «substituto tributário» que lhe é conferida pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea f), do CIS, à cautela, liquidado e entregue nos cofres do Estado o IS previsto na Verba 23.2 da TGIS;
II. A (auto)liquidação de imposto do selo em crise configura uma situação de substituição tributária sem retenção na fonte, a qual não poderá resultar, a final, com o encargo do imposto a ser suportado pelo substituto tributário (i.e. a Requerente);
III. O Estado ao negar através da AT o reembolso deste imposto do selo à Requerente, enriquece injustificadamente e coloca-o em situação de se ver duplamente prejudicado: não só não consegue recuperar (em processo executivo) o crédito concedido ao cliente, como ainda se vê obrigado a suportar um custo com o IS liquidado no preenchimento da livrança para dar seguimento ao processo de execução;
IV. A Requerente assumiu, o papel de mero “substituto tributário”, o qual, apesar do dever de liquidação e entrega imediata do IS ao Estado, não foi ressarcido desse IS por parte do titular do encargo, os clientes/devedores, dado que, neste caso, a “substituição tributária” não opera por retenção na fonte, tendo por isso a Requerente que adiantar o IS ao Estado.
V. Perante uma situação de “substituição tributária”, mas sem retenção na fonte, não poderá resultar, em caso algum, que o encargo do imposto ser suportado, a final, pelo “substituto tributário”, aqui Requerente;
VI. Tendo presente o disposto no n.º 1 do artigo 20.º da LGT, segundo o qual a «substituição tributária» ocorre quando “por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”, não existe espaço para dúvidas quanto ao facto de, in casu, estarmos perante uma situação de «substituição tributária», na qual a responsabilidade pela liquidação e entrega do IS ao Estado é da Requerente (i.e., o «sujeito passivo» eleito pelo CIS), embora os clientes/devedores sejam quem tem de suportar o encargo do imposto, enquanto «titulares do interesse económico» nos termos do CIS.
VII. No caso em apreço não estamos perante uma situação de «repercussão tributária», mas sim de “substituição tributária”, mas sem retenção;
VIII. Apesar de o encargo do IS em causa ser dos clientes/devedores da Requerente, conforme impõe o artigo 3.º, n.º 3, alínea k), do CIS, a Requerente não se viu ressarcido desse IS, tendo suportado economicamente esse gasto;
IX. O IS não pode, a final, ser suportado por si, pois estamos perante uma situação de «substituição tributária sem retenção» que a doutrina e a jurisprudência são inequívocas a considerar como insuscetível de gerar um encargo na esfera do «substituto tributário» caso se veja impossibilitado de recuperar aquele imposto junto do «titular do encargo do imposto» elegido pela lei;
X. Tal situação, para além de ser diametralmente contrária à «ratio legis» do CIS, violaria os princípios constitucionais da «legalidade», da «igualdade» e da «capacidade contributiva», na medida em que quem suportaria o encargo do imposto, a final, não seria o «titular do encargo» expressamente eleito pelo legislador;
XI. Tendo efetuado, à cautela, a liquidação e entregue o IS ao Estado, dúvidas não podem restar de que são os devedores quem têm de suportar o efetivo encargo nos termos do CIS e nunca a Requerente, e que, sendo julgado procedente o pedido, sejam pagos igualmente os respetivos juros indemnizatórios, contabilizados a partir da prolação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT.
Da posição da Requerida
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Por seu turno, a Requerida defende que:
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A Requerente não logrou contraditar a legalidade da correção controvertida, não cumprindo com o ónus da prova a que se encontra adstrito nos termos dos artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º do Código Civil;
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No caso em apreço, para exigir o cumprimento do seu direito de crédito resultante do exercício da atividade económica por si desenvolvida não quis a Requerente recorrer à ação judicial e aí obter um outro título executivo, tendo optado pelo preenchimento das livranças de modo a repor a sua situação patrimonial, mesmo sabendo da “total incapacidade” dos devedores, até para pagar o imposto do selo que sobre aqueles títulos de crédito incidiria;
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Aceitar a solução avançada pela Requerente, seria aceitar que com a decisão adotada por este, o objetivo e vantagens obtidas com o preenchimento do título executivo tinham-se por satisfeitas, evitar-se-iam despesas judiciais, e, a final, transferir-se-ia para o Estado a dívida de imposto necessária à cobrança de uma dívida nascida no âmbito de uma relação comercial privada;
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O preenchimento da livrança não resultou de uma imposição legal feita ao credor/Requerente, resultou antes de uma avaliação livre e consciente das consequências que a sua decisão acarretaria. Assim, só à Requerente pode ser imputado a liquidação feita e a cobrança do imposto não acautelada;
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Na previsão da alínea k), do n.º 3, do artigo 3.º do CIS, não cabe a figura do credor/Requerente como sujeito sobre o qual recai o encargo do imposto.
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O legislador apenas investe o sujeito passivo na competência para liquidar (cf. n.º 1 do artigo 23.º do CIS) e, simultaneamente, cobrar o imposto ou averbar uma eventual isenção.
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Com efeito, nascendo a obrigação tributária [cfr. artigo 5.º, n.º 1, alínea f), do CIS] no momento em que as livranças possam ser preenchidas pelo credor/Requerente nos termos da respetiva convenção de preenchimento, tendo a Requerente a consciência e conhecimento que o encargo do imposto não recaía sobre si, não tendo nem assim acautelado de alguma forma que os devedores suportariam os custos que essa obrigação fiscal envolvia, sabendo, ainda, que este não teria capacidade financeira para o fazer, resta concluir que o prejuízo que aqui apresenta e que quer ver ser suportado pelo Estado apenas e só é resultado de uma relação comercial privada surgida entre o credor e os devedores;
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A tese defendida pela Requerente de que se está perante uma situação de “substituição tributária”, mas sem retenção, não tem suporte legal;
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No caso concreto do IS, não se pode dizer que a prestação tributária é exigida a pessoa diferente do contribuinte, dado que o contribuinte é o sujeito passivo do imposto de acordo com as normas de incidência subjetiva. Não existe, pois, substituição tributária. Quanto muito, existirá aquilo que comummente se designa “contribuinte de facto” no âmbito da distinção que usualmente se faz entre “contribuinte de direito” e “contribuinte de facto” atento o fenómeno da repercussão tributária ocorrido na tributação sobre o consumo;
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O único responsável tributário, perante o Estado, pela falta de imposto liquidado é, em caso de divergência entre a pessoa que figura como sujeito passivo e a que figura como titular do interesse económico que tem o encargo do imposto, o sujeito passivo, e não o repercutido ou o titular daquele interesse económico;
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O imposto de selo liquidado e entregue decorreu da emissão das livranças, nos termos do disposto nos artigos 1.º n.º 1, art.º 2.º n.º 1 alínea f) e verba 23.2 da TGIS. O facto dos titulares dos encargos (devedores das livranças) não terem procedido ao pagamento do imposto como alega a ora Requerente, não altera o sentido da norma que prevê tal tributação;
4.2. Apreciação da questão
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A questão decidenda consiste em determinar se o Imposto do Selo, em particular a verba 23.2 da TGIS, devido pelo preenchimento de livranças, pode ser reembolsado pela AT à Requerente, na qualidade de sujeito passivo (cf. artigo 2.º, nº' 1, al. f) do CIS), com fundamento no facto deste ter recebido esses montantes dos devedores (titulares do interesse económico e do encargo do imposto nas livranças).
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À data dos factos, as normas relevantes para a presente decisão tinham a seguinte redação:
“Artigo 1.º
Incidência objectiva
1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
(...)
Artigo 2.º
Incidência subjectiva
1 - São sujeitos passivos do imposto:
(...)
f) Entidades emitentes de letras e outros títulos de crédito, entidades editantes de cheques e livranças ou, no caso de títulos emitidos no estrangeiro, a primeira entidade que intervenha na negociação ou pagamento;
(...)
Artigo 3.º
Encargo do imposto
(...)
3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:
(...)
k) Nas letras e livranças, o sacado e o devedor;
(...)
Artigo 5.º
Nascimento da obrigação tributária
1 - A obrigação tributária considera-se constituída:
(...)
f) Nas letras e livranças em branco, no momento em que possam ser preenchidas nos termos da respectiva convenção de preenchimento;
(...)
Artigo 23.º
Competência para a liquidação
1 - A liquidação do imposto compete aos sujeitos passivos referidos nos n.os 1 e 3 do artigo 2.º.
(...)
Artigo 41.º
Dever de pagamento
O pagamento do imposto é efetuado pelas pessoas ou entidades referidas no artigo 23.º, com exceção do imposto referente à verba 2 da tabela geral, que é pago pelo locador ou sublocador.
Tabela Geral do Imposto do Selo
“23 - Títulos de crédito:
(...)
23.2 - Livranças - sobre o respectivo valor, com o mínimo de (euro) 1: 0,5%”
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Feito este enquadramento legal, facilmente se conclui que, no caso em apreço, a Requerente é o sujeito passivo do Imposto do Selo, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, enquanto entidade editante de livranças. Como tal, é sob a Requerente que incumbe a obrigação de liquidação e pagamento do Imposto do Selo. Sendo que, in casu, tal obrigação nasceu com o preenchimento das livranças em 18-03-2022 e 25-03-2022.
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Por seu turno, resulta, também, claro que o imposto do selo constitui um encargo das devedoras (C... S.A. e D...SGPS, SA), nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea k) do CIS.
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Alega a Requerente que o IS não pode, a final, ser suportado por si, pois estamos perante uma situação de “substituição tributária sem retenção” que a doutrina e a jurisprudência são inequívocas a considerar como insuscetível de gerar um encargo na esfera do substituto tributário (a Requerente) caso se veja impossibilitado de recuperar aquele imposto junto dos titulares dos encargos do imposto elegidos pela lei.
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Conclui a Requerente, conforme referido acima, que tal situação, para além de ser contrária à ratio legis do CIS, viola os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, na medida em que quem suportaria o encargo do imposto, a final, não seria o titular do encargo expressamente eleito pelo legislador. Vejamos:
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Esta questão foi já apreciada no âmbito do processo arbitral n.º 974/2023-T, no qual se concluiu que:
“Ora, no caso concreto, a prestação tributária (IS) não está a ser exigida a pessoa diferente do contribuinte, dado que o Requerente é o sujeito passivo do imposto de acordo com as normas de incidência subjetiva.
Não existe, pois, substituição tributária. Quanto muito, existirá aquilo que comummente se designa “contribuinte de facto” no âmbito da distinção que usualmente se faz entre “contribuinte de direito” e “contribuinte de facto” atento o fenómeno da repercussão tributária ocorrido na tributação sobre o consumo.
A distinção destas figuras está bem consolidada na jurisprudência. Veja-se a título de exemplo, e pela sua relevância, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 22-04-2004 (Rel. Oliveira Barros), Proc. 04B837, onde se afirma o seguinte: “Enquanto responsável fiscal chamado a pagá-lo (contribuinte de direito), é-o também pela falta da sua oportuna liquidação e cobrança a quem efectivamente o desembolsa (ou seja, ao contribuinte de facto). Como o imposto de selo, o IVA é, na verdade, um imposto cobrado por uns, mas posto a cargo de e suportado economicamente por outros. [...] são estes últimos que vêm na realidade a ser os contribuintes. [...] são eles os devedores principais e originários desse tributo, e, assim, o seu sujeito passivo propriamente dito.”
Como defendem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, o repercutido do tributo não é sujeito passivo do imposto e, sendo a obrigação do repercutido uma obrigação legal, ainda assim está na mão do sujeito passivo repercutir ou não o imposto na esfera jurídica daquele no âmbito de uma relação jurídica privada em que se admitiria a figura da renúncia contratual (cf. Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, pp. 188 a 189).
Importa, também fazer a distinção entre os conceitos de substituição tributária e de repercussão tributária, citando-se a este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) proferido em de 30-04-2013, onde foi Relator Jorge Cortês: “1) Seja pela constituição da garantia, seja pela utilização do crédito concedido é devido Imposto de Selo, cujo dever de liquidação e pagamento recai sobre a recorrente, caixa de crédito agrícola mútuo, sujeito passivo do imposto, mas não titular do interesse económico sobre o qual recai o encargo do imposto. 2) Verifica-se a repercussão fiscal do imposto, dado que o sujeito directamente determinado pela lei para pagar o imposto não é verdadeiramente o titular da riqueza a tributar, mas apenas um sujeito sobre quem é mais fácil executar a cobrança.”
Na repercussão fiscal, “tudo se passa apenas entre dois sujeitos privados, com o afastamento do sujeito activo da relação jurídica tributária” (cf. Diogo Feio, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento, Coimbra Editora, 2001, p. 93).
Neste sentido, o único responsável tributário, perante o Estado, pela falta de imposto liquidado é, em caso de divergência entre a pessoa que figura como sujeito passivo e a que figura como titular do interesse económico que tem o encargo do imposto, o sujeito passivo, e não o repercutido ou o titular daquele interesse económico.
O que significa que é ao sujeito passivo que compete a liquidação do imposto, como prevê o artigo 23.º, n.º 1, do CIS, e o efectivo pagamento do imposto liquidado, como também consta do artigo 41.º, n.º 1. do CIS, não havendo sequer lugar à responsabilidade solidária daquele a quem a lei confere o encargo do imposto (artigo 42.º).
Como esclarece ainda o artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, não é sujeito passivo "quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias".
Como é de concluir, o único responsável pela liquidação do imposto é o sujeito passivo, neste caso, a entidade editante da livrança, o aqui Requerente, sendo que sobre o devedor apenas recai o encargo de pagar o imposto por efeito de um mecanismo de repercussão.
Considerando todo o antes enunciado, não restam dúvidas que o Requerente é o sujeito passivo de Imposto do Selo, recaindo sobre o mesmo a obrigação de cobrança e entrega do imposto ao Estado, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 1 do artigo 23.º e artigo 41.º, todos do CIS.
Em face do exposto, impõe-se concluir pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral”.
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Acompanhamos, pois, esta fundamentação e acrescentamos, ainda, que, na verdade, o legislador, relativamente às livranças em “branco”, existe um sistema equilibrado onde, por um lado, “se permite a repercussão económica do imposto do selo, sendo este, por facilidade de cobrança, exigido a quem não é o titular do interesse económico, mas está numa situação em que lhe é possível transferir o encargo para a esfera do titular do interesse económico no âmbito das suas relações privadas com este, ficando na disponibilidade do sujeito passivo efetuar ou não essa transferência, através da inclusão ou não do valor do imposto nos preços dos bens que lhe transmite ou dos serviços que lhe presta” [1]. Ou seja, poderia sempre a Requerente incluir os encargos com o imposto do selo no “preço” da concessão de crédito garantidos através de livranças. Por outro lado, o equilíbrio acima referido extrai-se, também, da possibilidade de judicialmente (e.g. processo cível executivo) exigir o pagamento da “selagem da livrança” (imposto do selo sobre a livrança) juntamente com os demais montantes em dívida. Ou seja, tudo se passa e se resolve (entre a Requerente e os devedores) no domínio do Direito Privado.
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Veja-se, neste sentido, Isabel Vieira dos Reis e Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins “À semelhança do que sucede, por exemplo, no Imposto do Selo, quando o sujeito passivo se distinga do contribuinte, caso em que a responsabilidade tributária é apenas imputável ao sujeito passivo (a quem é adstrito o dever de pagamento do imposto nos termos do artigo 41.º do Código do Imposto do Selo), ficando o contribuinte afastado de qualquer relação com o sujeito activo do imposto, consideramos que a responsabilidade do substituído deve ser estabelecida no âmbito do direito privado e apenas circunscrita à relação substituto-substituído, em moldes idênticos ao da relação estabelecida entre o contribuinte de direito e o repercutido” [2].
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Uma última nota, relativamente à invocada violação dos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, para clarificar que a configuração legal atinente à aplicação da verba 23.2 da TGIS não se afigura incompatível com o princípio da capacidade contributiva (corolário do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP). Isto porque, precisamente, como se referiu, existe a possibilidade de repercussão do imposto, designadamente, através dos meios judiciais cíveis. Aliás, conforme refere a própria Requerente, o preenchimento deste título executivo (a livrança) - preenchimento esse que despoletou o nascimento da obrigação tributária na esfera da Requerente (art. 5.º, n.º 1, al. f) do CIS) - foi “uma forma de tentar a recuperação do crédito concedido”(art. 13.º do PPA).
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Em face do exposto, impõe-se concluir pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral.
5. DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €1.018.560,21 indicado no PPA pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em €14.076,00, ficando as mesmas totalmente a cargo da Requerente.
Notifique-se.
25 de Junho de 2025
Os Árbitros
Rui Duarte Morais
Gonçalo Estanque (Relator)
Nina Aguiar
[1] Processo arbitral n.º 103/2018-T. Note-se que este processo é relativo à verba 17.3.4 da TGIS mas tal conclusão é, igualmente, aplicável.