SUMÁRIO:
As despesas suportadas com os lugares de estacionamento localizados no local a partir do qual se exerce a atividade profissional não constituem custos de transporte ou viagem do sujeito passivo e seu pessoal em representação da empresa, não estando abrangidas pela exclusão do direito à dedução previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Maria Alexandra Mesquita e Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal ... e sede no ..., ..., ...-... ..., veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a V. Exa. a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para se pronunciar sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) - junta, para todos os efeitos legais aos presentes autos, como Documento 1 –, da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente com vista à contestação parcial do atos tributários de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), referência aos períodos mensais de tributação compreendidos entre abril de 2023 (inclusive) e fevereiro de 2024 (inclusive), com exceção do mês de janeiro de 2024, materializados nas Declarações Periódicas de IVA referentes a estes períodos de tributação (juntas, para todos os efeitos legais, como Documentos 2 e 3), no âmbito dos quais a Requerente deduziu um montante de IVA inferior ao legalmente devido e, por conseguinte (auto)liquidou imposto em excesso no montante de € 446.130,55.
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 21 de outubro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 11 de dezembro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 2 de janeiro de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 5 de fevereiro de 2025.
No dia 11 de fevereiro de 2025 foi proferido o seguinte despacho:
“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.
2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 5 dias a contar desta notificação.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
II. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
a) Nos presentes autos aduzidos com vista à Pronúncia Arbitral, vem a ora Requerente suscitar a pronúncia sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento, datada de 12 de setembro de 2024, emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes no âmbito do processo n.º ...2024... (cf. Documento 1), da Reclamação Graciosa interposta pela Requerente com vista à contestação dos atos tributários de (auto)liquidação de IVA, com referência aos períodos mensais de tributação compreendidos entre os meses de abril de 2023 (inclusive) e fevereiro de 2024 (inclusive), com exceção do mês de janeiro de 2024, no âmbito do qual deduziu a seu favor um montante de IVA inferior ao legalmente devido e, por conseguinte (auto)liquidou imposto em excesso no montante de € 446.130,55.
b) Em concreto, verificou a ora Requerente existir erro na autoliquidação efetuada nos períodos mensais de tributação compreendidos entre abril de 2023 (inclusive) e fevereiro de 2024 (inclusive), com exceção do mês de janeiro de 2024, concretizada através das Declarações Periódicas de IVA destes períodos (cf. Documento 2 e 3), em virtude de ter (auto)liquidado, nestas Declarações, um montante de IVA superior ao legalmente devido, em resultado de um erróneo enquadramento conferido à dedutibilidade do IVA incorrido em aquisições de serviços de cedência de lugares de estacionamentos afetos aos membros das tripulações das aeronaves da Requerente.
c) Em suma, constitui objeto mediato da presente petição, a apreciação da legalidade dos atos tributários de autoliquidação de IVA acima mencionados, devendo os mesmos ser anulados na parte correspondente ao montante de IVA que, por motivo de erro de enquadramento, não foi deduzido, montante total este que ascende a € 446.130,55, nos termos e com os fundamentos que se expõem de seguida.
d) Tal montante de IVA não deduzido consubstancia uma prestação tributária entregue em excesso ao Estado pela Requerente e deve ser-lhe restituída, acrescida de juros indemnizatórios, dado que, em seu entender, o erro na autoliquidação é imputável à AT, pois derivou da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos, por esta emanados.
e) A Requerente é a companhia aérea Portuguesa líder do mercado. A conservação do carácter português da marca da Companhia e o serviço de qualidade têm sido o seu principal motor de estratégia ao longo dos últimos anos.
f) O Grupo empresarial onde a Requerente se insere tem a sua sede no Aeroporto de ... e dedica-se à exploração do sector de transporte aéreo de passageiros, carga e correio, execução de trabalhos de manutenção e engenharia para a sua frota e para terceiros, prestação de serviços de assistência em escala ao transporte aéreo e catering para aviação, operando regularmente em Portugal Continental e Regiões Autónomas, Europa, África, Atlântico Norte, Atlântico Médio e Atlântico Sul.
g) No contexto da atividade da Requerente, a B..., S.A. (doravante “B...”), cede à Requerente espaços / lugares de estacionamento localizados na área do Aeroporto ... em ..., os quais são destinados aos membros das tripulações (v.g. comandantes, copilotos, comissários e demais tripulantes) das aeronaves da Requerente, conforme Regulamento de Funcionamento e Utilização dos Parques de Estacionamento e das Zonas Dedicadas à Largada e Tomada de Utentes nos Aeroportos da B... .
h) Com efeito, os espaços / lugares de estacionamento em apreço destinam-se, única e exclusivamente a garantir que os membros das tripulações das aeronaves da Requerente possam estacionar as suas viaturas quando se encontram a exercer as respetivas funções a bordo de tais aeronaves durante o tempo dos voos realizados, voos estes que constituem o cerne da atividade desenvolvida pela Requerente.
i) Neste contexto, e considerando que a B... cobra à Requerente uma remuneração mensal por tal cedência de espaços / lugares de estacionamento de viaturas dos membros de tripulação das aeronaves exploradas pela Requerente (nos termos estabelecidos no Regulamento de Funcionamento e Utilização dos Parques de Estacionamento e das Zonas Dedicadas à Largada e Tomada de Utentes nos Aeroportos da B...– cf. Documento 5), a Requerente incorre em custos relacionados com a aquisição de serviços de cedência de espaços / lugares destinados ao estacionamento de viaturas dos membros de tripulação das aeronaves exploradas pela Requerente.
j) Ora, sendo a operação de cedência de espaços / lugares destinados ao estacionamento coletivo de viaturas uma prestação de serviços sujeita a IVA e dele não isenta, a B... líquida este imposto, à taxa normal de 23%, nas faturas emitidas à Requerente.
k) Contudo, pese embora assista à Requerente o direito à dedução integral dos montantes de IVA incorridos com a aquisição dos serviços em apreço, o imposto em causa não tem sido deduzido pela Requerente em resultado de, em observância do entendimento sustentado pela AT, ter enquadrado incorretamente tais despesas com aquisição de serviços de cedência de estacionamentos como despesas abrangidas no âmbito das exclusões ao direito à dedução do IVA, consagradas no n.º 1 do artigo 21.º do Código deste imposto.
l) Em concreto, relativamente aos períodos mensais de tributação decorridos entre abril de 2023 (inclusive) e fevereiro de 2024 (inclusive), a B... faturou à Requerente as remunerações devidas por esta enquanto contrapartida dos serviços de cedência de espaços / lugares de estacionamentos de viaturas prestados à Requerente, tendo a B... liquidado o respetivo IVA, à taxa normal de 23%, imposto este que ascendeu a € 446.130,55, conforme detalhado, por período mensal de tributação, na tabela infra:

m) Para este efeito, e a título ilustrativo, a Requerente junta em anexo, como Documento 6, exemplos de faturas emitidas pela B... à Requerente relativamente aos serviços de cedência de espaços /lugares de estacionamentos de viaturas prestados pela B... nos períodos em referência.
n) Ademais, a Requerente manifesta desde já a sua inteira disponibilidade para providenciar a este Tribunal as demais faturas emitidas pela B...com referência aos serviços sub judice, caso o douto Tribunal considere pertinente a respetiva análise no âmbito do presente processo arbitral.
o) Na sequência de uma revisão de procedimentos empreendida neste âmbito, a Requerente constatou que o entendimento da AT nesta matéria era ilegal - uma vez que a aquisição de serviços de cedência de espaços / lugares de estacionamentos de viaturas apresenta um nexo direto e imediato com a prossecução de operações que conferem o direito à dedução do IVA incorrido, nos termos gerais dos artigos 19.º e 20.º do Código deste imposto, não se encontrando, inclusivamente, expressamente prevista no artigo 21.º deste compendio legal.
p) Deste modo, a Requerente identificou que deveria ter deduzido a totalidade do imposto incorrido nos serviços prestados pela B... nos períodos de tributação compreendidos entre abril de 2023 (inclusive) e fevereiro de 2024 (inclusive), com exceção do mês de janeiro de 2024, no valor total de € 446.130,55, montantes aqueles que deveriam constar nas respetivas Declarações Periódicas de IVA referentes a tais meses (vide tabela supra com o detalhe, por período de tributação mensal, do IVA incorrido pela Requerente na aquisição destes serviços).
q) E, uma vez que, conforme se demonstrará infra, a desconsideração do imposto em causa no cálculo do imposto dedutível, se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA, conclui-se que, com referência aos períodos de tributação em apreço, a Requerente deduziu menos imposto do que aquele a que teria direito.
r) Tal procedimento resultou da errónea interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA e, por conseguinte, originou a dedução de menos IVA do que aquele a que a Requerente tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso no montante total de € 446.130,55.
s) Atendendo a que tal falta de dedução constitui uma violação flagrante do princípio fundamental da neutralidade do IVA e das normas que regem este imposto, a Requerente apresentou a Reclamação Graciosa sub judice contra os mencionados atos de (auto)liquidação de IVA em análise (Reclamação Graciosa junta, para todos os efeitos legais, como Documento 4), com vista à anulação parcial destes atos tributários, no montante total de € 446.130,55, porque manifestamente ilegais, requerendo o respetivo reembolso deste montante, com as demais consequências legais.
t) Contudo, no âmbito do processo n.º ...2024..., a AT emitiu a decisão de indeferimento, datada de 12 de setembro de 2024, da Reclamação Graciosa aqui em litígio (cf. Documento 1).
u) Tal decisão de indeferimento em crise assenta na posição preconizada da AT de que, relativamente às despesas incorridas pela Requerente no âmbito da aquisição dos serviços de cedência de lugares de estacionamento prestados pela B... em apreço, “é manifesto que as mesmas estão excluídas do direito à dedução, porquanto de acordo com a referida norma [alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA], as despesas relativas ao uso de viatura própria do sujeito passivo ou do seu pessoal, ainda que em deslocações de e para o local de trabalho, incluindo o respetivo estacionamento, não conferem direito à dedução do imposto nelas contido” para efeitos da disposição normativa do Código do IVA invocada – cf. ponto 69 da página 10 da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa sub judice (Documento 1).
v) Atendendo a que tal falta de dedução constitui uma violação flagrante do princípio fundamental da neutralidade do IVA e das normas que regem este imposto, vem a Requerente apresentar o presente Pedido de Pronúncia Arbitral para que este douto Tribunal se pronuncie sobre a ilegalidade dos atos tributários de autoliquidação de IVA em análise, na sequência de indeferimento expresso por parte da AT da Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
a) O n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, prevê que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, entre outros, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
b) O n.º 1 do artigo 20.º do mesmo diploma legal, estatui que “só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:
I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;
II) Operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efetuadas no território nacional;”
c) Assim também legislam em modos semelhantes tanto o artigo 168.º como o 169.º da Diretiva IVA.
d) Em suma, exige-se que exista um nexo de causalidade entre os bens ou serviços adquiridos (inputs) e as operações realizadas a jusante que são tributadas ou que, sendo não sujeitas ou isentas, conferem o direito à dedução.
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) A Requerente, com sede no ..., ..., ...-... ...a, veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral e a pronúncia arbitral em matéria tributária, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024..., apresentada contra a autoliquidação de IVA, referente aos períodos 2023-04 a 2023-12 e 2024-02, o qual pretende a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, pretende obter:
· anulação parcial das autoliquidações de IVA efetuadas pela Requerente nas Declarações Periódicas, relativa aos períodos mensais de tributação decorridos de abril de 2023 (inclusive) e fevereiro de 2024 (inclusive), com exceção de janeiro de 2024, no montante total de € 446.130,55, por padecerem de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito;
· anulação da respetiva decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa sub judice porque manifestamente ilegal;
· condenação da AT à restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso nas referidas Declarações Periódicas de imposto, no montante global de € 446.130,55;
· condenação da AT a pagar à Requerente os juros indemnizatórios legalmente devidos, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT;
b) A Requerente encontra-se inscrita como sujeito passivo de IVA, desde 1986-01-01 (data de início de atividade 1975-08-28), com enquadramento no regime normal de periodicidade mensal, para o exercício da atividade principal de “Transportes aéreos de passageiros”, CAE 51100, e atividades secundárias “Reparação e manutenção de aeronaves e de veículos espaciais”, CAE 33160, “Formação profissional”, CAE 85591, e “Transportes aéreos de mercadorias”, CAE 51210.
c) A Requerente pretende deduzir o IVA incorrido em aquisições de serviços de cedência de lugares de estacionamento afetos ao seu pessoal, designadamente membros de tripulação das suas aeronaves.
d) No contexto da atividade da Requerente, a B..., S.A., (doravante B...) cede à Requerente espaços / lugares de estacionamento localizados na área do Aeroporto ... em ..., os quais são destinados aos membros das tripulações (v.g. comandantes, copilotos, comissários e demais tripulantes) das aeronaves da Requerente, conforme Regulamento de Funcionamento e Utilização dos Parques de Estacionamento e das Zonas Dedicadas à Largada e Tomada de Utentes nos Aeroportos da B...; - conforme documento n.º 5, junto com o PPA;
e) Os espaços / lugares de estacionamento permitem que os membros das tripulações das aeronaves da Requerente estacionem as suas viaturas quando se encontram a exercer as respetivas funções a bordo de tais aeronaves durante o tempo dos voos realizados; - conforme PAA;
f) Sobre a operação de cedência de espaços/lugares destinados ao estacionamento de viaturas, a ANA liquida IVA à taxa normal de 23%, nas faturas emitidas à Requerente; - conforme documento n.º 6, junto com o PPA.
g) Tais faturas mencionam na descrição a referência a “Avença Estacionamento – Avença Semest. Staff Individ.”, “Avença Mensal Staff Individual”, “Avença Trim. Staff Invididual”, bem como o número do parque a que as mesmas se referem, sendo relativas a espaços de estacionamento localizados no Aeroporto ... em...;- conforme documento n.º 6, junto com o PPA.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, na audiência de produção de prova e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e a audiência realizada, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
A questão a decidir é a de saber se, no contexto da atividade da Requerente, a B..., S.A. (doravante “B...”), em que cede à Requerente espaços / lugares de estacionamento localizados na área do Aeroporto ... em ..., os quais são destinados aos membros das tripulações (v.g. comandantes, copilotos, comissários e demais tripulantes) das aeronaves da Requerente, conforme Regulamento de Funcionamento e Utilização dos Parques de Estacionamento e das Zonas Dedicadas à Largada e Tomada de Utentes nos Aeroportos da B..., encontra abrangido pela hipótese da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, que exclui do direito à dedução o imposto contido nas “despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens”.
IV.2.A. Enquadramento do direito à dedução do IVA
Iremos seguir de perto, com as devidas adaptações, o decidido no Acórdão do CAAD, proferido em 03-01-2023 no processo 97/2022-T[2] e em 07-02-2024 no processo 477/2023-T[3], que teve por objeto litígios idênticos, entre as mesmas partes dos presentes autos, mas em que estavam em causa diferentes períodos de tributação.
Nesse pressuposto, explicou-se ali que «[o] direito à dedução do IVA suportado constitui um elemento essencial sobre o qual repousa, estrutural e funcionalmente, o Imposto sobre o Valor Acrescentado. Com efeito, como é consabido, o IVA opera através do método subtrativo indireto por mor do qual um sujeito passivo do imposto poderá deduzir, ao valor do imposto que liquida nas suas operações económicas (“outputs”), o valor do IVA que suportou, a montante, nas aquisições de bens e serviços realizadas no exercício da sua atividade (“inputs”), repercutindo-se sobre o adquirente final dos bens ou serviços a carga tributária correspondente ao consumo efetuado (…).
A essencialidade do direito à dedução do IVA remonta à Primeira Directiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, onde se assumiu o objetivo de “criar, por etapas, um sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado”, onde se dispunha que “[e]m cada transação, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço” (artigo 2.º). Esta dimensão estruturante do imposto foi assumida nas diretivas que se seguiram, constituindo o mecanismo da dedução do imposto uma garantia da neutralidade inscrita no ADN do modelo comum de IVA.
Em consonância, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sempre tem assinalado que: “o direito a dedução previsto no artigo 168º, alínea a), da Directiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações efetuadas a montante (Acórdão de 2 de Maio de 2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.° 25 e jurisprudência referida)”; “o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão Grupa Lotos, n.º 26 e jurisprudência referida)”; “na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para os fins das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (Acórdão Grupa Lotos, n.º 27 e jurisprudência referida)” – cfr. §§ 22 a 24 do Acórdão de 17 de Setembro de 2020, Super Bock Bebidas, processo C-837/19.
Não obstante constituir uma peça central do funcionamento do IVA, o direito à dedução encontra condicionalismos e limitações. Desde logo, por razões endógenas à estrutura do imposto, o direito à dedução pressupõe a existência de uma relação direta e imediata entre uma operação realizada a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução (…), ou, na falta dessa relação direta e imediata, a consideração de que os custos dos serviços em causa são parte das despesas gerais de um sujeito passivo e, nessa medida, constituem elementos constitutivos do preço dos bens ou dos serviços por aquele fornecidos, entendendo-se que existe aí uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito que autoriza a dedução do IVA suportado nos inputs (…). De outra sorte, existem ainda limitações ou exclusões cuja razão de ser repousa numa lógica anti abuso, aliada às limitações do controlo eficaz das autoridades tributárias, como sucede no âmbito de bens ou serviços que sejam susceptíveis de uma utilização não exclusivamente profissional (…). Neste caso, as limitações respaldam-se no artigo 176.º da Directiva IVA.
O artigo 176.º da Directiva IVA, tal como se dispunha no artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Directiva, estabelece que “[o] Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados- Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão”.
Uma vez que o Conselho ainda não determinou quais as despesas que não conferem direito à dedução, a regulamentação das limitações ou exclusões do direito à dedução encontra-se abrangida pela cláusula de standstill, prevista na segunda parte do citado artigo 176.º, mantendo-se “todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional”, como referiu o TJUE no Acórdão Super Bock Bebidas, nºs 27 a 30.
No entanto, a aplicação da cláusula de “standstill”, tal como resulta da jurisprudência do TJUE, não está isenta de constrangimentos. Desde logo, reconhece-se que a mesma não atribui aos Estados “um poder discricionário absoluto de excluir todos os bens e serviços ou a quase totalidade destes do direito a dedução do IVA e de esvaziar, assim, do seu conteúdo, o regime criado pelo artigo 11.°, n.° 1, da Segunda Directiva. A referida faculdade não tem por objeto, portanto, exclusões gerais e não dispensa os Estados Membros da obrigação de precisar suficientemente quais os bens e serviços para os quais está excluído o direito a dedução (v., neste sentido, acórdãos Royscot e o., já referido, n.os 22 e 24, e de 14 de Julho de 2005, Charles e Charles Tijmens, C 434/03, Colect., p. I 7037, n.os 33 e 35)” (…). Por outro lado, “[q]uanto ao alcance do regime derrogatório previsto no artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça decidiu, todavia, que esta disposição pressupõe que as exclusões que os Estados Membros podem manter eram legais em virtude da Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 1967, 71, p. 1303, a seguir «Segunda Directiva»), anterior à Sexta Directiva (…)”, sendo que “[a] este respeito, o artigo 11.° da Segunda Directiva estabelecia, no seu n.° 1, o direito a dedução e, ao mesmo tempo, previa, no seu n.° 4, que os Estados Membros podiam excluir do regime de dedução certos bens e serviços, designadamente os que fossem susceptíveis de ser, exclusiva ou parcialmente, utilizados para as necessidades privadas do sujeito passivo ou do seu pessoal” (…)[7]. Em terceiro lugar, refere ainda o TJUE que “uma vez que se trata de um regime que constitui uma derrogação ao princípio do direito a dedução do IVA, esse regime é de interpretação restritiva (v. acórdão Metropol e Stadler, já referido, n.° 59, e acórdão de 22 de Dezembro de 2008, Magoora, C 414/07, Colect., p. I 10921, n.° 28)” (…)[8].»
IV.2.B. O regime do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA
A propósito do regime do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, os já referidos acórdãos do CAAD proferidos nos processos 97/2022-T e 477/2023-T, estabeleceu que «[n]ão sendo pacífica a questão de saber se as limitações ou exclusões previstas no artigo 21.º do Código do IVA são, ou não, justificáveis por aplicação da cláusula de standstill (…), sempre se deverá entender que o artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, constitui transposição do primeiro parágrafo do artigo 176.º da Directiva IVA, na parte em que considera excluídas do direito à dedução “as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação”, estabelecendo o legislador uma “presunção” de que as despesas em causa “não têm carácter estritamente profissional” (…). Nesta óptica, a previsão do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, encontra suficiente acolhimento na mencionada Directiva, não se vislumbrando qualquer contradição com o direito europeu.
Firmada tal conclusão, importa apurar, previamente a quaisquer outras considerações sobre o regime legal, se a concreta factualidade assente nestes autos é passível de reconduzir-se à previsão da norma legal que exclui o direito à dedução nos casos de “despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens”.
Ora, a questão da dedutibilidade do IVA com a utilização de lugares de estacionamento foi já considerada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 5 de novembro de 2020, tirado no processo n.º 2500/10.5BELRS, disponível em www.dgsi.pt. Refere-se nesse aresto:
“(...) Estão em causas faturas relacionadas com os lugares de estacionamento das viaturas utilizadas pelos trabalhadores da empresa, ora recorrida/impugnante. A tese que fez vencimento na instância é a de que se trata de rendas associadas ao arrendamento da sede da empresa e, nessa medida, mostram-se ligadas ao exercício da atividade económica da mesma, pelo que são despesas cujo imposto incorrido deve ser dedutível, o que determinaria a ilegalidade da correção, por violação do direito à dedução do imposto suportado.
A sentença decidiu com acerto.
É certo que as despesas referidas no preceito do artigo 21.º do CIVA, constituindo exclusões do direito à dedução e estando sujeitas ao princípio do não retrocesso (cláusula de standstill), têm sido aceites pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] como exclusões do direito à dedução, atendendo a que se trata de despesas que, pela sua natureza e características, podem ser utilizadas para fins privados, consubstanciando um consumo final.
Sem embargo, no caso em exame, estão em causa despesas relacionadas com o uso de lugares de estacionamento utilizado indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes da Impugnante (n.º 3 do probatório).
Na Informação Vinculativa da DGCI, referente ao Processo n.º 1486, despacho do substituto legal do Diretor-geral, de 28.01.2011, referente a “Direito à dedução – lugares de estacionamento”, a consulente solicitou informação sobre qual o enquadramento legal em IVA da disponibilização de lugares de estacionamento situados no campus empresarial onde se encontra o edifício que integra o espaço destinado à sua atividade», numa situação em que os lugares de estacionamento «se destinavam, embora não exclusivamente, ao parqueamento das viaturas da sua rede comercial e de assistência técnica, das quais a maioria é de mercadorias, bem como às viaturas dos seus clientes e fornecedores». Na Informação vinculativa citada, a AT fixou a orientação seguinte: «i) De acordo com os argumentos da consulente e tendo em consideração a atividade declarada em sistema, o espaço de estacionamento afigura-se necessário ao exercício da sua atividade, pelo que pode em princípio, conferir o direito à dedução por enquadramento no disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do CIVA. // ii) Todavia, face à exclusão prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º, importa acautelar que a atribuição de lugares de estacionamento a funcionários, colaboradores, titulares de cargos de direção ou outros que se subsumam nesta norma, limita aquele direito na proporção dos lugares atribuídos para esse fim».
Por seu turno, no caso em exame nos autos, o estacionamento referido está situado no mesmo edifício da sede da impugnante e era utilizado indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes da Impugnante (n.os 1 e 2 do probatório), pelo que o imposto suportado respeita a despesas relacionadas com o exercício da atividade da impugnante (“despesas afetas à exploração”), não sendo as mesmas recondutíveis ao disposto no artigo 21.º/1/c), do CIVA (“Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal”). De onde se retira que o imposto suportado em apreço é dedutível por parte da empresa/impugnante, como sucedeu no caso. A correção em exame, ao decidir diferentemente, enferma de erro e não pode ser mantida na ordem jurídica.
(...)”.
Nesse caso, o Tribunal concluiu que a despesa com lugares de estacionamento, mesmo quando os mesmos sirvam viaturas utilizadas pelos trabalhadores da empresa, não são despesas de transporte ou despesas de viagens de negócios, na medida em que se referem a lugares de estacionamento que se encontram localizados no edifício onde se encontra a sede do sujeito passivo, constituindo, consequentemente, uma “despesa relacionada com o exercício da atividade da impugnante”.
Este critério define, porquanto, no que se refere às despesas de estacionamento, que se permite a destrinça entre
· aquelas despesas que tenham conexão com o local da sede e de exercício da atividade do sujeito, que são despesas com o local em que se desenvolve a atividade económica, e
· aqueloutras que sejam suportadas no âmbito de viagens do sujeito passivo e do seu pessoal.
E este critério é o que mais se adequa aos cânones metodológicos firmados pelo TJUE, em matéria de determinação das exclusões do direito à dedução de que se deu conta supra e que não autorizam uma extensão da norma para abarcar despesas que não são despesas de transporte e viagens efetuadas em representação da empresa, mas custos relacionados com o local a partir do qual é desenvolvida a atividade económica sujeita a IVA.
No caso concreto, comprovou-se que a Requerente tem a sua sede no Aeroporto de ..., operando a partir daí para diversos destinos e que os lugares de estacionamento são destinados aos membros das tripulações das aeronaves da Requerente que operam a partir desse aeroporto, quando aqueles se encontrem a exercer as suas funções a bordo de tais aeronaves. Ora, de acordo com o critério adoptado, deve concluir-se que as despesas suportadas com os lugares de estacionamento localizados no perímetro onde a Requerente tem a sua sede e a partir do qual exerce a sua atividade profissional de transporte aéreo constituem despesas que são suportadas por referência ao local de exercício de atividade e não custos de transporte ou viagem do sujeito passivo e seu pessoal em representação da empresa, caindo, assim, no âmbito das despesas relacionadas com a exploração económica do sujeito passivo.
Por outro lado, o facto de nos encontrarmos perante uma empresa que tem por objeto o transporte aéreo de passageiros e mercadorias não altera esse juízo, considerando-se que o escopo da norma não vai para além do âmbito de despesas representação, por ser nestas que existe a possibilidade de consumos estranhos à atividade da empresa.
Pelo exposto, e sendo a questão em apreço em tudo idêntica à objeto dos acórdão aqui parafraseados, impõe-se solução idêntica, devendo, por conseguinte, proceder o presente pedido de pronúncia arbitral, anulando-se o indeferimento da reclamação graciosa referentes às auto liquidações de IVA em crise nos presentes autos, na parte relativa ao IVA não deduzido das faturas emitidas pela B... à Requerente relativas a serviços de cedência de lugares/espaços de estacionamento de viaturas, relativa aos períodos mensais de tributação decorridos de abril de 2023 (inclusive) e fevereiro de 2024 (inclusive), com exceção de janeiro de 2024, no montante total de € 446.130,55, por padecerem de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, com as demais consequências legais, designadamente a restituição à Requerente do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43º da LGT.
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento das restantes questões colocadas, de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 680.º, n.º2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea e) do RJAT.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente procedente o presente pedido arbitral, com as legais consequências:
· anulação parcial das autoliquidações de IVA efetuadas pela Requerente nas Declarações Periódicas, relativa aos períodos mensais de tributação decorridos de abril de 2023 (inclusive) e fevereiro de 2024 (inclusive), com exceção de janeiro de 2024, no montante total de € 446.130,55;
· anulação da respetiva decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa sub judice porque manifestamente ilegal;
· condenação da AT à restituição à Requerente do valor do IVA pago em excesso nas referidas Declarações Periódicas de imposto, no montante global de € 446.130,55;
· condenação da AT a pagar à Requerente os juros indemnizatórios legalmente devidos, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT.
b) Condenar a Requerida ao pagamento das custas.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 446.130,55 nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 7.038,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de junho de 2025
Os Árbitros,
Guilherme W. d’Oliveira Martins
Maria Alexandra Mesquita
Filipa Barros
(votando vencido conforme declaração junta)
Declaração de Voto Vencido
Entende-se que a resposta da Requerida contem os argumentos essenciais, aos quais se adere in totum, e que, por si só, justificariam o indeferimento de Pedido da Requerente. Para além desses argumentos, apresentarei de forma sucinta algumas considerações sobre o alcance da tese da Requerente apoiada em alguma jurisprudência anterior do Tribunal Arbitral e do Tribunal Central Administrativo do Sul, que por motivos a contrario, justificam do meu voto discordante, sempre ressalvado o devido respeito.
O direito à dedução do IVA suportado constitui um elemento essencial sobre o qual repousa estrutural e funcionalmente o Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Há, no entanto, limitações do direito à dedução, matéria que é regulada pelos artigos 176.º e 177.º da Diretiva IVA.
O artigo 176.º começa por nos dizer que cabe ao Conselho, deliberando por unanimidade e mediante proposta da Comissão determinar as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em seguida dispõe o mesmo normativo: “Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados- Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão”.
Acresce que, no segundo parágrafo do artigo 176.º consideram-se excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter “estritamente profissional”, nomeadamente “as despesas sumptuárias, recreativas ou de representação”.
Resulta do que precede que o IVA só se torna neutro quando todo o imposto incorrido nos inputs de uma atividade económica é deduzido pelo sujeito passivo. Já quando realize despesas de natureza pessoal, o sujeito passivo deve ser tratado como um consumidor final. Semelhante tratamento deverá ocorrer, em relação a certas despesas ainda que realizadas no âmbito do funcionamento normal da empresa, quando pela sua natureza, sejam aptas à satisfação de necessidades privadas, e em que a discriminação entre a parte profissional e a parte privada não pode ser sempre objeto de uma fiscalização precisa, o que implica riscos de abuso e de fraude fiscal.
Além das despesas expressamente excluídas do direito à dedução, o artigo 176.º da Diretiva IVA prevê até que “o Conselho (...) determine quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA” os estados-membros mantenham as exclusões que tivessem em vigor a 1 de janeiro de 1979, data da entrada em vigor da sexta diretiva, ou data da sua adesão à Comunidade, quando esta seja posterior.
Habilitado para o efeito pela disposição acabada de citar, o Estado Português manteve em vigor o artigo 21.º do Código do IVA, que tinha sido aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, o qual sofreu alterações pontuais na sua redação, as quais, porém, não afetam a parte que releva para os autos, prevendo-se o seguinte[4]:
“Artigo 21.º
Exclusões do direito à dedução
1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:
a) (...)
b) (...)
(...)
c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;
d) (...)
e) (...)
2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:
a) (...)
b) (...)
c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso;
(...)
Ora, segundo entende Sérgio Vasques “ao excluir do direito à dedução despesas sumptuárias, recreativas e de representação, o legislador consagra afinal uma presunção de que apenas nestas despesas se tendem a confundir a esfera pessoal e empresarial, admitindo ao mesmo tempo que o controlo da sua utilização efetiva se mostra por regra impraticável.”[5]
Como se constata o legislador nacional foi autorizado pelo legislador comunitário a manter determinadas limitações ao direito à dedução, relativamente a certas despesas, desde que as mesmas já existissem ao nível da legislação interna no momento da entrada em vigor da Sexta Diretiva, por via da denominada cláusula de “congelamento” ou de “standstill”, a qual foi mantida em vigor pela atual Diretiva IVA.
Sobre esta cláusula “standstill” o TJUE tem produzido jurisprudência constante, designadamente no que respeita à compatibilidade desta cláusula com o tipo de restrições admissíveis no âmbito do direito à dedução ao nível dos Estados-membros. Por conseguinte, os Estados-membros poderão manter as restrições que resultam da aplicação da cláusula “standstill”, mas não lhes é permitido alargam o seu âmbito de aplicação.[6]
No acórdão Comissão vs. França, a propósito de uma exclusão relativa a despesas com veículos de passageiros introduzida na lei francesa ainda antes da entrada em vigor da Sexta Diretiva o Tribunal veio esclarecer, com particular relevância para o caso controvertido, que a cláusula “standstill” se aplica não só a despesas desprovidas de caráter profissional como também a despesas que o possuam, admitindo assim que os Estados-membros as continuem a excluir do direito à dedução.[7] (sublinhado nosso).
Segundo entende Sérgio Vasques, “esta é mais importante das decisões respeitantes ao artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva, porque nela se fixa o objeto essencial da cláusula “standstill”. Desta decisão decorre, ao que nos importa, que as normas do artigo 21.º se mostram válidas, á luz do direito europeu, mesmo quando sejam aplicáveis a bens ou serviços com utilização predominante ou exclusivamente profissional”[8], sendo certo que “a sua validade não depende de um qualquer teste ad hoc de proporcionalidade”.
No entanto, esta cláusula não é compatível com todo e qualquer tipo de restrição do direito à dedução, não se podendo admitir, conforme tem sinalizado o TJUE, a exclusão de categorias abertas de despesas, conforme se faz notar nos acórdãos Metropol e Stadler (C-409/99) ou Magoora (C-414/07).[9]
De salientar também os acórdãos Royscot e o. (C-305/97)[10] e Grupa Lotos (C-225/18)[11] que, em conjunto com os antes referidos, permite concluir que, de acordo com a Diretiva IVA (e a, entretanto revogada, Sexta Diretiva):
- As exclusões do direito à dedução previstas no seu artigo 176.º podem aplicar-se a todo o tipo de despesas, incluindo aquelas que têm caráter estritamente profissional, as que constituem um instrumento indispensável ao exercício da atividade e as que não são suscetíveis de, no caso concreto, serem utilizadas para fins privados;
- No entanto, não podem ser excluídos bens e serviços de tal modo que resulte esvaziado o conteúdo do direito, atingindo o sistema geral do direito à dedução (o que não se afigura ser o caso do artigo 21.º do Código do IVA como de seguida se verá);
- Não pode ser alargado o âmbito das exclusões do direito à dedução após a adesão.
Concretamente, no que concerne à compatibilidade do regime português das exclusões do direito à dedução previstas no artigo 21.º do Código do IVA, com as normas comunitárias, nomeadamente nos casos em que o imposto não dedutível respeita a despesas incorridas no âmbito de atividades tributadas, o TJUE pronunciou-se mediante Despacho de 26 de Fevereiro de 2020, no processo C- 630/2019, no caso “Page International” submetido junto do CAAD a respeito da correta interpretação da alínea a) do artigo 168.º e do artigo 176.º da Diretiva IVA, e dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade, concluindo, o seguinte: “O artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, após a adesão do Estado Membro em causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afectas ao exercício da sua actividade económica tributável”, esclarecendo quanto à questão da natureza profissional das despesas incorridas pela referida empresa, que: “(...) a circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as despesas incorridas pelo sujeito passivo poderem ser exclusivamente afectas ao exercício das suas a actividades profissionais não prejudica o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Directiva IVA. Com efeito, atendendo à letra e à génese do referido artigo, esta cláusula autoriza os Estados Membros a excluir do direito à dedução do IVA categorias de despesas que têm carácter estritamente profissional, quando estas últimas estejam definidas de forma suficientemente precisa, na acepção da jurisprudência referida no n.°34 do presente despacho.”[12]
Ora, aplicando o referido enquadramento ao caso concreto, verifica-se que o artigo 21.º, 1, c), do Código do IVA contém uma proibição de dedução do IVA para as despesas de transporte do sujeito passivo e do seu pessoal;
Essa proibição vigora mesmo que essas despesas sejam totalmente imputáveis a (e ainda que conexas com) uma atividade do sujeito passivo que confira o direito à dedução ao abrigo do artigo 20.º do Código do mesmo imposto.
A Requerente invoca que os lugares de estacionamento em apreço destinam-se unicamente a garantir que os membros das tripulações das aeronaves da Requerente possam estacionar as suas viaturas quando se encontram a exercer as respetivas funções a bordo de tais aeronaves durante o tempo dos voos realizados, voos estes que constituem o cerne da atividade desenvolvida pela Requerente.
Muito embora reconhecendo a existência da cláusula standstill constante do artigo 21.º do Código do IVA, prevendo algumas exclusões ou limitações ao exercício do direito à dedução, a Requerente entende que as despesas de estacionamento não se encontram expressamente abrangidas pelo disposto na alínea c) do n.º 1 do referido artigo 21.º, que respeita tão somente a “despesas de transporte e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens”, porquanto uma interpretação que permita abranger neste dispositivo “o estacionamento de veículos” constituiria uma interpretação extensiva daquela expressão e um alargamento inadmissível a despesas que a lei não prevê.
Em apoio da sua tese a Requerente invoca jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA- Sul), na qual se defende que no seu Acórdão de 4 de Junho de 2015, processo n.º 06391/13, afirmando que “O fundamento da exclusão do direito à dedução previsto no art.º 21 do CIVA, encontra-se no facto de muitas das situações ali previstas dizerem respeito a IVA suportado nos “inputs” em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível controlar a sua bondade, visando-se pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais. Esta norma é, no fundo, uma norma especial anti-abuso em sede de IVA, nos termos em que a doutrina as define.”[13]
A Requerente invoca ainda algumas decisões arbitrais, designadamente, o entendimento veiculado na Decisão Arbitral de 15 de janeiro de 2015, no processo n.º 398/2014-T, onde o Tribunal estatuiu que “subjacentes às situações de afastamento do direito à dedução estarão presunções de que as despesas indicadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a actividade produtiva das empresas sujeita a IVA, pois é essa a única justificação aceitável para o afastamento da dedutibilidade deste imposto, que, como imposto sobre o consumo, se pretende que seja neutro para os intermediários no circuito económico”.[14]
Analisando o tema específico da interpretação do conceito de “transporte” a Requerente aduz que o transporte como viagem refere-se a uma “ação dinâmica”, por oposição ao conceito de “cedência de lugares de estacionamento” que implicaria uma despesa referente ao mero lugar /espaço onde uma viatura se encontra estacionada ou parada, sendo por conseguinte diferente da deslocação ou do ato de transportar. A Requerente apresenta jurisprudência do TCA-Sul e do CAAD onde considera que tal entendimento encontra adesão.[15]
Ora, salvo devido respeito, discorda-se da posição da Requerente por razões de ordem vária.
Sem prejuízo de o referido estacionamento se destinar aos membros das tripulações das aeronaves da Requerente, não ficou demonstrado que apenas seja utilizado para essa finalidade, no sentido de que aqueles não possam utilizá-lo para outros fins, nomeadamente quando efetuem viagens a título pessoal.
Na sequência das considerações anteriormente tecidas, apoiadas na vasta jurisprudência do TJUE, a circunstância de as despesas incorridas pela Requerente poderem ser exclusivamente afetas ao exercício da sua atividade económica não prejudica o alcance da cláusula standstill, pois esta autoriza os Estados-Membros a excluir do direito à dedução categorias de despesas que tenham caráter estritamente profissional, e que sejam realizadas no estreito âmbito da atividade da empresa.
Acresce que o TJUE já afastou quaisquer dúvidas quanto à compatibilidade do artigo 21.º do Código do IVA com o direito europeu, considerando legítimas as restrições ao direito à dedução, na medida em que estas mantêm as exclusões nacionais do direito à dedução do IVA que eram aplicáveis antes da entrada em vigor da Sexta Diretiva, nos termos do artigo 17.° n.° 6, segundo parágrafo, do referido diploma.[16]
Por outro lado, relativamente à jurisprudência do CAAD invocada, em particular a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 398/2014-T, importa lembrar que para além de se questionar a conformidade do artigo 21.º com o direito europeu, ambas defendem a tese de que o artigo 21.º do Código do IVA encerra presunções relativas à incidência do imposto a considerar ilidíveis pelo artigo 73.º da LGT, e que, segundo a referida jurisprudência, todas as normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Por conseguinte, a tese sustentada, para efeitos do alcance conferido ao artigo 73.º da LGT, é a de que subjacentes às situações de afastamento do direito à dedução estarão presunções de que as despesas indicadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º não têm total ou parcialmente relação exclusiva com a atividade produtiva das empresas sujeitas a IVA, sendo essa a única justificação aceitável para o afastamento da dedutibilidade deste imposto o qual, como imposto sobre o consumo, se pretende que seja neutro para os intermediários do circuito económico.
Porém, na esteira da recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, infra mencionada, o artigo 21.º do Código do IVA não estabelece, em rigor, uma presunção em sentido próprio.
Analisando de perto esta jurisprudência, refere Sérgio Vasques que “a tese de que toda a norma de incidência assente num juízo presuntivo pode ser afastada mediante prova em contrário suscita profundas dúvidas de método” em especial à luz da jurisprudência consagrada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 753/2014[17], relativa às normas que limitam a dedução dos custos como a do artigo 23.º n.º 7 do Código do IRC, juntamente com acórdãos anteriores do mesmo Tribunal, nos processos n.º 451/2002[18] e n.º 85/2010[19], também proferidos em sede de IRC, no entanto em tudo aplicáveis noutros campos da fiscalidade, designadamente na interpretação das normas que limitam o direito à dedução em sede de IVA. Com efeito, a metodologia seguida naqueles acórdãos foi a de considerar que certas regras que limitam a dedução de custos em sede de IRC, são conformes à Constituição da República ainda que não admitam prova em contrário.
Seguindo de perto o entendimento explanado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014, não devemos tomar como presunções “em sentido próprio” normas que encerrem juízos presuntivos que não respeitem à própria existência do rendimento, património ou consumo, como são as que excluem o direito à dedução no artigo 21.º do Código do IVA, ou as que vedam a dedução de custos no artigo 23.º do Código do IRC. Assim, o aquele Tribunal deixa claro, que há circunstâncias de política fiscal em que a aplicação do artigo 73.º da LGT não deve ter lugar. O combate à evasão e as exigências de praticabilidade podem constituir razões de política legislativa válidas em que a presunção de inilidível de “empresarialidade parcial ” de certas despesas possa servir para assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, deixando ainda claro “que o controlo material destas normas não se faz por apelo ao artigo 73.º da LGT, mas através do mesmo teste de proporcionalidade a que sujeitamos quaisquer outras normas que estejam em tensão com o princípio da igualdade tributária”.[20]
Assim, acompanhando a doutrina enunciada, apoiada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, entende-se que assiste razão à AT quando sustenta que as normas do artigo 21.º do Código do IVA, não admitem prova em contrário, desde que se encontrem preenchidos os pressupostos definidos pelo legislador, ficando afastado o direito à dedução, no todo ou em parte, consoante os casos, sem que seja necessário atender a demais circunstancialismos ou factos.
Ora, dá-se ainda o caso, que os factos no processo controvertido, não são totalmente coincidentes, com os factos assentes nas decisões invocadas pela Requerente como idênticas ao presente processo arbitral.
Com efeito, quer no âmbito do acórdão do TCA-Sul, proferido no processo n.º 2500/10.5BELRS, quer na decisão do CAAD proferida no processo n.º 97/2022-T, o Tribunal após considerar que se estava no domínio das despesas constantes do artigo 21.º do Código do IVA, sujeitas ao princípio do congelamento (cláusula standstill), veio reconhecer o direito à dedução do IVA incorrido em despesas relacionadas com o uso de lugares de estacionamento “utilizados indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes”, que foram consideradas dedutíveis na medida em que se relacionem com o exercício da atividade do sujeito passivo.
Assim, na situação apreciada pelo TCA-Sul, o parque de estacionamento em relação ao qual o sujeito passivo pretendia exercer o direito à dedução era para acesso às suas instalações pelos fornecedores e clientes e não apenas pelos seus funcionários, conforme sucede tipicamente nas grandes superfícies comerciais. Deste modo, as despesas associadas a esse parque de estacionamento não podem subsumir-se à alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, que se dirige especificamente às despesas de transporte e viagens do “sujeito passivo do imposto e do seu pessoal” e não a despesas conexas com os fornecedores e clientes do sujeito passivo.
Por fim, quanto à tese da Requerente, dir-se-á que, embora terminologicamente “transporte” e “estacionamento” tenham significados distintos, do ponto de vista finalístico, a despesa assegurada pela Requerente com a cedência de lugares de estacionamento destinados exclusivamente aos seus funcionários é consequencial à utilização de transporte próprio pelos mesmos, ainda que no âmbito do exercício das suas funções junto da Requerente. Por conseguinte, não se trata de uma mera análise semânticas de palavras, mas sim de matéria de facto concreta, pois o arrendamento dos espaços de estacionamento destina-se exclusivamente às viaturas dos seus funcionários que utilizam viatura própria para se deslocar até ao local de trabalho. O estacionamento em causa não é utilizado indiscriminadamente por fornecedores, clientes da empresa, visitantes e funcionários. O critério da Requerente foi outrossim o de atribuir um lugar de estacionamento privado aos seus funcionários, membros de tripulação das aeronaves, que se deslocam até à empresa, em transporte pessoal.
Concorda-se assim que o artigo 21.º do Código do IVA não pode ser objeto de interpretação extensiva. Contudo, não se vislumbra que a posição adotada constitua qualquer desvio ao elemento literal, pois este comporta naturalmente o estacionamento como uma despesa de transporte e viagens, uma vez que as viaturas não podem estar continuamente em andamento e, entre trajetos, têm de estar paradas. Em particular, quando esse estacionamento é, de forma inquestionável, apenas um ponto intermédio na dinâmica de chegada e partida dos funcionários ao e do aeroporto.
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[4] De notar que a entrada em vigor da Diretiva em Portugal (à data Sexta Diretiva 77/388/CEE) só se deu em 1 de janeiro de 1989, pois o Tratado de Adesão previa um diferimento de 3 anos após a adesão. Assim, quando em 1986 o Código do IVA entrou em vigor, Portugal ainda não estava vinculado à Diretiva.
[5] Sérgio Vasques, “O Imposto sobre o Valor Acrescentado” Almedina, p.346.
[6] Vide, Acórdão Magoora, C- 414/07, 22-12-2008, (pontos 35-38) “Com efeito, o artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva contém uma cláusula de «standstill» que prevê a manutenção das exclusões nacionais do direito a dedução do IVA que eram aplicáveis antes da entrada em vigor da Sexta Directiva). O objectivo desta disposição é, pois, permitir aos Estados‑Membros, enquanto aguardam a aprovação, pelo Conselho, do regime comunitário das exclusões do direito a dedução do IVA, manter em vigor qualquer regra de direito nacional relativa à exclusão desse direito efectivamente aplicada pelas suas autoridades no momento da entrada em vigor da Sexta Directiva.
36.Ora, na medida em que a legislação de um Estado‑Membro, depois da entrada em vigor da Sexta Directiva, modifique, reduzindo‑o, o âmbito das exclusões existentes, aproximando‑se desta forma do objectivo dessa directiva, há que considerar que esta legislação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva e não viola o seu artigo 17.°, n.° 2 (v. acórdãos, já referidos, Comissão/França, n.° 22; Metropol e Stadler, n.° 45; e Danfoss e AstraZeneca, n.° 32).
37. Recorde‑se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional não constitui uma derrogação permitida pelo artigo 17.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, se tiver por efeito alargar, posteriormente à entrada em vigor desta directiva, o âmbito das exclusões existentes, afastando‑se assim do objectivo da mesma (...).
38. Por conseguinte, atento o objectivo da referida disposição, o conceito de «legislação nacional», na acepção do artigo 17.°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, refere‑se ao regime de dedução do IVA existente e efectivamente aplicado quando da entrada em vigor desta directiva.
[7] Acórdão do TJUE, Comissão vs. França, C-43/96, de 18-06-1998, pontos 17 e 18: “17. A este respeito, deve observar-se que o primeiro período do artigo 17.º, n.º 6, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva prevê que o Conselho determinará quais as despesas que não conferem direito a dedução do IVA. O período seguinte especifica que «Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional.» Resulta designadamente deste segundo período que as disposições que o Conselho é convidado a adoptar não se limitam a priori às despesas que não tenham natureza estritamente profissional.
18. Nestas condições, é claro que a expressão «todas as exclusões», utilizada no artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, inclui as despesas que têm carácter estritamente profissional. Assim, esta disposição autoriza os Estados-Membros a manter normas nacionais que excluem o direito à dedução do IVA relativo aos meios de transporte que constituem o próprio instrumento da actividade do sujeito passivo.”
[8] Sérgio Vasques, “IVA, Direito à Dedução e Presunções Tributárias”, Cadernos IVA 2017, p. 478 e 479.
[9] Acórdãos do TJUE Metropol e Stadler, C-409/99, de 08-01-2002, ponto 59 “As disposições que prevêem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação estrita.”; e no mesmo sentido Magoora, C-414/07, ponto n.º 28.
[12] No mesmo sentido, Acórdão TJUE Grupa Lotus, C-225/2018, 02-05-2019.
[13] Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, processo n.º 06391/13, de 04-06-2015.
[14] Decisão Arbitral, processo n.º 40/2016-T, de 29-09-2016.
[15] Acórdão do TCA-Sul, processo n.º 2500/10.5BELRS, de 05-11-2020, bem como Decisão do CAAD processo n.º 97/2022-T, 3-01-2023, (sendo esta decisão referente a um outro processo da Requerente sobre matéria semelhante).
[16] Vide Acórdão do TJUE Magoora, supra citado.
[17] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014, 12-11-2014.
[18] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 451/2002, 30-10-2002, ponto 7.
[19] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, 03-03-2010, ponto 7.
[20] Veja-se in ob. cit. “IVA, Direito à Dedução e Presunções Tributárias”, p. 488-490.