Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 89/2025-T
Data da decisão: 2025-06-23  Selo  
Valor do pedido: € 263.831,13
Tema: Imposto do Selo – operações financeiras; intermediação e assessoria financeira na colocação de papel comercial e/ou obrigações.
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SUMÁRIO:

 

A verba 17.3.4 da TGIS, ao sujeitar a Imposto do Selo as comissões cobradas por instituições de crédito por serviços de intermediação e assessoria financeira na colocação de papel comercial e/ou obrigações e formalidades conexas viola o disposto no artigo 5.º, n.º 2,  b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Presidente), Dr. Alberto Amorim Pereira (Adjunto e relator) e Prof. Doutor Francisco Nicolau Domingos (Adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:

 

I.           RELATÓRIO:

 

A..., S.A., titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Porto (doravante designada por “Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por “RJAT”), peticionando a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de Imposto do Selo (doravante, abreviadamente, IS) respeitantes aos períodos de junho de 2022 a dezembro de 2023, no montante total de € 263.831,13, bem como a declaração de ilegalidade dessas liquidações, com a sua consequente anulação e condenação da Requerida a reembolsar a Requerente do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde 31/10/2024 até integral reembolso.

 

Para fundamentar o seu pedido alegou, em síntese:

1.         A Requerente suportou IS, no valor global de € 263.831,13, liquidado sobre comissões pagas a diversas entidades bancárias por intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores;

2.         É jurisprudência assente do TJUE que a tributação em sede de IS das comissões de intermediação e assessoria financeira nas emissões de papel comercial e/ou obrigações viola o direito comunitário;

3.         Os serviços de intermediação financeira subsumem-se nas operações de reunião de capitais, pelo que não são tributados em sede de IS;

4.         Sendo para o efeito indiferente que tais operações sejam efetuadas por terceiros ou pelo próprio emitente de obrigações ou de papel comercial;

5.         As operações que façam parte integrante de uma operação global de reunião de capitais, bem como todas as formalidades conexas, não se encontram sujeitas a IS;

6.         A norma da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS), ao tributar a atividade financeira de intermediação e assessoria financeira nas emissões de papel comercial e/ou obrigações, e, consequentemente, as liquidações de IS impugnadas, violam o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital e tributações de alguma forma conexas;

7.         A Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de liquidação de IS respeitantes aos períodos de junho de 2022 a dezembro de 2023, no montante total de € 263.831,13;

8.         Por ofício datado de 31/10/2024, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa ddapresentada.

 

A Requerente juntou 47 documentos e arrolou duas testemunhas.

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, não tendo as partes, notificadas de tal designação, manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto nos artigos 11.º, n.º 1,  alíneas a) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 01 de abril de 2025.

 

Dentro do prazo previsto no artigo 13º do RJAT, a Requerida procedeu à revogação parcial, com a consequente anulação e reembolso, das seguintes liquidações de IS, no valor global de € 153.707,26:

Banco

Período

IS declarado

IS anulado

Banco de Investimento Global, S.A.

11/2022

€ 16.158,00

€ 16.158,00

Caixa – Banco de Investimento, S.A.

05/2023

€ 514,35

€ 200,00

Caixa – Banco de Investimento, S.A.

11/2023

€ 620,43

€ 200,00

Caixa – Banco de Investimento, S.A.

11/2022

€ 31.676,02

€ 31.068,20

Caixa – Banco de Investimento, S.A.

07/2022

€ 52.663.60

€ 48.973,86

Caixa Geral de Depósitos, S.A.

11/2023

€ 36.040,80

€ 36.040,80

Best, S.A.

11/2022

€ 11.733,60

€ 11.733,60

Banco LJ Carregosa, S.A.

11/2022

€ 3.221,60

 € 3.221,60

Banco Finantia, S.A.

11/2022

€ 308,00

€ 308,00

Caixa Económica Montepio Geral

11/2022

€ 2.937,50

€ 2.937,50

Novo Banco, S.A.

11/2022

€ 2.868,80

€ 2.866,00

 

Por requerimento de 17/03/2025, a Requerente desistiu do pedido formulado quanto à parte respeitante às liquidações revogadas pela Requerida, mantendo interesse no prosseguimento dos autos quanto à apreciação das demais liquidações.

 

A Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese:

1.         Ao contrário do defendido pela Requerente, não resulta da jurisprudência do TJUE que todas as comissões cobradas pelos intermediários financeiros, respeitantes à intermediação e assessoria financeira na emissão de papel comercial e/ou obrigações, devam ser excluídas da tributação de IS;

2.         O que resulta da indicada jurisprudência é que as comissões de “colocação” em mercado de títulos negociáveis sob a forma de obrigações e de papel comercial devem ficar excluídas de tributação em IS;

3.         Assim como as comissões cobradas pelos bancos aos emitentes por efeito da aquisição por sua conta e risco de novos títulos negociáveis sob a forma de papel comercial e obrigações para depois os revender no mercado junto do público em geral;

4.         Não havendo qualquer impedimento, excetuadas as duas identificadas situações, de liquidação de IS sobre outras comissões que podem atingir os emitentes de novos títulos negociáveis sob a forma de empréstimos obrigacionistas ou programas de papel comercial;

5.         No caso dos autos, só as comissões cobradas conexas com o contrato de coordenação e colocação relativo à oferta  pública de subscrição e de admissão à negociação no B..., gerido pela C..., S.A., de até 200.000 obrigações a emitir pela A..., S.A., com o valor nominal unitário de € 500 e valor global inicial de até € 100.000.000, o qual poderá ser aumentado mediante publicação de adenda ao prospeto, representativas do empréstimo obrigacionista denominado “...2022-2027, celebrado em 25/10/2022 (OPS 2027) e o “Underwriting Agreement relating to a share capital increase and public subscription offering of up to 17,792,576 new ordinary nominative book- entry shares of A..., S.A. (9 June 2022)” devem ser excluídas de tributação em sede de IS; 

6.         Sendo em qualquer caso afastadas da exclusão de tributação em sede de IS as comissões cobradas pelo BCP, Bankinter e CCAM (por não se encontrar demonstrado qual o IS que incide sobre as comissões cobradas ao abrigo do contrato OPS 2027), assim como do Eurobic (por inexistir, para os períodos em análise, qualquer DMIS entregue por esta entidade onde conste como titular do encargo a Requerente);

7.         A comissão cobrada pelo Haitong Bank, por se tratar de comissão sobre o pagamento de juros, que não se confunde com uma comissão de colocação de novos títulos, fica também afastada da exclusão de tributação em sede de IS;

8.         Nas situações em que os bancos adquiriram os títulos negociáveis sob a forma de papel comercial e obrigações mas não os revenderam, não se encontra demonstrado o requisito essencial da reunião de capitais, isto é, que esses capitais sejam obtidos junto do público em geral em consequência da emissão de novos títulos de dívida para serem disseminados em mercado;

9.         A Requerente não demonstra que as comissões cobradas sejam contrapartida (i) do facto de dar a conhecer junto do público investidor em geral ofertas de novos títulos negociáveis, sob a forma de papel comercial e/ou obrigações, e de desenvolver todos os seus melhores esforços para os distribuir de modo que promova a respetiva subscrição por esse mesmo público; (ii) ou do facto de os bancos os terem adquirido para depois, por sua conta e risco, os revenderem junto do público investidor em geral;

10.      A Requerente tem direito a juros indemnizatórios, calculados desde a data de indeferimento da reclamação graciosa e até integral reembolso, calculados sobre o valor de € 153.707,26, correspondente ao valor das liquidações objeto de revogação por parte da Requerida;

11.      Não tendo direito a juros indemnizatórios no que respeita às restantes liquidações, por não se verificar, quanto a estas, qualquer erro imputável aos serviços.

A Requerida juntou o processo administrativo, não juntou documentos, nem arrolou testemunhas.

 

Por despacho de 19/05/2025, foi dispensada a realização da reunião arbitral, bem como a apresentação de alegações, tendo o processo prosseguido para prolação de decisão.

 

II.         SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

III.        QUESTÃO A DECIDIR:

Atenta a revogação parcial com a consequente anulação e reembolso de parte das liquidações de IS impugnadas, no valor global de € 153.707,26 e a desistência parcial do pedido apresentada pela Requerente, quanto à parte das liquidações revogadas pela Requerida, os autos prosseguem apenas para conhecimento das demais liquidações impugnadas e não revogadas, no valor global de € 110.123,87.

 

Face às posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, verifica-se que a questão a decidir se reconduz a saber se a norma da verba 17.3.4 viola o disposto no artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, por tributar de forma indireta operações de reunião de capital e formalidades conexas.

 

 

IV.       MATÉRIA DE FACTO:

 

a.         Factos provados:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.         A Requerente tem por objeto social a produção de eletricidade de origem térmica;

2.         Nos meses de junho de 2022 a dezembro de 2023, a Requerente contratou junto de vários intermediários financeiros serviços de intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores e formalidades conexas;

3.         Tendo sido, no indicado período temporal, prestados à Requerente serviços relacionados com as atividades a que se alude em 2) anterior pelas seguintes instituições financeiras:

a) Bankinter, S.A., Sucursal em Portugal (Bankinter);

b) Banco Comercial Português, S.A. (BCP);

c) Banco de Investimento Global, S.A.(BIG);

d) Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL (CCAM);

e) Caixa - Banco de Investimento, S.A. (CBI);

f) Caixa Geral de Depósitos, S.A.(CGD);

g) Caixa Económica Montepio Geral (CEMG);

h) Montepio Investimento, S.A. (MI);

i) Banco Bic Português S.A. (Eurobic);

j) Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A. - Sucursal em Portugal (BBVA);

k) Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A. (Best);

l) BNP Paribas – Sucursal em Portugal (BNP);

m) Banco BPI, S.A.(BPI);

n) Banco L.J. Carregosa, S.A. (Carregosa);

o) Banco Finantia, S.A. (Finantia);

p) Caixa Económica Montepio Geral (CEMG);

q) Novo Banco, S.A. (NB);

r) Banco Sabadell S.A. – Sucursal em Portugal (Sabadell);

s) Banco Santander Totta, S.A. (Santander);

4.         As instituições financeiras a que se alude em 3) anterior faturaram à Requerente, no indicado período compreendido entre junho de 2022 e dezembro de 2023, os serviços prestados no âmbito da atividade contratada, de intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores e formalidades conexas;

5.         O Haitong Bank faturou à Requerente, no indicado período temporal, comissões sobre o pagamento de juros;

6.         Nas faturas emitidas pelas instituições financeiras a que se alude em 3) anterior, foi liquidado IS ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, no valor global de € 263 551,13;

7.         Em 19/07/2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as referidas liquidações de IS;

8.         A reclamação graciosa apresentada foi indeferida por despacho de 30/10/2024, notificado à Requerente por ofício da mesma data, com os fundamentos que constam do documento junto com o pedido de pronúncia arbitral sob o número 1;

9.         O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral foi apresentado em 21/01/2025;

10.      Posteriormente à apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerida revogou parte das liquidações impugnadas, no valor global de € 153.707,26;

11.      Na sequência da revogação parcial das liquidações impugnadas, a Requerente desistiu do pedido formulado quanto a estas liquidações.

 

b.         Factos não provados:

Com interesse para os autos, não resultou provado que, no período compreendido entre junho de 2022 e dezembro de 2023 a Requerente tenha pago ao Haitong Bank comissões relativas aos serviços prestados por esta entidade, de intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores.

 

c.         Fundamentação da matéria de facto:

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

No que diz respeito à inclusão na matéria de facto provada das comissões pagas pelos serviços de intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores, prestados pelos bancos BCP, Bankinter e CCAM, tal resultou da análise conjugada dos contratos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, sob os números 21, 22, 24, 25 e 28 e das declarações juntas sob os números 2, 3 e 5, por onde se verifica que as ditas comissões se reportam ao programa de emissão de papel comercial.

Quanto às comissões pagas ao Eurobic, pese embora a Requerida tenha contestado a sua origem, em virtude de inexistir, para os períodos sob escrutínio, qualquer DMIS entregue por esta instituição onde conste como titular do encargo a Requerente, a sua inclusão na matéria de facto provada deveu-se ao facto de, na substituição tributária, por retenção na fonte, o ato do substituto ser um ato tributário praticado por uma entidade a quem a lei atribui poderes tributários, sendo, assim, irrelevante, para efeito dos direitos de impugnação do contribuinte, o destino que o substituto deu à quantia retida.

Assim, na ausência de outros elementos, não pode este tribunal considerar como não provado que a comissão paga pela Requerente ao banco Eurobic não se reporta aos serviços de intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores pelo facto de esta entidade não ter entregue a DMIS correspondente, tanto mais que resulta expressamente do descritivo da fatura junta com o pedido de pronúncia arbitral sob o número 9 que a comissão se reporta aos serviços de “colocação da OPS A... 2022”.

Por último, no que respeita às comissões pagas ao banco Haitong, a sua inclusão na matéria de facto não provada deveu-se ao facto de nenhuma prova ter sido produzida quanto à correspondência entre as comissões pagas a esta entidade bancária e quaisquer serviços intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores. Com efeito, do documento junto com o pedido de pronúncia arbitral sob o número 16 resulta que as comissões cobradas por esta entidade se referem a “juros do Empréstimo Obrigacionista do A..., SA 2021/2028”. 

V.         DO DIREITO:

Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o Direito aplicável.

Defende a Requerente, em síntese, que os serviços de intermediação financeira, bem como todas as formalidades conexas, se subsumem nas operações de reunião de capitais, tal como previstas no artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, sendo por isso excluídos de qualquer tributação indireta, designadamente em sede de IS.

Em sentido diverso, defende a Requerida que apenas devem ficar excluídas de tributação em sede de IS:

a)    as comissões cobradas pelos bancos aos emitentes para efeitos de colocação em mercado de novos títulos negociáveis sob a forma de papel comercial e obrigações, isto é, “dar a conhecer junto do público [em geral] ofertas de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial, e de desenvolver todos os seus melhores esforços para os distribuir de modo que promova a respetiva subscrição e aquisição”;

b)    as comissões cobradas pelos bancos aos emitentes por efeito da aquisição por sua conta e risco de novos títulos negociáveis sob a forma de papel comercial e obrigações para depois os revender no mercado junto do público em geral.

 

Assim, de acordo com a Requerida, nas situações em que os bancos adquiriram os títulos negociáveis sob a forma de papel comercial e obrigações, mas não os revenderam, não se encontra demonstrado o requisito essencial da reunião de capitais, isto é, que esses capitais sejam obtidos junto do público em geral em consequência da emissão de novos títulos de dívida para serem disseminados em mercado.

De acordo com a Requerente, a questão em causa nos autos encontra-se plenamente debatida e resolvida pela jurisprudência do TJUE, defendendo, no entanto, que se subsistirem duvidas, deverá ser dado cumprimento ao dever de reenvio prejudicial para o TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

A Requerida não se pronunciou sobre o reenvio prejudicial suscitado pela Requerente.

Atentas as decisões já proferidas pelo TJUE sobre a questão de direito em apreciação nos presentes autos, entendemos que não se justifica colocar a questão ao TJUE através do reenvio prejudicial.

Isto porque, conforme veremos, existe já um largo precedente na jurisprudência europeia quanto à interpretação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

 

Vejamos:

Antes de mais, importa convocar as normas de direito comunitário e de direito interno aplicáveis e relevantes para apreciação da questão decidenda.

Assim, dispõe a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, bem como o CIS e TGIS:

“Artigo 5.º

Operações não sujeitas a impostos indirectos

1. Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre:

a) Entradas de capital;

b) Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital;

c) Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica;

d) Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente as seguintes:

i) a transformação de uma sociedade de capitais numa sociedade de capitais de tipo diferente,

ii) a transferência de um Estado-Membro para outro Estado--Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade de capitais,

iii) a alteração do objecto social de uma sociedade de capitais,

iv) a extensão do período de duração de uma sociedade de capitais;

e) As operações de reestruturação referidas no artigo 4.º

2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

a) A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.”

 

Consta, por outro lado, do considerando 9 da referida Diretiva:

 

“Não deverão ser aplicados impostos indirectos às reuniões de capitais, excepto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência:”

 

Por seu turno, a verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, determina a sujeição a Imposto do Selo das seguintes operações:

 

“17 Operações financeiras:

(…)

17.3 – Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

(…)

17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.”.

 

Sobre a interpretação do artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE, maxime do seu número 2, tem vindo o TJUE a pronunciar-se de forma consentânea com o entendimento defendido pela Requerente.

 

Assim e desde logo, no âmbito do processo arbitral com o n.º 646/2021-T, o tribunal desencadeou o mecanismo de reenvio prejudicial, tendo formulado, entre outras, as seguintes questões ao TJUE:

 

“2) A expressão [“]formalidades conexas[”] a que se refere o artigo 5.°, n.° 2, alínea b) da Diretiva [2008/7] deve ser interpretada no sentido de abranger os serviços de intermediação financeira contratados acessoriamente às operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações?

3) O artigo 5.°, n.° 2, alínea b) da Diretiva [2008/7] pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em Imposto do Selo de comissões cobradas por serviços de intermediação financeira, prestados por um Banco, relativos (i) à recompra de instrumentos de dívida (ii) à emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis e (iii) ao aumento de capital por subscrição pública das ações emitidas, compreendendo tais serviços a obrigação de serem identificados e contactados investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliáriosobjeto da oferta?”

 

O TJUE pronunciou-se, por decisão de 19 de julho de 2023 (processo n.º C-416/22), constando da decisão do TJUE, quanto à referida questão (pontos 25 a 35, 41 e 42):

 

“ 25.  De acordo com o seu considerando 9, a referida diretiva tem por objeto excluir qualquer imposto indireto sobre as reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. O mesmo considerando precisa que, em especial, não deve ser aplicado imposto do selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.

 

26. Neste contexto, por um lado, o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, disposição relevante em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas ações para efeitos de aumento do capital de uma sociedade de capitais, proíbe os EstadosMembros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto, a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

 

27.  Por outro lado, o artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, disposição relevante, em conformidade com a sua redação, no que se refere aos serviços de intermediação financeira relativos à subscrição de novas obrigações e à recompra de obrigações emitidas anteriormente por uma sociedade de capitais, proíbe a sujeição a qualquer forma de imposto indireto dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

 

28. A este respeito, tendo em conta as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, cumpre antes de mais salientar que o conceito de «formalidades conexas», que devem estar isentas de impostos indiretos, visa as eventuais atuações que uma sociedade de capitais é, por força da legislação nacional, obrigada a levar a cabo para proceder à criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dos títulos negociáveis em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C31/97 e C32/97, EU:C:1998:508, n.os 21 e 22, e, por analogia, de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C466/03, EU:C:2007:385, n,ºs 52 a 54 e jurisprudência referida).

 

29. Todavia, serviços de intermediação financeira como os que estão em causa no processo principal estão relacionados com a substância das operações de reunião de capitais, pelo que não são abrangidos pelas «formalidades» a que se refere o artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7.

 

30. No entanto, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 5.º da Diretiva 2008/7 deve, tendo em conta o objetivo prosseguido pela mesma, ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê fiquem privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplicase igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C656/21, EU:C:2022:1024, n.º 28 e jurisprudência referida).

31. Assim, já resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, uma vez que uma emissão de títulos negociáveis só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição de títulos efetuada no âmbito da sua emissão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C656/21, EU:C:2022:1024, n.º 29 e jurisprudência referida).

 

32. Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que a transmissão da titularidade de ações, exigida pelo direito nacional, unicamente para efeitos de uma operação de admissão dessas ações à cotação em bolsa e sem consequências sobre a propriedade efetiva das mesmas, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer forma de imposto (v., por analogia, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C573/16, EU:C:2017:772, n,º 36).

 

33. Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já esclareceu que o artigo 11.º, alínea b), da Diretiva 69/335, disposição cuja redação era idêntica à do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7, que revogou a Diretiva 69/335, devia ser interpretado no sentido de que a proibição de sujeitar um empréstimo obrigacionista ao imposto se opõe igualmente à tributação de todas as formalidades conexas, incluindo o ato notarial obrigatório para registar o reembolso desse empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1998, FECSA e ACESA, C31/97 e C32/97, EU:C:1998:508,.n.ºs 19, 21 e 22). 

34. Ora, uma vez que os serviços de colocação em mercado de novas ações para efeitos de aumento do capital social ou de novas obrigações apresentam, à semelhança das operações e das formalidades referidas pela jurisprudência recordada nos n.ºs 31 a 33 do presente despacho, uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos, na aceção do artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais em causa (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C656/21, EU:C:2022:1024, n.º 31).

 

35.  Por conseguinte, o facto de dar a conhecer junto do público uma oferta de títulos negociáveis, como ações e obrigações, de identificar e contactar potenciais compradores, de responder às suas questões e de negociar com eles ou, em alternativa, de comprar por conta própria esses títulos constitui uma diligência comercial necessária e que, nessa medida, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação dos referidos títulos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C656/21, EU:C:2022:1024, n.º 33). 

 

41 Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de intermediação financeira com essas operações de emissão e de colocação em circulação dos títulos em causa, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de colocação em mercado a terceiros em vez de as efetuar diretamente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C656/21, EU:C:2022:1024, n.º 34).

 

42. A este respeito, há que recordar, por um lado, que esta disposição não faz depender a obrigação de os EstadosMembros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista de uma reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, IM Gestão de Ativos e o., C656/21, EU:C:2022:1024, n.º 35 e jurisprudência referida).

 

Tendo, em consequência, o TJUE respondido às questões colocadas nos seguintes termos:

 

“O artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira para efeitos, primeiro, de publicação de ofertas para recompra ou compra de obrigações que impliquem a extinção definitiva da dívida que essas obrigações representam, segundo, de colocação em mercado e subscrição de novas obrigações e, terceiro, de subscrição de novas ações com vista ao aumento do seu capital social, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.”

 

No mesmo sentido, em acórdão proferido na mesma data, no âmbito do processo C-335/22, declarou o TJUE:

 

“O artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que prevê a cobrança de um imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a uma entidade bancária à qual confiou a colocação em mercado de títulos negociáveis, como obrigações e papel comercial de novas emissões, independentemente da questão de saber se as sociedades emitentes dos títulos em questão estão obrigadas por lei a recorrer aos serviços de um terceiro ou se optaram por recorrer aos mesmos de forma voluntária.”

 

Da citada jurisprudência resulta, em síntese e com interesse para os autos, que:

a)    a cobrança de imposto do selo a título dos montantes pagos por uma sociedade de capitais a várias entidades bancárias às quais confiou serviços de intermediação financeira viola o artigo 5.º, n.º 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008;

b)    a proibição de tributar de forma indireta tais serviços de intermediação financeira abrange igualmente a tributação das formalidades conexas a tais serviços, como sejam o facto de dar a conhecer junto do público uma oferta de títulos negociáveis, como ações e obrigações, de identificar e contactar potenciais compradores, de responder às suas questões e de negociar com eles;

c)    para o efeito, é indiferente que a sociedade de capitais (entidade emitente dos títulos) seja obrigada a recorrer a serviços de um terceiro ou se optou por recorrer aos mesmos de forma voluntária;

d)    sendo ainda indiferente, para o efeito, que os títulos negociáveis sejam colocados em mercado junto do público ou que a entidade bancária adquira tais títulos por conta própria.

 

Regressando aos autos, verifica-se que, conforme resulta da matéria de facto provada – cfr. pontos 2) a 6) da matéria de facto provada -, o IS em causa nos presentes autos – excetuado o liquidado pelo Haitong Bank, no valor de € 280,00 - foi liquidado pelas entidades bancárias elencadas no ponto 3) da matéria de facto provada e incidiu sobre serviços de intermediação na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores contratados e pagos pela Requerente.

   

 

Posto isto,

 

Como corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE, a jurisprudência do TJUE, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia, tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, o que, aliás, é pacificamente defendido e aceite pela jurisprudência nacional.

 

Tal carácter vinculativo resulta ainda do princípio do primado do direito da união europeia, previsto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

 

Pelo que, face à posição assumida pelo TJUE, terá necessariamente este tribunal de concluir pela ilegalidade, por violação do direito comunitário, das liquidações em causa nos presentes autos, à exceção das liquidações efetuadas pelo Haitong Bank, no valor global de € 280,00.

 

Com efeito,

 

Incidindo o IS resultante das referidas liquidações sobre serviços de intermediação financeira na colocação de papel comercial e/ou obrigações junto de investidores e formalidades conexas e subsumindo-se estes serviços nas operações de reunião de capitais a que se reporta a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, dúvidas não restam de que tais liquidações violam o artigo 5.º, n.º 2, da referida Diretiva, sendo por isso ilegais.

 

Sendo para o efeito irrelevante, conforme resulta da citada jurisprudência do TJUE, que a entidade emitente esteja obrigada, ou não, a recorrer a terceiros para execução de tais serviços ou que a entidade bancária adquira tais títulos por conta própria, não os revendendo no mercado.

 

Em qualquer uma destas situações, estamos perante operações de reunião de capitais, abrangidas pela Diretiva 2008/7/CE do Conselho, sendo a tributação indireta de tais operações proibida.

 

Em face de tudo quanto ficou exposto, resulta manifesta a procedência do pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IS impugnadas e em apreciação, à exceção das liquidações efetuadas pelo Haitong Bank, no valor global de € 280,00, bem como do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra tais liquidações.

 

A procedência dos indicados pedidos determina a necessária procedência do pedido de reembolso dos valores pagos pela Requerente, excetuado o valor pago ao Haitong Bank.

 

Tendo a Requerida, como supra exposto, revogado parte das liquidações impugnadas, no valor global de € 153.707,26, com a sua consequente anulação e reembolso, a Requerente apenas tem direito ao reembolso do valor correspondente às liquidações que não foram anuladas pela Requerida e objeto da presente pronúncia arbitral, no valor global de € 109.843,87 (deduzido o valor correspondente às liquidações efetuadas pelo Haitong Bank).

No que diz respeito aos juros indemnizatórios, peticiona a Requerente o seu pagamento desde a data do indeferimento da reclamação graciosa.

 

A Requerida admite o direito ao recebimento de juros indemnizatórios, desde a indicada data, sobre o montante das liquidações por si anuladas, opondo-se em relação aos demais juros peticionados, para tanto defendendo, em sintese, não se verificar qualquer erro imputável aos serviços na liquidação do tributo e que, de qualquer forma, a serem devidos juros indemnizatórios, apenas o seriam depois de decorrido um ano da apresentação do pedido de reclamação graciosa e não da data do seu indeferimento.

 

Sobre os juros indemnizatórios, dispõe o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”):

 

“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Dispondo, por seu turno, a alínea c), do número 3, do mesmo preceito serem também devidos juros indemnizatórios: 

 

“Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”

 

Conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência [1], nos casos em que, na sequência de pedido de revisão apresentado pelo sujeito passivo, o ato de liquidação venha a ser anulado, ainda que em processo arbitral instaurado na sequência do indeferimento do pedido de revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da data da apresentação do pedido.

 

Sobre esta questão, pronunciou-se o STA, em acórdão uniformizador de jurisprudência [2], tendo sido decidido:

 

“Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. artº.78, n.º.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T.”

 

Conforme resulta da citada jurisprudência, a limitação prevista no artigo 43.º, n.º 3, c) da LGT apenas é aplicável no caso de pedido de revisão oficiosa apresentado pelo sujeito passivo. 

 

Isto porque, como muito bem se explica no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11JAN2024 [3]:

 

“I- O direito a juros indemnizatórios, na sequência de pedido de revisão apresentado ao abrigo do art.º 78.º da LGT, existe apenas depois de decorrido um ano sobre a apresentação de tal pedido, quando feito após o decurso do prazo da reclamação administrativa ou impugnação judicial.

II- Tal opção do legislador visa tratar de forma específica a situação que reflete um desinteresse temporário do contribuinte, que não lançou mão previamente da reclamação graciosa ou de impugnação judicial.”

 

Não é este, manifestamente, o caso dos autos, já que a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações em causa nos presentes autos dentro do prazo legal previsto para o efeito, não mostrando, assim, nas palavras do citado aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, qualquer “desinteresse temporário”.

 

Assim, tem a Requerente direito ao recebimento de juros indemnizatórios sobre a totalidade do IS por si pago, excetuado o liquidado pelo Haitong Bank, no valor de € 280,00, calculados sobre a data do indeferimento da reclamação graciosa e até à data do processamento da correspondente nota de crédito.

 

 

VI.       DECISÃO:

Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

i.       Declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto às liquidações impugnadas e revogadas pela Requerida;

ii.     Declarar a ilegalidade parcial do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente em 19/07/2024, na parte respeitante às liquidações impugnadas e não anuladas pela Requerida, à exceção das liquidações efetuadas pelo Haitong Bank, no valor global de € 280,00;

iii.    Declarar a ilegalidade das liquidações impugnadas e não anuladas pela Requerida, à exceção das liquidações efetuadas pelo Haitong Bank, no valor global de € 280,00;

iv.    Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do valor por esta indevidamente pago, no montante de € 109.843,87, acrescido de juros indemnizatórios, calculados às taxas legais, desde 30/10/2024, data do indeferimento da reclamação graciosa, até ao processamento da respetiva nota de crédito.

 

VII.     VALOR DO PROCESSO

Fixa-se à causa o valor de € 263.831,13, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2, do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII.    CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.896,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2, do artigo 12.º e do n.º 4, do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1, do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente e pela Requerida, na proporção de 0,11% para a Requerente e 99,89% para a Requerida.

 

Lisboa, 23 de junho de 2025

 

Os Árbitros,

 

Jorge Lopes de Sousa

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Alberto Amorim Pereira 

(Árbitro adjunto e Relator)

 

Francisco Nicolau Domingos

(Árbitro adjunto)

 

 

 



[1] Neste sentido veja-se, entre outros, acórdão do STA de 11DEZ2019, processo n.º 058/19.9BALSB, in www.dgsi.pt

[2] Acórdão de 29JUN2022, processo n.º 093/21.7BALSB, in www.dgsi.pt.

[3] Proferido no processo 116/14.6BEALM, in www.dgsi.pt.