Sumário
I. A inexistência dos meios financeiros evidenciados na conta #11-Caixa, conjugada com a não contabilização de qualquer saída, configura um caso de despesas não documentadas, enquadrável no artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC, representando o exfluxo ou dispêndio de meios monetários contabilisticamente relevados, sem que para tanto esteja identificado um destinatário e documentado/comprovado o seu destino.
II. Não sendo demonstrados pelo contribuinte erros no lançamento das suas disponibilidades monetárias a débito na conta #11-Caixa, passíveis de abalar a credibilidade dos correspondentes registos contabilísticos, deve assumir-se que tais valores chegaram a ingressar na sua esfera patrimonial.
III. Constatada, pela AT, a divergência entre o saldo de caixa e os meios financeiros disponíveis, cabia ao contribuinte o ónus de provar o destino das saídas de valores da empresa e evitar a incidência de tributação autónoma.
IV. O momento da tributação das despesas não documentadas tem de reportar-se à data em que a AT apurou a divergência.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Filomena Oliveira e Luís Ricardo Farinha Sequeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21 de janeiro de 2025, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., Lda., doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º ... – ..., ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade, e consequente anulação, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e juros compensatórios emitida sob o n.º 2019..., de 13 de março de 2019, respeitante ao período de tributação de 2014, no valor total a pagar de € 406.558,89, resultante de correções de Tributação Autónoma incidente sobre despesas não documentadas, por padecerem de vício procedimental e de erro nos pressupostos de facto e de direito.
Em 11 de novembro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e, de seguida, notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes não manifestaram oposição (v. artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 21 de janeiro de 2025.
Em 24 de fevereiro de 2025, a Requerida apresentou a Resposta e juntou o processo administrativo (“PA”).
Em 28 de março de 2025, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram inquiridas as duas testemunhas arroladas pela Requerente. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, e, bem assim, a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até ao termo do prazo de alegações. O Tribunal fixou o prazo para a decisão até ao dia 20 de julho de 2025 (v. ata e gravação áudio disponíveis no SGP do CAAD).
Requerida e Requerente apresentaram as suas alegações em 17 e 21 de abril de 2025, respetivamente.
Síntese da Posição da Requerente
A Requerente começa por fundar o recurso à via arbitral no disposto no artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro, que concede aos contribuintes a faculdade de transferência de processos de impugnação judicial para os tribunais arbitrais (no caso o processo n.º 1858/19.5 BELRS), permitindo a estes últimos apreciar e decidir pretensões antes submetidas à apreciação dos tribunais tributários que fazem parte integrante da jurisdição administrativa e fiscal.
Quanto ao mérito da sua pretensão, a Requerente alega que o procedimento inspetivo de que foi alvo teve início em novembro de 2014 e terminou em fevereiro de 2019, ultrapassando o prazo de seis meses, prorrogável por mais dois períodos de três meses, previsto no artigo 36.º, n.º 2 do RCPITA, sem que tenha sequer sido invocada a complexidade do caso como exige o n.º 3, nem cumprido o n.º 4 do mesmo artigo. Assim, segundo a Requerente, os atos de inspeção são anuláveis e ineficazes por ilegalidade procedimental, impedindo a liquidação de juros compensatórios além do primeiro ano.
Sobre a ilegalidade substantiva, invoca que, durante o processo de inspeção, iniciado em 2014, corrigiu a sua contabilidade e substituiu, ao abrigo do preceituado no artigo 58.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), todas as Declarações Anuais de Informação Contabilística e Fiscal (“IES”) referentes aos anos 2007 a 2013, que ficaram sanadas dos vícios técnicos que antes apresentavam. Em relação ao período de tributação 2014, invoca que entregou atempadamente a IES, em 2015, na qual reportou um saldo de caixa de € 464,30. Refere ainda que, até 2014, foi a contabilista certificada que elaborou as atas e promoveu a sua assinatura pela gerente, que é médica e nada sabe de contabilidade ou fiscalidade.
Nestes termos, defende que devia ter sido atendida a última declaração apresentada (v. artigo 58.º do RCPITA), sendo essa que goza da presunção de verdade (v. artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária – “LGT”). No entanto, a AT desconsiderou ilegalmente as declarações substitutivas e a declaração de 2014 (IES), e modificou, agravando, a declaração modelo 22 do período de tributação de 2014 (apresentada em 2015), tendo qualificado como despesa não documentada uma rúbrica do ativo contabilizada numa conta 26[1] devedora da sócia. Isto, quando, além do mais, lhe permitiu o acesso aos seus dados bancários.
Desta forma, considera que a liquidação é anulável por erro nos pressupostos de facto, porque, em 2014, já não existia saldo de caixa, nem o ativo da sociedade foi afetado com a nova contabilização na conta 26 dos valores antes registados em caixa (conta 11).
Em síntese: não há despesa e está documentada. Aduz que a qualificação da correção contabilística como despesa não documentada em função de lançamentos anteriores entretanto corrigidos revela a intenção dolosa por parte da AT de atingir a Requerente.
Síntese da Posição da Requerida
A Requerida sufraga a contestação da Fazenda Pública apresentada no âmbito da impugnação judicial, em linha com a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
Entende que, não basta vir a tribunal afirmar que procedeu à substituição de todas as IES de 2007 a 2013 tendo entregue uma declaração de 2014 retificada suportada em alegados vícios contabilísticos da escrita anteriormente efetuada se essa mesma escrita não se mostra suportada em prova documental cabal. E que mais não é senão um produto do interesse da sua sócia-gerente. Perante as evidentes insuficiências apuradas pelos próprios Serviços de Inspeção Tributária (SIT), a presunção de boa-fé declarativa ficou inquinada, à luz do disposto no artigo 75.º, n.ºs 1 e 2 da LGT. Cabia, neste caso, à Requerente o ónus da prova. Contudo, esta não demonstrou os factos que alega.
Salienta que a Requerente não demonstrou um suposto empréstimo ocorrido em 2006, não foi registado na contabilidade ao longo dos anos, alegação que só surgiu ulteriormente, após a contagem de caixa efetuada pelos Serviços de Inspeção. Neste âmbito, a Requerida impugna a veracidade da suposta adenda à ata n.º 8, que faz referência a esse empréstimo e que só aparece por e-mail em 13 de abril de 2015.
Afirma que a retificação da conta caixa operada pelo novo contabilista viola princípios básicos, como o da prudência.
Sobre a alegada ilegalidade do procedimento inspetivo, afirma que esse vício não colhe e que, mesmo que assim não se entendesse, a mesma não teria a virtude de anular o ato de liquidação adicional, concluindo pela improcedência da ação.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do pedido de anulação da liquidação de IRC (Tributação Autónoma) e juros compensatórios inerentes, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não se suscita a intempestividade da ação que foi apresentada no Tribunal Tributário em 17 de julho de 2019, dentro do prazo legal de três meses, com referência ao ato de liquidação de IRC de 2014 cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 24 de abril de 2019 (v. artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT), e que deu entrada no CAAD antes do final do ano 2024, em concreto, em 7 de novembro de 2024, conforme previsto no regime especial constante do n.º 1 do artigo 268.º da Lei n.º 82/2023.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
1. Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. A sociedade A..., Lda., aqui Requerente, encontra-se registada para o exercício de “Atividades de Prática Médica de Clínica Geral, Ambulatório”, com o CAE 86210, e é um sujeito passivo de IRC, enquadrado no regime geral deste imposto, desde o início de atividade, em 1 de março de 1999 – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto pela Requerente como Documento 4 e constante do PA, Parte1.
B. A Requerente dispõe, pelo menos desde 2012, de contas bancárias no Banco Santanter e no Millennium bcp, constando dos autos os correspondentes extratos de conta por estes emitidos entre os anos 2012 e 2014 – cf. PA Parte4.
C. Até 2014, a contabilista certificada da Requerente era B... . Esta foi substituída no decurso do ano 2014 por C..., também contabilista certificado, que fechou as contas de 2013 e 2014 – cf. PA Parte1, e RIT.
D. Em 10 de dezembro de 2014, ao abrigo do Despacho DI2014..., os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, dirigiram-se ao Hospital ..., local onde era exercida a atividade da Dra. D..., sócia e gerente da Requerente, com o objetivo de efetuar a contagem física da caixa da Requerente e recolher as declarações da referida sócia-gerente – cf. PA Parte1, e RIT.
E. Perguntada sobre as pessoas encarregues do caixa e sobre a localização física dos locais onde existiam valores relevantes para a contagem de caixa, a sócia-gerente respondeu que “não existe caixa” a ambas as questões, pelo que a AT concluiu que o montante total de valores em caixa à data [10 de dezembro de 2014] era de zero euros – cf. PA Parte1, e RIT.
F. Nessa diligência [de 10 de dezembro de 2014], a sócia-gerente da Requerente observou ainda que “todos os recebimentos da sociedade são efetuados por transferência bancária e excecionalmente através de cheques” – cf. PA Parte1.
G. De acordo com os elementos contabilísticos disponíveis – cf. RIT:
a) No fecho do período de tributação de 2013 (a 31 de dezembro de 2013), a conta #11 caixa evidenciava um saldo de € 617.434,42;
b) Em 30 de novembro de 2014, a conta #11 caixa evidenciava um saldo de € 706.703,65;
c) No fecho de contas do período de tributação de 2014, a contabilidade evidenciava um saldo na conta #11 caixa de € 712.087,66, conforme balancete apresentado pela Requerente, importância que correspondia à incluída no extrato de conta-corrente da conta #11 caixa, reportado à mesma data.
H. Com base nestes elementos, os Serviços de Inspeção Tributária concluíram que, dado o resultado zero da contagem física realizada em 10 de dezembro de 2014, e o saldo relevado na conta #11 caixa no fecho do mês precedente (novembro de 2014), no montante de € 706.703,65, esta importância não estava efetivamente na posse da Requerente e encontrava-se por justificar com referência a essa data – cf. RIT.
I. Para esclarecimento e justificação da referida divergência, em 18 de fevereiro de 2015, a sócia-gerente da Requerente foi novamente ouvida pelos Serviços de Inspeção Tributária, tendo justificado: “a divergência de caixa, com a aquisição de um imóvel em 2008/2009 em nome pessoal, que por acaso até é a sede da sociedade. Para além disso tenho aplicações que estão em nome pessoal pois até 2012 nunca tive conta da sociedade”. Afirma ainda que “nunca foram distribuídos lucros, uma vez que até 2008/2009 esse saldo era real e estava na posse da sociedade, no entanto foi aplicado na compra da casa” – cf. PA Parte1 e RIT.
J. Em 13 de abril de 2015, o contabilista certificado da Requerente, C..., remeteu aos Serviços de Inspeção Tributária cópia da ata n.º 8, referente à aprovação das contas do ano 2006, acompanhada de um documento denominado de “adenda à ata n.º 8” – cf. PA Parte1 e RIT.
K. Esta adenda à ata n.º 8 não constava, porém, da cópia integral das atas constantes do livro de atas que a Requerente havia enviado aos Serviços de Inspeção Tributária, em 19 de dezembro de 2014 (e reencaminhado a 27 de janeiro de 2015), tendo o contabilista assumido que não existia ainda naquele momento no livro de atas – cf. PA Parte1 e RIT.
L. Na mesma data [13 de abril de 2015], o novo contabilista certificado da Requerente remeteu aos Serviços de Inspeção Tributária novas IES substitutivas referentes aos anos de 2007 a 2013, sendo divergentes os montantes declarados, referentes a sócios e caixa, face aos contabilizados nos anos em causa pela contabilista certificada responsável pela contabilidade da Requerente nesses exercícios – cf. PA Parte1 e RIT.
M. Tendo em conta os elementos recolhidos na contagem de caixa ao abrigo do Despacho DI2014... (ação de controlo declarativo ao sujeito passivo) e a divergência de caixa identificada, foi iniciado, em 4 de junho de 2015, um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial, abrangendo os exercícios de 2012, 2013 e 2014, credenciado pelas respetivas Ordens de Serviço OI2015..., OI2015... e OI2015..., sendo que na presente ação arbitral estão apenas em discussão correções relativas ao exercício de 2014 – cf. RIT.
N. Ao abrigo deste procedimento inspetivo, a Requerente apresentou outro balancete de fecho do ano 2014, com referência a 31 de dezembro de 2014, cujo saldo de caixa refletia o montante de € 464,30, cifrando-se o saldo de caixa refletido no extrato de conta-corrente da conta #11 em € 204,00. Apresentou a declaração da IES de 2014 dentro do prazo sem saldos de caixa – cf. RIT.
O. De acordo com este novo balancete de fecho do exercício de 2014, a conta #26822911 –D... apresenta um saldo devedor de € 710.242,99, quando, no âmbito da informação financeira disponibilizada ao abrigo do Despacho DI2014..., a mesma conta apresentava um saldo credor de € 12.068,56 – cf. RIT.
P. O balancete do exercício de 2012, da responsabilidade técnica da anterior contabilista, B..., não reflete quaisquer empréstimos da Requerente à sua sócia-gerente – cf. RIT.
Q. Em 12 de agosto de 2025, os Serviços de Inspeção Tributária ouviram o contabilista certificado C... sobre esta matéria que justificou as alterações retroativas e as regularizações na contabilidade da Requerente nos seguintes termos: “A alteração foi feita na sequência de uma ata que me foi entregue pela Dra. D... . O documento [de suporte contabilístico] foi a ata (adenda à ata n.º 8).” Afirmou que ninguém lhe sugeriu fazer a alteração, tendo percebido a contabilização a fazer perante a entrega da ata – cf. PA Parte2 e RIT.
R. O documento denominado de adenda à ata n.º 8 contém a deliberação de fazer um empréstimo à sócia-gerente, Dra. D..., até ao montante de € 800.000,00 (oitocentos mil euros) – cf. RIT.
S. Em relação ao facto de, notificado pelos Serviços de Inspeção em 10 de dezembro de 2014, no âmbito do despacho DI2014..., para juntar “Cópias das atas da sociedade da Conservatória do registo Comercial”, ter procedido ao envio, por e-mail de 19 de dezembro de 2014, de “cópias das atas de todas as deliberações em assembleia geral”, sem que tivesse remetido a adenda à ata n.º 8, o contabilista C... reconheceu que essa adenda não existia no livro de atas a essa data [19 de dezembro de 2014] – cf. RIT.
T. Em 26 de agosto de 2015, contactada de novo pelos Serviços de Inspeção Tributária, a sócia-gerente escusou-se a prestar declarações sobre qualquer assunto no âmbito da ação inspetiva em curso, referindo ser esse o conselho do seu advogado – cf. RIT.
U. Em 31 de agosto de 2015, foi ouvida a contabilista certificada da Requerente até 2014, B..., que afirmou o seguinte – cf. PA Parte2 e RIT:
a) O último exercício para que fez o encerramento de contas da Requerente foi o de 2012;
b) Quando passou a contabilidade ao novo contabilista certificado tinha conhecimento do elevado saldo de caixa e que a sócia-gerente lhe tinha explicado que eram investimentos que estava a pensar fazer e que esses saldos eram para esses investimentos;
c) A contabilização das prestações de serviços era validada através de documentação que lhe era enviada. Esclarece que não existia conta bancária da sociedade, para o que tinha chamado à atenção várias vezes;
d) Não tinha presente se houve algum empréstimo ou não à sócia-gerente, mas se não estava evidenciado na contabilidade no exercício de 2012, é porque não teve conhecimento de qualquer empréstimo;
e) Normalmente elaborava as atas e foi quem encerrou as contas do exercício de 2006. As atas eram passadas ao livro de atas pela sua colaboradora E... . Não fazia a mínima ideia de quem elaborou a adenda à ata n.º 8, não reconhece a caligrafia dessa adenda à ata n.º 8, nem a própria adenda;
f) As atas de aprovação de contas dos períodos de 2011 e 2012 (atas n.ºs 15 e 16), que referem ter sido prestados esclarecimentos sobre a existência de um saldo de caixa de € 563.210,90 em 2011 e de € 631.821,15 em 2012, tendo essa justificação sido baseada na inexistência de uma conta bancária em nome da sociedade, foram por si redigidas e passadas ao livro de atas pela sua colaboradora E... . Não teve conhecimento de mais nada além da falta da conta bancária em nome da sociedade, nem de nenhum empréstimo, senão este estaria refletido na contabilidade.
V. No mesmo dia [31 de agosto de 2015], encontrava-se nas instalações a colaboradora da contabilista certificada, Sra. E..., que confirmou ter transcrito para o livro de atas as atas n.ºs 8, 15 e 16 e reconheceu a sua caligrafia, não o tendo feito quanto à adenda – cf. PA Parte2 e RIT.
W. No dia 1 de setembro de 2015, a sócia-gerente da Requerente prestou esclarecimentos aos Serviços de Inspeção Tributária, tendo respondido – cf. PA Parte2 e RIT:
a) Que as atas não tinham sido por si elaboradas e que achava que o eram pela contabilista certificada [à data] e que o livro de atas estava na firma de contabilidade. Não consegue dizer quem elaborou a ata n.º 8 e não se recorda de quem teria elaborado a adenda à ata n.º 8. Reconheceu a sua assinatura nas atas e na adenda;
b) Que desconhece outro motivo além da inexistência de uma conta bancária em nome da sociedade referida nas atas n.ºs 15 e 16 para a formação dos saldos de caixa aí mencionados;
c) Que não se recorda da existência da adenda à ata n.º 8.
X. O procedimento inspetivo foi suspenso, ao abrigo do disposto no artigo 36.º, n.º 5, alínea c) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), por ter sido instaurado inquérito criminal, pelo crime de abuso de confiança fiscal, processo n.º .../2015...IDLSB, em 27 de outubro de 2015, do que foi a Requerente notificada por ofício datado de 16 de fevereiro de 2018 – cf. PA Parte 4.
Y. Em 16 de fevereiro de 2018, a sócia-gerente da Requerente autorizou a AT “a consultar ou solicitar junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, todos os documentos bancários, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito, da sociedade por si representada, A..., LDA […], para os anos de 2012, 2013 e 2014” – cf. declaração constante do PA Parte 4.
Z. A Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (“PRIT”), em 17 de dezembro de 2018, com proposta de correções de IRC (Tributação Autónoma), não tendo exercido o direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT – cf. RIT.
AA. O Projeto de Relatório convolou-se em definitivo, tendo a AT mantido as correções propostas, que se fixaram no valor de € 353.351,83 de IRC, e emitido o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), datado de 21 de fevereiro de 2019, com despacho favorável da Diretora de Finanças Adjunta de 1 de março de 2019, notificado por ofício de 7 de março de 2019 – cf. RIT.
BB. Além dos factos acima descritos, fundamenta o RIT nos seguintes moldes:
“III.1.1. – Adenda à Ata nº 8
Uma vez que a adenda à ata nº 8 é um ponto fulcral que levou não só à alteração de toda a contabilidade, ao arrepio das mais elementares regras basilares que norteiam os princípios gerais contabilísticos, bem como à decorrente substituição das inerentes declarações fiscais, no caso das IES, na tentativa de justificar um suposto empréstimo da sociedade à sócia, importa desde logo expor todos os factos que nos levarão à conclusão de que a referida adenda surgiu após a nossa contagem física de caixa e como tal não pode ser considerada e aceite como base para as alterações à contabilidade e substituição de declarações.
Ø Se atendermos ao texto da Adenda à Acta nº 8:
“Mais foi deliberado que, atendendo à elevada disponibilidade de tesouraria, actual e previsionalmente, e a sua desnecessidade, foi deliberado fazer um empréstimo à sócia gerente, Dra. A..., até ao montante de € 800.000,00 (oitocentos mil euros), sem juros, a ser reembolsado na medida das disponibilidades da devedora, num prazo máximo de 7 anos, a partir desta data.”(sublinhado nosso)
ü As expressões “previsionalmente” e “até ao montante de”, deixam tudo em aberto, no entanto se verificarmos que, com base nas declarações fiscais entregues pela sociedade, nomeadamente pelas IES, podemos facilmente constatar que a sociedade não possuía à data que se quer fazer reportar a adenda (ata de final do exercício de 2006, de 28/02/2007), uma disponibilidade de tesouraria de montante parecido com o inscrito (€800.000,00), como poderemos ver no quadro seguinte, daí incluir as expressões “previsionalmente” e “até ao montante de”. Terão sido encaixados, convenientemente estes saldos de caixa, como empréstimos a sócios, à medida que os mesmos iam sendo gerados. O que é facto é que se tratava na época de uma impossibilidade, nem sequer seria expectável se atendermos à evolução das disponibilidades de tesouraria dos exercícios anteriores (2005 e 2006).
Quadro 1
Evolução caixa/dep. Bancários de acordo com as primeiras IES entregues dentro de prazo
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Exercício
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Montante
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Observações
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2005
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29.657,23
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2006
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35.278,22
|
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2007
|
147.458,58
|
Substituída em 2015-03-16
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2008
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305.311,71
|
Substituída em 2015-03-16
|
2009
|
384.747,08
|
Substituída em 2015-03-16
|
2010
|
436.776,65
|
Substituída em 2015-03-16
|
2011
|
563.210,90
|
Substituída em 2015-03-16
|
2012
|
631.821,15
|
Substituída em 2015-03-16
|
2013
|
640.036,11
|
Substituída em 2015-03-16
|
ü Ou seja, no fecho de contas de 2006, ano em que a sociedade possuía apenas disponibilidades de caixa/dep. Bancários finais no montante de €35.278,23, previa-se a possibilidade de um empréstimo da sociedade à sócia de montante até €800.000,00. A verdade é que mesmo passado mais 6 exercícios, ou seja, em final de 2013, o valor das disponibilidades continuou a não se aproximar dos propalados € 800.000.00, cifrando-se ainda, e apenas, em €640.036,11.
Após a substituição das IES dos exercícios compreendidos entre 2007 e 2013, e o surgimento da Adenda à ata nº 8, os montantes declarados em caixa e sócios passaram a ter a seguinte disposição:
Quadro 2
Depois da substituição das IES de 2007 a 2013
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Exercício
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Montante Caixa
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Montante acionistas/sócios
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Montante – Outros empréstimos
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2007
|
458,58
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147.000,00
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2008
|
311,71
|
305.000,00
|
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2009
|
747,08
|
|
384.000,00
|
2010
|
1.776,65
|
435.000,00
|
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2011
|
210,90
|
563.000,00
|
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2012
|
1.821,15
|
630.000,00
|
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2013
|
23.036,11
|
617.000,00
|
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Ø Mais, existindo uma ata “número quinze” e “número dezasseis”, de 28 de Fevereiro de 2012 e 28 de Fevereiro de 2013, respetivamente, que em ambas é referido que “Foram prestados esclarecimentos sobre a existência de um saldo do caixa de (563.210,90 em 2011 e 631.821,15 em 2012)”, tendo sido a justificação baseada na inexistência de uma conta bancária em nome da sociedade, verifica-se aqui uma outra impossibilidade. A própria sócia-gerente quando confrontada em termos de declarações no dia 1 de Setembro de 2015 sobre se “havia mais algum motivo que levasse à formação dos saldos de caixa referidos?” – respondeu que – “Não, não existiu outro motivo, penso que não.”, reconhece que nessas datas, Fevereiro de 2012 e Fevereiro de 2013, não existia qualquer empréstimo da sociedade à sócia. No livro de atas esta seria sempre uma impossibilidade, senão vejamos – como é que pode ter existido um empréstimo supostamente em 2006/2007 que vai justificar a substituição das IES entre 2007 e 2013 e da contabilidade dos exercícios de 2013 e 2014, nomeadamente o seu saldo de caixa com base num suposto empréstimo, se essa questão foi precisamente levantada em assembleia geral de aprovação de contas aos exercícios de 2011 e 2012 e nesta mesma assembleia foi esclarecido que o saldo de caixa era explicado pela inexistência de conta bancária em nome da sociedade? Resulta cristalino que, se a adenda à ata nº 8 efetivamente existisse nessa altura, não faria sentido a inclusão dessa explicação nas atas “número quinze” e “número dezasseis”, pois estaria desde logo explicada por um empréstimo a sócios, o que como temos comprovado, toda a prova recolhida indicia claramente que tal não terá acontecido.
Ø Para além das referidas atas números quinze e dezasseis, foi ainda recolhida cópia da ata “número dezoito”, de 30 de Março de 2014, que refere “Foram prestados esclarecimentos sobre a existência de um saldo de caixa de 617.434,42”… (em final de 2013) continuando esta a corroborar em final de 2013 a existência de um saldo de caixa.
Conclusões das diligências complementares no sentido de testar a autenticidade da referida adenda:
ü O contabilista certificado à data, Sr. C..., tinha enviado por e-mail no dia 19/12/2014, um ficheiro com a digitalização do livro de atas, o qual não foi possível abrir na medida em que este ficheiro estava corrompido, no entanto em 12/08/2015, quando confrontado em termo de declarações se nesse ficheiro constava a adenda à acta nº 8, reconheceu que na altura que fotocopiou as atas para enviar na sequencia da nossa notificação essa ata não existia no livro da atas.
ü Do termo de declarações de dia 31/08/2015, efetuado à ex-contabilista certificada da sociedade Sra. B..., responsável técnica pela contabilidade até ao exercício de 2012, concluímos:
§ não reconhece a adenda à ata nº 8, nem a caligrafia;
§ reconhece as atas nº 15 e nº 16, nas quais “Foram prestados esclarecimentos sobre a existência de um saldo de caixa de (563.290,90€ em 2011 e 631.821,15 em 2012)”, o que confirma que o saldo de caixa efetivamente existia.
Para além das questões levantadas e reconhecidas pelo contabilista certificado à data e pela ex-contabilista certificada da sociedade, há que reforçar que:
Ø A ata em causa (adenda á Ata nº 8), é não mais do que uma folha avulsa, colada sobre o livro do atas, sem qualquer data aposta, tendo sido assinada apenas por 2 dos sócios e não pelos 3 que constava na ata nº 8 a que diz referir-se, ou seja, se fosse uma adenda a uma ata de uma assembleia geral em que terão participado os 3 sócios da sociedade a deliberação constante na adenda também teria que ser reconhecida pelos 3. São incumpridas entre outras normas o art. 31º do Código Comercial e os art 63º e 189º do Código das Sociedades Comercias;
Ø A caligrafia não tem correspondência entre a ata nº 8 e a adenda à ata nº 8.
Em conclusão, tendo sido a adenda à ata nº 8 que esteve na origem das alterações da contabilidade aos exercícios entre 2007 e 2013, que como pudemos verificar, veio a surgir apenas após a nossa contagem física de caixa, tal elemento (adenda à ata), para além de não ter qualquer aderência à realidade, não tem, nem pode ter, qualquer validade formal e aceitação fiscal, como tal tomaremos como válidos e corretos os elementos contabilísticos que nos tinham sido apresentadas no âmbito do despacho DI20140..., no seguimento da nossa contagem física de valores em caixa, bem como da notificação para apresentação de elementos de 10/12/2014 que consta no Anexo 2.
Desta forma, e como referido anteriormente, o apuramento da divergência do saldo de caixa, será efetuado apenas pelos valores contabilizados no balancete e extrato da conta-corrente da conta 11 – caixa, do exercício de 2014, entregues no âmbito do DI2014...em confronto e em consideração com a contagem de caixa efetuada a 10/12/2014 e da qual resultou um valor de 0,00€ (zero euros) efetivamente em caixa.
Assim, e uma vez que não foi encontrado nenhum montante em caixa no dia da contagem física de valores, isto é 0.00€ (zero euros), o montante da divergência total do valor contabilizado na conta 11 – caixa e a referida contagem física de valores é de €706.703,65 (montante verificado no extrato da conta de caixa 11, à data de 30/11/2014 – Rever anexo 7.1).
De referir que, foram ainda validados através dos extratos bancários da sociedade, os montantes contabilizados, referentes aos outros meios financeiros líquidos existentes, para além da Caixa, nomeadamente os Depósitos à Ordem e os Outros Depósitos Bancários, nos anos de 2013 e 2014, encontrando-se perfeitamente isolado e por justificar apenas o saldo referente a Caixa, tal como amplamente exposto.
Esse mesmo valor contabilizado na conta 11 - caixa, representaria grande parte da disponibilidade da sociedade que suportava o montante contabilizado nas contas de capital da sociedade, mais especificamente na conta 56 – Resultados Transitados, que em 31/12/2014, permanecia com um saldo de 582.795,43€, faltando ainda incluir aqui os resultados gerados (RLP) no exercício de 2014, que foram de 107.667,55€.
Ora, este montante contabilizado em caixa, que efetivamente não existe, e que constitui um exfluxo de caixa sobre o qual não foram encontrados documentos de suporte na contabilidade da sociedade, nem nos foi explicado o destino, ou apresentados outros tipo de elementos de prova, quer por parte do sujeito passivo, quer por parte do CC, representam, aquilo em termos fiscais se designa de Despesas não Documentadas, na medida em houve uma efetiva saída de meios monetários da sociedade, sem que para tal haja documentos que suportem a saída de tais valores.
Senão, vejamos:
1. O sujeito passivo apresentou em 10/07/2014 a IES onde declarou no balanço que em 31/12/2013, a sociedade possuía em Caixa e Depósitos bancários o valor de € 640.036,11, tendo substituído essa mesma IES (após a nossa contagem física de valores), passando a constar neste mesmo campo referente a Caixa e Depósitos bancários o valor de € 23.036,11;
2. Tal como sucedeu para o exercício de 2013, o sujeito passivo substituiu as IES de todos os exercícios antecedentes, desde o exercício de 2007, alterando os montantes anteriormente declarados em Caixa e Depósitos bancários;
3. A prestação de contas foi elaborada pela sociedade, dando a conhecer a informação sobre a gestão e a situação patrimonial da sociedade e foi objeto de deliberação e aprovação pelos sócios, conforme consta da Certidão Permanente da Conservatória do Registo Comercial (anexo 13 – certidão permanente);
4. Em 10/12/2014 foi realizada inventariação de caixa, tendo sido corroborado pela sócia-gerente, Drª D..., que naquela data o valor de caixa era nulo;
5. Ainda em 10/12/2014 , foi notificada a sociedade e obtida informação sobre os registos contabilísticos efetuados nas contas de Caixa (11) e Bancos (12), bem como os extratos bancários, para exercícios de 2013 e 2014;
6. Confirmámos que o saldo contabilístico de caixa em 10/12/2014 era de € 706.703,65 o que não tem qualquer correspondência com a contagem realizada naquela data, pois não existia qualquer importância em caixa;
7. Decorre do artº 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária, a presunção legal de veracidade declarativa:
“1- Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.
8. Assim, de acordo com o art.º 75.º n.º 1, da LGT, deve a AT, aceitar que em 31/12/2013, a sociedade possuía em caixa e em depósitos bancários, um total de € 640.036,11, de acordo com os valores declarados em 10/07/2014 na IES pelo sujeito passivo;
9. Mais, as atas números “quinze”, dezasseis” e “dezoito” constantes no livro de atas da sociedade confirmam a existência de um saldo de caixa de 563.210,90€ em final de 2011, 631.821,15€ em final de 2012 e 617.434,42€ em final de 2013;
10. Em virtude de termos realizado a inventariação de caixa em 10/12/2014, e verificado que naquela data o montante aí constante era zero, então o exfluxo, pagamento e/ou aquisição de bens e/ou serviços ou ainda liberalidade ou conjunto de liberalidades ocorreu entre 01/01/2014 e 10/12/2014, apesar não ter sido contabilizado pela sociedade qualquer gasto, perda ou dívida de terceiros;
11. Tendo a sociedade iniciado a sua atividade em 01/03/1999, vejamos então o seguinte quadro resumo com algumas informações pertinentes sobre a sociedade nos últimos 9 anos, até ao exercício de 2013, uma vez que em 2014 o sujeito passivo efetuou a entrega da IES já após o início da nossa ação e decidiu transformar os saldos, até aí contabilizados em caixa, em saldos de accionistas/sócios e em resultados transitados:
Quadro 3
Informações com base na IES/Declarações Anuais
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Ano
|
2005
|
2006
|
2007*
|
2008*
|
Serviços Prestados
|
139.389,89
|
113.383,66
|
242.268,17
|
283.432,88
|
Gastos com Pessoal/Remunerações
|
11.339,44
|
11.422,40
|
18.678,40
|
19.716,00
|
Res. Líquido Período
|
29.221,69
|
21.446,33
|
124.329,91
|
152.727,94
|
Nº de trabalhadores
|
2
|
2
|
2
|
2
|
Resultados Transitados
|
39.795,72
|
48.017,41
|
52.463,74
|
116.793,65
|
Dep. Bancário/Caixa
|
35.278,22
|
29.657,23
|
147.458,58
|
305.311,71
|
Distribuição de Lucros
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
Ano
|
2009*
|
2010*
|
2011*
|
2012*
|
2013*
|
Serviços Prestados
|
300.071,07
|
284.748,77
|
328.088,37
|
318.917,28
|
302.368,20
|
Gastos com Pessoal/Remu
|
11.750,00
|
115.288,88
|
115.823,93
|
118.012,20
|
79.533,77
|
Res. Líquido Período
|
187.907,57
|
47.193,93
|
95.207,83
|
60.312,87
|
111.651,64
|
Nº de trabalhadores
|
2
|
3
|
3
|
3
|
2
|
Resultados Transitados
|
179.521,59
|
268.429,16
|
315.623,09
|
410.830,92
|
471.143,79
|
Dep. Bancário/Caixa
|
384.747,08
|
436.776,65
|
563.210,90
|
631.821,15
|
640.035,11
|
Distribuição de Lucros
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
*Com base nas IES entregues antes da contagem física de caixa efetuada no dia 10/12/2014. Posteriormente a esta data o sujeito passivo substitui as IES entre 2007 e 2013, retirando os valores referentes a Depósitos Bancários/Caixa, transferindo para accionistas/sócios.
Ou seja,
ü Os Depósitos Bancários/Caixa crescem na medida em que os resultados transitados também vão crescendo, pois os primeiros são a contrapartida dos segundos em termos contabilísticos, ou seja, se existe um resultado transitado contabilizado, ela terá que ter a sua disponibilidade (monetária) refletida na sociedade, ou investida em imobilizado;
ü A sociedade presta serviços médicos, sendo que, não fosse o facto de a sociedade ter 2 outros sócios, com actividades não enquadráveis na transparência fiscal, a sociedade estaria enquadrada nesse mesmo regime previsto no art.º 6º do CIRC, com a imputação especial prevista no art.º 20º do CIRS, sendo aí desde logo tributados todos os lucros provenientes da actividade através dessa mesma imputação;
ü Donde se conclui, que esta sociedade labora com um prestador de serviços (Drª D...), ao que tudo indica (formalmente) recebendo uma remuneração que até 2012 era correspondente ao Salário Mínimo Nacional, sendo que a partir de 2013 passou para os €3,328.00 mensais, no entanto, o dinheiro gerado pela sociedade, como demonstra os seus resultados, que deveria estar em caixa (pertença da sociedade), como forma de justificar os resultados transitados acumulados por esta ao longo de vários anos, efectivamente não se encontra na sociedade.
12. O Código do IRS, apenas permite a presunção de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros quando se encontrem lançados em quaisquer contas correntes de sócios, (art.º 6.º) o que não ocorreu no caso em apreço, considerando os primeiros elementos contabilísticos entregues, aqueles que foram objeto de aprovação e depósito na conservatória do registo comercial.
13. Mais, só a sócio-gerente pode ter conhecimento do verdadeiro e real destino do valor contabilizado e que não estava efetivamente em caixa. No entanto, não nos deu conhecimento do destino do mesmo já que, quando questionada nesse sentido, alegou tratar-se de um investimento na compra do imóvel que corresponde à morada da sede da sociedade e, simultaneamente, da sua residência. Importa contudo salientar o simples facto de que à data de aquisição do imóvel em causa, ocorrida em 13-12-2006, e pelo montante de € 400.000,00, a sociedade não tinha até então gerado disponibilidades suficientes para poder efetuar um empréstimo à socia-gerente, longe disso, dado que, no fim do exercício de 2006 possuía como disponibilidades apenas o montante total de 35.278,22. (anexo 14 - Print da Mod. 11 e caderneta predial do imóvel)
14. Assim a situação em apreço apenas tem enquadramento na figura de despesas não documentadas, que no caso em análise se traduz:
a. Em uma saída efetiva de valores monetários existentes em caixa, nomeadamente, “notas de banco ou moedas metálicas de curso legal, cheques ou vales postais, nacionais ou estrangeiros”;
b. Estes movimentos de saída de dinheiro, traduzem-se necessariamente em pagamentos, e/ou a aquisição de bens e/ou serviços, e/ou ainda, uma liberalidade ou conjunto de liberalidades, que não foram contabilizados pela sociedade.
De facto a situação em apreço configura uma despesa: «1. Acto de gastar dinheiro, de despender. 2. Quantia que se gasta, montante a pagar a outro.» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa).
A tributação autónoma das despesas não documentadas, traduz-se numa medida anti-abuso, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, de 12 de Janeiro de 2011, processo n.º 204/2010, que passamos a citar: «A lógica fiscal do regime [não consideração como custo – o que agora não se coloca – e tributação autónoma] assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transacções efectuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo directamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal».
De acordo com o nº 1 do art. 88.º do Código do IRC, “As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º”, sendo que o número 14 do mesmo artigo, refere ainda, “As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”
No caso em análise, apenas se aplicará a taxa de tributação autónoma de 50%, uma vez que o sujeito passivo apresentou lucro fiscal no exercício de 2014, não havendo também qualquer montante a acrescer em termos de matéria tributável, uma vez que não foi contabilizado qualquer gasto como contrapartida do referido exfluxo monetário.
Assim, propõe-se que sobre a sociedade recaia uma taxa de tributação autónoma de 50% (nº 1 do art.º 88º do CIRC), relativamente à divergência apurada no saldo de caixa, no exercício de 2014, pelos motivos já amplamente expostos:
Ø Divergência de caixa – 706.703,65€ (despesas não documentadas)
Ø Taxa de tributação autónoma – 50% (nº 1 do art.º 88º do CIRC)
Ø Imposto a entregar – 353.351,83€
[…]”.
CC. A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2019 ..., datada de 13 de março de 2019, referente ao período de tributação de 2014, no valor de € 406.558,89, dos quais € 53.202,75 a título de juros compensatórios, e da demonstração de acerto de contas 2019..., que resultou na importância a pagar de € 405.983,90, com data limite de pagamento de 24 de abril de 2019 – cf. Documentos de liquidação de IRC e demonstração de acerto de contas juntos pela Requerente.
DD. A demonstração de liquidação de IRC remetida à Requerente menciona:
“Fica notificado(a) da liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida” – cf. Documento de liquidação de IRC junto pela Requerente.
EE. Inconformada com a mencionada liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referente ao período de tributação de 2014, a Requerente apresentou impugnação judicial no Tribunal Tributário em 17 de julho de 2019 – cf. PA.
FF. Em 7 de novembro de 2024 deu entrada no CAAD o pedido de pronúncia arbitral correspondente àquela ação impugnatória que transitou do Tribunal Tributário e que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.
2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão não se provou que:
- Tenha sido deliberado na assembleia de aprovação de contas da Requerente em 2006 que esta iria efetuar empréstimos à sua sócia-gerente até ao montante de € 800.000,00 e que estes empréstimos tenham sido efetuados até 2014;
- As declarações das IES de 2007 a 2013 entregues dentro do prazo contivessem vícios (artigo 7.º da petição de impugnação);
- A nova contabilização, pela Requerente, dos montantes que constavam em saldos de caixa nas demonstrações financeiras até 31 de dezembro de 2014, para “bancos, saldos transitados e contas devedoras da sócia”, bem como a substituição das referidas declarações (de 2007 a 2013) em março de 2015, refletissem a realidade societária (artigos 9.º e 10.º da petição de impugnação);
- A declaração da IES de 2014 apresentada sem saldos de caixa, corresponda à realidade societária (artigos 8.º e 10.º da petição de impugnação), dado que não se provou qualquer empréstimo à sócia-gerente, condição essencial para justificar o desaparecimento do saldo de caixa significativo que constava do balancete original a 31 de dezembro de 2024, que assim prevalece.
Não foram identificados outros factos que devam considerar-se não provados.
3. Fundamentação da Decisão Sobre a Matéria De Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
A convicção dos árbitros fundou-se unicamente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
A prova testemunhal produzida não teve contributo útil para a fixação do quadro factual. No caso da primeira testemunha, contabilista certificado da Requerente entre 2014 e 2017, aquela limitou-se a justificar a alteração retroativa da contabilidade com base em “conversas” com a sócia-gerente da Requerente referentes a um “investimento pessoal” que estava a fazer e uma adenda à ata. Ou seja, afirmações vagas que se limitam a reproduzir a tese da Requerente, sem, contudo, especificar que investimento, em que datas foi feito e em que valores, se de uma só vez ou faseadamente, e, do ponto de vista documental, com único suporte da dita adenda à ata n.º 8. Este depoimento tem manifestas inconsistências, pois afirma que a Requerente vinha sem contas bancárias quando, pelo menos desde 2012, existem extratos de contas bancárias que constam dos autos.
Em relação à segunda testemunha, contabilista certificado da Requerente desde 2017, a mesma não tem conhecimento direto e contemporâneo dos factos em apreciação, que remontam a 2014, apesar de referir ser do seu conhecimento, obtido pela análise documental, que uma das contas (a do Millennium bcp) remonta à constituição da Requerente [1999] e que continha movimentos relativos a pagamentos a um prestador de serviços que não eram relevados contabilisticamente, pelo que, mesmo em 2017, teve de corrigir essa omissão.
Em relação aos factos não provados, interessa salientar que o único fundamento da reclassificação contabilística retroativa da conta caixa para a conta de sócios assentou em alegados empréstimos, não existindo, porém, qualquer evidência dos mesmos, datas, montantes e finalidades.
Acresce ser manifesto que o único documento apresentado pela Requerente para esse efeito – a adenda à ata n.º 8 (de 2007) – é forjado e fruto de criação ulterior, quando a Requerente foi confrontada com a contagem de caixa efetuada no final do ano 2014 pelos Serviços de Inspeção Tributária, para explicar a divergência significativa identificada e escapar às suas consequências tributárias.
Efetivamente, assim conclui este Tribunal Arbitral, pois, como o RIT bem assinala, é incompreensível que essa adenda existisse e o saldo de caixa respeitasse a empréstimos à sócia e que estivesse erradamente contabilizado nos anos 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, quando, em atas de anos posteriores – em concreto, dos anos 2012 e 2013, relativas à aprovação das contas dos exercícios de 2011 e 2012 – ainda se justificasse esse elevado saldo de caixa pela “inexistência de uma conta bancária em nome da sociedade”. Como é que a sociedade, os seus sócios e em particular a sócia-gerente em 2011 e 2012 reconheciam que esse saldo de caixa existia e era devido à inexistência de uma conta bancária, se fosse verdade que em 2007 (5 e 6 anos antes!) tinham decidido que essas importâncias eram emprestadas à sócia-gerente. As duas explicações são obviamente incompatíveis.
Isto para não falar das evidências que resultam do próprio documento, constituído por uma folha avulsa, que é redigido com outra letra, não é assinado por todos os sócios que estiveram na assembleia da sociedade (e que assinaram a ata n.º 8), não é reconhecido pela contabilista e pela sua funcionária que a própria Requerente alega serem quem elaborava e redigia as atas.
Aliás, a própria alegação de inexistência de uma conta bancária é duvidosa, como se constata do depoimento da última testemunha que afirmou com clareza que a conta do Millennium bcp remontava à constituição da sociedade.
Por outro lado, e tal como assinala a Requerida nas suas alegações, não deixa de ser significativo o facto de a Requerente pretender demonstrar factos reportados ao exercício de 2014 e até antes deste período (o dito empréstimo alegadamente autorizado em 2007), mas sem arrolar os principais intervenientes à data, a contabilista certificada B..., responsável não só pela organização da contabilidade da Requerente desde a sua criação, mas também pela redação das atas da assembleia-geral, pela passagem das mesmas para o livro de atas e pela recolha das assinaturas dos sócios. Acresce a própria sócia-gerente da Requerente, que é quem melhor estaria em posição de esclarecer a realidade dos factos aqui em causa. É ilustrativo que não tenha sido essa a estratégia processual da Requerente.
Em síntese, face às assinaladas inconsistências, ficou este Tribunal convencido, dada a ausência de meios probatórios válidos e os indícios da construção artificial da tese de “empréstimos” da Requerente à sua sócia-gerente, aferidos de acordo com as regras de racionalidade, lógica e experiência comum, que esses empréstimos não existiram e que não ocorreu qualquer “erro” contabilístico apontado ao saldo de caixa registado à data em que os Serviços de Inspeção fizeram a contagem física (dezembro de 2014).
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
IV. Fundamentação Jurídica
1. A Título Preliminar – Delimitação do Objeto da Ação Arbitral
Antes de mais, importa delimitar o objeto e a causa de pedir da presente ação arbitral, deduzida ao abrigo do disposto no artigo 268.º do Orçamento do Estado para 2024, o qual, no seu n.º 1, veio permitir a submissão à “apreciação dos tribunais arbitrais”, dentro das respetivas competências, das “pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão, independentemente do valor do pedido, em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2021”. Preceitua ainda o n.º 2 do citado artigo que “[a]s pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.”
Flui do exposto que as pretensões formuladas e o pedido e causa de pedir desta ação arbitral devem (melhor, têm de) coincidir com os que constam da petição de impugnação judicial, ressalvada a redução do pedido, única alteração que é admitida. Se assim não fosse, a transferência de processos dos Tribunais Tributários para os Tribunais Arbitrais representaria a possibilidade de os sujeitos passivos apresentarem uma “nova ação” com fundamentos inovadores e distintos e, bem assim, outras pretensões, implicando uma alteração (extensão) do prazo de caducidade que a lei não previu e que, além do mais, colocaria em posição desigual os contribuintes que não acederam – por não pretenderem, ou por já não poderem – a essa transferência. A letra da lei não só não suporta tal interpretação, como esta colidiria com princípios fundamentais do nosso sistema tributário.
Deste modo, tem este Tribunal Arbitral de atender somente às causas de pedir e pedido originais. O que venha a mais no pedido de pronúncia arbitral e extravase o âmbito da ação de impugnação deve ter-se por “não escrito”.
Do confronto do pedido de pronúncia arbitral com a petição da impugnação judicial, identifica este Tribunal que a Requerente esgrime, no primeiro, argumentos adicionais e junta novos documentos não supervenientes. Com efeito, a Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, expressa a pretensão de anulação da liquidação de IRC de 2014 “por falta de fundamentação de facto e de Direito do acto praticado e em erro sobre os pressupostos em que assentou aquela liquidação, bem como dos juros aplicados”. (sublinhado nosso)
Contudo, da análise da petição de impugnação judicial (inicialmente apresentada junto do Tribunal Tributário), constata-se que apesar de o respetivo introito mencionar “vícios de errónea qualificação e quantificação de rendimentos, vício na fundamentação e preterição de formalidades legais”, da mesma não consta qualquer outra menção ou alegação – de facto ou de direito – relativa a um eventual vício formal de falta de fundamentação, nem é pedida a anulação do ato por tal motivo (contrariamente ao que sucede com os outros vícios assinalados).
O que significa que, à face do exposto, na presente ação arbitral somente podem ser apreciadas e decididas as seguintes pretensões, deduzidas em relação de subsidiariedade na petição de impugnação e reiteradas no pedido arbitral:
i) A anulabilidade da liquidação adicional (IRC - 2014) por violação do prazo procedimental previsto no artigo 36.º do RCPITA;
ii) A ineficácia dos atos corretivos após o decurso do primeiro ano do procedimento inspetivo, com a consequência de não serem devidos juros compensatórios posteriores a esse período de um ano; e
iii) A anulabilidade da liquidação em apreço, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 58.º do RCPITA e 75.º, n.º 1 da LGT.
Não são, por conseguinte, atendíveis as alegações de facto ou de direito da Requerente relativas ao vício de forma, por falta de fundamentação, uma vez que aquelas são omissas na ação que correu termos nos Tribunais Tributários. Acresce não poder este Tribunal Arbitral considerar os documentos juntos pela primeira vez com o pedido de pronúncia arbitral (v. artigo 423.º do CPC, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
2. Questões Decidendas
São a dilucidar duas questões essenciais, uma de índole formal e outra material. A primeira prende-se com a invocada ultrapassagem do prazo procedimental previsto no artigo 36.º do RCPITA e respetivo efeito invalidante sobre o ato tributário de liquidação adicional de IRC (Tributação Autónoma) referente ao período de tributação de 2014. Ad cautelem, o sujeito passivo argui ainda que, mesmo que assim não se entendesse, não são devidos juros compensatórios após o decurso do primeiro ano do procedimento inspetivo.
O segundo ponto respeita à anulabilidade da liquidação em apreço, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto nos artigos 58.º do RCPITA e 75.º, n.º 1 da LGT. Está em causa o enquadramento, a título de despesas não documentadas, da divergência de caixa encontrada quando da contagem física efetuada em dezembro de 2014. Interessa aferir se estão reunidos os pressupostos de aplicação do artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC.
3. Sobre a Ultrapassagem do Prazo do Procedimento Inspetivo
A Requerente invoca a ultrapassagem do prazo desta inspeção externa, que se iniciou em 4 de junho de 2015, e apenas terminou com a elaboração do Relatório Final, datado de 21 de fevereiro de 2019, ao arrepio do previsto no artigo 36.º do RCPITA que estabelece o prazo máximo de seis meses para o procedimento inspetivo, prorrogável por mais dois períodos de três meses, desde que em circunstâncias específicas e fundamentadas. Segundo a Requerente, não só foi largamente ultrapassado o prazo máximo de um ano, como a AT não apresentou qualquer justificação para o efeito.
Interessa começar por notar que o procedimento de inventariação de bens ou valores em caixa, sob a DI2014..., não integra o procedimento de inspeção externa no âmbito das OI2015..., OI2015... e OI2015..., embora esteja com estas relacionado. Não tem, sequer de ser precedido de notificação prévia nos termos do disposto no artigo 50.º n.º 1 alínea c) do RCPITA. Assim, não é o início deste procedimento que serve para medir o prazo previsto no artigo 36.º do RCPITA, antes a referida ação de inspeção externa, que se iniciou, como assente, em 4 de junho de 2015.
Por outro lado, e de incontornável relevância, é o facto, omitido nas alegações da Requerente, de ter sido instaurado inquérito criminal, pelo crime de abuso de confiança fiscal, processo n.º .../2015....IDLSB, em 27 de outubro de 2015, do que foi notificada, como consta da matéria de facto provada. Esta circunstância implicou a suspensão do procedimento inspetivo, nos termos do disposto no artigo 36.º, n.º 5, alínea c) do RCPITA.
Assim, encontrando-se o procedimento suspenso, e no decurso da suspensão, não pode contar-se o prazo como estando em curso ou a realizar-se a inspeção.
Adicionalmente, mesmo no caso de excesso do prazo procedimental, o artigo 36.º, n.º 7 do RCPITA consagra de forma cristalina que o seu decurso determina o fim dos atos externos de inspeção, porém, não afeta o direito à liquidação dos tributos. Por conseguinte, não pode constituir causa de invalidade da liquidação de imposto emitida.
Este regime deu expressão legislativa à orientação consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, segundo a qual a violação do prazo da ação inspetiva tem como consequência a que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT, ou seja, o prazo de caducidade, que estava suspenso, cessa esse efeito, contando-se [o prazo] desde o seu início, ou seja, tudo se passa como se não tivesse sido feita a inspeção correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão. Pelo que a violação do prazo não origina a ilegalidade da própria liquidação de imposto emitida, mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspeção (v., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 02256/19.6BEBRG, de 16 de setembro de 2020, n.º 0709/14, de 25 de fevereiro de 2015 e n.º 080/08, de 10 de dezembro de 2008).
De sublinhar, em conformidade com a posição da Requerida, que os atos inspetivos em causa, abrangendo quer a recolha de declarações, quer a recolha documental, foram praticados antes de 27 de outubro de 2015, pelo que desde o início (4 de junho de 2015) não haviam decorrido sequer seis meses.
Termos em que improcede a ilegalidade procedimental da liquidação em crise suscitada pela Requerente.
4. Regime Jurídico-Tributário Aplicável e Natureza da Tributação Autónoma de Despesas não Documentadas
O artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, dispõe o seguinte:
“Artigo 88.º
Taxas de tributação autónoma
1 — As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.”
Esta disciplina teve como antecedente a tributação das então denominadas “despesas confidenciais ou não documentadas”, que foi iniciada pelo artigo 4.º do Decreto-lei n.º 192/90, de 9 de junho, à taxa autónoma de 10%, incrementada para 25% pelo artigo 29.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado – “LOE” – para 1995).
Mais tarde, o artigo 6.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, aditou ao Código do IRC o artigo 69.º-A que, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma”, passou a integrar esta matéria no Código, determinando a respetiva tributação à taxa agravada de 50%, ao abrigo do seu n.º 1. Foi simultaneamente revogada, pelo artigo 7.º, nº 11 daquela Lei [n.º 30-G/2000], a norma avulsa constante do artigo 4.º do citado Decreto-lei n.º 192/90.
Com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (LOE para 2008), foi eliminada a referência a despesas confidenciais, passando o artigo 81.º (atual artigo 88.º) do Código do IRC a contemplar apenas a expressão “despesas não documentadas”, mantendo-se a taxa de 50%.
A eliminação das despesas confidenciais do elenco dos factos sujeitos a tributação autónoma, mantendo-se, no entanto, o mesmo regime de tributação sob a categoria de despesas não documentadas, das quais as primeiras são um subconjunto, limitou-se a remover uma redundância, pois a despesa confidencial é também uma despesa não documentada, sendo “duvidoso que a distinção entre as duas figuras tenha tido alguma relevância no nosso regime fiscal enquanto existiu”, como assinala a decisão arbitral n.º 7/2011-T, de 20 de setembro de 2012 (ponto 12).
Neste âmbito, convém notar que a tributação autónoma incide sobre distintas tipologias de despesas, com diferentes objetivos e “as considerações a respeito de certo tipo de tributações autónomas, podem não ser pertinentes e válidas relativamente a outro tipo de tributações autónomas” (cf. decisão arbitral proferida no processo n.º 256/2018-T, de 12 de fevereiro de 2019).
Neste sentido, declara o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de setembro de 2017, no processo n.º 0146/16, que há que ter “presente o tipo de tributações autónomas em causa […], uma vez que, como veremos adiante, sob esta denominação cabem realidades com teleologia e finalidade distintas, a reclamarem tratamento diverso. Desde logo, porque a par das tributações autónomas sobre gastos, as mais frequentes, existem também tributações autónomas sobre rendimentos. Mas também, e essencialmente, porque há tributações autónomas que podem ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável e outras insuscetíveis de dedução” – em idêntico sentido vide os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de março de 2012, processo n.º 0830/11, e de 31 de março de 2016, processo n.º 0505/15.
Refere ainda o aresto citado [processo n.º 0146/16] que as “tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma. […] “a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.”
Ressalta notória a finalidade anti elisiva da tributação autónoma das despesas não documentadas e a clara afirmação de que estas não têm de ser despesas que, em termos contabilísticos, afetam o resultado do exercício.
Assim, é de entender que as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC se reconduzem a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário. Este entendimento é o que assegura o sentido útil e a finalidade regulatória do preceito em causa, portanto o entendimento que adequadamente valora o elemento finalístico da lei.
A respeito da análise de uma questão de retroatividade no domínio fiscal[2], também o Tribunal Constitucional se pronuncia sobre a caracterização da tributação autónoma de despesas não documentadas, fazendo-o nos seguintes moldes:
“[…] estamos perante despesas que são incluídas na contabilidade da empresa, e podem ter sido relevantes para a formação do rendimento, mas não estão documentadas e não podem ser consideradas como custos, e que, por isso, são penalizadas com uma tributação de 50%. A lógica fiscal do regime assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transações efetuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo diretamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal.” – acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, de 12 de janeiro de 2011.
Com relevância para a determinação da natureza da tributação autónoma, afirma ainda o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 197/2016, de 13 de abril de 2016, que:
“A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa «zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial» e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 407).
Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.
Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas. […] como se fez notar, o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período de tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC - segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012).
Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo n.º 77/12).”
Resulta das considerações expostas que as tributações autónomas têm diversas finalidades além da reditícia, destacando-se, no caso das despesas não documentadas, a de prevenção da fraude e evasão fiscais (anti abuso) e a sancionatória ou penalizadora, associadas ao facto de, provavelmente, ou em muitos casos, aquelas despesas terem conexão com a distribuição de proventos que não serão tributados na esfera dos beneficiários (embora devessem sê-lo), ou que escapam à tributação em IVA, presumindo-se o inerente prejuízo para a Fazenda Pública e a desigualdade na repartição dos encargos públicos. A que acresce, eventualmente, poderem respeitar a atuações ilícitas, designadamente a práticas ilegais de corrupção[3].
Por outro lado, da jurisprudência constitucional citada infere-se que o facto gerador da tributação autónoma corresponde à “realização da despesa” e é caracterizado como um facto tributário instantâneo que gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso, de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos.
5. Sobre a não Justificação das Despesas e a sua Qualificação
O significado de despesas não documentadas reconduz-se a saídas de meios financeiros do património empresarial, por movimentação da conta caixa ou de contas bancárias (onde esses meios financeiros estavam registados), desprovidas de suporte documental.
Retomando a situação concreta em análise, a desconformidade entre os valores contabilísticos (supostamente disponíveis), por referência a dezembro de 2014, e os valores reais da conta Caixa apurados por contagem realizada pelos serviços de inspeção (que foi de zero) deve ser qualificada e imputada a uma despesa não documentada.
No caso sub iudice, verificou-se que a contabilidade da Requerente registava na conta #11-Caixa, com referência ao fecho do mês precedente - novembro de 2014 -, um saldo no valor de € 706.703,65. No entanto, da contagem de caixa levada a efeito, em 10 de dezembro de 2014, pelos Serviços de Inspeção constatou-se que o valor efetivo em caixa era nulo, pelo que se verificou uma divergência naquele preciso montante.
Na medida em houve uma efetiva saída de meios monetários da sociedade, sem que para tal existissem documentos de suporte da saída de tais valores, estamos perante uma situação enquadrável a título de despesas não documentadas, representativas de pagamentos, e/ou aquisições de bens e/ou serviços, e/ou eventuais liberalidades, que não foram contabilizados pela Requerente.
Sobre a tese da Requerente, gizada depois de confrontada com a divergência de caixa identificada pelos Serviços de Inspeção Tributária, de que teriam existido empréstimos autorizados em 2006 até ao montante de € 800.000,00, conforme “adenda” à ata n.º 8, tal como se salientou na motivação da matéria de facto, a mesma não tem qualquer sustentação na prova produzida que aponta marcadamente para a sua falsidade.
Com efeito, a adenda à ata n.º 8, datada de 2007, referente às contas de 2006, é um documento avulso, colado sobre o livro de atas, sem qualquer data, que contém todas as evidências de que foi criado a posteriori para evitar a tributação, não merecendo credibilidade:
- Foi redigido com caligrafia distinta da usada na ata n.º 8 e não foi reconhecido pelas pessoas que à data dos factos elaboravam as atas e as redigiam manualmente (como era habitual);
- Não foi assinada por todos os sócios que assinaram a ata n.º 8;
- Não foi junta com a cópia integral do livro de atas facultada pelo contabilista certificado, quando da diligência da contagem de caixa, em dezembro de 2014, tendo aquele, uns meses depois, aparecido com o documento, sem explicar porque é que ele não constava do livro de atas na fase inicial dos contactos com os Serviços de Inspeção Tributária;
- Refere um valor exorbitante e despropositado (€ 800.000,00), face à disponibilidade de tesouraria que as contas de 2006 evidenciava, de € 35.278,22;
- Se essa adenda fosse verdadeira e existisse efetivamente desde 2007, as atas subsequentes das assembleias de aprovação de contas da Requerente não justificariam os saldos de caixa com base “na inexistência de uma conta bancária em nome da sociedade”, mas obviamente refeririam o(s) dito(s) empréstimo(s), que, porém, nunca referiram, porque não existiam (v. atas n.ºs 15, 16 e 18 – aprovação das contas dos exercícios de 2011, 2012 e 2013). Assim, o facto de ao longo dos anos diversas atas das assembleias gerais da Requerente mencionarem a necessidade de justificação do saldo de caixa, sem que tenha sido efetuada qualquer regularização daquele, ano após ano, até ao momento preciso em que aquela é notificada pela AT (dias depois), não milita em benefício da Requerente.
Mais, a sócia-gerente da Requerente que, melhor do que ninguém[4], saberia o destino dos fundos que estavam contabilizados em caixa[5], mas que lá não se encontravam, produziu declarações contraditórias no decurso do procedimento, ora dizendo que tinha usado o dinheiro para comprar um imóvel de € 400.000,00 em 13 de dezembro 2006, o que não faz qualquer sentido, pois nessa altura o saldo de caixa era, como acima referido, de meros € 35.278,22; ora dizendo que o único motivo para a formação dos saldos de caixa era a inexistência de contas bancárias da sociedade; ou ainda afirmando que os fundos tinham sido destinados investimentos pessoais, sem especificar quais e em que datas.
Decorre do exposto que a Requerente não logrou justificar a divergência de caixa, nem qualquer erro contabilístico. Pelo contrário, o que se demonstrou foi a ausência de fundamento para as correções retroativas da contabilidade por parte da Requerente, em concreto, para os lançamentos na conta da sócia-gerente a título de empréstimos efetuados entre 2007 e 2013, e simétrica eliminação de saldos de caixa, bem como, em consequência, para o reconhecimento de um saldo devedor da conta #26822911 –D... , na importância de € 710.242,99, no fecho do exercício de 2014.
Deste modo, são inválidos os registos contabilísticos e as declarações fiscais da Requerente concretizados em 2015, na medida em que tentaram fazer desaparecer os saldos de caixa que estavam reconhecidos na contabilidade até 2014, tendo-se provado nestes autos inexistir fundamento para tal.
Em síntese, não estando demonstrado qualquer empréstimo à sócia-gerente em 2006 e nos anos subsequentes até 2014, não poderia a Requerente alterar a contabilidade e as suas declarações fiscais (IES), fazendo desaparecer os saldos de caixa. Acresce que, em relação ao ano 2014, objeto destes autos, a Requerida satisfez o ónus que se lhe impunha de evidenciar a divergência do saldo de caixa. Assim, de acordo com o disposto no artigo 75.º, n.º 2 da LGT não se verifica a presunção de veracidade das declarações fiscais de substituição e dos lançamentos contabilísticos supostamente corretivos. Nestes termos, face à divergência de caixa evidenciada pela AT competia à Requerente provar o destino dos fundos. O que não fez.
Podem existir múltiplas explicações para a saída não documentada de fundos da sociedade, todavia, na ausência de documentos de suporte ou outros elementos de prova que possam indicar a respetiva finalidade (dos dispêndios), a saída de fundos permanece na categoria de despesa não documentada.
Por fim, cumpre sublinhar que, contrariamente à posição da Requerente, não foi violado o direito à regularização da sua situação tributária previsto no artigo 58.º do RCPITA. Sucede que esta não exerceu de forma válida esse direito, e sob a sua égide tentou alterar saldos de contas e registos contabilísticos sem fundamento e documentos de suporte para tal, não dando, dessa forma, cumprimento às obrigações em falta, nomeadamente à justificação específica e suportada do destino que foi dado aos meios financeiros que, quer a Requerente, quer a Requerida, consentem e aceitam que pertenciam à sociedade e que nesta não foram encontrados.
6. Imputação Temporal
A tributação autónoma, apesar de inserida do Código do IRC, apresenta uma natureza particular, o seu facto gerador corresponde à realização da despesa, é um facto tributário instantâneo, de obrigação única, e não de formação sucessiva como o IRC. Não vigora para as tributações autónomas o princípio da especialização dos exercícios[6].
A demonstração da ocorrência de despesas não documentadas decorre da conferência das disponibilidades de caixa e o seu montante resulta do apuramento da diferença entre o valor que aí se devia encontrar, de acordo com a contabilidade, e o que foi constatado pela inspeção. Tal despesa – pressuposta – não pode deixar de se imputar ao momento da constatação dessa divergência.
Como salienta a decisão do processo arbitral n.º 235/2020-T, “a verificação do facto gerador da tributação autónoma, que são as despesas não documentadas, fica evidenciada na data da contagem física de caixa.” A tributação autónoma de despesas não documentadas na esfera jurídica de quem nelas incorre é, na perspetiva do sujeito passivo, “uma tributação da despesa e não do rendimento, com uma finalidade penalizadora, de antiabuso e implicando uma responsabilidade tributária” – v. processo arbitral n.º 7/2011-T. Nenhum ónus adicional impende sobre a AT, nomeadamente o ónus de prova de cada concreta despesa ou da data em que esta efetivamente tenha ocorrido.
Na situação vertente, tendo sido constatada a divergência na contagem da conta caixa em dezembro de 2014, conclui-se que as presentes correções respeitam ao período de tributação de 2014, nada havendo a apontar ao ato tributário impugnado.
* * *
No que se refere aos juros compensatórios liquidados, não se sufraga a alegada ineficácia dos atos corretivos praticados pela AT por superação do prazo de inspeção, sendo os mesmos devidos nos termos do disposto no artigo 35.º da LGT.
Por fim, importa notar que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências, mantendo-se o ato impugnado de liquidação de IRC (Tributação Autónoma) e inerentes juros compensatórios referente ao período de tributação de 2014.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 406.558,89 (quatrocentos e seis mil quinhentos e cinquenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos), correspondente ao valor da liquidação adicional de IRC - Tributação Autónoma aqui impugnada, incluindo juros compensatórios – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
Custas no montante de € 6.732,00 (seis mil setecentos e trinta e dois euros), a cargo da Requerente, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 16 de junho de 2025
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins, relatora
Filomena Oliveira
Com declaração de voto de vencido
Luís Ricardo Farinha Sequeira
Declaração de Voto
Árbitro
Filomena Salgado de Oliveira
Voto vencida a presente Decisão Arbitral com os seguintes fundamentos.
Não obstante concordar com a maioria das questões abordadas no Acórdão, discordo, com o devido respeito, com a “Qualificação da Despesa Não Documentada determinante do montante sujeito a tributação autónoma” e a consequente “Imputação Temporal” dessa despesa não documentada.
A matéria em causa tem gerado diferente jurisprudência do CAAD, defendendo-se, conforme decidido no presente acórdão que “tributação autónoma, apesar de inserida do Código do IRC, apresenta uma natureza particular, o seu facto gerador corresponde à realização da despesa, é um facto tributário instantâneo, de obrigação única, e não de formação sucessiva como o IRC. Não vigora para as tributações autónomas o princípio da especialização dos exercícios.”, ou, de forma distinta, que a tributação deste tipo de despesas fica dependente do facto de as mesmas terem ocorrido no exercício a que se reporta a liquidação, sendo apenas sujeitas a tributação autónoma num dado exercício as despesas efectuadas nesse período de tributação.
Esta última posição é a que partilho, entendendo que a tributação autónoma não poderá ultrapassar, num dado exercício, o montante das despesas não documentadas realizadas desse exercício.
Está, assim, em causa analisar se, conforme decidido no presente Acórdão, a tributação autónoma podia ter incidido sobre despesas não documentadas que ocorreram não no período de tributação a que respeita a liquidação, mas em anos anteriores.
No presente Acórdão é decidido, por um lado, quanto à qualificação do montante sujeito a tributação autónoma que:
“Retomando a situação concreta em análise, a desconformidade entre os valores contabilísticos (supostamente disponíveis), por referência a dezembro de 2014, e os valores reais da conta Caixa apurados por contagem realizada pelos serviços de inspeção (que foi de zero) deve ser qualificada e imputada a uma despesa não documentada.
No caso sub iudice, verificou-se que a contabilidade da Requerente registava na conta #11-Caixa, com referência ao fecho do mês precedente - novembro de 2014 -, um saldo no valor de € 706.703,65. No entanto, da contagem de caixa levada a efeito, em 10 de dezembro de 2014, pelos Serviços de Inspeção constatou-se que o valor efetivo em caixa era nulo, pelo que se verificou uma divergência naquele preciso montante.
Na medida em que houve uma efetiva saída de meios monetários da sociedade, sem que para tal existissem documentos de suporte da saída de tais valores, estamos perante uma situação enquadrável a título de despesas não documentadas, representativas de pagamentos, e/ou aquisições de bens e/ou serviços, e/ou eventuais liberalidades, que não foram contabilizados pela Requerente.”.
E, por outro, é ainda decidido que:
“A tributação autónoma, apesar de inserida do Código do IRC, apresenta uma natureza particular, o seu facto gerador corresponde à realização da despesa, é um facto tributário instantâneo, de obrigação única, e não de formação sucessiva como o IRC. Não vigora para as tributações autónomas o princípio da especialização dos exercícios.
A demonstração da ocorrência de despesas não documentadas decorre da conferência das disponibilidades de caixa e o seu montante resulta do apuramento da diferença entre o valor que aí se devia encontrar, de acordo com a contabilidade, e o que foi constatado pela inspeção. Tal despesa – pressuposta – não pode deixar de se imputar ao momento da constatação dessa divergência.”
Concluindo-se que a despesa não documentada corresponde ao montante do saldo acumulado da conta Caixa à data em que os SIT efectuaram a contagem e verificaram que o saldo era nulo, correspondendo este, ao montante acumulado do saldo contabilizado a 30/11/2014, de Euros 706.703,65.
A contabilidade da Requerente, antes das alterações levadas a efeito, não devidamente comprovadas conforme muito bem decidido, evidencia nas Contas de Caixa/Depósitos Bancários, de acordo com as IES, os seguintes saldos:

O saldo da Conta Caixa / Depósitos Bancários passa, assim, de Euros 640.035,11, a 31/12/2013, para Euros 710.242,99 em 31/12/2014, sendo que a Novembro de 2014 esse saldo era de Euros 706.703,65.
O Regime das tributações autónomas sobre as despesas não documentadas vem previsto no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabelece que “as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º- A”.
O conceito de “despesas” utilizado no artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, não é definido neste Código e não coincide com o de “gastos”, definido no artigo 23.º do CIRC, pelo que deverá ser atribuído àquela expressão o alcance que tem na linguagem comum, de saída de dinheiro do património da empresa.
Assim, na linha desta jurisprudência, e tal com decidido no presente Acórdão, é de entender que as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário.
Quanto à imputação das despesas não documentadas ao período de 2014, no presente Acórdão decide-se que as despesas devem ser imputadas ao exercício em que foi detectada a divergência entre o saldo contabilístico acumulado no final de Novembro de 2024 e o que resulta da contagem levada a efeito pelo SIT, não prevalecendo, para o efeito, o princípio da especialização dos exercícios.
Nesta matéria, discordo e acompanho, na íntegra a declaração de voto do Senhor Conselheiro Lopes de Sousa do Processo n.º: 235/2020-T:
“Antes de mais, há que esclarecer que, embora o princípio da especialização dos exercícios se reporte especificamente à «periodização do lucro tributável», como decorre do artigo 18.º do CIRC, a aplicação das tributações autónomas também tem de ser efectuada relativamente ao período fiscal em que ocorreram.
Na verdade, por um lado, às tributações autónomas em sede de IRC aplicam-se todas as normas do CIRC que não sejam incompatíveis, pois elas incluem-se no IRC, como decorre do teor expresso da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC. Assim, aplicam-se às tributações autónomas em IRC, por exemplo, as regras relativas à apresentação de declarações, autoliquidação, liquidação adicional e todas as outras que sejam necessárias para sua aplicação.
Assim, também quanto às tributações autónomas previstas no CIRC vigora o princípio da anualidade, que se enuncia no artigo 8.º do CIRC, em que se estabelece que «o IRC, salvo o disposto no n.º 10, é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil, sem prejuízo das exceções previstas neste artigo».
Por isso, as tributações autónomas em IRC são, tal como o imposto que incide sobre o lucro tributável, apuradas na declaração periódica anual, a que se referem os artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e 120.º do CIRC, e a respectiva liquidação reporta-se a cada período fiscal.
Não se tratará daquele princípio de especialização dos exercícios que, com atenuações derivadas do princípio da solidariedade dos exercícios, se aplica à determinação do lucro tributável, mas trata-se de uma regra que é aplicável generalizadamente em IRC, inclusivamente quanto às tributações autónomas.”.
No mesmo sentido concluiu o Acórdão do CAAD referente ao Processo n.º Processo n.º 554/2017-T, de 28 de Agosto de 2018, no qual se esclarece que, “para uma concreta tributação autónoma do género daquela que ora nos ocupa seja legalmente aplicável, para além da demonstração – feita no caso, como se viu – da ocorrência de despesas não documentadas e da respetiva quantificação, torna-se necessário demonstrar que as mesmas ocorreram no exercício que se reporta a correspondente liquidação, ou seja, e no caso, no exercício de 2014.”.
E ainda o que ficou consagrado na decisão arbitral referente ao Processo n.º 648/2018-T, de 4 de Dezembro de 2019, da qual resulta claro que, “As despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1 do CIRC reconduzem -se, assim, a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita determinar a natureza da despesa ou o seu beneficiário. Mas, para ocorrerem despesas, é necessário que se comprove que ocorreram essas saídas de meios financeiros da empresa.”
Ora, entendo que a saída de dinheiro da empresa ocorre no exercício em que a correcção está a ser efectuada, ou seja, que a saída do dinheiro do património da empresa tem de ocorrer em 2014, o que nos levaria a concluir que as despesas não documentadas apenas se reconduziriam à diferença entre os saldos de Caixa a 31/12/2013 de Euros 640.035,11 e o montante do saldo da conta Caixa à data da contagem de Euros 706.703,65 (sendo a 31/12/2014 de Euros 712.087,66).
Caso assim não fosse, estaríamos a ultrapassar e a tornar ineficaz o período de caducidade da liquidação de tributos, permitindo ultrapassá-lo mediante uma mera contagem de saldos de Caixa, deste que essa contagem fosse efectuada dentro desse prazo, aplicando-se, desse modo, a factos ocorridos em vários anos, mesmo aos decorridos para além do prazo de caducidade.
Na presente inspecção pelo SIT, iniciada em 04/06/2015, não obstante terem sido emitidas ordens de serviço para início do processo inspectivo para os anos de 2012, 2013 e 2014, respectivamente com a OI 2015..., OI 2015... e OI 2015..., apenas a última originou a presente liquidação adicional em apreciação por este tribunal, não tendo as anteriores sido utilizadas, com prazos de caducidade já ultrapassados no final da inspecção.
Aceitar-se o procedimento de contagem de saldos de Caixa com efeitos às despesas não documentadas efectuadas em anos anteriores seria permitir-se correcções e aplicação de tributação autónoma sobre despesas não documentadas realizadas em exercícios, cujo prazo de caducidade estava claramente ultrapassado.
A AT tinha em seu poder todos os mecanismos para apurar as despesas não documentadas efectuadas em cada um dos exercícios, só o não fez, possivelmente, pelo facto do prazo de caducidade estar ultrapassado.
A presunção de apropriação sistemática de valores da caixa física que resulta da constatação do seu esvaziamento em 2014, conduz à conclusão que a diferença entre o saldo da conta Caixa constatada em 2014 e a realidade não corresponde a despesas ocorridas em 2014, mas, antes e, na sua maioria, em anos anteriores, já impossíveis de corrigir, o que em minha opinião, justificaria a anulação parcial da liquidação, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
Acompanho a fundamentação da Declaração de Voto no Processo n.º: 235/2020-T onde refere:
“São, obviamente, coisas diferentes a existência de despesas e o momento em que ocorrem, e a prova da sua existência e o momento em que a prova é obtida.
O facto tributário, que justifica a tributação, é a existência de despesas, que não se confunde com a prova da sua ocorrência.
Na tese que fez vencimento, o momento da ocorrência do facto tributário acaba por ser aquele em que se fez a contagem física da caixa, o que se reconduz à possibilidade de multiplicação ilimitada dos factos tributários, pois sempre que fosse efectuada uma contagem e fosse detectada uma falta de valores na caixa física estar-se-ia perante um novo facto tributário: isto é, houve um facto tributário no dia 17-12-2018, porque foi feita uma contagem, mas, se fosse feita nova contagem no dia seguinte, haveria aí um novo facto tributário, pois ainda não haveria os valores em caixa. E assim sucessivamente, a mesma apropriação de quantias seria suporte de multiplicação de tributações autónomas todas as vezes (duas, três, cinco, dez ou mais) que fosse efectuada uma contagem física e se verificasse que continuava a faltar aquele valor em caxa física.
Esta seria uma hipotética solução legislativa tão desacertada e desproporcionada, por razões que suponho serem óbvias, que tem de se presumir não ter sido legislativamente adoptada, por força da presunção que impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
E, da mesma forma, as mesmas despesas não documentadas que, pelo menos parcialmente, mas na sua maior parte terão ocorrido antes de 2014 ( 3 ) poderiam ser repetidamente tributadas, tanto antes da data em foi feita a contagem como posteriormente, ad eternum, sempre que se fizer uma nova contagem que confirme que continua a falta de valores na caixa física.
Esta tese, para além de contrariar o texto do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, que identifica as despesas e não a contagem física da caixa como o facto tributário sujeito a tributação autónoma, é também incompatível também com o n.º 14 do mesmo artigoque impõe a conexão das despesas com determinado período de tributação.
Para além disso, esta tese, que prescinde do momento da realização das despesas para efeitos da sua tributação autónoma, é incompatível com o regime da caducidade do direito de liquidação, que, em sede tributações autónomas de IRC, impõe a irrelevância fiscal de factos ocorridos em períodos fiscais há mais quatro anos em relação àquele em que se emite a liquidação.
E esta tese, ao permitir tributar com tributações autónomas despesas ocorridas em qualquer momento do passado, desde que a contagem se faça dentro do prazo de caducidade, é também incompatível com a proibição da retroactividade das leis fiscais (artigo 103.º, n.º 3, da CRP), pois, em última análise, permite, por essa via, tributar, inclusivamente, despesas realizadas antes da introdução no nosso sistema jurídico das tributações autónomas (há 20, 30 ou mais anos) e aplicar as taxas actuais a despesas que foram realizadas quando as taxas eram menores.
Nestes termos, entendo que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao imputar ao exercício de 2014 despesas não documentadas realizadas em anos anteriores a 2014, vício este que justificaria a anulação parcial da liquidação relativamente às despesas incorridas em exercícios anteriores.
Lisboa, 16 de Junho de 2025
Filomena Salgado de Oliveira
(A redacção do presente documento rege-se pela ortografia antiga)
[1] Na petição de impugnação judicial, a Requerente refere a conta 27, mas certamente será por lapso, interpretando este Tribunal tratar-se da conta 26, pois é esta que se refere às relações com os sócios, enquanto a conta 27 regista as obrigações fiscais com o Estado e entidades equiparadas. No pedido de pronúncia arbitral já é feita menção à conta 26.
[2] Que não é discutida nos presentes autos.
[3] Acompanha-se aqui a decisão arbitral no processo n.º 213/2020-T, de 23 de dezembro de 2020.
[4] Como certeiramente aponta a decisão do processo arbitral n.º 235/2020-T “é a Requerente que está em melhor posição probatória, dispondo ou devendo dispor dos elementos documentais e materiais necessários e suficientes para justificar as saídas de valores da empresa e evitar a incidência de tributação autónoma.”
[5] Isto, independentemente de a Requerente conhecer ou ser versada em regras contabilísticas e/ou fiscais, pois o que está aqui em discussão é o que sucedeu aos meios financeiros de que a sociedade devia dispor.
[6] Como se entendeu no citado processo arbitral n.º 235/2020-T, “as demonstrações financeiras são preparadas segundo o regime da periodização económica, ou seja o regime de acréscimo, exceto para a informação de fluxos de caixa – à qual portanto tal regime expressamente se não aplica. Para movimentações de caixa, o regime que resta é o da sua reflexão com base na saída (ou na entrada).”