Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1137/2024-T
Data da decisão: 2025-06-17  IRC  
Valor do pedido: € 229.027,75
Tema: IRC – Imparidades – Princípio da especialização de exercícios – Taxa de arbitragem.
Versão em PDF

 

 

SUMÁRIO

 

1.    O perdão de um crédito no âmbito de uma transacção não permite à sociedade que o concedeu relevar o montante que deixou de receber como custo para efeitos fiscais, a menos que respeite as regras fiscais, seja pela constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, seja pelo regime dos créditos incobráveis previsto no artigo 40º do CIRC.

2.    Do princípio da especialização de exercícios, consagrado no artigo 18.º do CIRC, decorre que não possam ser constituídas imparidades num dado período de tributação relativamente a créditos cujo risco de incobrabilidade já existia e era manifestamente conhecido em períodos anteriores.

3.    Para que sejam admitidas excepções à aplicação do princípio da especialização de exercícios, impõe-se que o contribuinte demonstre que as omissões incorridas que levam à sua correcção em exercícios posteriores, não resultam de actos voluntários e intencionais, as componentes positivas ou negativas não são imprevisíveis ou desconhecidas, ou que tais correcções se devem a erro contabilístico ou outro.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.A..., LDA, contribuinte ..., com sede na Rua ..., n.º ... –..., ...-... ..., apresentou, em 17-10-2024, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2020, da qual resultou imposto a pagar no montante de 257.827,02 €.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-10-2024.

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

3.2. Em 11-12-2024 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 02-01-2025.

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

3.5. A Requerente foi notificada, por despacho de 06-02-2025, para se pronunciar relativamente às questões prévias suscitadas pela Requerida, entre elas o valor da causa, o que aquela fez.

3.6. Por despacho de 06-03-2025, foi a Requerente notificada para indicar quais os pontos da matéria de facto sobre os quais pretendia produção de prova testemunhal, tendo em resposta prescindido da mesma.

3.7. Foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, por despacho de 25-03-2025, e as partes notificadas para apresentarem alegações, querendo, o que não fizeram.

3.8. Na resposta a Requerida informou que, por despacho de 16-12-2024, foi a liquidação objecto do pedido arbitral revogada parcialmente, no que respeita às regularizações de dívida em resultados transitados.

4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade parcial com o acto de liquidação adicional de IRC impugnado, sustentando, em suma, que:

         Conforme resulta do RIT, a AT efetuou correções relativamente a perdas por imparidade.

         São três os fundamentos para a não aceitação da relevância fiscal das perdas por imparidade:

1.   Existência de um perdão de dívida;

2.   Não observância do princípio da especialização dos exercícios;

3.   Os créditos não estarem evidenciados na contabilidade, numa conta própria, como sendo de cobrança duvidosa.

         Em 2020, a Requerente intentou contra a sociedade Farmácia B... uma ação cível sob a forma de processo comum com vista à cobrança do crédito que detinha sobre ela, no montante de 71.377,42 €.

         No decorrer daquela ação cível, a requerente e a Farmácia B... acordaram em reduzir o pedido para € 32.000,00, o qual foi pago, recebido e contabilizado pela requerente.

         Relativamente à diferença entre o valor total da dívida e o montante pago (€ 39.777,42), o mesmo foi levado a custos da sociedade, tendo sido contabilizado na conta 6511 – Perdas por imparidade.

         É verdade que, tal como entende a AT, não pode aplicar-se a disciplina das perdas por imparidade prevista nos artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC aos gastos registados em decorrência do perdão de dívidas, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos, pelo que a dedução fiscal destes gastos, a alcançar se, sê-lo-á por outra via, em concreto, com suporte no artigo 23.º do mesmo Código, cujo n.º 1 contém o princípio geral de dedutibilidade fiscal dos gastos: “são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

         Os gastos de anulações de saldos e perdões de dívida são, nos termos expostos, enquadrados pela jurisprudência como não dedutíveis fiscalmente, por não preencherem os requisitos de enquadramento no regime dos créditos incobráveis previsto no artigo 41.º do Código do IRC, no pressuposto de que consubstanciam a concessão de liberalidades. Pretende-se prevenir a manipulação do lucro tributável e da elegibilidade dos gastos, para efeitos fiscais, assente em critérios subjetivos.

         Recorde-se que o crédito que a requerente detinha sobre a Farmácia B... remonta ao ano de 2012.

         Conforme se pode verificar no anexo ao RIT (pág. 47), durante aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, a requerente efetuou várias tentativas de cobrança deste crédito. Obviamente que, com o decorrer de todos aqueles anos, diminuiu-se a possibilidade de cobrança daquele crédito.

         O acordo alcançado entre a requerente e a Farmácia B... consubstanciou-se numa atuação justificada por razoáveis e sãs decisões de gestão.

         Neste contexto, a remissão dos créditos em causa não constitui propriamente uma liberalidade (v. 863.º e 940.º, n.º 1 do Código Civil), mas uma decisão empresarial orientada por critérios de racionalidade económica.

         Como tal, deve considerar-se dedutível o gasto proveniente da remissão da dívida nas circunstâncias anteriormente descritas, por configurar encargos conexos com a atividade da Requerente, suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

         Entende a Requerente que, embora não tenha sido formalmente respeitado o princípio da especialização dos exercícios, daí não resultou qualquer prejuízo para o Estado.

         Nestas situações deve operar o princípio da justiça consagrado no n.º 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP). O princípio da especialização dos exercícios – positivado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC, - traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.

         Do referido artigo 18º do Código do IRC, resulta uma vinculação para a Administração Fiscal, a qual, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controlo das declarações apresentadas pelos contribuintes. Contudo, o exercício deste poder de controlo, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta. Nestes casos, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado no n.º 2 do artigo 266º da CRP e artigo 55º da LGT.

         Assim, quando já não é possível efetuar “correção simétrica”, por razões de tempestividade, a doutrina e a jurisprudência veem afirmando que o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, nomeadamente quando a respetiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

         No caso em apreço, não tendo a Administração Fiscal procedido à “correção simétrica” aos anos em que “foram instaurados os processos judiciais das sociedades clientes”, não deve simplesmente eliminar os custos de 2020, sob pena de violação do princípio da justiça, assim sendo de aceitar, para efeitos fiscais, a contabilização efetuada pela requerente já que não estão alegados, ou provados, factos através dos quais se demonstre que houve a intenção deliberada de proceder à transferência de resultados de exercícios ou de fuga à tributação.

         Por outro lado, é também evidente que o Estado não foi prejudicado por esta atuação, pois o que aconteceu é que a impugnante contabilizou os custos em causa, só que o fez através de um diferimento; ou seja, o respetivo quantitativo, embora certo, não foi levado ao exercício correspondente à data em que foi suportado.

         A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo a entender que o requisito formal da evidenciação dos créditos na contabilidade como sendo de cobrança duvidosa tem apenas em vista permitir apurar o cumprimento do princípio da especialização dos exercícios e que a prova da verificação dos requisitos substantivos das imparidades pode ser feita por qualquer meio de prova, inclusivamente testemunhal.

         Afigura-se, assim, que numa interpretação atualista da referência que no artigo 28.º-A do CIRC se faz a evidenciação dos créditos de cobrança duvidosa na contabilidade, não será exigível outra que não seja a que está ínsita nas referidas contas do SNC e respetivos Códigos de Contas ( 6 ), o que a Requerente fez («conta "6511 – Perdas por imparidade – Em dívidas a receber - clientes", por contrapartida a crédito da conta "21901 – Dívidas de Clientes ", como se refere no RIT).

         Ao contrário da AT, a Requerente entende que, das regularizações em resultados transitados, não resultam evidências da concessão de perdões de dívidas a fornecedores/terceiros.

         É entendimento da Requerente que a AT não logrou demonstrar a ocorrência de uma variação patrimonial positiva correspondente a perdões de dívida.

         Não tendo ficado provada a existência de qualquer perdão de dívidas, conclui-se que a correção efetuada pela AT, é ilegal por erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, determinante da sua anulação.

         

         5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, nos seguintes termos:

         Suscita, como questão prévia, o valor da acção, invocando que relativamente aos gastos com compensação pela deslocação em viatura própria, a requerente não contesta as correções efetuadas pela AT – no valor de €112.065,12.

         O valor do pedido e, em consequência, os valores da ação devem ser determinados em função da utilidade económica que se pretende com o PPA - que nos presentes autos não corresponde ao valor indicado de € 257.827,02 - pelo que deve ser corrigido.

         Analisado o pedido da Requerente no decurso do prazo de Resposta a que alude o art.º 17.º do RJAT, a Requerida reconheceu existir um erro na liquidação adicional promovida pelos serviços, tendo, portanto, revogado, parcialmente, o ato tributário aparentemente em dissídio.

         Por despacho datado de 16 de dezembro de 2024 (Processo: ...2024...), a Senhora Subdiretora-Geral do IRC concluiu pela revogação parcial do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, objeto do pedido de pronúncia arbitral, ora em apreciação, tendo sido tal despacho notificado à Requerente.

         O sujeito passivo não reconheceu na contabilidade, designadamente no exercício do ano de 2020, aqui em análise – nem fez transitar do período tributável anterior – qualquer montante considerado de cobrança duvidosa, respeitante às sociedades e dívidas, acima identificadas (não tendo transferido qualquer valor das respetivas subcontas 211, para a conta 217).

         Portanto, desde a data de abertura do exercício até à data do encerramento de contas (respetivamente de 01-01-2020 a 31-12-2020), não se encontram evidenciadas quaisquer dívidas a receber, consideradas de cobrança duvidosa, pelo facto de nem sequer verificar a existência na contabilidade do sujeito passivo uma subconta 217 - Clientes de cobrança duvidosa.

         Em face do acordo celebrado pela Requerente resultou a incobrabilidade do valor remanescente dessa dívida, no montante de €39.377,42 (trinta e nove mil trezentos e setenta e sete euros e quarenta e dois cêntimos), que assim deixou de ser de cobrança duvidosa, em virtude do perdão parcial obtido através do referido acordo judicial e que não configura ter enquadramento fiscal, para efeito de dedutibilidade, conforme se encontra estatuído na alínea a), do n.º 1, do art.º 28.º-A e no art.º 28.º-B, ambos do IRC.

         A Requerente teve e tem – em razão de ciência – o pleno conhecimento da impossibilidade legal de se dar cobertura fiscal a este perdão de dívida, mediante a disciplina das perdas por imparidade.

         Reconhece ainda a Requerente a impossibilidade da dedutibilidade fiscal dos perdões de dívida por não preencherem os requisitos de enquadramento no regime dos créditos incobráveis, previsto no art.º 41.º do Código do IRC, no pressuposto de que consubstanciam a concessão de liberalidades, bem como a idêntica conclusão que se retira da alínea a), do n.º 1, do art.º 24.º do CIRC, quando se afastam as liberalidades, como variação patrimonial negativa, da formação do lucro tributável. Pelo que, por coerência sistemática e maioria de razão, igualmente não poderá colher qualquer outra argumentação aduzida pela aqui Requerente, em particular que esta perda possa ser aceite fiscalmente, nos termos do artigo 23.º, como arbitrariamente pretende aqui fazer valer o sujeito passivo.

         Por outro lado, a Requerente tem perfeito conhecimento de que não lhe assiste razão, pois que, expressamente admite, no art.º 35º do seu PPA, não ter formalmente respeitado o princípio da especialização dos exercícios (facto este que também aqui se considera como confessado).

         Na verdade, a não observância do princípio da especialização dos exercícios constitui um desrespeito consciente pelas normas contabilísticas e fiscais, revelando uma conduta voluntariamente omissiva, por parte da Requerente.

         Tratando-se, por isso, de uma omissão voluntária, porquanto resultou de uma determinação de vontade por parte da Requerente em apenas reconhecer as perdas por imparidade, não quando as normas contabilísticas e fiscais o exigiram mas, somente, quando considerou/julgou – pese embora, indevidamente – encontrar-se perante um risco de imparidade, em função da sua apreciação subjetiva e não em cumprimento dos normativos contabilísticos e dos requisitos fiscais que se lhe impunham.

         Como tal, não pode a Requerente querer fazer-se prevalecer de uma omissão por si consciente e voluntariamente cometida, recorrendo, agora, à invocação do princípio da justiça e da verdade material – mormente através jurisprudência citada no seu PPA – para sanar uma sua conduta de incumprimento censurável, mediante a derrogação excecional do princípio da especialização dos exercícios, para efeitos de tributação.

         Não foi invocada pela Requerente no PPA uma única razão ou circunstância enquadrável no conceito de imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento, por forma a colocar em crise a aplicação daquele princípio legal, ou para sequer procurar justificar a derrogação do mesmo com recurso ao princípio da justiça ou da verdade material.

         A Requerente não só não alega a factualidade respeitante à invocação da derrogação, por si pretendida, daquele regime legal (contido no n.º 1 do art.º 18º, do CIRC), pela norma especial – no caso a imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento – como não demonstra a existência de uma eventual factualidade que afaste a regra geral e sustente a aplicação da exceção, incumprindo, assim, com o ónus probatório que igualmente está a seu cargo.

         Consequentemente, tendo resultado dos elementos contantes do RIT a ocorrência de uma situação de omissão deliberada pelo sujeito passivo (com indícios de manipulação do(s) resultado(s) do(s) exercício(s) abrangido(s)), a AT, no uso do exercício do poder vinculado de proceder às correções necessárias para conformar a contabilidade com o princípio da especialização, promoveu a devida correção, como impõe o princípio da legalidade (bem como da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, aliás, consagrados no n.º 2, do artigo 266.º da CRP).

         Analisada a documentação de suporte apresentada pela Requerente– com vista a aferir-se da dedutibilidade fiscal, em 2020, das perdas por imparidade – os SIT constataram que tanto as dívidas, como as ações executivas e os processos de insolvência instaurados judicialmente, e até a dissolução dos devedores, se reportam, na sua maioria, a períodos de tributação muito anteriores – ou posteriores – ao exercício em análise, não tendo o sujeito passivo dado cumprimento ao determinado no n.º 1, do artigo 18º do Código do IRC.

         E, nesta medida, não merece reparo ou censura a conclusão sustentada no RIT, através da qual se exclui a dedutibilidade dos gastos relativos às perdas por imparidade, reconhecidas na contabilidade, por violação do princípio da especialização dos exercícios.

         No caso vertente, esta violação do princípio da especialização dos exercícios, por parte do sujeito passivo, constitui um “erro” voluntário e consciente – como, aliás, a própria Requerente admite no seu articulado – mas absolutamente ilegítimo e injustificado.

         O princípio da especialização dos exercícios será uma consagração do princípio da tipicidade da lei fiscal, bem como da segurança jurídica, uma vez que a lei refere expressamente qual o momento de imputação (registo) das componentes positivas e/ou negativas do rendimento e em que circunstâncias pode ocorrer a exceção.

         No caso dos autos, as dívidas agora imputadas pela Requerente às perdas por imparidade não eram totalmente desconhecidas ou imprevisíveis em exercícios precedentes, não permitindo, por isso, justificar a correspondente consideração daquele custo, na íntegra, apenas no ano de 2020.

         Mais se compreende que a rigidez deste ónus probatório seja acrescida, sobretudo naqueles casos em que, em virtude dessa possibilidade de manipulação de exercícios, ocorra uma exclusão – ainda que parcial – do imposto, pois o Estado não se pode ver impedido de receber a receita tributária que legalmente lhe é devida, designadamente quando o reconhecimento tardio das imparidades proporciona, desde logo, a vantagem, de ser possível efetuar a dedução das perdas fiscais num determinado exercício – no caso de 2020 – evitando as limitações de dedução previstas para prejuízos reportados de exercícios anteriores e, por sua vez, permitindo também apresentar resultados mais favoráveis nos anteriores exercícios.

         Todavia, trata-se de presunções ilidíveis, cabendo, por isso, ao sujeito passivo – e no caso, à Requerente – apresentar provas que justifiquem o incumprimento da lei, devendo estas resultar claras na comprovação de que o “erro” em que incorreu se deveu a uma situação que esta não pôde controlar.

         A Requerente não faz qualquer demonstração da não existência na obtenção de uma vantagem patrimonial com a violação do princípio da especialização dos exercícios. Aliás, de acordo com a regra geral, atinente à repartição do ónus da prova, constante do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, resulta que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos – da AT, ou dos contribuintes – recai sobre quem os invoque.

         Da análise às demonstrações financeiras da Requerente, não se encontram evidenciadas quaisquer dívidas a receber consideradas de cobrança duvidosa respeitantes às sociedades e dívidas identificadas nos artigos antecedentes, inexistindo uma subconta de clientes de cobrança duvidosa, apesar do reconhecimento pela Requerente, em 2020, de gastos, na subconta 6511 – Perdas por imparidade - Em dívidas a receber - clientes, por contrapartida da subconta 21901 - Dividas de Clientes, no montante total de €212.406,22 (duzentos e doze mil, quatrocentos e seis euros e vinte e dois cêntimos).

         Quer a constituição ou reforço, quer a reposição ou reversão de perdas por imparidade relacionadas com créditos resultantes da atividade normal que possam ser considerados de cobrança duvidosa, devem ser determinadas em função de condições objetivas, verificáveis no fim do período de tributação em que ocorrem (e não em qualquer outro momento, dependendo da vontade dos sujeitos passivos).

         O regime legal permite, seguramente, concluir que as perdas por imparidade devem ser reconhecidas quando existam evidências objetivas de imparidade quanto ao risco de incobrabilidade da dívida, devendo – pela conjugação dos princípios da prudência com o princípio da periodização económica – serem estas reconhecidas no correspondente período de tributação. Ora, para que se possam encontrar como reconhecidas no respetivo período, será forçoso que primeiramente se encontrem evidenciadas através da sua correspondente identificação, na contabilidade, como sendo créditos de cobrança duvidosa, o que não terá desde logo sucedido no caso aqui em apreço.

         Em consequência, não tendo a Requerente cumprido com os requisitos legais e contabilísticos para o registo das imparidades em 2020, as correções propostas pela AT (no valor de €106.844,19 (cento e seis mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e dezanove cêntimos) são legítimas e fundamentadas, visando assegurar a justiça fiscal e evitar a manipulação de resultados entre exercícios.

         

II – SANEAMENTO

 

6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. A Requerida suscitou a questão do valor da causa, que se apreciará de seguida.

6.5. Não foram suscitadas outras excepções que obstem à apreciação da causa.

 

- Do valor da causa

Veio a Requerida alegar na resposta que no que respeita aos gastos com compensação pela deslocação em viatura própria, a Requerente não contesta as correções efetuadas pela AT.

As quais ascenderão a 112.065,12 €, correspondendo a 11,16% do valor total da correcções efectuadas.

Ora, efectivamente, a Requerente excluiu expressamente do pedido arbitral a apreciação de tais correcções.

Da análise ao RIT, designadamente ao ponto V.1.1. e Anexo II, comprova-se ser correcto o que a Requerida alega relativamente ao valor de tais correcções, bem como ao valor relativo das mesmas que, no seu conjunto, ascendem ao valor global de 1.004.144,49 €.

A Requerente indicou como valor da causa o da liquidação adicional de IRC, sem que tivesse expurgado o valor correspondente ao daquelas correcções.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o valor da causa será “quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”.

Ora, ao ser expurgada da liquidação impugnada o valor correspondente àquelas correcções, teremos que o valor da liquidação que se pretende ver anulada será, não de 257.827,02 €, mas de 229.027,75 €, devendo ser esse o valor a atribuir ao presente pedido arbitral.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

A) Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se como provados, de acordo com o juízo que o tribunal considera com relevo para apreciação e decisão da causa (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), os seguintes factos:

a)     A Requerente tem como objecto social a importação, exportação, distribuição e comercialização de produtos farmacêuticos, cosméticas, veterinária, assistência a lar da terceira idade e também ligado ao ramo de agropecuária.

b)    É sujeito passivo do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), estando enquadrada no regime geral de tributação desde 01-01-2001.

c)     No exercício respeitante ao ano de 2020, a Requerente, como resulta da declaração Modelo 22 de IRC, reconheceu gastos num montante total de 212.406,22 €, relativos a perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes (encontrando-se, estas, inscritas na subconta 6511 – Perdas por imparidade – Em dívidas a receber – clientes, isto, por contrapartida da subconta 21901 – Dividas de Clientes).

d)    Na constituição de imparidades a Requerente registou, nesse ano, 106.844,19 € relativamente a facturas em mora, as quais têm origem entre os anos de 2012 e 2018.

e)     Naquele montante está incluído um crédito que a Requerente detinha, desde 2012, sobre a sociedade “Farmácia B... SA”, no montante de 71.377,42 €, o qual foi reduzido, na sequência de transacção judicial, para 32.000,00 €, em resultado do que aquela levou a custos, no exercício de 2020, o valor de 39.777,42 €, o qual foi registado na conta 6511 – Perdas por imparidade.

f)     Ao abrigo da Ordem de Serviço OI2022..., de 01-04-2022, foi efectuado procedimento de inspecção externo que incidiu sobre o exercício de 2020.

g)     Em resultado de tal procedimento inspectivo, a Requerente foi notificada de correcções no âmbito de IRC, constando do respectivo RIT:

- “ (…) 

  Face ao exposto, não estão reunidas as condições para a dedutibilidade fiscal das referidas imparidades, no montante total de € 106.844,19, referente às imparidades reconhecidas na subconta 6511, dado que o risco de incobrabilidade dos créditos verificou-se em exercícios anteriores (não tendo o sujeito passivo dado cumprimento do determinado no n.º 1 do artigo 18º do Código do IRC), bem como, pelo fato do sujeito passivo não ter reunidos os requisitos exigidos para a dedutibilidade das perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes, nomeadamente, a existência de um perdão de dívida e a evidência na contabilidade de créditos de cobrança duvidosa, conforme estipulado na alínea a) do n.º 1 do artigo 28-A conjugado com o n.º 1 do art.º 28-B, ambos do Código do IRC”.

h)    A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2020, no valor de 257.827,02 €.

i)      A referida liquidação foi objecto de revogação parcial, por despacho de 16-12-2024, da Subdirectora-Geral do IRC, considerando que as regularizações de dívida em resultados transitados, efectuadas pela Requerente, não configuram uma variação patrimonial positiva.

 

B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

- Matéria de Direito

 

i) Revogação parcial

 

Como consta dos factos provados, após a apresentação do presente pedido arbitral, a Requerida revogou parcialmente o acto de liquidação impugnado.

Daí decorre ser indiscutível que ocorreu inutilidade superveniente parcial da lide por perda, também parcial, de objecto.

O pedido arbitral foi apresentado em 17-10-2024. 

O referido despacho de revogação foi proferido em 16-12-2024, e apenas comunicado a este Tribunal depois da sua constituição, através da Resposta da Requerida, em 5-02-2025.

A apresentação do pedido resulta, pois, de facto imputável à Requerida que é responsável pela inutilidade da lide e, por isso, responsável pelo pagamento das custas (artigo 527º, n.º 1 e 2 do CPC).

 

ii) Das perdas por imparidade

 

A Requerente questiona a liquidação ora impugnada assente na não-aceitação do reconhecimento de imparidades que relevou na contabilidade por estar, em causa, por um lado, um perdão de dívida e, por outro, a inobservância do princípio da especialização de exercícios. Aborda também a questão da necessidade de evidenciação, na contabilidade, de uma conta própria de cobrança duvidosa, embora não se possa concluir que tal resulte directamente do RIT como fundamento da correcção.

Perdão da dívida

Alega a Requerente que efectivamente, através de transacção judicial, concedeu um perdão de dívida a um seu cliente – Farmácia B...– e, por via disso, relativamente à diferença entre o valor total da dívida e o montante pago, o mesmo foi levado a custos da sociedade, tendo sido contabilizado na conta 6511 – Perdas por imparidade.

Reconhece, todavia, que, fiscalmente, a perda por imparidade constituída referente a esta assumpção do perdão de dívida a receber, não tem enquadramento fiscal no previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 28º-A e no artigo 28º-B ambos do Código do IRC, uma vez que a cobrança deixou de ser duvidosa (ter um risco subjacente) e passou a ser incobrável.

A Requerida, por seu turno, mantém não ser admissível a dedutibilidade fiscal dos perdões de dívida por não preencherem os requisitos de enquadramento no regime dos créditos incobráveis, previsto no art.º 41.º do Código do IRC, no pressuposto de que consubstanciam a concessão de liberalidades, bem como a idêntica conclusão que se retira da alínea a), do n.º 1, do art.º 24.º do CIRC, quando se afastam as liberalidades, como variação patrimonial negativa, da formação do lucro tributável.

A propósito dos perdões de dívida já se pronunciou o STA no Proc. 0963/13, de 04-11-2015, dizendo que o perdão de um crédito não permite à sociedade que o concedeu relevar o montante que deixou de receber como custo para efeitos fiscais.

Diz-se nesse aresto: “esse perdão não pode relevar como custo para efeitos fiscais, pois não se mostram verificados os requisitos que permitiriam o reconhecimento directo da incobrabilidade do crédito nessa medida, designadamente porque tal incobrabilidade não foi verificada em processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou em processo de execução, falência ou insolvência, como o exigia o art. 39.º do CIRC”. 

É nesse enquadramento que deve ser tido em consideração o que se diz no Acórdão do STA de 04-11-2015 – Proc. 0963/13 que a Requerente invoca.

Acresce que da contabilidade não resulta que o crédito sobre aquele cliente, que remontava ao ano de 2012, estivesse evidenciado numa conta de créditos de cobrança duvidosa. Não o estando, para fazer face ao risco de incobrabilidade desse crédito, o mesmo apenas poderia ser reconhecido directamente como custo para efeitos fiscais caso se verificassem os referidos requisitos do art. 39.º do CIRC o que, não é o caso.

Nenhum vício há, por isso, a assacar à correcção efectuada pela AT, neste ponto.

Especialização de exercícios

Por outro lado, a Requerente assume que, ao considerar o registo contabilístico das demais imparidades, não observou o princípio da especialização de exercícios, alegando, todavia, que daí não resultou qualquer prejuízo para o Estado.

Efectivamente, estabelece o n.º 1 do artigo 18º do CIRC o denominado princípio da especialização de exercícios ao determinar que “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis o período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.

No caso em apreço é matéria incontroversa que a Requerente registou, no ano de 2020, 106.844,19 € relativamente a facturas em mora, as quais têm origem entre os anos de 2012 e 2018.

Mais do que isso, a Requerente assume e tem consciência de ter violado o aludido princípio de especialização de exercícios, retirando, todavia, desse facto, consequências diferentes das que a AT concretizou com as correcções efectuadas.

É certo que se tem entendido que o referido princípio deverá ter uma aplicação temperada ou atenuada.

Diz-se, a esse propósito na decisão arbitral do processo 388/2024-T: 

- “O facto de o sujeito passivo não registar a percentagem da perda no exercício em que considera existir risco de incobrabilidade não o poderá impedir, em certos casos, de registar a perda num exercício posterior. Esta flexibilização do princípio da especialização dos exercícios, atendendo a princípios de justiça, tem vindo a ser sustentada em diversos Acórdãos dos Tribunais superiores. Assim, o princípio da especialização dos exercícios «deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». (Acórdão do STA de 04/02/2008, processo 0807/07.

- Tem-se entendido, em suma, que o art. 18.º, 2 do CIRC não pode cobrir erros contabilísticos ou actos do próprio contribuinte, devendo, assim, a sua aplicação ser atenuada.

- Assim, sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, permite-se a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, que visassem operar a transferência de resultados entre exercícios, exemplificando-se com casos em que tal se presumiria: como quando está para acabar, ou para se iniciar, um período de isenção, quando há interesse em reduzir os prejuízos de determinado exercício, para retirar benefícios do seu reporte ou quando se pretenda reduzir o montante dos lucros tributáveis para reduzir o imposto”.

Também no Acórdão do TCA Norte de 14-02-2019 – Proc. 74/01.7BTLRS se refere: “do referido artº.18, do C.I.R.C., resulta uma vinculação para a A. Fiscal, a qual, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes. Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artºs.266, nº.2, da C.R.P., e 55, da L.G.T., para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição. Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário que pode abarcar mais do que um ano fiscal e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de conflito, se deve dar prevalência a este último princípio”.

E, de forma mais expressa, conclui o Acórdão do STA que a rigidez do princípio da especialização de exercícios tem de ser temperada “desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercício e «as componentes positivas ou negativas» são «imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas» quando a sua não consideração, no exercício a que respeitam, se deve a erro contabilístico ou outro, do próprio contribuinte”.

Quer dizer, para que sejam admitidas excepções à aplicação do princípio, impõe-se que o contribuinte demonstre que as omissões incorridas que levam à sua correcção em exercícios posteriores, não resulta de actos voluntários e intencionais, as componentes positivas ou negativas são imprevisíveis ou desconhecidas ou que tais correcções se devem a erro contabilístico ou outro.

Ora, é esta demonstração – que incumbia à Requerente – que entendemos não ter sido feita.

Estão em causa créditos de exercícios anteriores a 2020, alguns deles de 2012, e não resulta da prova da Requerente justificação minimamente cabal para o registo das imparidades naquele exercício. 

Nenhum reparo merece, pois, a correcção efectuada, razão pela qual deverá o pedido improceder neste ponto.

Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Ora, o direito a juros indemnizatórios vem consagrado no art. 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido. 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.

Decorre do exposto que ocorreu inutilidade superveniente da lide, por facto imputável à Requerida, como se demonstrou.

Quer dizer, ocorreu erro de direito na liquidação na parte em que a mesma foi revogada, por erro imputável à AT, donde resulta assistir à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago, o que, aliás, é assumido pela Requerida na resposta.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)    Declarar a inutilidade superveniente parcial da lide, face à revogação parcial, pela Administração Tributária, do acto tributário impugnado, ao considerar como legítimas as regularizações de dívida em resultados transitados, efectuadas pela Requerente.

b)    Julgar improcedente o demais peticionado, absolvendo a Requerida do pedido.

c)    Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios na parte relativa à revogação parcial do acto de liquidação.

d)    Condenar a Requerente e Requerida nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, cabendo à Requerente 12% e à Requerida 88%.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se, nos termos acima expostos, o valor do processo em 229.027,75 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Determina o artigo 12.º do RJAT que «é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa”.

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 1 do CPC (plenamente aplicável aos autos por força do disposto no artigo 29º, n.º 1, alínea a) do RJAT), “compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”.

A esse propósito é dito no Acórdão do TR de Coimbra de 20-02-2024 - Proc. 4054/20.5T8CBR-A.C1 que “o valor da causa é fixado pelo juiz, em função da utilidade económica do pedido quando este é susceptível de tradução pecuniária, sendo irrelevante a vontade das partes na fixação desse valor”.

Na mesma linha se estipula na alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do CPPT que o valor da causa será “quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”.

A isso não obsta o disposto no artigo n.º 1 do 299º do CPC quando determina que “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.”.

Com efeito, como se viu, o valor efectivo – e não o atribuído - do pedido, no momento em que este foi apresentado, coincide com o valor que foi fixado à acção (a própria Requerente reconhece, aliás, ter incorrido em erro ao atribuir o valor inicial ao pedido). Foi esse, por não poder ser outro, o marco temporal em que nos detivemos para fixar o valor da causa.

Ora, determina o artigo 12.º do RJAT que «é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa”.

Sendo a taxa de arbitragem, de acordo com o disposto no artigo 3º, n.º 1, a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), definida a partir do valor da causa.

E estabelecendo o referido artigo 3º do RCPAT que a taxa de justiça é definida a partir do valor da causa, apenas esse, e não outro que possa ter sido inicialmente atribuído - e que, como se viu, não vincula o juiz – pode e deve ser considerado para efeitos de fixação da taxa de justiça.

Não existe norma legal que permita outro critério para aplicação da taxa de justiça, não podendo deixar de ter-se presente que na arbitragem tributária o princípio da legalidade funciona de modo pleno (apenas o artigo 3º-A do RCPAT contempla uma situação excepcional de devolução parcial de taxa de arbitragem, mas que não tem aplicação ao caso sub judice).

Desse modo, atendendo ao valor da causa que acima se determinou, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284,00 €, a cargo da Requerente (514,08 € = 12%) e da Requerida (3.769,92 € = 88%)., nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento. 

 

Lisboa, 17-06-2025

 

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

(Presidente, vencido apenas quanto à fixação da taxa de arbitragem, junta declaração)

 

 

 

Luís Ferreira Alves

(Vogal)

 

 

 

António A. Franco

(Relator)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

A revisão do valor, suscitada pela AT na sua resposta, teve um efeito sobre o valor do processo, reduzindo-o.

Teríamos, todavia, de distinguir dois valores:

a.     aquele que, divergindo da indicação no Pedido de Pronúncia Arbitral, veio a revelar-se ser o valor do litígio subsistente (€229.027,75);

b.     aquele que, tendo sido indicado naquele Pedido de Pronúncia Arbitral, levou à formação deste tribunal arbitral colectivo (€257.827,02).

Ora, o funcionamento deste tribunal envolve custas que devem ser suportadas pelas partes – e daí que o Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária estabeleça regras próprias para cálculo do valor do processo, mais próximas do princípio de que o valor da acção é aquele que existe no momento em que ela é proposta (art. 299.º do CPC).

Assim, não obstante o Tribunal reconhecer que o valor da causa é inferior àquele inicialmente atribuído a ela pela Requerente, deveria ser este último a de servir de referência ao cálculo da taxa de arbitragem – que se fixaria no montante de € 4.896,00 (quatro mil, oitocentos e noventa e seis euros) a cargo da Requerente (€ 587,50 = 12%) e da Requerida (€ 4.308,50 = 88%).

Valendo aqui o entendimento fixado na decisão proferida no Proc. 151/2013-T (Jorge Manuel Lopes de Sousa, Guilherme W. d'Oliveira Martins, Luís Janeiro):

O facto de o valor do litígio, para efeitos de determinação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ser o que resulta da aplicação subsidiária do CPPT, não obsta a que seja outro o valor para efeitos de custas, pois trata-se de matéria que tem a ver exclusivamente com as receitas do CAAD, que é uma entidade privada, e, como se disse, a regulamentação do regime de custas foi deixada pelo artigo 12.º do RJAT, na sua exclusiva disponibilidade, ao estabelecer que «é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa»”.

No caso em apreço, a diferença de valores não determinará, como vimos, grandes diferenças em matéria de taxa de arbitragem. Mas a questão resolve-se no plano dos princípios, e não no das consequências práticas.

Pensemos em quatro situações em que pode manifestar-se nitidamente esta disparidade entre o valor determinado no momento de constituição do tribunal e o valor apurado posteriormente, mormente no momento de fixação das custas, nos termos do art. 22.º, 4 do RJAT:

1)    Uma situação em que, não se chegando ao conhecimento do mérito – por procedência de uma excepção, ou por desistência do Requerente, por exemplo – é requerida a dispensa do pagamento da taxa de arbitragem subsequente; ou seja, é requerida a redução a metade da taxa de arbitragem.

2)    Uma situação em que, tendo as partes nomeado árbitros, o Requerente pede a condenação em custas da Requerida, e requer a devolução da taxa de arbitragem suportada.

3)    Uma situação em que o valor apurado excede o limite de competência (ou de vinculação) dos €10.000.000,00.

4)    Uma situação em que o valor apurado desce abaixo dos € 60.000,00 do limite mínimo de competência de um tribunal colectivo.

 

Curiosamente, todas estas situações já ocorreram, e foram objecto de decisões no CAAD.

 

1) Situação de pedido de dispensa do pagamento da taxa de arbitragem subsequente:

 

A decisão do Proc. n.º 422/2017 (Jorge Manuel Lopes de Sousa, Nuno Cunha Rodrigues, António Martins) enfatiza a natureza privada da jurisdição do CAAD, e a natureza contratual da relação estabelecida entre o Requerente e o CAAD, por um lado, e entre o CAAD e os árbitros, por outro:

“A Requerente pede que, atenta a fase processual em que o presente pleito se encontra, a dispensa do pagamento da segunda prestação da taxa arbitral devida. 

Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD inserem-se no âmbito da arbitragem institucionalizada. 

Na arbitragem institucionalizada, os custos do processo arbitral, designadamente os honorários dos árbitros e as suas despesas, não são fixados em convenção de arbitragem ou em acordo escrito entre os árbitros e as partes, como se prevê no artigo 17.º, n.º 1, da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), nem são fixados pelos árbitros, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, sendo antes fixados pela própria instituição que organiza a arbitragem. 

No caso do CAAD, existe uma Tabela de Honorários dos Árbitros, que é apresentada aos árbitros designados para cada processo arbitral no momento em que é comunicada a designação, consumando-se com a aceitação um contrato entre os árbitros designados pelo qual estes se comprometem perante o CAAD a prestar os seus serviços no processo arbitral mediante os honorários propostos. 

Os árbitros não celebram qualquer acordo de honorários com as partes ou sobre os custos globais do processo arbitral, resultando a determinação do montante a pagar pelo requerente do processo arbitral do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujas regras são implicitamente aceites pelo requerente.

Uma dessas regras é a de que «para além dos casos expressamente previstos neste regulamento, não há lugar a reembolso, devolução ou compensação, a qualquer título» (artigo 4.º, n.º 6, do referido Regulamento), pelo que o requerente da arbitragem sabe antecipadamente quanto é devido e quais as situações processuais em que pode deixar de pagar o que se compromete a pagar quando apresenta um pedido de constituição de tribunal arbitral. 

A esta luz, a fixação do montante das custas pelo tribunal arbitral, na decisão final, prevista nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, tem natureza meramente certificativa, não tendo subjacente a atribuição aos árbitros de qualquer poder para ponderarem qual é a taxa adequada, justificando-se essa indicação apenas para existir um título que permita imputar às Partes a responsabilidade pelo pagamento das custas. 

Uma prova inequívoca de que é essa a razão dessa fixação do montante das custas na decisão arbitral encontra-se no facto de, nos casos em que o requerente da arbitragem opta pela escolha de árbitro, não se prever a fixação na decisão arbitral do montante das custas como resulta da comparação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 12.º e da parte final do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT. Na verdade, nestes casos em que o requerente da arbitragem opta por escolher árbitro, é ele quem tem de suportar integral e antecipadamente os encargos da arbitragem, mesmo que obtenha vencimento no processo, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, daquele Regulamento e do artigo 12.º, n.º 3, do RJAT) e é pelo facto de não ter de ser fixada a responsabilidade por custas da Autoridade Tributária e Aduaneira que não se tem de incluir na decisão arbitral a fixação do seu montante. 

Isto significa que previsão de fixação das custas na decisão arbitral, nos casos em que não há escolha de árbitro pelo requerente da arbitragem, não tem subjacente a atribuição ao tribunal arbitral do poder de ponderar qual o montante da taxa de arbitragem adequada, justificando-se apenas por razões de clarificação da actual ou eventual responsabilidade por custas da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

Quanto ao requerente da arbitragem, a responsabilidade por custas está previamente definida através das taxas de arbitragem inicial e subsequente que aceitou pagar antes da decisão arbitral, como resulta da regra do não reembolso, devolução ou compensação, a qualquer título, que consta do artigo 4.º, n.º 6 do Regulamento de Custas. 

Por isso, não havendo neste Regulamento qualquer distinção entre os casos em que a decisão arbitral conhece do mérito da causa e aqueles em que o processo termina por procedência de uma excepção, não há qualquer suporte normativo para este Tribunal Arbitral reduzir o montante das custas que a Requerente aceitou pagar nem para ordenar o seu reembolso.”

Encaixarão aqui os casos de desistência, parcial ou total, aos quais se aplica o art. 537.º, 1 do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT – do qual decorre o suporte de custas integrais, sem reduções, devoluções ou compensações; ou, nomeadamente, sem dispensa do pagamento da taxa arbitral subsequente, a qual tem sido consistentemente negada em decisões arbitrais[1].

Mais amplamente, dir-se-á que “não se encontra prevista qualquer redução das custas processuais quando o processo conclua sem prolação de decisão de mérito, a final”, como se decidiu no acórdão do Proc. n.º 173/2024 (Regina de Almeida Monteiro, Sílvia Oliveira, Gustavo Gramaxo Rozeira).

Bem pelo contrário, se a falta de pagamento da taxa de arbitragem inicial é impeditiva da constituição do tribunal arbitral (nos termos do art. 12.º, 4 do RJAT), a falta de pagamento da taxa de arbitragem subsequente, por seu lado, determinará a extinção da instância arbitral, sem se conhecer do objecto da pretensão deduzida pelo Requerente – como ficou estabelecido na decisão do Proc. n.º 761/2020 (Gustavo Gramaxo Rozeira).

Devendo enfatizar-se que, nos termos expressos do art. 3.º-A do RCPAT, só pode ocorrer devolução da taxa de arbitragem até ao momento de constituição do Tribunal Arbitral[2] – e mesmo assim uma devolução parcial, dado que não deixam de ser suportados pelo Requerente os custos administrativos e de processamento, e apenas não há lugar ao pagamento de honorários aos árbitros designados.

E devendo enfatizar-se também, com alcance particular para a perspectiva que subscrevemos, que o actual art. 4.º, 7 do RCPAT estabelece que, em matéria de taxa de arbitragem, não há lugar a reembolso, devolução ou compensação senão nos casos expressamente previstos no próprio RCPAT (em termos práticos, “fecha-se a porta” a essas possibilidades no próprio momento da constituição do tribunal arbitral).

 

2) Situação de pedido de devolução da taxa de arbitragem suportada pelo Requerente, em caso de nomeação de árbitros pelas partes:

 

Aqui, a decisão do Proc. n.º 279/2019 (Jorge Lopes de Sousa, Clotilde Celorico Palma, Emanuel Vidal Lima), que remata no indeferimento de um requerimento de devolução da taxa de arbitragem, volta a enfatizar a natureza privada da jurisdição do CAAD, e a natureza contratual da relação estabelecida entre o Requerente e o CAAD, por um lado, e entre o CAAD e os árbitros, por outro, para concluir que, nos casos de nomeação de árbitros pelas partes, a “regra do jogo” é o suporte integral das custas pelo Requerente, e a insusceptibilidade de reembolso ou devolução da taxa de arbitragem, uma vez iniciado o processo, o que ocorre com a constituição do Tribunal Arbitral:

“No que concerne à responsabilidade pelos encargos do processo, a Requerente formulou no pedido de pronúncia arbitral um pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo e, no requerimento apresentou em 02-08-2019, pede «a devolução da taxa de arbitragem suportada, nos termos da alínea b) do artigo 3.º-A do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária».

Estas pretensões não têm fundamento nos processos arbitrais em que o requerente opta pela escolha de árbitro, pois, nesses casos, a responsabilidade pelas custas cabe sempre ao requerente, independentemente do sentido da decisão que vier a ser proferida, isto é, mesmo que obtenha vencimento integral na acção.

Na verdade, o regime de fixação de custas na decisão arbitral e sua repartição está expressamente previsto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT que estabelece que "da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral, quando o tribunal tenha sido constituído nos termos previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º".

Como resulta desta referência expressa à alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, e não também à alínea b) do mesmo número, a fixação do montante e repartição pelas partes das custas só tem lugar nos casos em que o Tribunal Arbitral é constituído com designação dos Árbitros "pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, de entre a lista dos árbitros que compõem o Centro de Arbitragem Administrativa".

No caso em apreço, o Tribunal Arbitral não foi constituído nos termos dessa alínea a), mas sim nos termos da alínea b), com designação de Árbitros pelas Partes.

Assim, não tem aplicação neste tipo de processos arbitrais a referida norma do n.º 4 do artigo 22.º, o que se justifica por neste tipo de processos as custas serem pagas antecipadamente e a responsabilidade pelas mesmas cabe sempre ao sujeito passivo, mesmo que obtenha integral vencimento, como resulta do n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que estabelece que, "em caso de designação de árbitro pelo sujeito passivo" "a taxa de arbitragem é integralmente suportada pelo sujeito passivo e paga, na sua totalidade, por transferência bancária para a conta do CAAD antes de formulado o pedido de constituição do tribunal arbitral nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem".

Por outro lado, como resulta do teor expresso do n.º 6 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, «para além dos casos expressamente previstos neste regulamento, não há lugar a reembolso, devolução ou compensação, a qualquer título».

A devolução da taxa de arbitragem apenas está prevista para os casos em cessar «o procedimento por qualquer motivo antes de ser constituído o tribunal arbitral» (artigo 3.º-A do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

Aliás, é uma solução que se justifica por paridade ou mesmo maioria de razão no caso de processos em que o sujeito passivo opta pela designação de árbitro, pois mesmo que o sujeito passivo obtenha integral procedência é sempre responsável pela totalidade das custas do processo arbitral. Neste caso, foi no âmbito de uma decisão administrativo proferida no âmbito do processo arbitral que a Requerente obteve a satisfação das suas pretensões.”

Esta “regra de jogo” parece espraiar-se para a proscrição de “custas de parte”[3], visto que é ao CAAD, e somente a este, que compete reembolsar ou devolver taxas de arbitragem, quando tal reembolso ou devolução sejam devidos – como estabelece o art. 4.º do RCPAT, e como enfatiza o acórdão do TCAS de 7/12/2017 (Proc. n.º 1282/15.9BELRS). E isto, evidentemente, tanto nas situações de nomeação de árbitros pelas partes, como de nomeação pelo CAAD.

 

Para lá destas duas situações de pedidos de devolução, ou de dispensa, de taxa arbitral, temos ainda, entre outras, situações de disparidade emergentes de situações de ultrapassagem das balizas da competência do Tribunal Arbitral em razão do valor da causa.

 

3) Situação de valor apurado superior a €10.000.000,00:

 

Outro caso de disparidade entre o valor apurado e o cálculo da taxa de arbitragem ocorrerá quando aquele valor exceda os 10 milhões de euros – o limite do art. 3.º, 1 da «Portaria de Vinculação».

Em tais casos, para o cálculo da taxa de arbitragem terá necessariamente de prevalecer o valor originalmente indicado pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral – não podendo calcular-se tal taxa com base num valor que, determinando a incompetência do tribunal em razão do valor[4], conduz inevitavelmente à absolvição da instância; nem podendo concluir-se que, dada uma tal absolvição, não haveria lugar ao pagamento de taxa arbitral – pelo contrário.

A solução do valor inicialmente indicado foi adoptada na decisão do Proc. n.º 901/2019 (José Pedro Carvalho, Eduardo Paz Ferreira, João Menezes Leitão):

“De harmonia com o disposto no n.º 3 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que estabelece que o valor da causa nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT é o da liquidação a que o sujeito passivo, no todo ou em parte, pretenda obstar, fixa-se ao processo o valor de (…), que corresponde ao valor originário a esse respeito indicado pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.”

E foi-o igualmente no Proc. n.º 151/2013 (Jorge Manuel Lopes de Sousa, Guilherme W. d'Oliveira Martins, Luís Janeiro):

“Pelo exposto, nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 45.900,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, valor esse que é o que resulta do valor indicado pela Requerente e foi por esta pago.”

Mutatis mutandis”, a migração, dos TAFs para o CAAD, de processos de valor superior a 10 milhões de euros, quando excepcionasse ao limite máximo de vinculação da AT (art. 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro), deveria determinar a limitação, a este valor máximo, da base de cálculo da taxa arbitral devida – conquanto pudesse não determinar a absolvição da instância, dada a excepcionalidade da “migração”.

 

4) Situação de valor apurado inferior a €60.000,00:

 

Afigura-se que, em casos de nomeação dos árbitros pelo CAAD, o apuramento de um valor inferior a 60 mil euros determinará a absolvição da instância por incompetência em razão do valor – dadas as especificidades da organização da arbitragem tributária, que afastam alçadas, e com elas a aplicabilidade da regra do art. 310.º, 3 do CPC[5].

Nestes casos, atenta a jurisprudência inaugurada com a decisão do Proc. 151/2013-T, teríamos que reconhecer que a utilização do valor apurado poderia ir, no limite, até ao valor de €306,00 de taxa de arbitragem (art. 4.º, 1 do RCPAT), particularmente em situações em que fossem impugnados actos de fixação da matéria tributável que não tivessem dado origem a liquidação, ou tivessem dado lugar a liquidação com valor nulo (designadamente por estarem em causa prejuízos fiscais, com matéria tributável negativa) – caso em que caberia perguntar como se calculariam os honorários dos três árbitros, contratados pelo CAAD com a legítima expectativa de serem remunerados com base no valor da causa indicado pelo Requerente, ou seja, com base no valor que levou à constituição do tribunal colectivo, já que, nos termos expressos do art. 2.º, 1 do RCPAT, “As custas do processo arbitral, genericamente designadas como taxa de arbitragem, compreendem todas as despesas resultantes da condução do processo arbitral e os honorários dos árbitros”.

Por isso, a decisão do Proc. n.º 122/2024 (Guilherme W. d'Oliveira Martins, Rosa Branca Areias, Jorge Bacelar Gouveia), apurando, para a causa, um valor inferior a 60 mil euros (€ 3.643,77), o que determinou a sua própria incompetência, não obstante fixou, para efeitos de taxa de arbitragem, o valor da causa acima de 60 mil euros (€ 157.545,93).

Devendo lembrar-se, adicionalmente, que “há litígios englobáveis na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que não tem utilidade económica determinável, pois a sua definição depende de factores que não são conhecidos no momento da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, nem mesmo o serão até ao termo do processo”, como se sublinhava judiciosamente, a propósito de pedidos de declaração de ilegalidade de actos de fixação de valores patrimoniais, na decisão do Processo n.º 422/2017 (Jorge Manuel Lopes de Sousa, Nuno Cunha Rodrigues, António Martins).

Não parece, portanto, compaginável com um salutar curso das relações contratuais estabelecidas entre Requerente e CAAD, por um lado, e entre CAAD e árbitros, por outro, que eventuais vicissitudes e alterações do objecto processual venham a resultar, por interferência no valor da causa, na fixação de uma taxa de arbitragem inferior à inicialmente calculada – já parcial ou totalmente liquidada e paga pelo Requerente –, comprometendo, total ou parcialmente, através dessa instrumentalização do valor da causa[6], o pagamento dos honorários contratualmente devidos pela prestação de serviço arbitral.

 

5. Conclusão

 

Em suma, no caso concreto eu fixaria a taxa de arbitragem em € 4.896,00, e não em € 4.284,00 – uma pequena diferença, que, como vimos, não é isenta de grandes consequências, algumas a merecerem até, eventualmente, uma reponderação “de iure condendo”; mas muitas decorrentes do quadro normativo vigente e da jurisprudência já dominante; e outras – talvez as mais importantes – decorrentes de princípios básicos do direito dos contratos, a tutelarem a posição de todos os envolvidos no fenómeno da adjudicação arbitral: as partes, o CAAD, os árbitros.

 

6. Apoio jurisprudencial

 

Directa ou indirectamente, contribuem para o entendimento que subscrevo as seguintes decisões proferidas em Processos do CAAD: 151/2013 (Jorge Manuel Lopes de Sousa, Guilherme W. d'Oliveira Martins, Luís Janeiro), 422/2017 (Jorge Manuel Lopes de Sousa, Nuno Cunha Rodrigues, António Martins), 474/2017 (Jorge Lopes de Sousa, A. Sérgio de Matos, José Nunes Barata), 636/2017 (Alexandre Andrade), 281/2018 (José Ramos Alexandre), 480/2018 (Sérgio Santos Pereira), 279/2019 (Jorge Lopes de Sousa, Clotilde Celorico Palma, Emanuel Vidal Lima), 365/2019 (Francisco Nicolau Domingos), 901/2019 (José Pedro Carvalho, Eduardo Paz Ferreira, João Menezes Leitão), 137/2020 (Henrique Nogueira Nunes), 548/2020 (Rui Miguel Zeferino Ferreira), 761/2020 (Gustavo Gramaxo Rozeira), 649/2021 (Fernando Araújo, André Festas da Silva, Jorge Bacelar Gouveia), 197/2022 (Paulo Nogueira da Costa), 313/2022 (Regina de Almeida Monteiro, Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, Raquel Montes Fernandes), 708/2022 (Victor Calvete, Clotilde Celorico Palma, João Taborda da Gama), 122/2023 (Paulo Nogueira da Costa), 158/2023 (Martins Alfaro), 202/2023 (Fernando Araújo, Cláudia Rodrigues, Clotilde Celorico Palma), 213/2023 (João Taborda da Gama), 262/2023 (Regina de Almeida Monteiro, Luís Cupertino Ferreira, João Taborda da Gama), 598/2023 (Sónia Martins Reis), 122/2024 (Guilherme W. d'Oliveira Martins, Rosa Branca Areias, Jorge Bacelar Gouveia), 132/2024 (Victor Calvete, Augusto Vieira, Paulo Nogueira da Costa), 173/2024 (Regina de Almeida Monteiro, Sílvia Oliveira, Gustavo Gramaxo Rozeira), 184/2024 (Fernando Araújo, João Santos Pinto, Francisco Nicolau Domingos), 430/2024 (Fernando Araújo, Leonor Fernandes Ferreira, J. Coutinho Pires), 528/2024 (Fernando Araújo, Vítor Braz, Marta Vicente), 621/2024 (Fernanda Maçãs, Clotilde Celorico Palma, Sérgio de Matos), 923/2024 (João Taborda da Gama).

 

 

(Fernando Araújo)

 



[1] Por exemplo, decisões nos Procs. n.os 313/2022 (Regina de Almeida Monteiro, Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, Raquel Montes Fernandes) ou 598/2023 (Sónia Martins Reis).

[2] Não obstante o art. 13.º, 5 do RJAT atribuir à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, o que deveria remeter o início da instância para o momento de recebimento na secretaria da petição inicial, nos termos dos arts. 259.º, 1 e 299.º do CPC, o art. 15.º do RJAT excepciona claramente, estabelecendo que a instância começa, não com a entrega do pedido, mas com a constituição efectiva do Tribunal – interpondo-se entre esses dois momentos uma fase procedimental tida por essencial. E essa a razão de, durante essa fase, se manter em aberto a possibilidade de devolução da taxa de arbitragem – o que foi reconhecido na decisão do Proc. n.º 548/2020 (Rui Miguel Zeferino Ferreira), na qual se reconheceu que a redução do valor da causa, operada nos termos do art. 13.º do RJAT, deveria conduzir a um recálculo da taxa de arbitragem.

[3] “não se prevendo o pagamento de custas de parte na jurisdição arbitral, ao admitir-se a possibilidade de ser pedida, pelos contribuintes, compensação pelos encargos com mandatário, estar-se-ia a discriminar negativamente a AT, na medida em que, nas causas que vença, não se verá compensada pelas correspondentes custas de parte, nem poderá obter a correspondente compensação”, observa-se na fundamentação da decisão no Proc. n.º 137/2020 (Henrique Nogueira Nunes).

[4] Ainda que se saiba ser discutível que a desvinculação determina a incompetência.

[5] “Na jurisdição arbitral esta possibilidade de remessa não afasta a necessidade de constituição de um novo tribunal, com a remuneração da atividade desenvolvida pelos árbitros de ambos os tribunais, pelo que implicará o pagamento das custas relativas às duas constituições de tribunais” – Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, in Nuno de Villa-Lobos & Tânia Carvalhais Pereira (orgs.) (2017), Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, p. 156.

[6] Salvador da Costa (2018), As Custas Processuais – Análise e Comentário, 7.ª Ed., Coimbra, Almedina, p. 168.