Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 534/2014-T
Data da decisão: 2015-03-30  Selo  
Valor do pedido: € 21.395,70
Tema: IS - Verba 28.1 TGIS (2013); Terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 534/2014-T

Tema: Imposto do selo | Verba 28.1 da TGIS (2013) | Terrenos para construção

 

 

O tribunal arbitral em funcionamento com árbitro singular constituído em 02-10-2014 no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa nos termos do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro[1], para o qual foi designado pelo respetivo Conselho Deontológico, o árbitro da lista do Centro, Nuno Maldonado Sousa, elabora seguidamente a sua decisão arbitral.

 

1.      Relatório

1.1.   Constituição do tribunal arbitral

A, com domicílio na Rua …, … Oeiras, portador do Cartão do Cidadão n.º …, válido até ..., contribuinte fiscal n.º …, apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira[2].

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 30-07-2014 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira no mesmo dia.

Nos termos do disposto nas normas do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, nº1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 17-09-2014. Em conformidade a regra constante do artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 02-10-2014.

1.2.   O pedido do Requerente

No seu Requerimento Inicial o Requerente peticionou que:

(i)     Seja anulada a liquidação de Imposto do Selo de 2013 - relativa ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Setúbal, sob o artigo matricial …, por vício de violação de lei, incluindo inconstitucionalidade;

(ii)   A condenação da AT no pagamento de uma indemnização pela garantia que viesse a ser prestada para suspender o processo de execução fiscal na pendência do litígio.

Por requerimento de 17-12-2014, complementado com esclarecimento prestado nos autos em 19-01-2015, o Requerente veio trazer ao processo factos supervenientes – designadamente o pagamento do imposto liquidado, o que não foi contestado pela AT – e peticionou a alteração do pedido formulado inicialmente no que se refere ao pagamento de uma indemnização por garantia indevida, substituindo-o pelo pedido de restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios. Esta pretensão foi admitida por despacho de 27-03-2015. Em resultado, o pedido do Requerente a apreciar é exatamente:

(i)      A anulação da liquidação de Imposto do Selo de 2013 - relativa ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de Setúbal, sob o artigo matricial …, por vício de violação de lei, incluindo inconstitucionalidade;

(ii)   A condenação da AT na restituição do imposto (entretanto) pago acrescido de juros indemnizatórios.

1.3.   A posição da AT

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu sustentando a legalidade da liquidação e defendeu a improcedência do pedido e da sua fundamentação, entendendo que o prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional (em especial em 6º da sua resposta). Considera assim que a verba 28.1 da TGIS[3] é aplicável aos terrenos para construção como o do Requerente. Conclui defendendo a sua absolvição do pedido.

1.4.    Instrução do processo e alegações

A AT e o Requerente não requereram a produção de qualquer prova para além da documental que fizeram. Em 15-01-2015 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

O Requerente e a AT prescindiram de efetuar alegações.

1.5.   Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e tem competência em razão da matéria segundo dispõem as regras do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As Partes são titulares de personalidade e capacidade judiciárias (sendo a da AT nos termos da disciplina constante do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e do artigo 1.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), são legítimas e estão regularmente representadas.

Não há nulidades que inquinem o processo.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa pelo que se impõe decidir.

 

2.      Decisão

2.1.   Matéria de facto

2.1.1.    Factos que se consideram provados

Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:

A.           O Requerente é o titular do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (Setúbal), sob o artigo … [3º RI e seu doc. 2].

B.            Na matriz o prédio está descrito como terreno para construção [4º RI e seu doc. 2].

C.            A descrição do prédio constante da matriz não contém referência à afetação do terreno para construção de habitação [5º RI e seu doc. 2].

D.           O Requerente foi notificado da liquidação em 17-03-2014 do imposto do selo referente ao ano de 2013 do prédio em questão, no valor total de € 21.395,10 através da nota de cobrança relativa à primeira prestação do pagamento [6º RI e seu doc. 1].

E.            O Requerente efetuou o pagamento das três prestações do imposto do selo liquidadas durante o ano de 2014, tendo feito o primeiro pagamento no dia 04-08-2014, o segundo pagamento no dia 29-08-2014 e o terceiro pagamento no dia 19-11-2014 [§3 do RS de 19-01-2015 e docs. 1 a 3 juntos ao requerimento do Requerente de 19-12-2014].

2.1.2.    Factos que se consideram não provados

Não foram alegados outros factos com interesse para a decisão da causa.

2.1.3.    Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do tribunal assentou na prova documental constante dos autos e na posição tomada relativamente a cada facto pelas Partes nos articulados, devidamente identificada[4].

2.2.   Matéria de direito

Nos autos suscitam-se as seguintes questões, que se resolverão de seguida, na medida do necessário, segundo um critério de precedência lógica:

o   A questão de fundo consiste em saber se as normas conjugadas do artigo 1º-1 CIS e da verba 28.1 TGIS, na versão que foi vigente até 31-12-2013, resultante da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, determinam a incidência do imposto sobre os terrenos para construção ou se aquela regra apenas pretendia tributar os prédios já edificados, com afetação habitacional.

o   Em caso de resposta afirmativa à questão anterior há que determinar:

§  Se procede o pedido de reembolso do imposto pago;

§  Se deve a AT pagar juros calculados sobre o valor do imposto pago.

2.2.1.    Questão de fundo

A questão de fundo a apreciar nos autos consiste em saber se as normas conjugadas do artigo 1º-1 CIS[5] e da verba 28.1 TGIS, na versão que foi vigente até 31-12-2013, resultante da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, determinam a incidência do imposto sobre os terrenos para construção ou se aquela regra apenas pretendia tributar os prédios já edificados, com afetação habitacional.

A AT sustenta que a expressão “prédios urbanos com afetação habitacional” na verba 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção. Na sua tese recorre aos conceitos do CIMI[6], que permitem afirmar que prédio é toda a fração do território (2º-1) e que por sua vez os terrenos para construção são espécie dos prédios urbanos (6º-1). Defende que afetação habitacional e fim ou destino habitacional são noções com alcance diferente. Quanto à noção de afetação do prédio urbano, entende que é expressão mais ampla que surge pela necessidade de integrar outras realidades e para a definir utiliza as regras próprias da avaliação de imóveis e considera que a afetação depende do tipo de utilização dos prédios edificados ou nas suas características potenciais, que permitem consubstanciar determinado valor.

Por seu turno o Requerente defende orientação no sentido de que prédio urbano com afetação habitacional e terreno para construção são duas figuras distintas e que esta última não está sujeita à incidência do imposto em causa. Assenta a sua conclusão no contorno que traça da própria noção de afetação habitacional, no sentido de esta estar “necessariamente implícita à “utilização” habitacional, referindo-se a prédios urbanos que tenham (ou possam ter) uma efetiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal. Faz deste modo corresponder a noção de afetação habitacional à figura dos prédios urbanos habitacionais, já construídos, por contraposição dos terrenos que são para construção mas não contém (ainda) a edificação.

É pois sobretudo no campo da interpretação normativa que se há-de encontrar a solução para o diferendo.

A Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro introduziu alteração na regra do artigo 1º do CIS no sentido de esta norma passar a contemplar também “situações jurídicas” para além de “atos, contratos, documentos, títulos papéis e outros factos” previstos na TGIS. Por outro lado, a mesma alteração legislativa aditou à TGIS a verba 28, em que prevê a tributação da titularidade do direito de propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000, incidindo o imposto sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI. O imposto é calculado à taxa de 1 % quando o prédio em causa tenha afetação habitacional e à taxa de 7,5% se se tratar de pessoa coletiva residente em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável.

A expressão “afetação habitacional” não surge evidente no confronto com a terminologia que é utilizada pelo CIMI para fazer a definição objetiva da incidência do imposto e é justamente nela que reside a divergência interpretativa. Há que notar que é no CIMI que estão consagrados os conceitos básicos que o direito fiscal utiliza para a tributação do património, como se alcança quer do próprio 1º - 6 CIS, quer do 1º - 2 CIMT, pelo que tratando-se de um conceito comum a vários tributos há que assegurar o tratamento adequado para que seja garantida a unidade do sistema, como impõem as regras da interpretação jurídica (9º - 1º CC).

Para a tributação do património e fazendo apenas uso das suas características próprias, prédio é afinal qualquer fração de território, incluindo as águas, plantações e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa e tenha valor económico (2º CIMI). Por sua vez os prédios podem ser rústicos ou urbanos.

São prédios rústicos os terrenos situados fora dos aglomerados urbanos que não sejam terrenos para construção, destinados ou destináveis a atividades agrícolas, incluindo as construções diretamente afetas a essa atividade, suas águas e plantações (3º CIMI).

Já os prédios urbanos, que são todos os outros, dividem-se em várias espécies, designadamente (i) prédios habitacionais; (ii) prédios comerciais, industriais ou para serviços; (iii) terrenos para construção; e (iv) outros (6º-1 CIMI). A especificação dos prédios urbanos é feita de acordo com o seu fim, ou porque esteja licenciado para o efeito em causa ou porque seja esse o fim a que é normalmente destinado (6º-3). Por sua vez cabem na qualificação de terrenos para construção (i) aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; (ii) os que tenham sido declarados como tal no título de aquisição (6º-3 CIMI).

Por seu turno são classificados como outros prédios urbanos (i) os terrenos dentro dos limites dos aglomerados urbanos em que as entidades competentes ou os instrumentos de ordenamento do território vedem o loteamento ou a construção (ii) os terrenos dentro de um aglomerado urbano que não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos e não estejam afetos a utilização geradora de rendimentos agrícolas; (iii) os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins diversos dos fins habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços (6º-4 CIMI).

É ainda admitida a classificação de prédio misto, quando o mesmo prédio disponha de parte rústica e parte urbana e nenhuma delas possa ser classificada como principal relativamente à outra (5º-1 e 2 CIMI).

Crê-se que as construções concetuais do CIMI devem ser entendidas como estruturantes da tributação do património, por várias razões. Primeiramente porque as próprias normas das leis fiscais desta área da tributação se expressam nesse sentido, designadamente o 1º - 6 CIS e o 1º - 2 CIMT. Em segundo lugar porque o CIMI é um verdadeiro código na sua aceção jurídica, i.e., contém o regime nuclear das regras relativas a determinada matéria; contém a disciplina fundamental, tratando-a de forma sistemática e científica[7]. Em terceiro lugar, as normas do CIMI em causa foram elaboradas no âmbito da reforma da tributação do património, ponderadas no complexo normativo em que se integram e têm como função “consagrar os contornos precisos da realidade a tributar” (preâmbulo do CIMI). Toma-se por isso como exaustivo, do ponto de vista conceptual, o tratamento dos prédios feito pelo CIMI.

Importa saber se ao sujeitar a Imposto do Selo os prédios com afetação habitacional o legislador pretendeu afinal: (i) tributar uma espécie de prédios urbanos que não foi anteriormente autonomizada e que é constituída por todos os prédios urbanos que sejam suscetíveis de ter afetação habitacional, sejam eles edifícios com fim habitacional ou terrenos para construção; (ii) se pretendeu tributar os prédios urbanos que tenham efetivamente afetação a uso habitacional, i.e., aqueles em que esse uso não seja uma expetativa ou potencialidade mas uma realidade.

Á primeira vista dir-se-á que o sistema de classificação dos prédios urbanos não comporta a possibilidade dos terrenos para construção terem em si um fim específico; os terrenos urbanos ou são para construção ou são classificados como outros se, situando-se dentro de um aglomerado urbano, neles estiver vedada a construção ou se não puderem ter utilização geradora de quaisquer rendimentos. O destino ou finalidade – habitacional, comercial, industrial ou para serviços – surge assim no sistema de incidência da tributação sobre o património como um qualificativo apenas aplicável aos prédios já edificados e coincidente com a licença para a finalidade em causa ou de acordo com o destino normal (6º-2 CIMI).

Claro que é sempre possível afirmar que o fim a que se refere a norma do artigo 6º-2 CIMI não é a mesma realidade que a norma do artigo 41º, que regula o coeficiente de afetação. Certamente que não é pois o que esta norma pretende é encontrar um elemento ponderado, sob a forma de coeficiente, que exprima o valor consolidado dos vários fins (ou utilizações, segundo o título constante do quadro do próprio artigo 41º) existentes, baseados nos três critérios base: comércio, serviços e habitação, combinados com a classe de outros prédios urbanos (caso dos estacionamentos, arrecadações e arrumos), levando também em consideração fatores como o tipo de habitação (v.g. a custos controlados) ou características construtivas (coberto, fechado, etc.). Este elemento ponderado que pretende exprimir o valor consolidado para efeitos de avaliação, é denominado pelo CIMI como “coeficiente de afetação”. Ora considerar que o uso do vocábulo “afetação” na TGIS, pretende qualificar os prédios em que a sua avaliação compreenda a “utilização habitação” no cálculo do coeficiente de afetação, não ajuda a preservar a unidade conceptual do sistema, pois a sua consistência exige que cada termo seja perfeitamente inequívoco e o seu sentido o mesmo em qualquer local em que seja utilizado.

Por outro lado nem sequer a norma do artigo 41º CIMI permite afirmar que tem afetação habitacional o prédio cujo fim (reconhecido ou potencial) é a habitação pois o coeficiente a que se refere o artigo 41º nunca será um coeficiente de afetação habitacional; será um coeficiente numérico que exprime um valor ponderado e que pode contemplar no seu cálculo utilização para habitação, em determinada medida. O artigo 41º do CIMI não consagra “afetação habitacional”, “afetação comercial” ou “afetação para serviços”; consagra um coeficiente de utilização que sintetizará o peso de cada um no conjunto.

Aliás na versão original do CIMI, resultante do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de Novembro, o termo afetação era exclusivamente usado com o sentido de utilização efetiva a determinada finalidade ou destino, nas normas dos artigos 3º-1-a) e b), 3º-2, 9º-4, 27º-3 e 29º-3 ou como nome próprio do coeficiente de afetação nas regras dos artigos 38º-1 e 41º. O termo “afetação” também não se confundia com finalidade ou destino normal pois a sua utilização tinha efetivamente implícita a utilização efetiva, como se deduz forçosamente da norma do artigo 3º-1-a), onde se distinguem prédios afetos de prédios com falta de concreta afetação mas em qualquer caso prédios detentores de um destino normal ou uma utilização. A afetação surgia assim como a característica resultante da efetiva utilização e não da qualificação ou atributo do prédio.

Só com a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), através dos seus artigos 77º e 78º, foi feita a introdução do artigo 40º-A e na sua redação foi utilizado o termo afetação para habitação. Sem desprimor para a revisão, feita no calor típico da elaboração dos orçamentos de Estado, parece que esta apenas pretendeu introduzir alterações em matéria de avaliação e já não no sistema conceptual criado (ou renovado) pelo CIMI, como se depreende do próprio âmbito da alteração que apenas se debruçou sobre os artigos 33.º, 39.º, 40.º, 41.º, 43.º, 44.º e 62.º que alterou e sobre o 40º-A que aditou, versando todos sobre esse tema[8], não cuidando de manter intacta a terminologia inicial.

A utilização do termo afetação a determinada finalidade está historicamente ligada no CIMI à efetiva utilização para determinada finalidade e o Código utiliza o conceito com a devida consistência. Mais recentemente o termo está associado à finalidade dos prédios para efeitos de aplicação dos critérios de avaliação. Contudo, não se conhece qualquer caso em que a expressão seja utilizada para designar uma situação jurídica mais ampla que englobe quer o sentido de finalidade previsto no 6º-1- a) CIMI (que ele afinal nunca teve) quer a sua afetação no sentido de utilização, referido no artigo 40º-A.

Para o CIMI e concomitantemente para o CIS afetação habitacional não tem o sentido de compreender terrenos para construção nos quais possa vir a ser construída edificação para esse fim mas apenas os prédios urbanos habitacionais, definidos no artigo 6º-1-a) CIMI.

Só esta interpretação permite manter a unidade do sistema jurídico e certamente o legislador soube exprimir o seu pensamento utilizando a terminologia adequada e constante para os vários códigos que regulam a tributação sobre o património, que tem raízes na respetiva reforma de 2003, solução que parece mais acertada à coerência do direito fiscal.

Outras questões se levantam sobre este tema, designadamente a de saber em que momento há afinal afetação habitacional de um prédio urbano que tenha por fim a habitação mas não se impõe a sua análise para solução do caso sub judicio pois o imóvel em causa ainda nem adquiriu esta classificação pois é só um terreno para construção.

A jurisprudência dominante tem consagrado soluções no sentido de não estarem compreendidas nas normas em causa do CIS os terrenos para construção, podendo ver-se a revisão feita nesta matéria pela Decisão do Tribunal Arbitral Singular constituído no CAAD de 16-10-2014, no processo 202/2014-T [Álvaro Caneira][9].

Veja-se agora em que medida é este entendimento aplicável à factualidade trazida pelo Requerente.

Assentou-se que o prédio do Requerente é um “terreno para construção”, desconhecendo-se até em que medida a sua aptidão está vinculada á edificação de habitação. Fixou-se ainda que em o Requerente foi notificado da liquidação em 17-03-2014 do imposto do selo referente ao ano de 2013 do prédio em questão, no valor total de € 21.395,10.

Da matéria de direito exposta resulta claramente que a titularidade de terrenos para construção, como o do Requerente não está sujeito ao pagamento de IS, nos termos da verba 28.1 da TGIS. Há assim que concluir pela ilegalidade da liquidação e pela procedência do pedido do Requerente, nesta parte.

2.2.2.    Reembolso da quantia paga

O Requerente peticiona também que a AT lhe reembolse o valor do IS pago relativamente à liquidação impugnada.

Nos termos da norma do artigo 100º da LGT[10] “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”. Parece claro que assiste ao contribuinte o direito a serem-lhe restituídas as importâncias que tenha pago, relativas a liquidações feridas de ilegalidade, de modo a que o seu património seja reconstituído no quantitativo que tinha no momento antecedente a esse pagamento.

Importa contudo avaliar se este Tribunal Arbitral goza de competência para lhe reconhecer esse direito ou para condenar a AT nesse sentido. Para isso importa ter presente que (i) com o RJAT se pretendeu reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos (preâmbulo do decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro); (ii) o caráter imperativo das decisões arbitrais para a AT tem a extensão dos exatos termos dessas mesmas decisões (24º-1 RJAT); (iii) a obrigação de reconstituição pela AT está subordinada ao próprio âmbito da procedência do pedido (que pode ser total ou parcial) (100º LGT).

O primeiro elemento interpretativo citado impede que se conceba qualquer sistema que impeça ou dificulte que a decisão arbitral de atingir o seu objetivo, que é a definição do direito no caso concreto. A tutela dos direitos dos sujeitos passivos não se basta com menos, i.e., da decisão devem resultar todas as consequências necessárias para que se obtenha a legalidade. Não se pode conceber que declarada a ilegalidade do ato tributário o sujeito passivo tivesse ainda que recorrer a outra instância para ver declarado o seu direito à reconstituição da situação.

Por outro lado, o segundo elemento leva a considerar que sendo as decisões arbitrais imperativas para a AT nos seus exatos termos (24º-1 RJAT), isso significa que estas devem conter todos os elementos necessários a que a AT possa com toda a exatidão, repor a legalidade e para isso é indispensável que decisão contenha os precisos limites e termos em que julga.

O terceiro elemento ilustra afinal esta necessidade de exatidão ou precisão da decisão. Ao afirmar que a obrigação de reconstituição pela AT está subordinada ao próprio âmbito da procedência, a lei (100º LGT) cria um nexo de dependência entre a decisão e a obrigação de reconstituição. A reconstituição é feita na medida em que a pretensão seja julgada procedente. Não há reconstituição sem procedência e a medida da precedência define a medida da reconstituição. A necessidade desta precisão é claríssima nos casos de procedência parcial. Quando ocorra a procedência parcelar como deve comportar-se a AT? A resposta só pode ser uma – nos exatos termos e limites em que foi proferida a decisão, quer seja judicial ou arbitral.

Do exposto resulta que a decisão sobre a reconstituição deve ser tomada pelo tribunal arbitral quando lhe for pedida a apreciação da questão.

Nestes autos ficou assente que o Requerente efetuou o pagamento das três prestações do Imposto do selo relativo ao ano de 2013 no valor total de 21.395,70 €.

O Requerente tem direito à reconstituição plena da situação que existiria se não tivesse sido feita a liquidação, pelo que deve ser reembolsado do valor que pagou.

2.2.3.    Juros indemnizatórios

O Requerente pede ainda que a restituição do imposto pela AT seja acrescida de juros indemnizatórios.

 

Levantam-se aqui as questões de competência dos tribunais arbitrais para decidir sobre este tema, que se apreciaram no ponto anterior. A questão é a mesma e a solução também. Este Tribunal Arbitral considera-se competente pelas razões invocadas, para decidir nesta matéria.

Nos termos do artigo 43º-1 LGT quando haja pagamento indevido da prestação tributária resultante de erro imputável aos serviços da AT, o contribuinte tem direito a juros indemnizatórios. No mesmo sentido a norma do artigo 100º LGT prevê o pagamento dos mesmos juros como meio para se obter a pretendida reconstituição da situação.

No caso concreto assentou-se que foram já pagas as três prestações do imposto liquidado. Sobre o valor pago são devidos juros indemnizatórios ao Requerente, contados à taxa legal, sobre o valor de cada uma das três prestações, no montante de 7.131,90 € desde a data em que cada uma foi satisfeita respetivamente em 04-08-2014, 29-08-2014 e 19-11-2014. Em qualquer dos casos os juros serão contados até ao reembolso integral da quantia devida.

 

3.      Decisão

Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral:

a)      Declarando-se a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, concelho de Setúbal, distrito de Setúbal, anulando-se em consequência esta liquidação;

b)      Condenando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso ao Requerente do valor das três prestações que pagou no valor total de 21.395,70 €;

c)      Condenando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios á taxa legal, contados até ao reembolso integral das quantias a restituir nos termos da alínea anterior desta decisão, calculados sobre:

                                                         I.            O valor de 7.286,05 € correspondente à primeira prestação, desde 04-08-2014;

                                                      II.            O valor de 7.286,05 € correspondente à segunda prestação, desde 29-08-2014;

                                                   III.            O valor de 7.286,05 € correspondente à terceira prestação, desde 17-12-2014.

 

4.      Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306º- 2, do CPC, ex-vi 29º-1-e) RJAT e 97º-A, n.º 1-a) do CPPT ex-vi 3º-2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 21.395,70 €.

 

5.      Custas

As custas ficam a cargo da parte que a elas tiver dado causa, entendendo-se que lhes dá causa a parte vencida (527º-1 e 2 CPC).

Nestes autos e considerando a citada regra, a responsabilidade pelas custas é da AT, enquanto parte vencida.

Nos termos do artigo 22º-4 RJAT, fixa-se o montante das custas em 1 224,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30 de Março de 2015

 

O árbitro,

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 



[1] Nesta decisão designado pela forma abreviada de uso comum “RJAT" (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).

[2] Nesta decisão designada pela forma abreviada “AT” como é de uso generalizado.

[3] Nesta peça utiliza-se o acrónimo TGIS para designar a Tabela Geral do Imposto do Selo.

[4] Utiliza-se para o efeito a sigla “RI” para designar o requerimento inicial apresentado pelo Requerente e “RS” para referenciar o seu requerimento trazendo aos autos factos supervenientes.

[5] Nesta peça utiliza-se o acrónimo CIS para designar o Código do Imposto do Selo.

[6] Nesta peça utiliza-se o acrónimo CIMI para designar o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

[7] Cfr. José de Oliveira Ascensão – O Direito – Introdução e Teoria Geral. 3ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp.282-283.

[8] Foi também atualizado o artigo 112.º que contém as taxas do imposto.

[9] Acessível em http://www.caad.org.pt/

[10] Nesta peça utiliza-se o acrónimo LGT para designar a Lei Geral Tributária.