SUMÁRIO:
Tendo os Requerentes, na pendência do processo, obtido por via administrativa a satisfação dos seus pedidos, há que concluir pela extinção da lide por inutilidade superveniente, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (“CPC”), subsidiariamente aplicável.
DECISÃO ARBITRAL
A..., titular do número de identificação fiscal ... (”Primeiro Requerente”), e B..., titular do número de identificação fiscal ... (“Segunda Requerente”), ambos residentes na Rua ..., ...- ..., Braga, apresentaram, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), pedido de pronúncia arbitral tendo em vista, (i) a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024... e, mediatamente, a anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024..., do ano de 2023, no montante global de € 24 777,85; e (ii) o reembolso do imposto que consideram ter sido indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
I – RELATÓRIO
a) O pedido
Os Requerentes peticionaram a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024...e, mediatamente, da liquidação de IRS n.º 2024..., do ano de 2023, no montante global de € 24 777,85.
b) O litígio
Segundo a sua fundamentação, a liquidação impugnada decorreu da circunstância de a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) não ter aplicado, apesar de o Primeiro Requerente ser residente não habitual, os respetivos efeitos a todos os seus rendimentos, nomeadamente, reconhecendo a isenção requerida, relativamente aos rendimentos enquadrados na Categoria G, nos termos legalmente previstos, em função da tributação potencial a que se sujeita nos Estados Unidos da América, em razão da sua nacionalidade.
Os Requerentes insurgem-se contra tal liquidação por, nomeadamente, considerarem que a “[e]xistência de rendimentos da Categoria G com fonte no estrangeiro, como mais-valias mobiliárias, auferidos por um contribuinte detentor do estatuto de Residente Não Habitual (RNH), como é o caso do Requerente, e estando tais rendimentos sujeitos a tributação no Estado da fonte, incumbia à Autoridade Tributária e Aduaneira aplicar o método escolhido pelo contribuinte na sua declaração, nomeadamente o método da isenção, para efeitos de (não) tributação desses rendimentos” e “ [s]e os rendimentos da Categoria G auferidos por cidadãos norte-americanos detentores do estatuto de RNH em Portugal podem igualmente ser tributados pelos Estados Unidos, nos termos do disposto no ponto 1, alínea b), do Protocolo anexo à Convenção [para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento], que dela faz parte integrante, impõe-se a aplicação do método da isenção previsto no artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS”.
c) Tramitação processual
- O processo foi aceite em 26 de fevereiro de 2025.
- O árbitro foi designado, em 15 de abril de 2025, pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitou o encargo, não tendo sido suscitada qualquer oposição.
- O Tribunal Arbitral ficou constituído em 8 de maio de 2025.
- No dia 9 de maio de 2025, data posterior à constituição do Tribunal Arbitral, a AT veio juntar aos autos um despacho da Senhora Subdiretora-Geral dos Impostos sobre o Rendimento, atuando por delegação de competências, anulando a liquidação impugnada e referindo na fundamentação (do despacho) que: “Sendo manifesta a violação de lei, é entendimento dos serviços determinar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento indevido de imposto”.
- O Tribunal Arbitral dispensou, por despacho de 30 de maio de 2025, a notificação da Requerida para apresentar resposta (o despacho de revogação da liquidação e o reconhecimento da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios foi junto à ação arbitral após a constituição do Tribunal Arbitral e previamente à notificação da Requerida para apresentar resposta), prescindiu da realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações.
II – SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades e não existem razões que obstem ao conhecimento do mérito.
III – MÉRITO
I. FACTOS PROVADOS
a) O Tribunal Arbitral ficou constituído em 8 de maio de 2025.
(Sistema informático do CAAD)
b) A AT veio juntar aos autos, no dia 9 de maio de 2025, um despacho da Senhora Subdiretora-Geral dos Impostos sobre o Rendimento, atuando por delegação de competências, anulando a liquidação impugnada e referindo na fundamentação (do despacho) que: “Sendo manifesta a violação de lei, é entendimento dos serviços determinar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento indevido de imposto”.
(Sistema informático do CAAD)
c) O Tribunal Arbitral dispensou, por despacho de 30 de maio de 2025, a notificação da Requerida para apresentar resposta, prescindiu da realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações.
(Sistema informático do CAAD)
II. O DIREITO
A Requerida de modo expresso e concreto revogou a liquidação objeto da ação arbitral, bem como determinou o pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes.
O pedido de condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago é supérfluo, não carecendo de decisão autónoma, pois da anulação da liquidação decorre a obrigação legal de a AT proceder à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (artigo 100.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – “LGT”). Isto é, da referida obrigação emerge a repetição do indevido.
A anulação do ato contestado que satisfaça integralmente o pedido formulado no pedido de pronúncia arbitral conduz, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), à inutilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, tal como referido pelo Supremo Tribunal Administrativo[1], nos seguintes termos:
A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.
Julga-se, assim, a instância extinta. nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV – DECISÃO
Tendo os Requerentes, na pendência do presente processo, obtido, por via administrativa, a satisfação do pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2024..., do ano de 2023, no montante global de € 24 777,85 e do pagamento de juros indemnizatórios, há que concluir pela extinção da lide por inutilidade superveniente, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, subsidiariamente aplicável, com todas as consequências legais.
V – VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 32.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) e no artigo 97.º-A, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 24 777,85.
VI – CUSTAS
No montante de € 1530 euros, a cargo da Requerida, pois a decisão de revogação do ato impugnado, a ser tomada, deveria ter acontecido no prazo estabelecido no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT. Porque apenas o fez em momento posterior, depois da constituição do Tribunal Arbitral, deu causa ao funcionamento deste, pelo que responde pelas custas arbitrais.
Lisboa, 9 de junho de 2025
O árbitro,
Francisco Nicolau Domingos
[1] Acórdão de 30 de julho de 2014, proferido no processo n.º 0875/14.