Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1410/2024-T
Data da decisão: 2025-06-05  IRS  
Valor do pedido: € 54.243,43
Tema: IRS- Residentes não habituais- artigo 16.º, n.ºs 8 a 12, do CIRS
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SUMÁRIO: 

 

 

A inscrição como residente não habitual, a que se refere o n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, tem natureza meramente declarativa, porém, os requisitos previstos nos seus nºs. 8 e 9, para a concessão do estatuto de residente não habitual, na redação em vigor para o exercício de 2023, são aferidos em função do ano de inscrição, pelo que o pedido de inscrição como residente não habitual, apresentado fora do prazo a que alude o já referido nº 10 do artigo 16º do CIRS, tem como consequência que o regime só é aplicável a partir do ano da inscrição como residente não habitual.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

A..., NIF ... e B..., NIF ..., casados entre si no regime do estado do Nevada, dos Estados Unidos da América, equivalente ao regime português da comunhão de adquiridos, ambos residentes no ..., N.º ..., ...-... ..., Sintra vêm, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea a) do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e nº 1 do artigo 140º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à apreciação do pedido de pronúncia dirigido contra a liquidação de IRS nº 2024.... do exercício de 2023, no montante de € 54.243,43 e ainda contra, a demonstração de liquidação de juros compensatórios com o n.º 2024... no montante de € 184,26, respeitante ao mesmo exercício, por considerarem que as mesmas enfermam de ilegalidade que justifica sua anulação.

Sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 26/12/2024 pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida. 

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes, em 12/02/2025, da designação do Árbitro signatário, Dr. Arlindo José Francisco, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do aludido diploma, que comunicou a respetiva aceitação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º já referido, no prazo aplicável e notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do mesmo diploma, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 05 de março de 2025, que na mesma data proferiu Despacho, nos termos e efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, com vista à notificação da Senhora Diretora-Geral da AT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, bem como, para junção, no mesmo prazo, de cópia integral do processo administrativo.

 Os Requerentes, em síntese, suportam o pedido por, em seu entender, considerarem que deveriam ser tributados, beneficiando estatuto de residentes não habituais (RNH), uma vez que desde 1983 residiram nos Estados Unidos da América e só em março de 2022 passaram a residir em Portugal, termos em que consideram reunidos os requisitos legais exigidos. Que apesar de AT ter no seu cadastro o Requerente como residente fiscal em Portugal desde 2002, tal facto não corresponde à realidade, desconhecendo o motivo de tal ocorrência o que levou o Requerente a submeter, em 25 de outubro de 2024, um pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, solicitando a correção da sua residência fiscal registada junto da AT, de Portugal para os Estados Unidos, no período compreendido entre 3 de abril de 2002 e 15 de março de 2022, tendo a AT em 12 de novembro de 2024, notificado o Requerente da decisão de deferimento do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, reconhecendo assim que só se tornou residente fiscal em Portugal em 2022, pelo que consideram reunidos os pressupostos de facto e de direito previstos nos n.ºs 8, 9 e 11 do artigo 16.º do CIRS, de que depende a tributação dos Requerentes, no período de 2023, como RNH, citam vária jurisprudência arbitral que vai no sentido por si preconizado, pedindo a procedência do pedido com a consequente anulação das liquidações aqui em crise.

Por sua vez, a AT, também em síntese, considera que não assiste razão aos Requerentes e que o Pedido de Pronúncia está votado ao insucesso, uma vez que o Tribunal é materialmente incompetente para conhecer dos vícios suscitados e aplicar o estatuto de residente não habitual (exceção dilatória de incompetência material do Tribunal) citando vária jurisprudência arbitral que aponta no sentido preconizado pela AT. 

Defende-se ainda por impugnação, alegando que o benefício fiscal pretendido só se concretiza anualmente se existir facto tributário e desde que o contribuinte declare e proceda à opção pelo regime de tributação excecional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, e caso o sujeito passivo tenha obtido, a seu pedido, o reconhecimento administrativo da verificação dos dois outros pressupostos, ou seja: ter-se tornado fiscalmente residente em território português e que não tenha sido nele residente em qualquer dos últimos cinco anos. Neste caso, como os próprios Requerentes reconhecem no PPA, nunca fizeram o pedido a que alude o n.º 10 do artigo 16.º do CIRS que é, indiscutivelmente, obrigatório, sob pena de esvaziar o conteúdo da norma legal onde tal obrigatoriedade vem prevista, termos em que o presente PPA deverá ser declarado improcedente.

II- SANEAMENTO  

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, em conformidade com o preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, do RJAT (com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro).

O presente pedido de pronúncia foi apresentado em 23 e aceite em 26 de dezembro de 2024, vindo o Tribunal a ser constituído em 05 de março de 2025 que na mesma data proferiu Despacho de notificação da Requerida nos termos e efeitos do artigo 17º do RJAT. 

Apresentada a resposta da AT, em 04 de abril de 2025, o Tribunal concedeu, por Despacho de 7 do mesmo mês, 10 dias aos Requerente para se pronunciarem, querendo, sobre a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal invocadas pela Requerida.

Em requerimento de 02 de Maio de 2025 respondeu dizendo, em síntese, que o objeto dos presentes autos é unicamente a apreciação da legalidade da liquidação de IRS impugnada. Os Requerentes nunca peticionaram ao Tribunal Arbitral constituído que condenasse a Requerida a inscrevê-los no cadastro fiscal a sua qualidade de residentes não habituais dado, bem saberem, que tal matéria está fora do âmbito das suas competências, conforme se retira do nº 1 do artigo 2º do RJAT, cita vária jurisprudência arbitral que vai no sentido por si preconizado e também do Supremo Tribunal Administrativo (STA), concluindo pela improcedência da exceção. 

Em 05 de maio o Tribunal proferiu Despacho a dispensar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, a conceder 20 dias simultâneos para as Partes, querendo, produzirem alegações escritas e a notificar os Requerentes para, no prazo concedido para alegações, efetuarem o pagamento da taxa de justiça subsequente.

Os Requerentes apresentaram alegações em 29 de Maio de 2025, nas quais procuram reforçar os seus pontos de vista já expostos na petição e na resposta à exceção aduzida pela Requerida.

A Requerida não produziu alegações até à presente data.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se devidamente representadas de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não padece de nulidades.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

1.As questões a dirimir são as seguintes:

a)    Se a exceção de incompetência material do Tribunal suscitada pela Requerida é ou não procedente e sendo-o, o pedido de pronúncia será de imediato declarado improcedente, sem sua a apreciação material e dele se absolvendo a Requerida nos termos solicitados;

b)   Se pelo contrário, for improcedente será feita a apreciação material do pedido de acordo com a matéria de facto considerada provada e o Direito aplicável, retirando-se as respetivas consequências legais, designadamente quanto á anulação das liquidações aqui em crise.

 

2 - Matéria de Facto

 

2.1 – Factos provados

 

a) Os Requerentes são casados entre si no regime do estado do Nevada, dos Estados Unidos da América, equivalente ao regime português da comunhão de adquiridos, ambos residentes no ..., N.º ..., ...-... ..., Sintra desde março de 2022.

b) Desde 1983 foram residentes nos Estados Unidos, de onde o Requerente A... é natural, e onde habitavam com os seus filhos, tinham o seu emprego e residência habitual.

c) Como se alcança os Requerentes não foram residentes em território português nos cinco anos anteriores a 2022, ano da sua efetiva mudança para Portugal.

d) Embora a sua mudança de residência para Portugal tenha ocorrido, como se viu em 2022, o Requerente A... verificou que já se encontrava registado junto da AT como residente fiscal desde 2002, declarando desconhecer o motivo de tal ocorrência.

e) Apresentaram em 31 de julho de 2024, de forma conjunta, a Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2023, identificada com o código..., composta pelo rosto e anexo J, constando no rosto que os Requerentes são casados, optam pela tributação conjunta, residem no continente, a informação do NIB, que se trata da 1ª declaração do ano e que tem apenas o anexo J no qual constam rendimentos de categoria A,E e H.

f) A apresentação da referida declaração deu origem à liquidação de IRS n.º 2024... e à liquidação n.º 2024... de juros compensatórios no valor global de € 54.427,69.

g) Não tendo procedido ao pagamento voluntário dentro do prazo indicado para o efeito, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2024... .

h) Em 25 de novembro de 2024 o Requerente A... submeteu, um pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, solicitando a correção da sua residência fiscal registada junto da AT, de Portugal para os Estados Unidos, no período compreendido entre 3 de abril de 2002 e 15 de março de 2022.

i) A AT, em 12 de novembro de 2024, notificou o Requerente A... da decisão de deferimento do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos nos termos requeridos, reconhecendo assim que o Requerente A... apenas se tornou residente fiscal em Portugal em 2022.

j) Quando da apresentação da declaração modelo 3 de IRS, respeitante a 2023, os Requerentes não estavam registados no sistema informático da AT como Residentes Não Habituais nem tinham formulado tal pedido, constavam apenas como residentes habituais.

l) Em requerimento de 24 de abril de 2025 o Requerente dirigiu à AT, através da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, Divisão de Identificação de Contribuintes, a sua inscrição com residente não habitual, com efeitos a março de 2022, ou, subsidiariamente, se assim não se entender, a partir de 2025. 

m) Em 23 de dezembro de 2024 apresentaram o presente pedido de pronúncia.

 

2.2 - Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto 

 

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que poderão interessar à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr.artigo123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos, por elas não contestados.

 

       2.3- Factos não provados 

Não se considera a existência de outros factos não provados com relevância para a decisão.

 

      3 - MATÉRIA DE DIREITO

        

      3.1 Apreciação da exceção de incompetência material do Tribunal

      

      Na sua resposta, veio a Requerida, em síntese, apresentar defesa por exceção considerando que os Tribunais do CAAD carecem de competência para conhecer dos vícios suscitados pelos Requerentes de lhes ser aplicado o estatuto de (RNH) na sua declaração de IRS, respeitante ao ano de 2023.

Defende-se também por impugnação para refutar a alegação de que basta a verificação dos requisitos previstos no artigo 16.º do CIRS para automaticamente beneficiar do estatuto de residente não habitual, ou que o mesmo opere ope legis, cita vária doutrina e jurisprudência que vai no sentido por si preconizado tudo como melhor consta na referida resposta que aqui se dá por reproduzida, na parte aplicável, para todos os efeitos legais.

Por sua vez os Requerentes, no seu pedido de pronúncia arbitral, em síntese, fazem constar que o objeto do seu pedido é a liquidação de IRS com o n.º 2024... e a demonstração de liquidação de juros compensatórios com o n.º 2024... por não se conformarem com as mesmas e entenderem que enfermam de ilegalidade, o que justifica a sua anulação, procuram reforçar o seu ponto de vista na resposta à alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, referindo que bem sabem que a discussão da inscrição cadastral, cai fora do âmbito da competência dos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e que não pediram ao Tribunal que condenasse a Requerida a inscrever os Requerentes no cadastro como residentes não habituais. Citam vária jurisprudência arbitral que vai no sentido por si preconizado, tudo como melhor consta nas referidas peças processuais que aqui se dão por reproduzidas, na parte aplicável, para todos os efeitos legais.

Sendo a competência material dos tribunais de ordem pública, deve a mesma ser aferida independentemente de vir a ser suscitada, precedendo o seu conhecimento a qualquer outra matéria, conforme se retira dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Analisando os autos, verifica-se que os Requerentes entendem que as liquidações aqui em causa são feridas de ilegalidade, sendo contra elas que dirigem o seu pedido e o objeto do mesmo, porém, a ilegalidade apontada é a desconsideração por parte da AT da sua qualidade de residentes não habituais, tributando-os como residentes em território português (continente) com aliás declararam. O Tribunal para aferir das eventuais ilegalidades ter-se–á que debruçar sobre o referido estatuto de residentes não habituais, pelo que teremos de saber se tal apreciação cabe dentro das competências plasmadas no artigo. 2.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT que se transcreve:

“Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (…)”

Também a Portaria nº 112-A/2011 de 22 de março, com as, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 287/2019, de 13 de setembro, embora na linha do RJAT, vem de uma forma mais específica vincular vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do CAAD, conforme o seu artigo 2º que aqui também se transcreve:

“Artigo 2.º

Objeto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-

Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti -abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”

Da leitura destes normativos é patente a exclusão da competência dos Tribunais Arbitrais a apreciar a legalidade de certas relações jurídicas fiscais administrativas, associadas a comportamentos declarativos que se consubstanciam em deveres autónomos do contribuinte perante a AT, dos quais ficam depois dependentes as operações de lançamento e da liquidação de certos impostos. Será o caso da determinação do valor patrimonial tributário e da definição do estatuto de residente não habitual, entre outras, situações que não se confundem com a liquidação, esta sim impugnável.

A jurisprudência invocada pelas partes reconduz-se aos casos em que foi proferida que, poderão ter pontos de contacto com a situação em apreço, mas terão outros que diferem, merecendo-nos todo o respeito, mas que seguiremos apenas como orientação e nas situações que considerarmos aplicáveis à presente situação.

 Porém, da matéria de facto dada como provada constata-se que o Requerente só em 24 de Abril de 2025 é que pediu a sua inscrição como não residente habitual, não conhecendo o Tribunal qual a decisão que a AT tomou ou irá tomar sobre este pedido. Sendo certo, que é sobre a decisão que a AT tomou ou venha a tomar que o Tribunal estaria impedido de se pronunciar por ser materialmente incompetente, dado ser matéria não vinculada e por não constar do artigo 2.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT. Mas, o objeto do presente processo é tão só a apreciação da (i) legalidade das liquidações que os Requerentes entendem existir por não observarem o estatuto de residentes não habituais.

Resulta dos articulados do pedido de pronúncia arbitral que este visa é a declaração de ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação, com as legais consequências, dos atos tributários controvertidos, invocando o Requerente, como fundamento da pretensão deduzida, os artigos 16º n.ºs 8, 9 e 11 e 81.º n.ºs 4 e 5 ambos do CIRS, e a aplicação da taxa especial prevista no n.º 12º do artigo 72.º do referido código, na redação em vigor para o exercício de 2023, situação que o Tribunal entende ser competente, por ser matéria, claramente abrangida pelo artigo. 2.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, apreciação de legalidade de atos de liquidação, termos em que se conclui pela competência deste Tribunal e pela improcedência da exceção de incompetência material invocada pela Requerida. 

3.2 – Apreciação da (i) legalidade das liquidações

Para além da exceção de incompetência material do Tribunal já decidida, o dissídio entre as partes centra-se na questão atinente à natureza de que se reveste a inscrição no registo informático da AT como residente não habitual, isto é, saber se possui uma natureza meramente declarativa ou, pelo contrário, se tem uma eficácia constitutiva e, por isso, um pressuposto específico sem o qual não é possível beneficiar do estatuto de residente não habitual.

Apreciando as normas ao tempo aplicáveis artigo 16.º, n.ºs 8 a 12, do Código do IRS, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, que se transcrevem:

“Artigo 16.º

Residência

8. Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9. O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10. O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11. O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12. O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português (…)”

Sobre esta matéria se tem pronunciado o STA, sempre no sentido de que que o pedido de inscrição como residente não habitual, previsto no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS, para efeitos da sua aplicação, tem natureza meramente declarativa, citando-se a título de exemplo, o Acórdão STA, de 27/05/2024, proferido no processo n.º 0842/23.9BESNT, cujo ponto II do seu sumário, com a devida vénia se transcreve:

“(…) II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.(…)

O Tribunal adere a esta posição da jurisprudência do STA, considerando que o pedido de inscrição como residente não habitual, previsto no artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS, para efeitos de aplicação do regime dos residentes não habituais, tem natureza meramente declarativa.

Da matéria de facto dada como provada, resulta que os Requerente tornaram-se fiscalmente residentes em território português no ano de 2022, não tendo sido aqui residentes em qualquer dos cinco anosanteriores, mas não estavam registados no sistema informático da AT como residentes não habituais, tendo tal inscrição sido pedida pelo Requerente apenas em 24/05/2025.

Face a estes factos o Tribunal continuando a aderir à jurisprudência do STA, transcrevendo-se, com a devida vénia, parte do Acórdão do pº 01750/22.6BEPRT de 24 de janeiro de 2025

“…Aqui chegados haverá que saber se é correcta, de acordo com a exegese da norma sob exame, a posição da entidade recorrente, quando defende que a consagração do citado termo final de 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente no território português, da inscrição da qualidade de residente não habitual (cfr.nº.10 da norma sob exegese), como uma condição preclusiva do direito à aplicação deste regime fiscal.
Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo a inscrição obrigatória para aplicação do mesmo regime fiscal. Por outras palavras, o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a A. Fiscal tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto. No entanto, não resulta do normativo supra transcrito que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da Fazenda Pública (cfr.artº.5, do E.B.Fiscais), pelo que, o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, mais devendo a sua constituição reportar-se à data de verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.12, do E.B.Fiscais; ac.S.T.A-2ª.Secção, 29/05/2024, rec.0843/23.9BESNT; Ricardo da Palma Borges e Pedro Ribeiro de Sousa, O novo regime fiscal dos residentes não habituais, in Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Volume V, Coimbra Editora, 2011, pág.709 e seg.).
Mais, a perspectiva hermenêutica da norma acabada de delinear não implica qualquer violação dos princípios da legalidade e da indisponibilidade dos créditos fiscais, contrariamente ao defendido pela entidade recorrente.
Atento o mencionado, a questão que ora se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período fiscal anual, que não a exclusão do regime em geral, contrariamente ao defendido pelo apelante.
Nesta sede, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no artº.16, nº.8, do C.I.R.S., os quais, conforme aludido supra, são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2020 - cfr.nºs.1, 2 e 4 do probatório supra), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº.10, do preceito, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual (cfr.artº.12, do C.Civil)…”

Nesta perspetiva e aderindo o Tribunal a ela, é patente que o pedido de inscrição como residente não habitual, previsto no nº 10 do artigo 16.º do Código do IRS, para efeitos de aplicação do regime dos residentes não habituais, apenas tem natureza meramente declarativa, a sua apresentação fora do prazo ali previsto não tem efeitos preclusivos do direito, mas tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, isto é, a partir do ano da inscrição do Requerente como residente não habitual, no caso concreto a partir de 2025. No mesmo sentido vão, em situações semelhantes, decisões de Tribunais do CAAD, citando-se a título de exemplo, as proferidas nos processos 893/2023-T e 745/2024.

Deste modo, o Tribunal conclui que não enfermam, as liquidações aqui em crise, dos vícios assacados no pedido de pronúncia arbitral, pelo que devem permanecer na ordem jurídica, com todas as consequências legais daí advindas, improcedendo o pedido de pronúncia com a consequente manutenção na ordem jurídica das referidas liquidações.

 

IV - DECISÃO

Em Face do exposto o Tribunal decide:

1)   Declarar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal.

2)   Declarar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente absolver a Requerida AT do mesmo, com as consequências legais daí advindas, designadamente a manutenção na ordem jurídica das liquidações aqui postas em crise. 

3)   Fixar o valor do processo em € 54 243,43 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC, artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT.

4)   Fixar o montante das custas em € 2 142,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da Requerente, conforme disposto no nº 4 do artigo 22º do RJAT e do artigo 527º nº 2 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT. 

Notifique-se

Lisboa, 05 de junho de 2025

O Árbitro,

 

Arlindo José Francisco