SUMÁRIO:
1. Apesar de o IVA ser um imposto de obrigação única, o prazo de caducidade previsto artº. 45, nº. 1 da Lei Geral Tributária conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
2. O ano civil a partir do qual se conta esse prazo é o ano civil seguinte àquele em que ocorreu a dedução ao imposto pago do montante do imposto dedutível exigível no mesmo período, nascendo então o direito de crédito do contribuinte, sempre que a dedução supere o montante de imposto devido.
3. Não sendo notificado ao contribuinte as novas liquidações adicionais relativamente ao em período em que ocorreu a dedução referida e de que resultou o crédito reportado, dento do prazo de 4 anos a contar do ano civil referido no número anterior, caducou o direito de liquidação.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs, como Presidente, José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, vogal relator e Nuno Miguel Morujão, vogal, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 3/12/2024, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:
1. Relatório:
A..., S.A., sociedade anónima matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva..., com sede na ... n.º ..., ..., ...-..., Porto veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral contra os actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativos aos períodos mensais de 2020, 2021, 2022 e 2023 (entre janeiro e outubro) no valor total de € 62.310,16, acrescido de juros compensatórios no montante de € 4.357,07, perfazendo o total de € 66.667,23, conforme resulta do doc. 1 junto com esse pedido.
1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 26/9/2024 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo a requerente optado pela não designação de árbitro.
Por despacho de 13/11/2024 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foram designados para árbitros nos presentes autos os ora subscritores, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 3/12/2024, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;
A 21/1/2025, a Requerida apresentou a sua Resposta, não juntando qualquer processo administrativo (PA), o que veio a fazer mais tarde, em 26/2/2025, na sequencia de despacho proferido para esse fim, tendo o CAAD notificado a requerente da Resposta da AT em 23/1/2025 e do processo administrativo em 27/2/2025
Por despacho arbitral de 28/2/2025, foi dispensada a reunião a que se refere o artº. 18º. do RJAT e notificadas as partes para alegações no prazo de 15 dias sucessivos, apenas tendo a requerente apresentado alegações.
A requerente comprovou em 3/4/2025 ter procedido ao pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral.
1.2 – Posição da Requerente
1.2.1 - Na sequência de a Requerente ter solicitado um pedido de reembolso de IVA, no valor de € 310.129,90, no período de 2023-10T, a requerida AT desencadeou procedimentos de inspeção de âmbito parcial, devidamente credenciados pelas ordens de serviço n.ºs OI2024... (que teve como âmbito e extensão o IVA dos períodos de 2020), OI2024... (que teve como âmbito e extensão o IVA dos períodos de 2021), OI2024... (que teve como âmbito e extensão o IVA dos períodos de 2022) e OI2023... (que teve como âmbito e extensão o IVA dos períodos de 2023 até outubro, inclusive).
A fundamentação das correções realizadas em sede inspecção está reproduzida em cada um dos Relatórios de Inspeção Tributária, que a requerente (individualmente designa por «RIT» e conjuntamente designa por «RITs» referentes aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, juntos com o requerimento de pronúncia arbitral.
É que a Requerente apresentava no período de 2020-01T um «excesso a reportar do período anterior» (campo 61) no montante de € 67.799,45, com origem desde o período de 2018-10T a 2019-12T e a coberto do Despacho externo n.º DI2024..., a AT procedeu à consulta, recolha e cruzamento de elementos da requerente, a fim de se aferir a legitimidade do direito à dedução, relativamente aos períodos de tributação de 2018-10T a 2019-1210 (i.e., relativamente períodos que contribuíram para a formação do reporte).
1.2.2 - A AT, após as referidas inspeções, além de indeferir o pedido de reembolso do IVA, decidiu emitir as liquidações ora impugnadas, considerando que o ora requerente deduziu imposto em montante superior ao devido, que havia suportado durante os anos de 2018 e 2019, conjugando assim uma rejeição daquele reembolso com uma liquidação adicional de IVA que ora impugna.
1.2.3 - Além disso, a Requerente centraliza em si, em grande medida, a prestação de serviços de administração e gestão (infraestrutura humana e material) do Grupo e para tal recorre fundamentalmente à estrutura que tem à sua disposição, complementada pela contratação de serviços especializados, tanto de entidades relacionadas quanto não relacionadas.
Nos anos de 2018 a 2023 – que são os que interessam para a nossa análise - a requerente afectou os seus trabalhadores exclusivamente aos serviços prestados às suas participadas, e, indirectamente, aos Fundos por elas geridos, pois que as empresas suas participadas, nos períodos em causa, desenvolveram exclusivamente actividade de gestão de fundos de capital de risco.
Assim, a requerente prestou serviços de consultoria de investimento ao GP do Fundo I, não tendo procedido à liquidação de IVA, uma vez que a prestação de serviços em questão não foi localizada em território português, mas sim em território luxemburguês e a dedução do IVA nos inputs relacionados com estes outputs foi efetuada pela Requerente dado que se se entendeu que a isenção prevista na alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, relativa a serviços de administração e gestão de «fundos de investimento», não seria passível de aplicação a fundos de capital de risco.
Invoca que este entendimento foi aceite pela própria AT quando em 2018 deferiu um anterior pedido de reembolso solicitado pela aqui Requerente, em que estava igualmente em causa IVA suportado relativamente a despesas afins, vindo agora a AT a contradizer a sua própria posição anterior e indeferir o pedido de reembolso de cerca de € 310.129,90, e, para além do indeferimento do pedido de reembolso do IVA, a AT emitiu os actos de liquidação aqui impugnados.
1.2.4 – Porém, a AT, em sede inspetiva, constatou que os serviços prestados pela Requerente «[…] têm um nexo intrínseco com as atividades especificas das suas participadas B..., SARL e C..., SCR S. A., de gestão dos fundos de capital de risco D..., SICAR e E..., FCR, respetivamente.
Partindo do pressuposto que a «[a] gestão dos referidos fundos de capital são as únicas atividades desenvolvidas pelas participadas», a AT enquadrou, em sede de IVA, as prestações de serviços realizadas pela Requerente como «[…] tendo um nexo intrínseco com a atividade desta de gestão dos fundos de capital de risco»; e, por essa razão – em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça citada nos RITs – como «operações isentas por força do disposto no art.º 9 n.º 27 alínea g) do Código do IVA».
Mas, para a AT, o IVA suportado pela requerente «[…] para a realização das prestações de serviços às suas participadas, declaradas nos campos 7 e 9 das respetivas Declarações Periódicas, não é dedutível, já que as referidas operações não figuram no leque das operações que conferem direito à dedução, previstas no art.º 20.º do CIVA», tendo concluído pelas correções ora impugnadas.
Além disso, como a requerente apresentava no período de 2020-01T um «excesso a reportar do período anterior» (campo 61) no montante de € 67.799,45, com origem desde o período de 2018-10 a 2019-12, pelo que os SIT concluíram, pela mesma razão, pela falta de legitimidade do direito à dedução utilizado pela requerente, relativamente aos períodos de tributação de 2018-10 a 2019-12.
1.2.5 - Sucede que foi precisamente em virtude desta última correção que a AT liquidou adicionalmente o IVA aqui contestado, no total de € 62.310,16, pois, respeitando àqueles períodos de tributação e traduzindo-se numa efetiva liquidação adicional tributária por alegada dedução indevida de IVA suportado naqueles anos de 2018 e 2019 ao IVA liquidado posteriormente, tal acto tributário é manifestamente extemporâneo.
É que, os actos tributários contestados são ilegais porque não foram validamente notificados à requerente dentro do prazo legal previsto para o efeito.
Daí que entenda a requerente que o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, de acordo com o n.º 1 do artigo 45.º da LGT e no caso do IVA, aquele prazo de caducidade conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, segundo o n.º 4 do artigo 45.º da LGT, pelo que, em caso de ter sido efetuada a dedução do crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito, à luz do n.º 3 do artigo 45.º da LGT, alegando que é unânime na nossa jurisprudência o entendimento de que o prazo de caducidade do direito de liquidação, atualmente previsto no artigo 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos.
Invoca em defesa da sua tese o entendimento do STA vertido no Acórdão proferido no processo n.º 0415/13.4BELRS, de 09.03.2022, de que, «[o]s actos de liquidação adicional de I.V.A. praticados na sequência de um procedimento de inspecção tributária, motivado por um pedido de reembolso, estão sujeitos à regra geral da caducidade do direito à liquidação, consagrada no artº.45, nº.1 e 4, da L.G.T.» e mais jurisprudência e doutrina neste sentido.
Se, no presente caso, é verdade que o IVA corrigido pela AT foi alvo de reporte na declaração do período 2020-01, dado que até aí ainda não havia sido deduzido ao IVA liquidado até então, é, todavia, tal facto totalmente irrelevante para o que aqui está em causa, uma vez que o direito à dedução se exerce nas declarações periódicas de 2018-10 a 2019-12, ainda que resulte em excesso a reportar para períodos ulteriores, como foi o caso.
Portanto, em matéria de IVA, alega a requerente, que suportar o imposto e inscrevê-lo como IVA dedutível na declaração periódica do correspondente período, comporta o exercício do direito à dedução, independentemente de haver em tal período IVA liquidado que permita a dedução efetiva, total ou parcial, desse IVA.
1.2.6 - Não havendo dúvidas de que a Requerente exerceu o seu direito à dedução deste IVA em 2018 e 2019 – e não estando aqui em causa um pedido de reembolso do IVA, mas sim verdadeiras liquidações – é irrefutável que o direito da AT de liquidar o imposto em discussão caducou, porquanto no momento em que foi notificado à Requerente o início da inspeção externa ao IVA que culminou nas correções impugnadas já haviam decorrido quatro anos desde o dia 1 de Janeiro de 2019 (início do prazo de caducidade de liquidação para o IVA deduzido em 2018, cfr. nº 4 do artigo 45º da LGT), e 1 de Janeiro de 2020 (início do prazo de caducidade de liquidação para o IVA deduzido em 2019, cfr. nº 4 do artigo 45º da LGT).
1.2.7 - Consequentemente, é óbvio que as liquidações aqui contestadas deveriam ter sido notificadas, o mais tardar, até ao final do ano de 2022, relativamente ao IVA deduzido em 2022; e até ao final do ano de 2023, relativamente ao IVA deduzido em 2019, pelo que caducou o respectivo direito de liquidação.
Em suma, independentemente da legalidade material da dedução do IVA em causa nomeadamente em razão de a AT preconizar que os outputs da Requerente deviam ser isentos de imposto por esta praticar exclusivamente operações de gestão de fundos de investimento, a verdade é que o artigo 45.º da LGT impede a AT de promover qualquer correção ao IVA dedutível em 2018 e 2019, por ter caducado o direito de liquidar que porventura lhe assistia.
Deste modo, as liquidações adicionais de IVA identificadas no pedido de pronúncia arbitral estão viciadas por violação de lei e têm de ser anuladas.
1.3 – Posição da Requerida
1.3.1 – Na sua resposta, a requerida, depois de teorizar sobre o IVA e sobre a neutralidade substancial do mesmo, centra-se no direito à dedução do imposto que considera a trave-mestra do funcionamento deste tributo, que garante a a sua neutralidade e assentando no método de crédito do imposto ou método subtrativo indireto.
Apelando à Diretiva IVA, sobre o mecanismo de crédito de imposto e o direito à dedução que se encontram consagrados nos artigos 167.º a 192.º. transcrevendo algumas dessas disposições comunitárias, refere que no CIVA encontramos a transposição da Diretiva nos artigos 19.º a 26.º, referindo que, em consonância com o disposto no artigo 19.º do CIVA, para apuramento do imposto devido os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, o imposto devido ou pago, a montante, pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
Refere que o exercício do direito à dedução depende, fundamental e cumulativamente, da verificação de requisitos objetivos ou formais, conexos com a natureza das despesas, subjetivos, relativos aos sujeitos passivos e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, nos termos referidos no artigo 22º do CIVA, referindo depois as condições em que, no seu entender o exercício do direito à dedução pode ser efetuado.
Termina esta sua introdução com a referência de que, no caso dos autos, a questão controvertida prende-se com o enquadramento jurídico-tributário do instituto da caducidade do direito á liquidação, estando em causa a dedução de IVA na modalidade de crédito de imposto.
1.3.2 - Entende a AT que a requerente incorre em erro ao afirmar que o direito à dedução foi exercido nas declarações periódicas de IVA dos períodos de 2018-10 a 2019-12 e, consequentemente, serem esses os momentos do nascimento do crédito reportado na declaração de 2020-01.
O facto de a requerente ter inscrito o montante de IVA supostamente deduzido na declaração do período 2018-10, como este montante foi superior ao IVA liquidado, gerando, por esse motivo, o reporte de crédito para os períodos seguintes, pelo que a requerente entende que nasceu, neste momento, o seu direito de crédito, relativo ao montante não consumido, sobre o Estado.
Por isso, o nascimento do direito de crédito (ou, in casu, direito à dedução) e o momento do exercício ou a efetivação desse direito são situações distintas. Entendendo a AT que quando nasce o direito à dedução do IVA, temos um imposto dedutível, ou seja, ele é suscetível de ser deduzido, mas pode nunca chegar a ser deduzido efetivamente, pelo que só no momento em que é utilizado, quando esse direito à dedução é exercido, se pode falar em imposto deduzido, pois a lei distingue entre imposto dedutível e imposto deduzido.
1.3.3 - O crédito de imposto visa a compensação de imposto em declarações futuras, ou seja, em utilizações futuras numa lógica de conta-corrente entre o sujeito passivo e o Estado.
Por isso, o acto de liquidação adicional de IVA praticado na sequência de um procedimento de inspeção tributária que desconsidere o IVA dedutível, ou seja, que coloque em causa o crédito de imposto utilizado por via de reporte em declaração posterior do mesmo, terá que ser emitido com referência ao período em que o crédito de imposto veio a ser efetivamente subtraído pela Requerente ao imposto liquidado, visto que só nessa declaração posterior figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, que cumpre liquidar pela diferença nos termos do artigo 87.º do CIVA.
Deste modo, não obstante o crédito reportado ter sido concebido nos períodos de 2018 e 2019, as liquidações adicionais de IVA foram reportadas aos períodos de 202001 e seguintes, visto que esse imposto foi efetivamente deduzido, utilizado, nas declarações desses períodos.
Assim, tendo os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) verificado, através da análise da contabilidade dos exercícios de 2018 e 2019, credenciada por despacho, que o IVA reportado para os períodos seguintes e deduzido, em cadeia, nos períodos de 2020-01 e seguintes não era legalmente dedutível e que a Requerente havia beneficiado indevidamente do mesmo, não poderia atuar de maneira diferente da que atuou, isto é, liquidar adicionalmente o imposto em falta, nos períodos em que ocorreu aquela utilização indevida do crédito.
1.3.4 - A diferença entre a autoliquidação realizada pela Requerente e a correção pelos SIT, nos períodos 2020-01 a 2023-10, despoletou a emissão de liquidações adicionais em quantias correspondentes à diferença entre os respetivos valores, acrescidos de juros compensatórios, nos termos dos artigos 87.º, nº1, do CIVA e 35.º da L.G.T.
No entender da AT, basta haver uma redução do crédito que um sujeito passivo tem sobre o Estado para estarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos para a emissão, nos termos do nº1 do artigo 87.º CIVA, de uma liquidação adicional em montante correspondente à diferença entre a autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo na sua declaração periódica e a correção ao IVA realizada pelos SIT na declaração periódica corretiva.
Pelo que, tendo sido o IVA indevidamente deduzido, utilizado, em cadeia, nas declarações periódicas dos períodos de 2020-01 a 2023-10, as correções ao mesmo, também em cadeia, teriam de versar essas mesmas declarações periódicas.
Considerando a AT que, nos períodos em causa, determinado imposto não era dedutível e fora indevidamente deduzido, tinha obrigatoriamente de retificar as declarações periódicas desses períodos e emitir as liquidações adicionais para esses mesmos períodos, já que foi aí que o imposto dedutível foi realmente deduzido ao imposto liquidado.
1.3.5 – Para a AT, o sistema de dedução de IVA consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuou o tributo que lhe foi faturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de IVA nos termos dos artigos 19.º nº1, 20.º nº1, 22.º nº1 do CIVA, pois se trata de um método subtrativo indireto ou crédito de imposto, que consiste na dedução do imposto liquidado nos respetivos “inputs” ao imposto liquidado nos seus “outputs”, tudo reportado ao mesmo período de tempo, mensal ou trimestral.
Resulta do artigo 87.º n. º1 do CIVA, que a AT deve proceder oficiosamente à retificação das declarações nas situações em que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, mas apenas existirá uma liquidação adicional se dessas declarações tiver resultado algum efeito negativo para o Estado ao nível do imposto que deveria ser arrecadado.
Porém, entende ainda a AT que, quando, num certo período, determinado IVA não é dedutível, a AT terá que retificar a declaração periódica desse período, bem como as declarações subsequentes em que esse crédito de imposto tenha sido reportado, mas apenas poderá emitir a liquidação adicional no período em que o crédito for efetivamente utlizado por subtração ao imposto liquidado ou pedido o seu reembolso.
Consequentemente, a relevância da imputação das liquidações de imposto em falta aos períodos em que, mediante a utilização do crédito de imposto, foi efetivamente utlizada a dedução de IVA, é evidente no que respeita aos juros compensatórios, na medida em que, estes são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação do imposto devido, sendo calculados sobre o montante do imposto em falta desde o termo do prazo de apresentação da correspondente declaração até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação- artigo 35.ºn.º3 da LGT.
Conclui a AT que o seu direito de liquidar adicionalmente o imposto considerado não dedutível teria de ter sido, como foi , exercido com referência aos períodos em que o crédito gerado foi efetivamente utlizado – 2020-01 a 2023-10 -, e não necessariamente com referência aos períodos em que o mesmo foi gerado, de 2018 a 2019-12, pois da desconsideração do IVA dedutível resulta a anulação do correspondente crédito de imposto a reportar para os períodos subsequentes, sendo que o pressuposto da liquidação adicional apenas nasce nos períodos em que a Requerente utiliza o crédito de imposto, ou seja, a liquidação adicional de IVA tinha de reportar-se ao 1.º mês de 2020 e seguintes, assim como as correspondentes liquidações de juros compensatórios.
Cita a AT em abono da sua tese um acórdão do TCAS.
Por isso, quanto à questão da caducidade do direito de liquidação, reconhecendo que, em termos gerais, como prevê o artigo 94.º, n. º1, do CIVA, o IVA só pode ser liquidado nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.ºda LGT.
Mas o prazo de caducidade de quatro anos tem início na data da entrega da declaração em que o direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em IVA dedutível apurado em momento anterior, citando doutrina nesse sentido, alguma doutrina.
É que a A.T., segundo alega, no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da atuação dos contribuintes com a lei, atuou no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, tendo respeitado todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que suportaram as liquidações adicionais e de juros compensatórios aqui em crise, bem como o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA considerado em falta.
Termina afirmando que as liquidações adicionais contestadas pela Requerente são tempestivas e legais, por conseguinte os juros compensatórios são devidos e legais, pelo que deve ser declarada a improcedência dos pedidos formulados pela Requerente, com todas as consequências legais, propondo-se a manutenção dos actos tributários, objeto do pedido de pronúncia arbitral e respetivas liquidações de juros compensatórios.
2. Despacho saneador:
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
É suscitada a questão da caducidade do direito de liquidação, cuja análise e decisão depende dos factos que forem considerados provados, remetemos o seu conhecimento para depois de apreciada e decidida a matéria de facto.
3. Fundamentação de facto.
3.1 - Factos provados:
De acordo com a alegação das partes e dos documentos juntos e com interesse para a decisão final dos presentes autos e do processo administrativo junto aos autos estão provados os seguintes factos:
a) A requerente encabeça um grupo de sociedades que desenvolvem uma actividade de private equity e concentra toda a prestação de serviços de administração e gestão (infraestrutura humana e material) desse mesmo Grupo, o qual é formado ainda pelas seguintes participadas: (i) B..., S.à.r.l., D... S.C.A., SICAR e a E... SCR (sociedade de capital de risco), gestora do Fundo de Capital de Risco E... . (facto não controvertido e provado pelos relatórios da Inspecção Tributária juntos com o PPA)
b) Desde 29.03.2018 que o CAE principal da Requerente é o 70220 – «outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão» –, encontrando-se ainda registada para o exercício de outras atividades, nomeadamente para o exercício de «atividades de sedes sociais» (CAE 70100). (provado pelos Relatórios da Inspecção Tributária)
c) A Requerente assume funções de administração das empresas que integram o seu portfólio, definindo estratégias de crescimento (próprias do seu perfil de growth capital), bem como prestando apoio técnico e na definição de políticas de crescimento. (facto não controvertido e provado pelos relatórios da Inspecção Tributária juntos com o PPA )
d) Os actos tributários objecto da presente impugnação foram emitidos na sequência dos procedimentos de inspeção de âmbito parcial, credenciados pelas ordens de serviço n.ºs OI2024... (que teve como âmbito e extensão o IVA dos períodos de 2020), OI2024... (que teve como âmbito e extensão o IVA dos períodos de 2021), OI2024... (que teve como âmbito e extensão o IVA dos períodos de 2022) e OI2023... (que teve como âmbito e extensão o IVA dos períodos de 2023 até outubro, inclusive). (provado pelos relatórios da Inspecção Tributária (RIT) juntos com o PPA).
e) A requerente apresentava no período de 2020-01 um «excesso a reportar do período anterior» (campo 61) no montante de € 67.799,45, com origem desde o período de 2018-10 a 2019-12, pelo que, a coberto do Despacho externo n.º DI2024..., a AT procedeu à consulta, recolha e cruzamento de elementos da requerente, a fim de se aferir a legitimidade do direito à dedução, relativamente aos períodos de tributação de 2018-10 a 2019-12 (ie., relativamente períodos que contribuíram para a formação do reporte) (provado pelo escrito no capítulo III.3.1 e capítulo V.3.3.4 do RIT de 2020).
f) Os procedimentos inspectivos referidos nas alíneas anteriores foram desencadeados pela circunstância de a Requerente ter solicitado um pedido de reembolso de IVA, no valor de € 310.129,90, no período de 2023-10. (facto não controvertido e provado pelos relatórios da Inspecção Tributária juntos com o PPA ).
g) Após as referidas inspeções, a requerida indeferiu o pedido de reembolso do IVA (provado pelo. capítulo I.4.1.2 do RIT de 2023)
h) Além disso, a requerida emitiu os seguintes actos de liquidação adicional de IVA relativos aos períodos mensais de 2020, 2021, 2022 e 2023 (entre janeiro e outubro) e respetivas liquidações de juros compensatórios e declarações de acerto de contas (provado pelo conjunto de liquidações juntas sob o doc. 1 com o PPA):

i) Entendeu a AT que a requerente deduziu imposto em montante superior ao devido, que havia suportado durante os anos de 2018 e 2019, conjugando assim uma rejeição daquele reembolso com uma liquidação adicional de IVA que ora aqui se impugna (facto não controvertido e provado pelos relatórios da Inspecção Tributária juntos com o PPA ).
j) A requerente procedeu ao pagamento do montante das liquidações ora impugnadas, no valor de € 66.667,23, em 22.07.2024 (provado pelo doc. 7 junto com o PPA).
k) A requerente centraliza em si a prestação de serviços de administração e gestão (infraestrutura humana e material) do Grupo e para tal recorre fundamentalmente à estrutura que tem à sua disposição, complementada pela contratação de serviços especializados, tanto de entidades relacionadas quanto não relacionadas (facto não controvertido e provado pelo que consta do capítulo V.3.1.1.1 dos RITs juntos pela requerente).
l) Nos anos de 2018 a 2023, a requerente afectou os seus trabalhadores exclusivamente aos serviços prestados às suas participadas, e, indirectamente, aos Fundos por elas geridos, sendo que, nos períodos em análise, desenvolveram exclusivamente actividade de gestão de fundos de capital de risco. (provado pelo que consta do capítulo V.3.1.1.1 dos RITs juntos pela requerente com o PPA)
m) Assim, a Requerente prestou serviços de consultoria de investimento ao GP do Fundo I, não tendo procedido à liquidação de IVA, uma vez que a prestação de serviços em questão não foi localizada em território português, mas sim em território luxemburguês. (facto não controvertido)
n) A requerente procedeu aos serviços referidos na alínea anterior, dado que se se entendeu que a isenção prevista na alínea g) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, relativa a serviços de administração e gestão de «fundos de investimento», não seria passível de aplicação a fundos de capital de risco. (facto não controvertido)
o) Entendimento este da própria AT quando em 2018 deferiu um anterior pedido de reembolso solicitado pela aqui Requerente, em que estava igualmente em causa IVA suportado relativamente a despesas afins. (facto não controvertido )
p) A AT, em sede inspetiva, constatou que os serviços prestados pela requerente e referidos nas alíneas anteriores «[…] têm um nexo intrínseco com as atividades especificas das suas participadas B..., SARL e C..., SCR S. A., de gestão dos fundos de capital de risco D... , SCA, SICAR e E..., FCR, respetivamente» (provado pelo capítulo V.3.2 dos RITs).
q) Partindo do pressuposto que a «[a] gestão dos referidos fundos de capital são as únicas atividades desenvolvidas pelas participadas», a AT enquadrou, em sede de IVA, as prestações de serviços realizadas pela Requerente como «[…] tendo um nexo intrínseco com a atividade desta de gestão dos fundos de capital de risco»; e, por essa razão – em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça citada nos RITs – como «operações isentas por força do disposto no art.º 9 n.º 27 alínea g) do Código do IVA» (provado pelo escrito no capítulo V.3.2 dos RITs).
r) Segundo a AT, o IVA suportado pela requerente «[…] para a realização das prestações de serviços às suas participadas, declaradas nos campos 7 e 9 das respetivas Declarações Periódicas, não é dedutível, já que as referidas operações não figuram no leque das operações que conferem direito à dedução, previstas no art.º 20.º do CIVA» (provado pelo escrito no capítulo V.3.2 dos RITs).
s) Por isso, propõem dos RITs as seguintes correções:
1-O IVA suportado pela Requerente que alegadamente não confere direito à dedução, relativo aos períodos de tributação mensais do ano de 2020 ascendeu a € 160.951,34 (= [Total do IVA não dedutível campo 20 – “IVA dedutível – Imobilizado” de € 955,37] + [Total do IVA não dedutível do campo 24 – “IVA dedutível – Outros bens e serviços” de € 94.298,84] + [IVA reportado indevidamente de € 65.697,14]), (provado pelo quadro I do capítulo I.4.1.1 e capítulo V.3.3.3 do RIT de 2020).
2- A favor da Requerente foram feitas correções aos períodos 2020-01T, 2020-05T, 2020-06T e 2020-12T, no valor de € 6.284,55 (provado pelo quadro II do capítulo I.4.1.1 do RIT de 2020).
3. O IVA suportado pela Requerente que alegadamente não confere direito à dedução, relativo aos períodos de tributação mensais do ano de 2021 ascendeu a € 66.476,50 (= [Total do IVA não dedutível campo 20 – “IVA dedutível – Imobilizado” de € 1.484,38] + [Total do IVA não dedutível do campo 24 – “IVA dedutível – Outros bens e serviços” de € 64.992,12]), (provado pelo quadro I do capítulo I.4.1.1 e capítulo V.3.3.3 do RIT de 2021).
4. -A favor da Requerente foram feitas correções aos períodos 2021-01T, 2021-03T, 2020-07T, 2021-08T, 2021-10T e 2021-12T, no valor de € 497,13 (provado pelo quadro II do capítulo I.4.1.1 do RIT de 2021).
5. O IVA suportado pela Requerente que alegadamente não confere direito à dedução, relativo aos períodos de tributação mensais do ano de 2022 ascendeu a € 81.591,04 (= [Total do IVA não dedutível campo 20 – “IVA dedutível – Imobilizado” de € 539,13] + [Total do IVA não dedutível do campo 24 – “IVA dedutível – Outros bens e serviços” de € 81.051,91]), (provado pelo quadro I do capítulo I.4.1.1 e capítulo V.3.3.3 do RIT de 2022).
6. A favor da Requerente foram feitas correções aos períodos 2022-01T, 2022-02T, 2022-06T, 2022-07T, 2022-08T, 2022-09T e 2022-10T no valor de € 5.586,91 (provado pelo quadro II do capítulo I.4.1.1 do RIT de 2022).
7. O IVA suportado pela Requerente que não confere direito à dedução, relativo aos períodos de tributação mensais do ano de 2023 (entre janeiro e outubro) ascendeu a € 77.273,68 (= [Total do IVA não dedutível campo 20 – “IVA dedutível – Imobilizado” de € 1.150,26] + [Total do IVA não dedutível do campo 24 – “IVA dedutível – Outros bens e serviços” de € 76.123,42]), (provado pelo quadro I do capítulo I.4.1.1 e capítulo V.3.3.3 do RIT de 2023).
8. A favor da Requerente foram feitas correções aos períodos 2023-03T, 2023-04T, 2023-07T, e 2023-08T, no valor de € 3.649,28 (provado pelo quadro II do capítulo I.4.1.1 do RIT de 2023).
t) Como a requerente apresentava no período de 2020-01 um «excesso a reportar do período anterior» (campo 61) no montante de € 67.799,45, com origem desde o período de 2018-10 a 2019-12, os SIT concluíram, pela mesma razão, pela falta de legitimidade do direito à dedução utilizado pela requerente, relativamente aos períodos de tributação de 2018-10 a 2019-12 (provado pelo capítulo III.3.1 e capítulo V.3.3.4 do RIT de 2020).
u) Foi com o fundamento referido na alínea anterior que a AT liquidou adicionalmente o IVA aqui contestado, no total de € 62.310,16. (facto não controvertido e provado pelos relatórios da Inspecção Tributária juntos com o PPA ).
v) As notificações para o pagamento das liquidações adicionais foram notificadas à ora requerente em 27/6/2024 (provado pelos documentos juntos sob o nº. 1 junto com o pedido de pronuncia arbitral).
x) A requerente apresentou a 26-09-2024, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral.
3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.
Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e da resposta que lhe sucedeu.
São considerados provados por acordo, aqueles que tendo sido alegados pela requerente, não foram postos em causa pela requerida na sua resposta, atentos os Relatórios de Inspecção Tributária juntos pela requerente e confirmados em sede de processo administrativo junto pela requerida.
4. Matéria de direito
4.1 - Questões decidendas:
Como questões decidendas, apenas temos a questão de saber se estão ou não isentos de IVA as prestações de serviços prestados pela ora requerente às suas participadas, enquanto administradoras de fundos de capital de risco, não havendo consequentemente direito a dedução, como pretende a requerida ou se haverá lugar ao pagamento do IVA, com o inerente direito de dedução, como pretende a requerente.
Porém, como estão aqui em causa liquidações relativas aos anos de 2018 e 2019, coloca-se a questão da caducidade do direito de liquidação por parte da AT, em 2024, sendo que a requerente invoca como lhe competia a caducidade do direito de liquidação, tendo a requerida AT em sede de resposta procedido à sua pronúncia sobre a mesma.
Nos termos do artº. 124º. do CPPT, a ordem de conhecimento dos vícios na sentença de um processo de impugnação segue a seguinte ordem: primeiramente, os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado, e depois os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. Dentro de cada grupo, a apreciação é feita de acordo com o que o julgador considera mais eficaz para a tutela dos interesses ofendidos, ou pela ordem indicada pelo impugnante, caso este estabeleça uma relação de subsidiariedade entre os vícios.
Ora, no caso presente, além da impugnação dos fundamentos da liquidação adicional, suscita a requerente a existência de um vício de caducidade do direito de liquidação dos tributos de IVA de 2018 e 2019.
Resulta assim evidente que, no caso de procedência dessa caducidade, as liquidações impugnadas serão anuladas, o que conduz a uma mais eficaz tutela dos interesses da requerente, pois resolve definitivamente a questão da validade das liquidações impugnadas sem haver necessidade de avaliar se há lugar ou não à liquidação de IVA nas operações da requerente e `consequente dedução.
Por isso, começamos pela análise da eventual caducidade do direito de liquidação do IVA dos anos de 2018 e 2019, que a requerida AT entende que foi indevidamente realizada. Com reflexo nas deduções por reporte nas liquidações de 2020 a 2023.
4.2 – Da caducidade do direito de liquidação relativamente às liquidações de 2018 e 2019.
Entende a requerente que o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, de acordo com o n.º 1 do artigo 45.º da LGT e que, no caso do IVA, aquele prazo de caducidade conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, segundo o n.º 4 do artigo 45.º da LGT, sendo desta exigibilidade, no caso de ter sido efetuada a dedução do crédito de imposto, que se conta o prazo de caducidade para o exercício desse direito, à luz do n.º 3 do artigo 45.º da LGT.
No seu entender, é unânime na nossa jurisprudência que o prazo de caducidade do direito de liquidação, atualmente previsto no artigo 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos.
Por sua vez, a requerida entende que, sendo a caducidade o instituto através do qual a AT pode liquidar imposto, o prazo geral é de quatro anos, mas atendendo à natureza do imposto em causa entende ser diferente o momento a partir do qual se contra esse prazo, pelo que, como prevê o artigo 94.º, n. º1, do CIVA, o IVA só pode ser liquidado nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.ºda LGT.
O IVA tem uma mecânica muito particular que segundo a AT vem consagrada no artigo 45.º da LGT.
Na perspetiva da administração tributária, e no que respeita á aplicação do prazo de caducidade do direito à liquidação em matéria de IVA, podemos vislumbrar duas situações distintas:
a) Correções ao IVA liquidado pelo sujeito passivo nas suas operações ativas, que a AT designa de outputs;
b) Correções ao IVA deduzido pelo sujeito passivo em virtude de operações passivas associadas à sua atividade inputs.
O prazo de caducidade de quatro anos tem início na data da entrega da declaração em que o direito é exercido, ainda que o direito porventura tenha origem em IVA dedutível apurado em momento anterior, pelo que a A.T., no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da atuação dos contribuintes com a lei, atuou no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, tendo respeitado todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que suportaram as liquidações adicionais e de juros compensatórios, bem como o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA considerado em falta.
Dispõe o artigo 45.º da LGT na sua versão actual, com as alterações introduzidas pela - Lei n.º 82-E/2014, de 31/12:
1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
7 - O prazo referido no n.º 1 é de 12 anos sempre que o direito à liquidação respeite a factos tributários conexos com:
a) País, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, que devendo ser declarados à administração tributária o não sejam; ou
b) Contas de depósito ou de títulos abertas em instituições financeiras não residentes em Estados membros da União Europeia, ou em sucursais localizadas fora da União Europeia de instituições financeiras residentes, cuja existência e identificação não seja mencionada pelos sujeitos passivos do IRS na correspondente declaração de rendimentos do ano em que ocorram os factos tributários.
Verificamos que, como consta do nº. 4 da norma citada, “o prazo de caducidade conta nos, impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado…, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto…”;
Ora, é exactamente o momento dessa exigibilidade que separa as partes nos presentes autos.
Para a requerente é o momento em que o crédito da requerente sobre o Estado nasce, ou seja, a partir do momento em que no ano em que ocorreu a dedução ao valor do imposto liquidado num determinado mês ou num determinado trimestre – consoante o regime mensal ou trimestral a que o contribuinte está obrigado - do imposto suportado no mesmo período e se conclui que é superior o valor suportado relativamente ao valor liquidado, pois só assim se garante a neutralidade do IVA.
Porém, para a AT, o crédito emergente da dedução efectuada em cada período de tributação e reportado para períodos seguintes, só no momento em que for entregue a declaração em que o crédito seja utilizado, é que se inicia o prazo de caducidade, já que, no entender da requerida, o nº3 do artigo 45º. estabelece que, em caso de ter sido efetuada dedução ou crédito de imposto, a data de início do prazo de caducidade é a do exercício desse direito.
Assim, para a requerida AT, no caso presente o crédito de IVA relativo a 2018, pode, nos termos do artº. 98º., nº. 2 do CIVA, “ …ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente”, pelo que podia ser deduzido até Dezembro de 2022 e se fosse exercido neste mês a caducidade do direito de liquidação por parte da AT estender-se-ia até Dezembro de 2026, ou seja, quase 8 anos.
Conforme já decidiu o STA, no seu acórdão de 9/3/2022, proferido no processo 0415/13.4BELRS da 2ª. Secção, publicitado em https://www.dgsi.pt/jsta,
II - Para exercer o seu direito à dedução do imposto suportado o sujeito passivo de I.V.A. pode, conforme as circunstâncias em que se encontre, recorrer a um de três métodos previstos na lei:
a-Método subtractivo indirecto - de acordo com este método, ao valor do imposto liquidado durante um determinado período declarativo deduz-se o valor do imposto suportado no mesmo período (cfr.artº.22, nº.1, do C.I.V.A.);
b-Método do reporte - caso o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, o sujeito passivo deverá recorrer ao método do reporte, de acordo com o qual o imposto em excesso será reportado para o período de tributação seguinte (cfr.artº.22, nº.4, do C.I.V.A.);
c-Método do reembolso - todavia, nas situações em que o imposto a deduzir seja superior ao imposto liquidado, pode o sujeito passivo optar por solicitar o reembolso do imposto, desde que se verifiquem as condições legalmente previstas no artº.22, nºs.5 e 6, do C.I.V.A.
……………………………………………………………………………………………………
IV - Os actos de liquidação adicional de I.V.A. praticados na sequência de um procedimento de inspecção tributária, motivado por um pedido de reembolso, estão sujeitos à regra geral da caducidade do direito à liquidação, consagrada no artº.45, nº.1 e 4, da L.G.T.
Deste modo, é evidente que o crédito é exigível logo que se faça o seu apuramento relativamente a cada período, cabendo ao titular desse mesmo crédito fazer a opção que pretende fazer a qual pode ser a exigência imediata do seu reembolso.
Por essa razão é que o artº. 22º., nº. 1 do CIVA determina que a dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se toma exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.° e 8.º, referindo a seguir a operação que visa determinar o imposto exigível.
Consequentemente seria a partir do momento, em que se efectua a operação de dedução prevista no artº. 22º., nº. 1 do CIVA que começaria a correr o prazo de caducidade do direito à liquidação, pois que o IVA é um imposto de obrigação única, e não um imposto periódico, pois incide sobre factos tributários de carácter instantâneo, reportando-se a cada um dos actos concretos praticado, conforme decidiu em 7 de Maio de 2003, o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), funcionando em Pleno, pronunciou-se no processo 065/02 sobre a natureza da obrigação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”).
Porém, instituiu o artº. 45º., nº. 4 da LGT um regime especial para caducidade do direito de liquidação em sede de IVA, estabelecendo na parte final desse número “excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”
Aliás, é este o sentido estabelecido pela jurisprudência.
Portanto, qualquer reapreciação da forma como foi apurado o IVA em 2018, só seria possível se ocorresse até Dezembro de 2022 e a forma como foi apurado o IVA em 2019 só seria possível se ocorresse até 2023 e se até estas datas fosse notificada a requerente das liquidações adicionais respectivas.
Ora, resultando dos factos provados que as liquidações adicionais para pagamento só foram notificadas à ora requerente em 27/6/2024, resulta que, como a requerente apresentava no período de 2020-01 um «excesso a reportar do período anterior» (campo 61) no montante de € 67.799,45, com origem desde o período de 2018-10 a 2019-12, os SIT concluíram pela falta de legitimidade do direito à dedução utilizado pela requerente, relativamente aos períodos de tributação de 2018-10 a 2019-12, sendo ainda de notar que as ordens de serviço são todas datas de 2024, , concluindo-se que havia caducado o direito de liquidação que a AT pretendia exercer com aquelas liquidações adicionais.
Procede assim a excepção de caducidade do direito de liquidação da AT relativamente aos créditos apurados em sede de IVA nos anos de 2018 e 2019, pelo têm de ser anuladas todas as liquidações ora impugnadas, pois o seu apuramento é consequente das liquidações de 2018 e 2019, mesmo aquelas que dizem respeito a juros compensatórios.
Fica também prejudicado o conhecimento da legalidade das liquidações anuladas relativamente à circunstância de saber se havia ou não isenção de IVA e respectiva dedução.
5. Devolução do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Conforme vem provado, a requerente procedeu ao pagamento do montante das liquidações ora impugnadas, no valor de € 66.667,23, em 22.07.2024.
Além da restituição dessa quantia já paga por força da anulação das respectivas liquidações, pede ainda a requerente a condenação da requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados desde a data em que procedeu ao pagamento do imposto liquidado até à data em que vier a ser reembolsado aa requerente o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.
A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No caso ora em apreciação, o erro que afeta as liquidações impugnadas é exclusivamente imputável à requerida AT como se demonstrou em 4.2, pelo que tem o ora a requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.
É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao proceder às liquidações adicionais de IVA ora anuladas, pelo que deve pagar à requerente juros indemnizatórios, sobre a quantia paga indevidamente, contados à taxa legal, desde o pagamento das quantias indevidamente exigidas até à sua restituição.
Na verdade, as liquidações anuladas violaram de forma clara e inequívoca os limites para a tempestividade da sua emissão, atento o facto de haver jurisprudência firme e uniforme relativamente à contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação, que a AT tem obrigação de conhecer, aparecendo com uma versão que não tem qualquer suporte legal ou jurisprudencial.
Portanto, tem a ora requerente direito a ser reembolsada relativamente à quantia que peticiona e que pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizada por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios por parte da requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
6. Decisão
Nestes termos, decide-se julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:
a) declarar-se caducado o direito de liquidação de IVA relativamente aos anos de 2018 e 2019 da ora requerente;
b) anular-se em consequência, todas as liquidações adicionais de IVA identificadas no pedido de pronúncia arbitral, bem como as liquidações de juros compensatórios correspondentes, tudo com as devidas e legais consequências.
c) julgar procedente o pedido de condenação da requerida na restituição de imposto relativo a essas notas de liquidação anuladas, no valor de € 66.667,23, acrescido de juros indemnizatórios, por parte da requerida, desde a data do pagamento dessa quantia, até efectivo reembolso, calculados à taxa legal supletiva que é actualmente de 4% ao ano.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 66.667,23, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 2.448,00 ,nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.
Lisboa, 2-06-2025
Os Árbitros
(Prof. Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Presidente)
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora Vogal e Relator)
(Nuno Miguel Morujão – Vogal)
Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.