Sumário:
I. Se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, pode dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária e Aduaneira.
II. Não se verificando tal impossibilidade ou excessiva dificuldade, nada obsta a que sejam cumpridos os normais trâmites dos pedidos de restituição de IVA previstos no ordenamento jurídico português, caso ainda não tenha decorrido o prazo de quatro anos previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (presidente), Prof.ª Doutora Marisa Almeida Araújo e Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma (adjuntas), designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. No dia 23 de junho de 2024, Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A..., NIF..., com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, representado pela sua sociedade gestora B... SGOIC, S.A., NIPC..., com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à apreciação da (i)legalidade e anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IVA em excesso no valor de € 1.328.037,36, referente a diversos períodos de tributação compreendidos entre abril de 2020 e novembro de 2021, inclusive, e, bem assim, à apreciação da (i)legalidade e anulação parcial das subjacentes autoliquidações de IVA repercutido ao Requerente, apresentadas pela sociedade C..., Lda. (doravante, C...), NIPC..., devidamente identificadas pelas respetivas declarações periódicas mensais sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., nos valores de, respetivamente, € 28.951,25, € 116.774,06, € 75.374,11, € 37.280,01, € 152.594,08, € 116.715,24, e € 135 320,07, e pela sociedade D..., Unipessoal, Lda. (doravante, D...), NIPC..., e também devidamente identificadas pelas respetivas declarações periódicas trimestrais (2.º a 4.º trimestres de 2020) e mensais (janeiro a novembro de 2021), anexas ao presente pedido sob os n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., nos valores, respetivamente, de € 69.000,00, € 103.500,00, € 103.500,00, € 34.500,00, € 41.914,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 36.614,36, € 34.500,00 e € 34.500,00.
O Requerente peticiona igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.
O Requerente juntou 2 (dois) anexos com documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 10 de julho de 2024.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.ºs 2, alínea a) e 3 e no artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou as signatárias como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 29 de agosto de 2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 28 de agosto de 2024.
4. No dia 1 de outubro de 2024, as empresas C..., Lda., NIPC ... (doravante, C...), e D..., Unipessoal, Lda., NIPC ... (doravante, D...), ambas com sede na ..., ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, requereram a sua intervenção principal espontânea nos autos, por adesão ao pedido de pronúncia arbitral, fazendo-o seu nos termos em que foi submetido pelo Requerente, nos termos e com os fundamentos vertidos no respetivo requerimento conjunto que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
5. No dia 1 de outubro de 2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pelo Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas; posteriormente, a Requerida procedeu à junção aos autos do processo administrativo (doravante, PA).
Notificada para o efeito, a Requerida veio, em 21 de outubro de 2024 pronunciar-se sobre o requerimento de intervenção principal espontânea das empresas C... e D... .
7. No dia 28 de fevereiro de 2025, foi proferido despacho arbitral para prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitral e em 16 de março de 2025 a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a da desnecessidade de apresentação de alegações escritas.
7. Atentos os fundamentos para tal aduzidos e por se verificarem os respetivos requisitos legais, designadamente os previstos nos artigos 311.º e 313.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, por despacho arbitral proferido em 7 de fevereiro de 2025, foi admitida a intervenção principal espontânea das empresas C... e D... .
Nessa sequência, a Requerida veio pronunciar-se sobre aquela que entende ser a repercussão nos presentes autos da intervenção principal espontânea das empresas C... e D..., nos termos constantes do requerimento apresentado em 25 de fevereiro de 2025 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
II. Saneamento
9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Admite-se a cumulação de pedidos, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
III. Fundamentação
III.1. De Facto
§1. Factos Provados
10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) O Requerente, aqui representado pela sua sociedade gestora, nos termos do respetivo Regulamento de Gestão, é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular e distribuição parcial segundo a legislação aplicável, sendo a respetiva atividade regulada pelo Regime da Gestão de Ativos. [cf. anexo II, documento n.º 1, junto com o PPA]
b) O Fundo foi autorizado pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) a 12 de janeiro de 2006, tendo sido constituído a 13 de março de 2006.
c) De acordo com o Regulamento de Gestão em vigor, o Fundo tem como objetivo “alcançar, numa perspetiva de médio e longo prazo, uma valorização crescente de capital, através da constituição e gestão de uma carteira de valores predominantemente imobiliários”. [cf. anexo II, documento n.º 1, junto com o PPA]
d) Tal objetivo materializa-se através do investimento no “desenvolvimento de projectos de promoção imobiliária, podendo ainda dirigir o seu investimento para projectos de construção de imóveis destinados a habitação, comércio, logística e serviços, para posterior venda ou arrendamento”. [cf. anexo II, documento n.º 1, junto com o PPA]
e) Enquanto responsável pela administração e gestão do Requerente, compete à sociedade gestora “adquirir, construir, arrendar, transaccionar e valorizar bens imóveis, e comprar, vender, subscrever, trocar ou reportar quaisquer valores mobiliários (…), e bem assim praticar os demais actos necessários à correcta administração e desenvolvimento do Fundo”. [cf. anexo II, documento n.º 1, junto com o PPA]
f) Adicionalmente, o Requerente, em complemento das funções desempenhadas pela sua sociedade gestora, adquire diretamente serviços visando a prossecução do objetivo inerente à sua atividade, designadamente, serviços de mediação imobiliária e serviços de consultoria e assessoria imobiliária que, consequentemente, são diretamente contratualizados e faturados ao Requerente.
g) Nos termos do contrato celebrado entre as partes, denominado “Contrato de Mediação Imobiliária” e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, os serviços de mediação imobiliária são prestados pela interveniente C..., uma empresa especializada nesta tipologia de serviços, no âmbito do qual esta se comprometeu a diligenciar, em regime de exclusividade, pela promoção da comercialização e arrendamento dos ativos imobiliários do Requerente. [cf. anexo II, documento n.º 2, junto com o PPA]
h) No âmbito do aludido contrato, a interveniente C... foi incumbida de realizar ações de promoção e apresentação dos imóveis a potenciais compradores, bem como à partilha de informação e definição de estratégia de marketing, negociar com os potenciais interessados na aquisição dos imóveis, procurando obter as melhores condições negociais na perspetiva do Requerente, cujo conteúdo se encontra integralmente reproduzido no referido contrato. [cf. anexo II, documento n.º 2, junto com o PPA]
i) Neste contexto, o Requerente incorreu em custos relacionados com a aquisição de serviços de mediação imobiliária à interveniente C..., nos termos estabelecidos na Cláusula 5.ª do aludido contrato e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. anexo II, documento n.º 2, junto com o PPA]
j) A interveniente C... enquadrou, para efeitos de IVA, a referida operação enquanto sujeita a IVA e dele não isenta, tendo, por isso, liquidado o imposto ao Requerente, à taxa normal de 23%, nas correspondentes faturas que emitiu durante os anos de 2020 e 2021. [cf. anexo II, documento n.º 3, junto com o PPA]
k) A fim de cumprir as obrigações necessárias à prossecução da sua atividade de desenvolvimento de projetos de promoção imobiliária, o Requerente recorre à interveniente D..., uma empresa especializada em serviços de consultoria e assessoria imobiliária, nos termos estabelecidos no contrato celebrado entre as partes em 20 de abril de 2020, denominado «Contrato de Prestação de Serviços de Consultadoria e Assessoria ao Empreendimento “...”» e que aqui se dá por inteiramente reproduzido. [cf. anexo II, documento n.º 4, junto com o PPA]
l) No quadro da assessoria e apoio à execução de projetos imobiliários, a interveniente D... presta ao Requerente os seguintes serviços: planeamento dos projetos, estratégias, definição de recursos materiais e humanos para a execução dos mesmos; definição de preços de comercialização; negociação e conclusão dos procedimentos de contratação dos prestadores necessários ao desenvolvimento dos projetos (e.g. empreiteiros e projetistas); acompanhamento dos trabalhos e fiscalização das empreitadas em curso; diligencia pelo cumprimento dos objetivos estabelecidos para os projetos e prazos inerentes aos mesmos; acompanhamento dos processos de licenciamento, atividades de promoção, marketing e comercialização; e, controlo financeiro dos projetos. [cf. anexo II, documento n.º 4, junto com o PPA]
m) Nos termos estabelecidos na Cláusula 4.ª do aludido contrato e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, a interveniente D... cobrou mensalmente ao Requerente uma remuneração pela prestação da totalidade dos aludidos serviços, enquadrando os mesmos, para efeitos de IVA, enquanto uma operação sujeita a IVA e não isenta deste imposto, tendo liquidado o imposto, à taxa normal de 23%, nas correspondentes faturas que emitiu durante os anos 2020 e 2021.[cf. anexo II, documento n.º 4 e documento n.º 5, juntos com o PPA]
n) Nos períodos de tributação compreendidos entre abril de 2020 e novembro de 2021, inclusive, as intervenientes C... e D... cobraram ao Requerente as remunerações devidas por este como contrapartida, respetivamente, dos serviços de mediação imobiliária e dos serviços de assessoria e consultoria imobiliária prestados ao mesmo, no montante global de € 7.102.112,84, sobre o qual incidiu o respetivo IVA, à taxa normal de 23%, que ascendeu ao montante de € 1.3283037,36, como consta das faturas emitidas pelas intervenientes C... e D... e declarações periódicas de IVA. [cf. anexo II, documentos n.ºs 3 e 5, e anexo III juntos com o PPA]
o) Por considerar erróneo o enquadramento em IVA aplicado aos aludidos serviços adquiridos às intervenientes C... e D..., por entender que os mesmos consubstanciam serviços de administração ou gestão de fundos de investimento, sendo, por isso, subsumíveis à isenção de IVA prevista na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, o Requerente endereçou cartas individuais a cada uma daquelas empresas prestadoras de serviços, no sentido de estas procederem à substituição das faturas referidas nos factos provados j) e m), emitindo novas faturas que refletissem o correto enquadramento em IVA, isto é, a aplicação da isenção deste imposto, acompanhadas da correspondente devolução, ao Requerente, do IVA indevidamente liquidado e por este pago. [cf. anexo II, documento n.º 6, junto com o PPA]
p) Tal pretensão do Requerente não mereceu a concordância das intervenientes C... e D..., as quais expressamente recusaram anular as aludidas faturas e emitir novas faturas com a aplicação do regime de isenção de IVA. [cf. anexo II, documento n.º 7, junto com o PPA]
q) No período compreendido entre abril de 2020 e novembro de 2021, inclusive, € 1.328.037,36 [cf. despacho de indeferimento ora junto como Anexo I] referente a diversos períodos de tributação compreendidos entre Abril de 2020 e Novembro de 2021 (conforme declarações periódicas respeitantes a tais períodos de imposto, respetivamente, os quais, não só mostram ser de montante totalmente imaterial, como não respeitam à tipologia de despesas cujo enquadramento se escrutina nesta sede. [cf. anexo II, documento n.º 8, junto com o PPA] ).
r) Os serviços adquiridos pelo Requerente foram enquadrados pelos prestadores enquanto serviços sujeitos a IVA e deste imposto não isentos sem enquadramento como isentos deste imposto, ao abrigo da subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA.
s) Tais serviços foram adquiridos tendentes à própria gestão e administração do Requerente.
t) O Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra as autoliquidações de IVA referentes aos períodos de tributação referidos, apresentadas pelas intervenientes C... e D..., nas quais se encontra refletido o imposto por estas liquidado e repercutido ao Requerente, referido no facto provado n), nos termos e com os fundamentos constantes do respetivo requerimento que aqui se dá por inteiramente reproduzido, a qual foi autuada sob o n.º ...2024... . [cf. anexo II junto com o PPA e PA]
u) Por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 11.03.2024 e emitido ao abrigo de subdelegação de competências, foi determinada a “rejeição liminar do pedido formulado”, com os seguintes fundamentos [cf. anexo I junto com o PPA e PA]:
“V. ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO
(…)
V.II. – Apreciação
31. A pretensão controvertida na Revisão Oficiosa em apreço, consubstancia-se na anulação parcial das autoliquidações de IVA, subjacentes às declarações periódicas de IVA, referentes aos períodos de tributação compreendidos entre abril de 2020 e novembro de 2021, submetidas pelas entidades referidas, decorrente da verificação de um alegado erro no enquadramento jurídico-tributário das prestações de serviços de mediação imobiliária e consultoria e assessoria imobiliária, que determinou que estas, alegadamente, liquidassem indevidamente, à Requerente, a importância que pretende verlhe restituída. 32. Analisando a petição submetida, bem como os fundamentos invocados, verifica-se que a questão material que se apresenta nestes autos assenta em aferir sobre a suscetibilidade do exercício do direito à correção do IVA considerado como indevidamente liquidado, bem como, na interpretação do teor da subalínea g), da alínea 27, do artigo 9.º do CIVA, e da possibilidade de enquadramento na mesma das operações acima referidas. 33. Posto isto, importa, a título prévio, verificar sobre o preenchimento respetivos dos pressupostos processuais, em concreto, a tempestividade, legitimidade, e bem assim, a suscetibilidade do recurso ao procedimento de Revisão Oficiosa como meio de lograr obter as pretensões formuladas em sede de petição. 34. A Revisão Oficiosa constitui uma garantia dos administrados/contribuintes, consubstanciando-se num meio administrativo de correção de atos de liquidação de tributos, visando a anulação total ou parcial de um ato que já produziu efeitos na ordem jurídica, podendo ter como fundamento, como decorre do previsto no artigo 78.º da LGT, erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória, ou duplicação de coleta. 35. Tal mecanismo é igualmente aplicável quando estejam em causa atos tributários em IVA, conforme decorre do disposto no artigo 98.º do CIVA, onde se estatui que “Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.” (sublinhado nosso). 36. Face à configuração efetuada pelo sujeito passivo na sua petição inicial, porque estamos perante um suposto erro na autoliquidação, decorrente de um errado enquadramento jurídico-tributário das prestações de serviço em análise, o mesmo seria, no entendimento da Requerente, considerado imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º do LGT. 37. Determina o artigo 78.º da LGT, que: “1 - A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. 2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março) 3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) 4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Redação do n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro) 5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (Anterior n.º 4.) 6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) 7 - Interrompe o prazo da Revisão Oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização. (Redação da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (Anterior n.º6 .)
38. Do teor do artigo resulta que, a Revisão Oficiosa é permitida em prazos e com fundamentos diversos consoante a iniciativa seja do sujeito passivo ou da AT. 39. Assim, a mesma pode, desde logo, ser despoletada por iniciativa do contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, desde que efetuada no prazo de reclamação graciosa, o que como explanado acima, não sucedeu. 40. No que concerne ao pedido de Revisão Oficiosa por iniciativa da AT, importa ainda realçar que, de acordo com aquela que tem vindo a ser a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no caso de a iniciativa da revisão do ato ser dos sujeitos passivos, estes também podem beneficiar do mesmo prazo que é concedido à AT, desde que se trate de erro imputável aos serviços.5 41. No mesmo sentido, José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes6 “(…) Nestes casos em que existe um pedido do contribuinte efetuado após o prazo que lhe estava consentido – da reclamação administrativa – mas no prazo consentido para a administração, a eventual revisão considera-se, para todos os efeitos, de iniciativa da administração tributária, não obstante a existência de um impulso do interessado. Desta forma, não servirá, aqui, como fundamento da revisão “qualquer ilegalidade” (fundamento previsto no n,º 1 do artigo 78.º para os casos de iniciativa do contribuinte), sendo necessário a existência de erro imputável aos serviços (de acordo com o mesmo dispositivo) ou injustiça grave ou notória, como refere o n.º 4 do mesmo artigo.” 42. A revisão oficiosa apresentada nestes termos exige que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: i) o pedido seja apresentado no prazo de 4 anos contados a partir do ato cuja revisão se solicita ou a todo o tempo se o tributo não se encontrar pago; ii) tenha origem em “erro imputável aos serviços”; e iii) e proceda de iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT. 43. Deste modo, perante um caso, como o presente, em que a Requerente vem solicitar a revisão oficiosa de determinados atos tributários ao abrigo da 2.º parte do n.º 1 do artigo em análise, perante a sua eventual ilegalidade, importa aferir a quem é imputável o erro invocado. 44. Por força do princípio geral previsto no âmbito do procedimento e do processo tributário, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do artigo 342.º do Código Civil e n.º 1 do artigo 74. ° da LGT). 45. Daqui decorre que, arrogando-se a Requerente do direito à regularização do IVA que, alegadamente, foi indevidamente liquidado, cabe-lhe o ónus de comprovar a ocorrência do erro que lhe está subjacente e imputabilidade do mesmo à AT. 46. Neste pressuposto, não logrando fazê-lo, apurando-se que o erro é imputável ao contribuinte, sendo o pedido apresentado para além do prazo de reclamação (2 anos a contar da entrega da declaração periódica onde se verificou o erro- artigo 131.º CPPT) a revisão oficiosa deve ser rejeitada por não se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos, em concreto, a tempestividade.
47. Na hipótese de se verificar que o mesmo é imputável à AT, recai sobre esta o dever de apreciar o pedido, revendo o ato em causa.
48. Com efeito, conforme refere Paulo Marques7 “(…) o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à administração, com a ressalva da situação de erro na autoliquidação que, para o efeito de acesso a este meio de defesa, é equiparado ao daquela primeira espécie” (sublinhado nosso). Importa ressalvar que esta última referência se reporta à redação do artigo 78.º n.º 2 da LGT, anterior à sua revogação.
49. Na verdade, perscrutando a petição apresentada pela Requerente, não se vislumbra sequer a existência de qualquer erro nas autoliquidações efetuadas, uma vez que, a mesmas encontram-se conforme às disposições legais aplicáveis à questão em análise, como, e conforme melhor se explicará adiante, a admitir-se a existência de um eventual erro (o que não se concebe) o mesmo não se reportaria a estas, mas às faturas emitidas as quais não foram corrigidas tempestivamente nos termos previstos na lei.
50. Acresce que, do exposto decorre que o que está em causa nos autos é o exercício do direito à regularização do imposto a favor dos sujeitos passivos, matéria que indubitavelmente está na sua disponibilidade, é manifesto que nenhum erro pode ser imputado à AT.
51. O direito à regularização do imposto não se consubstancia num poder-dever imposto aos sujeitos passivos, mas numa faculdade, sendo exemplo disso, os diversos casos previstos no artigo 78.º do CIVA, onde se estabelece essa possibilidade no caso de se tratar de correção a favor dos contribuintes.
52. Trata-se de uma opção legitima dos sujeitos passivos, não podendo a AT substitui-se aos mesmos no seu exercício, a qual a ser exercida deverá respeitar os prazos legalmente previstos.
53. Sendo que da factualidade descrita decorre que a Requerente limita-se a invocar a ocorrência de uma liquidação indevida de IVA efetuada pelos prestadores de serviços, em resultado duma incorreta interpretação do regime de isenção do IVA, sem apresentar qualquer justificação para a sua imputabilidade à AT, sendo ponto assente, que as declarações de IVA em causa não foram apresentadas com suporte em qualquer informação genérica, matéria que nem se encontra alegada.
54. A Requerente, alicerça toda a sua alegação numa argumentação vaga e genérica, tecendo meras considerações gerais, e invocando jurisprudência sem que, em concreto, densifique em que consiste o erro invocado, e como pode o mesmo ser assacado à AT, o que como referido, não se admite. Importa realçar que a Requerente refere a este propósito que tomou consciência do alegado erro através da publicação dum acórdão do TJUE cf, refere no artigo 24.º da petição inicial, a qual sucedeu há mais de 2 anos sem que a mesma tenha tomado qualquer providência no sentido de proceder à sua sanação, sem que, fundamente em que medida daí se possa extrapolar a ocorrência de um erro da AT.
55. Cumpre salientar que, o IVA, ainda que indevidamente liquidado, seja por que motivo for, deverá sempre ser entregue por força do disposto no artigo 203.º da Diretiva IVA, transposto para o nosso ordenamento jurídico através da alínea c) do n.º 1 artigo 2.º do CIVA que qualifica como sujeito passivo de imposto “as pessoas singulares ou coletivas que, em fatura, mencionem indevidamente IVA”, desde que a mesma reúna os requisitos previsto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.
56. Para efeitos de IVA, do disposto resulta que, a simples menção do IVA em tais documentos, determina que o respetivo emitente fique enquadrado nas regras de incidência subjetiva, impendendo sobre ele a obrigação de entregar ao Estado, o imposto liquidado, ainda que indevidamente, e seja qual for o motivo. Por esse facto, passa a ser considerado devedor de imposto, tendo que cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 27.º do CIVA.
57. De facto, como refere Xavier de Basto “cada fatura com menção de imposto constitui ´um cheque sobre o tesouro´, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo, o direito a deduzir o IVA nela contido.”
58. Daqui decorre que, a liquidação efetuada pelos prestadores de serviços na fatura e a declaração de IVA entregue junto da AT (a que alude o artigo 29.º, n.º 1, al. c) do CIVA), não sofrem de ilegalidade, o mesmo ocorrendo com a arrecadação de imposto operada pela AT. Ao invés, a sua exigência é inerente à natureza e à lógica de funcionamento do próprio imposto.
59. Esta posição encontra acolhimento na decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo n.º 63/2015 que apela à jurisprudência do acórdão do TCA-Sul, de 04.07.2000, proferida no âmbito do processo n.º 1525/98, onde expressamente se refere que “em caso de imposto mencionado na fatura de montante superior ao devido, enquanto não for retificado, é o mesmo devido, cabendo à Administração Fiscal a sua liquidação adicional, no caso de o sujeito passivo não o fizer”.
60. Na verdade, as faturas em que se materializam as autoliquidações incluem menção do IVA e não foram objeto de correção ou regularização, pelo que o IVA é devido independentemente de ser ou não aplicável a isenção pretendida, como resulta dos normativos acima citados e foi confirmado pelo TJUE no acórdão de 31-01-2013, proferido no processo C-643/11, que se refere que «o imposto sobre o valor acrescentado mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido, independentemente da existência efetiva de uma operação tributável».
61. No caso em apreço, não se está perante uma situação em que seja permitida a anulação das autoliquidações, como, aliás, decorre do teor expresso do n.º 3 do artigo 97.º do CIVA, que estabelece que “as liquidações só podem ser anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na fatura passada ao adquirente nos termos do artigo 37.º”.
62. Ademais, cumpre realçar que a liquidação do imposto nos termos em que foi realizada correspondeu à vontade das partes, que por acordo e no âmbito da liberdade contratual que lhes assiste, fizeram constar essa mesma intenção nos contratos celebrados (cf. clausula quinta – Documento 2, e clausula quarta- Documento 4, juntos com a petição inicial).
63. Nestes termos, inexistindo qualquer erro que possa ser imputado à AT, deve concluir-se que não tendo a Requerente apresentado o requerimento de Revisão Oficiosa dentro do prazo de dois anos a contar da data da entrega das declarações periódicas relativas aos períodos de tributação compreendidos entre abril de 2020 e novembro de 2021, a mesma mostra-se intempestiva.
64. Sem prescindir, e mais uma vez no mero pressuposto de estarmos perante a existência de um alegado erro, importa realçar que, como referido, o mesmo jamais se poderia reportar às mencionadas autoliquidações, mas sim a atos prévios às mesmas - as faturas emitidas pelos prestadores de serviços, onde se materializou a liquidação do imposto que a Requerente alega ser ilegal.
65. Com efeito, as autoliquidações não estão erradas porquanto devem refletir as faturas emitidas e os respetivos registos contabilísticos efetuados pelo sujeito passivo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 29.º, n.º 5 do artigo 36.º e 44.º e 45.º, todos do CIVA.
66. Sucede que, no que concerne a este ponto, deve ter-se em consideração os prazos de caducidade das regularizações de imposto, previstos no CIVA, em normas especiais dotadas de carater imperativo.
67. Com efeito, a revisão da autoliquidação não pode colocar em causa estas normas imperativas, sob pena das mesmas ficarem desprovidas de qualquer efeito útil, permitindo a extensão do prazo caducidade nelas previsto.
68. O CIVA, ao contrário do que sucede com outros impostos autoliquidados, contem diversas normas referentes à regularização do imposto que têm de ser articuladas com aquelas que preveem garantias impugnatórias dos sujeitos passivos.
69. O IVA é um imposto plurifásico, cuja liquidação se processa em todas as fases de produção e distribuição, ou seja, fracionando-se por todos os operadores que participam nesse circuito. Funcionando através do denominado método de crédito de imposto, indireto subtrativo, ou das faturas, o que significa que a qualquer um dos sujeitos passivos integrados na cadeia referida é conferido o direito à dedução do imposto suportado a montante.
70. Este princípio encontra-se consagrado no n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro (Diretiva IVA), e concretizado no seu artigo 73.º, transposto para o nosso ordenamento jurídico, através do artigo 16.º do CIVA, onde se determina no seu n.º 1 que “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.” É sobre este valor que irá incidir o IVA, à taxa aplicável ao caso, no momento em que ocorrer o facto gerador e a respetiva exigibilidade.
71. No entanto, as operações subjacentes a esta cadeia, por vezes, sofrem vicissitudes que implicam que os sujeitos passivos procedam à regularização do imposto liquidado ou deduzido.
72. No caso de autoliquidação, a mesma é efetuada com base nos registos contabilísticos que tiveram como base os correspondentes documentos de suporte, em regra, uma fatura, concretizando-se com a entrega da declaração periódica.
73. Após o envio da mesma, qualquer alteração constitui uma regularização do imposto.
74. Tais correções podem incidir, designadamente, sobre o facto tributário, a fatura, o registo contabilístico ou a declaração periódica.
75. Trata-se de uma matéria objeto de regulamentação autónoma quer a nível da Diretiva IVA (artigo 90.º), quer a nível interno (artigo 78.º do CIVA), onde se definem os diversos tipos de erros e os procedimentos tendentes à sua regularização.
76. Sucede que, ao contrário do que que acontece com a regularização do imposto inicialmente deduzido, onde se prevê a nível comunitário um direito geral dos sujeitos passivos a essa regularização, de acordo com a disciplina a definir pelos diversos Estados Membros, no caso do imposto liquidado em excesso, a Diretiva IVA já não contempla um direito geral similar. O que se compreende, pois como referido, o imposto indevidamente liquidado é de entrega obrigatória.
77. Face ao caso concreto, e tendo em consideração a situação fática descrita, os argumentos tecidos e os documentos disponibilizados pela Requerente (embora não se mostrem suscetíveis de comprovar na integra o alegado nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT) constata-se que estarmos perante uma situação enquadrável no âmbito do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, que se refere às regularizações decorrentes de inexatidão nas faturas.
78. Tanto mais se tivermos em consideração o conceito lato de fatura inexata adotado pelo legislador.
79. Nesse sentido trazemos à colação a doutrina defendida por João Canelhas Duro que refere que, «perante a utilização de um conceito vago como “fatura inexata”, o aplicador deve procurar a densificação conceptual que mais se adequa à natureza da norma em apreço e à estrutura logica do sistema jurídico. Ora, pela leitura do n.º 3 do art.º 78.º constata-se que o erro em questão é suscetível de originar tanto imposto liquidado em excesso como imposto liquidado por defeito. Desta forma, não se aceita que seja afastada a possibilidade desse erro na liquidação ter origem numa errada configuração jurídica da operação titulada pela fatura, sendo quase sempre, de direito, precisamente, o erro que origina incorreções de imposto liquidado.».
80. Reiterando esse entendimento, veja-se a fundamentação constante na decisão que recaiu sobre pedido de pronúncia arbitral submetido ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e proferida no âmbito do processo n.º 350/2015-T, onde de forma exemplar esclarece-se que: “(…) Assim, sendo correta a ligação – decorrente do próprio texto da norma do artigo 78.º/1 do Código do IVA – entre as inexatidões passíveis de correção nos termos daquele n.º 1 e do subsequente n.º 3, e o artigo 36.º/5 do código do IVA, considera-se que o referido regime – dos n.ºs 1 e 3 do artigo 78.º - será aplicável às retificações de inexatidões nas menções impostas por aquele n.º 5, independentemente da causa de tais inexatidões, ou seja, de estas serem devidas a um errado enquadramento do direito ou dos factos, a dolo de fraude, a negligência, inépcia, desleixo, ou qualquer outra causa ou motivação. Não se vislumbra, efetivamente, qualquer fundamento material para distinguir, como se faz na decisão ora em análise, os casos em que “o sujeito passivo indica uma taxa de IVA incorreta”, intencionalmente, por estar errado no enquadramento que faz da operação, de todos os restantes casos em que tal ocorra, sem querer ou propositadamente. Com efeito, como se apontou já, julga-se que a limitação temporal consagrada no artigo 78.º/3 do Código do IVA tem subjacente a necessidade de assegurar à Requerida uma dilação suficiente para, dentro do prazo de caducidade dos tributos, proceder às fiscalizações e correções que, em função das retificações operadas, se tornem necessárias. Ora, a verdade é que tal necessidade se verifica precisamente com a mesma intensidade, quer a retificação se dê porquanto o sujeito passivo procedeu, nas faturas que emitiu, a um errado enquadramento de direito da operação tributável em que interveio, quer aquela se dê por qualquer outro motivo, não se detetando, ao contrário do que alega a Reclamante, qualquer injustiça (…)”.
81. Pelo que, salvo melhor entendimento, estar-se-á perante uma situação de inexatidão de fatura relevante para efeitos de passível correção nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 78.º do CIVA, quando o valor tributável da operação, ou o respetivo imposto nela mencionado, não forem os corretos, face aos factos apurados e ao direito aplicável.
82. Abrangendo não só os casos em que um dos requisitos a que a mesma se encontra adstrita não está observado (por exemplo, não haver menção à taxa de IVA aplicável ou ao imposto liquidado), bem como quando um de tais requisitos esteja incorretamente observado, como seja, o imposto liquidado não seja o correto. E isto independentemente de quaisquer motivações subjetivas das partes envolvidas.
83. Determina o n.º 3 do mencionado preceito legal que “nos casos de faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a retificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efetuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a fatura a retificar, e é facultativa, quando houver imposto a mais, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos”. (sublinhado nosso).
84. Embora a referida regularização seja uma faculdade conferida aos sujeitos passivos, sempre que os mesmo optem por efetuá-la, é necessário o cumprimento do previsto no n.º 4 e 5 do mesmo artigo, os quais determinam que: “(…) 4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada. 5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução. (…)”
85. De notar que, o previsto no n.º 5 supratranscrito, tem como objetivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize, a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este (adquirente), proceda à correção do correspondente valor, a favor do Estado.
86. Nesse sentido, impunha-se que as faturas emitidas, nas quais foi incluído IVA à taxa de 23%, fossem corrigidas, nos termos legais, para que passasse a constar das mesmas a menção e justificação para a aplicação da isenção de imposto nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, que entende, a Requerente, ser o enquadramento legalmente correto.
87. Não se verificando tais requisitos, inexistirá fundamento legal para a anulação das autoliquidações em questão, por as mesmas estarem em conformidade com as normas legais aplicáveis.
88. E nem se diga que a tal obsta a circunstância de as operações em causa, face ao quadro legal defendido pela Requerente, não serem sujeitas a tributação.
89. Na verdade, como já ressalvado, quando muito, esse facto determinava não a ilegalidade das autoliquidações, mas da liquidação efetuada no documento de suporte emitido, que segundo o sujeito passivo, menciona erradamente o IVA, cuja retificação se impunha, repondo, assim, a verdade fiscal.
90. A autoliquidação deve estar em conformidade com o IVA liquidado pelo sujeito passivo na sua faturação e respetiva contabilização, sob pena de ilegalidade.
91. Assim sendo, não padecem as autoliquidações objeto do presente procedimento de qualquer ilegalidade, estando conformes às normas que lhes estão subjacentes.
92. Tendo sido liquidado o imposto em causa, de acordo com o documento de suporte respetivo, terá entregue, precisamente, o imposto que era devido, e não em excesso.
93. Pelo que, decorrendo o prazo de 2 anos, sem essa correção prévia, o referido erro considera-se sanado, ficando vedada a possibilidade de se obter, por esta via, o mencionado efeito (a anulação do IVA liquidado em excesso).
94. De facto, sendo o imposto constante na fatura de montante superior ao devido, enquanto não for retificado, o mesmo é devido.
95. Conforme refere João Canelhas Duro9 , por referência ao disposto no n.º 5 do artigo 97.º do CIVA “(…) num cenário de possível regularização de faturas inexatas efetuadas nos termos do n.º 3 do art. 78.º, tendo passado o prazo de regularização a favor do sujeito passivo previsto nesta norma, de nada adiantará lançar mão dos mecanismos tendentes à reclamação ou impugnação da autoliquidação, porquanto tais mecanismos não procederão se, no prazo de regularização, tais faturas não foram devidamente corrigidas e, naturalmente, para além dos restantes procedimentos legais, se não for regularizado o imposto eventualmente deduzido em excesso pelo adquirente (…).”.
96. O procedimento de regularização visa não só permitir que o sujeito passivo recupere o valor do IVA entregue indevidamente, como igualmente, faculta a regularização do imposto deduzido, uma vez, cumpridos os requisitos legalmente previsto.
97. Trata-se de uma questão que do ponto de vista jurídico não se apresenta como de particular dificuldade, limitando-se a uma interpretação do disposto no n.º 3. 4 e 5 do artigo 78.º do CIVA, os quais não se revelam de especial complexidade.
98. Aliás, decorre do alegado pela Requerente que a mesma tinha perfeito conhecimento do procedimento a seguir nos casos como o presente, tanto mais que, alegadamente (porquanto os documentos juntos não comprovam de forma cabal o efetivo envio do pedido de regularização), pretendeu dar cumprimento ao mesmo.
99. Sucede que a regularização não veio a suceder, sendo que jamais a mesma poderia ser aceite porquanto o prazo para o efeito já havia decorrido, o que necessariamente, inviabilizaria a sua pretensão.
100. A limitação temporal constante do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, encontra-se relacionada com o prazo geral de caducidade do direito à liquidação de tributos previsto no artigo 45.º da LGT, permitindo à AT fiscalizar e proceder à eventuais correções, que em função das retificações realizadas se mostrem necessárias.
101. O direito à regularização não é absoluto, encontrando-se sujeito a determinados requisitos, nomeadamente, temporais, o que significa que tem de ser exercido nos prazos previstos na lei, os quais se impõem por força do princípio da segurança e certeza jurídicas.
102. Cumprindo salientar que, no que concerne à questão do prazo de 2 anos para efeito de regularização do imposto, é hoje entendimento assente do TJUE, que o mesmo mostra-se razoável, não colocando em causa o princípio da efetividade e da neutralidade, ao contrário do que invoca a Requerente.
103. Face ao exposto, o pedido de Revisão Oficiosa não se mostra como meio processual adequado para obter a sanação da incorreção verificada.
104. Face ao exposto, demostrado que ficou que a Revisão Oficiosa não se apresenta idónea a fazer valer a pretensão da Requerente, por não se encontrarem preenchidos diversos pressupostos legalmente previstos para o efeito, não se vislumbrando que seja admissível a sua convolação noutro qualquer meio impugnatório.
105. Em consequência, fica precludida a apreciação do mérito/legalidade das demais questões colocadas, em concreto, a aferição da suscetibilidade das operações em causa se enquadrarem, para efeito de tributação em sede de IVA, no âmbito da norma de isenção contante da subalínea g), da alínea 27 do artigo 9.º do CIVA, e bem assim, sobre o quantum e respetiva comprovação do imposto alegadamente liquidado em excesso, em cumprimento o ónus da prova que sobre si impende nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, que por mero dever de patrocínio não se admite que esteja cumprido.
v) O Requerente foi notificado da decisão final da aludida revisão oficiosa através de ofício, datado de 11.03.2024, da Unidade dos Grandes Contribuintes, remetido por correio registado. [cf. PA]
w) No dia 23.06.2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. Factos não Provados
11. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.
§3. Motivação quanto à Matéria de Facto
12. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada.
A convicção do Tribunal Arbitral resultou da apreciação crítica e de uma adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, de todo o acervo probatório de natureza documental que foi carreado para os autos e que não foi impugnado, em conjugação com as alegações das partes nos respetivos articulados quando reportadas a factos pertinentes para a decisão que não se mostraram controvertidos.
III.2. De Direito
§1. O thema decidendum
13. No epicentro do dissídio entre as partes estão as seguintes questões jurídico-tributárias: saber se o Requerente, enquanto adquirente e repercutido legal, pode dirigir diretamente à Autoridade Tributária e Aduaneira o pedido de reembolso do imposto que considera ter indevidamente suportado, relativamente aos serviços adquiridos às intervenientes C... e D..., e que foi por estas declarado nas respetivas autoliquidações de IVA; e, a aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 27), subalínea g), do Código do IVA, aos serviços adquiridos pelo Requerente às intervenientes C... e D... .
§2. As Posições das Partes
14. O Requerente e as intervenientes C... e D... propugnam, nuclearmente, o seguinte:
- “…, o presente fundo de investimento imobiliário, aqui Requerente, reveste, de forma inequívoca, a qualidade de fundo de investimento para efeitos de aplicação da isenção sob escrutínio, o que, inerentemente, qualifica a B... SGOIC, S.A. enquanto Sociedade Gestora, nos termos e para efeitos do artigo 2.º da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009 (“Diretiva OICVM”), na medida em que efetua a gestão dos organismos sob a sua alçada e prossegue os objetivos estabelecidos no Anexo II da mesma Diretiva (embora não esgotando as suas funções nas que se encontram aí previstas), conforme poderá ser aferido no Regulamento de Gestão do Fundo, …”
- “…, encontra-se prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva IVA (transposta para o ordenamento jurídico nacional através da subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA), a isenção de imposto aplicável às prestações de serviços de “administração ou gestão de fundos comuns de investimento”.”
- “É hoje inequívoco que o âmbito de aplicação da isenção de IVA objeto da presente análise se aplica, tanto aos serviços prestados pelas sociedades que se dedicam diretamente à gestão dos fundos de investimento, como àqueles prestados pelos próprios prestadores dos serviços externalizados (in casu, as entidades como a C... e D...), contratados pelas sociedades gestoras e/ou diretamente pelo(s) Fundo(s) para cumprirem parte das suas obrigações de gestão e administração dos fundos de investimento sob a sua alçada.”
- “É esse o entendimento claro do TJUE desde o Acórdão de 4 de maio de 2006, no âmbito do processo C-169/04, no qual este douto Tribunal concluiu que “(…) os serviços de gestão prestados por um gestor terceiro são abrangidos, em princípio, pelo âmbito de aplicação do artigo 13.º, B, alínea d), n.º 6 da Sexta Diretiva” (atual alínea g) do n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva IVA).”
- “No que concerne ao âmbito objetivo desta isenção, o TJUE tem reiterado uniformemente que estarão isentas de IVA as operações específicas à atividade dos organismos de investimento coletivo, onde estarão incluídas não só as funções de gestão de carteira de títulos, mas também os deveres de gestão dos próprios OIC.”
- “Em linha com o entendimento vertido por este Tribunal, forçosamente será de extrair que o facto de os serviços de mediação imobiliária, consultoria e assessoria imobiliária não encontrarem previsão expressa no Anexo II da Diretiva OICVM, em nada obsta a que tais serviços possuam um nexo direto e intrínseco com a atividade de gestão e/ou administração de um fundo de investimento – como o aqui Requerente – e, como tal, deverão também eles ser considerados operações isentas ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 135.º da Diretiva IVA em linha com a subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA.”
- “Ademais, refere o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 17 de Junho de 2021, prolatado nos processos apensos C-58/20 e C-59/20 que “(…) para saber se prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento são abrangidas pela isenção prevista no artigo 135.º, n.º1, alínea g), da Diretiva IVA, importa apreciar se esses serviços formam um conjunto distinto, apreciado de modo global”.”
- “Transpondo o entendimento daquele Tribunal para a situação aqui em análise, dir-se-á que o facto de o Requerente adquirir os serviços de mediação imobiliária e consultoria e assessoria imobiliária a um prestador externo, não obsta à aplicação da isenção em sede de IVA aos mesmos.”
- “… o TJUE reiterou que, como já resultava da jurisprudência anteriormente emanada a respeito do tema, a exigência de um carácter distinto ou autónomo dos serviços prestados por terceiros, não afasta a externalização parcial de um serviço ou do conjunto dos serviços de gestão, contanto que os mesmos serviços cumpram as funções específicas e essenciais da gestão dos fundos de investimento.”
- “…, atente-se aos contratos celebrados entre o Requerente e as entidades C... e D..., onde os serviços de mediação imobiliária e assessoria e consultoria imobiliária acarretam uma índole essencial e específica à atividade prosseguida pelo Fundo e, bem assim, necessárias à gestão do fundo de investimento imobiliário, quando considerados à luz do objeto ….”
- “…, considerando que estamos perante um Fundo de Investimento Imobiliário, os serviços adquiridos pelo Requerente à C... cumprem as funções necessárias à atividade resultante do seu objeto – a compra e venda de ativos imobiliários, resultando notória a essencialidade subjacente a tais serviços, obviando o nexo intrínseco existente entre os serviços contratados e as funções que deveriam ser executadas pela sociedade gestora do Requerente.”
- “O mesmo se diga a respeito dos serviços prestados pela D... que, por sua vez, aplicando um racional idêntico ao supra expendido, assumem-se absolutamente fundamentais à atividade do Requerente no que concerne aos projetos de promoção imobiliária por este levados a cabo e, bem assim, projetos de construção de imóveis.”
- “… os serviços de mediação imobiliária e assessoria e consultoria imobiliária destinados à gestão de fundos de investimento imobiliários adquiridos pelo Requerente a prestadores externos, assumem, de forma clara e inequívoca, o cumprimento de funções específicas e essenciais, apresentando um notório nexo intrínseco com as funções legais e contratualmente obrigatórias para a atividade de gestão de carteira ou fundos de investimento (imobiliários).”
- “…, a contratação de serviços de mediação imobiliária e assessoria e consultoria imobiliária circunscrevem-se única e simplesmente ao cumprimento das obrigações legais e contratuais inerentes à Sociedade Gestora, no que à boa gestão de um fundo imobiliário (como sucede in casu) diz respeito, bem como ao cumprimento da política de investimento do Fundo, conforme se encontra estabelecida no seu Regulamento de Gestão, com a única particularidade de que a sociedade gestora optou por externalizar tais funções através da contratação dos serviços em apreço, algo que, (…), é uma opção que em nada obsta à aplicação da isenção ora sob apreciação.”
- “…, fica claro que se encontram abrangidos pela aplicação da isenção de IVA prevista na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA os serviços prestados de mediação imobiliária e consultoria e assessoria imobiliária porquanto, formando um conjunto distinto, possuem um notório nexo intrínseco com as funções legal ou contratualmente obrigatórias para a gestão e administração da carteira e/ou do fundo de investimento (imobiliário) ora Requerente.”
- “…, entende o Requerente ser da maior relevância trazer à colação o entendimento propugnado pelo TJUE no âmbito do seu Acórdão de 8 de dezembro de 2022 prolatado no processo C-378/21.”
- “… nos períodos 03T2020 e 06T2020, o Requerente deduziu IVA nos montantes globais de € 103,71; e € 23,93 (tal como consta das declarações periódicas respeitantes a tais períodos de imposto – Documento 8 junto ao pedido de revisão, Anexo II), respetivamente, os quais, não só se mostram imateriais em valor como não respeitam à tipologia de despesas cujo enquadramento se escrutina nesta sede, o que demonstra que inexista, no caso, qualquer risco de perda de receitas fiscais por essa via.”
- “…, o Requerente tentou obter junto dos fornecedores em causa a retificação das facturas que lhe foram emitidas com a aplicação do enquadramento em IVA aqui propugnado, tendo os mesmos manifestado, de forma veemente, recusa em fazê-lo.”
- “…, recuperando o entendimento perfilhado pelo TJUE no sentido de dizer que , “se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente facturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, tem o direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária” (Acórdão de 7 de setembro de 2023 (processo C-453/22, Caso Finanzamt Brilon) – não poderá o Requerente ver-se coartado da possibilidade de obter, na sua esfera, o reembolso dos montantes de IVA por si indevidamente suportados com a aquisição de serviços tendentes à sua própria gestão e administração, na medida em que os mesmos deveriam ter beneficiado da isenção de imposto consagrada na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA.”
- “Paralelamente, relativamente à possibilidade de existência de um duplo reembolso, a verificar-se na eventualidade de o fornecedor retificar as facturas ab initio dirigidas ao beneficiário dos serviços posteriormente ao reembolso deste pela AT, em simultâneo com o ato de requisição do reembolso oriundo do fornecedor, notou ainda o TJUE, no acórdão em apreço, que tal risco estará, à partida, excluído, na medida em que o mesmo poderá ser recusado caso se comprove que tal direito se encontra a ser invocado de forma abusiva.”
- “Na situação em apreço estamos perante um erro de Direito, porquanto os serviços adquiridos pelo Requerente foram enquadrados pelos prestadores enquanto serviços sujeitos a IVA e deste imposto não isentos quando, conforme anteriormente explanado, deveriam ter sido enquadrados como isentos deste imposto, ao abrigo da subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA.”
- “…, a respeito do erro de enquadramento das operações tributáveis dos sujeitos passivos – e exactamente a respeito da isenção de IVA na gestão de fundos de investimento –, cumpre imperativamente trazer aos presentes autos o entendimento propugnado pelo STA no seu Acórdão de 7 de abril de 2021, prolatado no processo n.º 02315/14.1BELRS, …”
- “…, entendeu o STA no citado aresto que “não restam dúvidas quanto à natureza do erro em que incorreu a ora Recorrida: trata-se de um erro de enquadramento ou erro de direito, ou seja, uma situação em que, por errónea interpretação e aplicação do direito (errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA), a mesma liquidou imposto.”
- “Por conseguinte, conclui o STA no citado aresto que “face à inaplicabilidade das normas ínsitas no art. 78.º do CIVA, no caso de erro de direito deverá ser aplicado o prazo geral e supletivo de quatro anos previsto no art. 98.º do CIVA”, arguindo ainda que “[a] errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA constitui um erro de enquadramento ou erro de direito”.
- “… a anulação (parcial) das liquidações que subjazem ao presente pedido e a consequente restituição do imposto indevidamente suportado pelo Requerente, no montante de € 1.706.957,20, configuram a única forma de dar cumprimento ao direito da União Europeia, em concreto, aos princípios da neutralidade e da efetividade que regem o sistema comum do IVA.”
- “A este respeito, também já se pronunciou o CAAD no sentido de esclarecer que «o erro de direito verifica-se nas “situações em que, não obstante a correta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável”, ou seja, em que existe um erro de enquadramento legal, por o sujeito passivo ter feito uma incorreta interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do direito e, consequentemente, líquida ou deduz imposto a mais ou a menos.», conforme sucedeu no caso do Requerente, porquanto aos serviços por si adquiridos tendentes à gestão e administração de fundos de investimento não foi (erradamente) aplicada a isenção supra referida.”
- “…, a AT, ao pretender eliminar a possibilidade de regularização consagrado no direito comunitário e interno, sistematicamente assente na presunção de incumprimento de requisitos inexistentes na lei, o despacho impugnado – assim como a manutenção das liquidações igualmente impugnadas – correspondem a uma interpretação inaceitável das regras comunitárias do sistema harmonizado do IVA, nomeadamente a citada norma que consagra a isenção em causa (Artigo 135.º, n.º 1 alínea g), na origem da correspondente norma interna, i.e. o citado artigo 9.º, alínea 27, subalínea g) do Código do IVA).”
- “…, fazendo assentar a sua argumentação na qualificação do erro como não reversível, a AT tratou o presente caso de forma oposta à da generalidade dos sujeitos passivos de IVA, em manifesta violação do princípio da igualdade.”
- “… por manifesta violação do princípio da igualdade, nos termos em que este se encontra vertido nos artigos 13.º e 266.º da CRP e 55.º da LGT, devem os actos ora contestados ser anulados.”
- “…, assume aqui evidente relevância o princípio da proporcionalidade, vertente do artigo 2.º da CRP e consagrado no n.º 2 do artigo 266.º do mesmo compêndio constitucional e no artigo 55.º da LGT como princípio orientador e limitador da actuação da AT.”
- “…, afigurando-se os atos tributários de autoliquidação de IVA sub judice como manifestamente ilegais (…), deve o Requerente ser integralmente ressarcido do respetivo valor do IVA entregue em excesso ao Estado (correspondente aos montantes de imposto suportados pelo Requerente), porquanto não devido, no referido montante de € 1.328.037,36.”
- “… sendo julgado procedente o pedido antecedente, o Requerente requer, igualmente, que lhe sejam pagos os respetivos juros indemnizatórios.”
- “Tais juros indemnizatórios devem ser contados, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do seu integral reembolso.”
- “…, caso assim não seja desde logo entendido pelo menos desde a data em que a Requerida o devia restituir em sede de reclamação após ter sido alertada para a ilegalidade das respectivas liquidações, ilegalidade essa então desconsiderada pela Requerida AT.”
15. Por seu turno, a Requerida aduz, essencialmente, a seguinte argumentação:
- “…, ainda que se trate de erro de direito, por se tratar de IVA indevidamente liquidado na fatura, tem-se entendido que deve ser emitido o documento retificativo de fatura – vide, nesse sentido, Informação Vinculativa n.º 25527, com despacho de 2024-03-27, da Diretora de Serviços da DSIVA, por subdelegação, n.ºs 61 a 64.”
- “O Requerente é, no caso vertente, o adquirente, que alega não ter deduzido o IVA, mas a lei não distingue a forma de correção das faturas em função da qualidade do adquirente.”
- “…, o facto de a Requerente não deduzir IVA não obsta ao direito de reembolso do IVA pago em excesso, a que se refere o artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, que, sendo caso disso, assiste aos prestadores dos serviços que emitiram as faturas em causa.”
- “Em tal situação, não se pode compensar a regularização de IVA a favor do sujeito passivo, na esfera do prestador de serviços, com a correção da dedução, na esfera do adquirente, mediante regularização de IVA a favor do Estado.”
- “Não se mostra assegurado que, do aqui requerido reembolso de IVA, não resulte a perda de receitas fiscais.”
- “No que concerne ao pedido de revisão dos atos tributários, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, determina que “[a] revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
- “…, não se comprova que seja aplicável, no caso dos autos, a invocada isenção, por não se demonstrar cumprido o regime de subcontratação (artigo 76.º do RGOIC) e/ou porque nem todos os serviços prestados no âmbito da gestão e administração de um fundo de investimento, em regime de subcontratação, se encontram abrangidos pela isenção.”
- “…, cita-se a Informação Vinculativa n.º 25597, com despacho, de 2024-02-29, da Diretora de Serviços da DSIVA, por subdelegação, que, nas suas conclusões, admite a aplicação da isenção, desde que verificadas determinadas condições, …”
- “…, na informação vinculativa n.º 26222, com despacho de 2024-06-18, da Diretora de Serviços da DSIVA, por subdelegação, …”
- “De forma similar, na Informação Vinculativa n.º 26448, com despacho de 2024-07-23, da Diretora de Serviços da DSIVA, por subdelegação, …”
- “… serviços como os que aqui estão em causa não reúnem os pressupostos de que depende a aplicação da isenção consignada na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA.”
- “… não se encontravam reunidos os pressupostos para que o procedimento de reclamação graciosa fosse oficiosamente convolado na forma adequada, nos termos do artigo 52.º do CPPT.”
- “No caso em apreço, o alegado erro, a comprovar-se terá sido cometido, quer pelas entidades emitentes das faturas, que liquidaram o IVA, quer pelo Requerente, que aceitou tais faturas, sem invocar a isenção que defende ser aplicável.”
- “Ou seja, não houve erro imputável aos serviços de que resultasse pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que não tem aplicação o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.”
- “… apenas seriam eventualmente devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, caso o prazo de um ano a que se refere esta norma não venha a ser cumprido.”
- “No mesmo sentido, a Instrução de Serviço n.º 60.077/2018, Série I, referente a “Juros Indemnizatórios – Art 43_3, al. c)”, da Direção de Serviços de Justiça Tributária (DSJT), …”
Cumpre apreciar e decidir.
§3. O caso concreto: enquadramento e subsunção normativa
16. O Requerente e, a posteriori, as intervenientes C... e D...entendem que os serviços de mediação imobiliária e de consultoria e assessoria imobiliária por estas prestados àquele (cf. factos provados f), g), h), k) e l)) estão abrangidos pela isenção prevista na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, que estatui que estão isentas do imposto “a administração ou gestão de fundos de investimento”.
Assim, por entenderem que o enquadramento em IVA que foi dado a tais serviços, aplicando-lhes a taxa normal de 23%, é incorreto, o Requerente e, a posteriori, as intervenientes C... e D... consideram que aquele suportou indevidamente o montante de € 1.328.037,36 de IVA liquidado nas faturas por estas emitidas àquele, relativas à prestação dos aludidos serviços, durante os períodos de tributação compreendidos entre abril de 2020 e novembro de 2021.
17. Posto isto. Consoante resultou provado, “por considerar erróneo o enquadramento em IVA aplicado aos aludidos serviços adquiridos às intervenientes C... e D..., por entender que os mesmos consubstanciam serviços de administração ou gestão de fundos de investimento, sendo, por isso, subsumíveis à isenção de IVA prevista na subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, o Requerente endereçou cartas individuais a cada uma daquelas empresas prestadoras de serviços, no sentido de estas procederem à substituição das faturas referidas nos factos provados j) e m), emitindo novas faturas que refletissem o correto enquadramento em IVA, isto é, a aplicação da isenção deste imposto, acompanhadas da correspondente devolução, ao Requerente, do IVA indevidamente liquidado e por este pago” (cf. facto provado o)); “[t]al pretensão do Requerente não mereceu a concordância das intervenientes C... e D..., as quais expressamente recusaram anular as aludidas faturas e emitir novas faturas com a aplicação do regime de isenção de IVA” (cf. facto provado p)).
Nessa sequência, enquanto adquirente dos aludidos serviços e repercutido legal, deduziu revisão oficiosa que veio a ser rejeitada.
18. Conforme foi decidido pelo TJUE, no acórdão de 7 de setembro de 2023, proferido no processo C-453/22:
“23. No entanto, se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do fornecedor, o princípio da efetividade pode exigir que o adquirente do bem em questão possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Por conseguinte, os Estados‑Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido adquirente recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C‑35/05, EU:C:2007:167, n.o 41, e de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 53).
24. Por outro lado, se se provar, com elementos objetivos, que o direito ao reembolso do IVA que foi indevidamente cobrado e pago é invocado de forma fraudulenta ou abusiva, há que recusar a possibilidade de beneficiar deste direito (Acórdãos de 2 de julho de 2020, Terracult, C‑835/18, EU:C:2020:520, n.o 38, e de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C‑397/21, EU:C:2022:790, n.o 28 e jurisprudência referida). Pelo contrário, tendo em conta o lugar que o princípio da neutralidade do IVA ocupa no sistema comum do IVA, uma sanção que consiste em recusar de forma absoluta o direito ao reembolso do IVA incorretamente faturado e indevidamente pago é desproporcionada quando não for demonstrada nenhuma fraude ou prejuízo para o orçamento do Estado, mesmo em caso de negligência comprovada por parte do sujeito passivo (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport, C‑284/11, EU:C:2012:458, n.o 70, e de 2 de julho de 2020, Terracult, C‑835/18, EU:C:2020:520, n.o 37).
25. À luz da jurisprudência referida nos n.os 19 a 24 do presente acórdão, uma regulamentação nacional ou uma prática nacional que conduza a recusar ao adquirente de bens o reembolso do IVA a montante que lhe foi indevidamente faturado e que pagou em excesso aos seus fornecedores não é apenas contrária ao princípio da neutralidade do IVA e ao princípio da efetividade, sendo também desproporcionada, quando lhe seja impossível pedir aos seus fornecedores este reembolso por força da prescrição que estes invocam e pelo facto de nenhuma fraude, nenhum abuso nem nenhuma negligência lhe serem imputados.
26. Nestas condições, se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, tem o direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária.
27 Esta apreciação não é suscetível de ser posta em causa nem pelo Acórdão de 13 de janeiro de 2022, Zipvit (C‑156/20, EU:C:2022:2), nem pela inexistência de insolvência dos fornecedores, nem sequer pelo risco de duplo reembolso invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio.
(…)
29. (…), quanto à questão de saber se o facto de não haver insolvência dos fornecedores pode ter uma incidência sobre o direito ao reembolso do IVA à luz da jurisprudência mencionada no n.o 23 do presente acórdão, é pacífico que a utilização sistemática do advérbio «designadamente» nesta jurisprudência demonstra que a hipótese da insolvência dos fornecedores é apenas uma das circunstâncias em que pode ser impossível ou excessivamente difícil obter o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago (Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C‑35/05, EU:C:2007:167, n.o 41; de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 53; de 11 de abril de 2019, PORR Építési Kft., C‑691/17, EU:C:2019:327, n.os 42 e 48; e de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C‑397/21, EU:C:2022:790, n.o 22).”
No mesmo sentido, na decisão arbitral proferida no processo n.º 471/2023-T foi entendido o seguinte:
“Afigura-se-nos pacífico que, como refere Rui Duarte Morais in Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2016, p. 58, a verificação de uma situação em que seja liquidado imposto de montante superior ao devido terá para o repercutido “consequências económicas negativas (daí o serem, muitas vezes, designados por contribuintes de facto)”. Nesta medida, e em decorrência do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, em conjugação com o artigo 9.º do CPPT, reconhece ao repercutido legal o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou requerer pronúncia arbitral nas questões legais em que tenha um interesse legalmente protegido, isto é, em que tenha interesse direto em contradizer.
Sucede que, por expressa previsão da norma da LGT acabada de referir, tal reclamação, recurso, impugnação ou pedido de pronúncia arbitral deve ser realizada “nos termos das leis tributárias”, sendo mister tomar ainda em consideração a posição assumida pela doutrina nacional e, principalmente, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante, TJUE) a este respeito.
Ora, sendo parcos os estudos, em território nacional, sobre os direitos processuais do repercutido legal, importa chamar à colação a posição defendida já em 2008 por Bruno Botelho Antunes in Da repercussão fiscal no IVA, Almedina. No âmbito do IVA, defende este Autor que “o direito do repercutido previsto no art. 18.º, n.º 4 al. a), da LGT foi consagrado para fazer face a situações em que, o sujeito passivo, após ter sido instado pelo repercutido para retificar o imposto que lhe foi liquidado em excesso, não agiu nesse sentido. Nessa base, consagrou-se a possibilidade de o repercutido reaver o seu dinheiro diretamente do Estado (…)”. E esta posição afigura-se concordante com a posição assumida pelo TJUE a este respeito.
Com efeito, pode ler-se no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante, TJUE) de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302 que:
“50. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, não havendo regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado Membro prever as condições em que esses pedidos podem ser exercidos, devendo estas condições respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a impossibilitar na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167, n.o 37).
51. Uma vez que cabe, em princípio, aos Estados Membros determinar as condições em que o IVA indevidamente faturado pode ser regularizado, o Tribunal de Justiça reconheceu que um sistema em que, por um lado, o vendedor do bem que pagou por erro o IVA às autoridades tributárias pode exigir o seu reembolso e, por outro, o adquirente do bem pode intentar uma ação cível para repetição do indevido contra esse vendedor respeita os princípios da neutralidade e da efetividade. Com efeito, esse sistema permite ao referido adquirente que suportou o encargo do imposto faturado por erro obter o reembolso dos montantes pagos indevidamente (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167, n.os 38, 39 e jurisprudência referida).
52. Além disso, segundo jurisprudência constante, na falta de regulamentação da União na matéria, as vias processuais destinadas a garantir a proteção dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito da União dependem da ordem jurídica interna de cada Estado Membro, por força do princípio da autonomia processual dos Estados Membros (v., designadamente, acórdãos de 16 de maio de 2000, Preston e o., C 78/98, EU:C:2000:247, n.o 31, e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167, n.o 40).
53. No entanto, se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do vendedor, o princípio da efetividade pode exigir que o adquirente possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Por conseguinte, os Estados Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido adquirente recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167, n.o 41)”. (nosso negrito)
Portanto, e de acordo com este entendimento do TJUE (já anteriormente sufragado no acórdão de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C 35/05, EU:C:2007:167), o repercutido legal pode requerer diretamente o reembolso do IVA à AT se e na medida em que a regularização do IVA por parte do sujeito passivo de imposto “se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do vendedor”. Mais recentemente, o TJUE voltou a reafirmar esta posição no acórdão de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C 397/21, EU:C:2022:790, no qual se pode ler que “a Diretiva IVA, lida à luz dos princípios da efetividade e da neutralidade do IVA, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro em aplicação da qual um sujeito passivo, ao qual outro sujeito passivo prestou um serviço, não pode pedir diretamente à Autoridade Tributária o reembolso do montante correspondente ao IVA que lhe foi indevidamente faturado pelo referido prestador e que este último pagou à Fazenda Pública, quando a recuperação desse montante junto do prestador de serviços for impossível ou excessivamente difícil pelo facto de este último ter sido objeto de um processo de liquidação, e quando não for possível imputar a estes dois sujeitos nenhuma fraude ou abuso, de modo que não há risco de perda de receitas fiscais para este Estado-Membro” (nosso sublinhado).
Como decorre do que vem de ser dito, o acórdão do TJUE de 7 de setembro de 2023, Schütte, C453/22, ECLI:EU:C:2023:639 (por diversas vezes citado pelo Requerente) insere-se no espírito das anteriores decisões do TJUE sobre o tema em apreço, sufragando que “se for impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos fornecedores, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago, este adquirente, não lhe sendo imputado nenhum abuso, fraude ou negligência, tem o direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária”, esclarecendo, contudo, que “(…) quanto à questão de saber se o facto de não haver insolvência dos fornecedores pode ter uma incidência sobre o direito ao reembolso do IVA à luz da jurisprudência mencionada no n.º 23 do presente acórdão, é pacífico que a utilização sistemática do advérbio «designadamente» nesta jurisprudência demonstra que a hipótese da insolvência dos fornecedores é apenas uma das circunstâncias em que pode ser impossível ou excessivamente difícil obter o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago (…)” (§ 26 e 29).”
19. Volvendo ao caso concreto, o Requerente, enquanto adquirente dos aludidos serviços e repercutido legal, perante a recusa das prestadoras de serviços (C... e D...) em anularem as ditas faturas e emitirem novas faturas com a aplicação do regime de isenção de IVA, viu-se confrontado com a impossibilidade, ou pelo menos, com a excessiva dificuldade de obter o reembolso do IVA que considera ter indevidamente pago junto dessas mesmas prestadoras de serviços, o que o levou a dirigir diretamente à AT o seu pedido de reembolso do referido montante de IVA.
Acontece, porém, que vieram as ditas prestadoras de serviços –C... e D...– requerer a sua intervenção principal espontânea neste processo, aderindo ao PPA apresentado pelo Requerente, dando, assim, lugar a uma cumulação subjetiva superveniente, sem qualquer modificação do objeto do processo.
Assim, tendo em conta o supra exposto, mormente tendo em conta a jurisprudência do TJUE acabada de citar, resulta que o direito ao pedido de reembolso do IVA surge nas situações em que se afigure “impossível ou excessivamente difícil para o adquirente obter, junto dos prestadores de serviços, o reembolso do IVA indevidamente faturado e pago”. Por outro lado, importa aferir se não existe, por parte do adquirente, qualquer comportamento que revele uma situação de abuso, fraude ou negligência que, nesse caso, obstasse, ao direito de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Autoridade Tributária.
Importa verificar, no caso concreto, o que se verifica. Por um lado, não se verifica – não foi, sequer alegado pela AT – qualquer comportamento que, sendo imputável ao Requerente, evidenciasse qualquer forma de abuso, fraude ou negligência. Pelo contrário, o Requerente, apercebendo da errónea liquidação e pagamento foi expedito no pedido de reembolso que requereu junto das prestadores de serviços que, por seu turno, recusaram a respetiva devolução do imposto indevidamente pago (apesar de, mais, tarde, o terem reconhecido passando, nomeadamente, a intervir nos presentes autos aderindo à posição do Requerente).Nesta conformidade, também as prestadoras de serviços, ou seja, as intervenientes C... e D..., entenderam, a posteriori, que deve ser aplicada, in casu, a isenção de IVA prevista no artigo 9.º, n.º 27, alínea g), do CIVA, o que resulta quer do próprio teor do PPA, quer das alegações escritas apresentadas conjuntamente pelo Requerente e pelas intervenientes C... e D..., nas quais se afirma que “mediante a intervenção requerida no caso é também o sujeito passivo repercutor do imposto (ou seja, as aderentes C.../D...) que reclama a reposição da legalidade mediante a restituição do IVA excessivo ao repercutido (A...)”.
Importa, agora, perceber, se se verifica no caso sub judice a impossibilidade ou dificuldade excessiva relatada na jurisprudência do TJUE.
Conforme é dado como provado, a posição assumida pelas intervenientes C... e D..., totalmente condizente com a do Requerente, quanto à aplicação, in casu, da aludida isenção de IVA, contraria e afasta, em absoluto, aquele que foi o fundamento por aquelas invocado para não procederem à anulação das aludidas faturas e à emissão de novas faturas com a aplicação do regime de isenção de IVA (cf. anexo II, documento n.º 7, junto com o PPA). Posição esta que é assumida nos presente autos, mas que, em tempo, o Requerente encetou diligências junto das prestadoras de serviços para a regularização do IVA liquidado o que foi expressamente recusado. Nessa medida verifica-se uma “recusa expressa” das prestadoras de serviços em seguirem as regras legais previstas no ordenamento jurídico português para a regularização do IVA.
As consequências deste incumprimento não podem ser repercutidas junto do Requerente que, para satisfazer o seu direito ao reembolso, estava dependente de um comportamento – legalmente exigível – das prestadoras de serviços que, em tempo útil, não só não o praticaram, como o recusaram expressamente.
Desta forma, estava o Requerente numa situação em que, sem a colaboração voluntária das prestadoras de serviços, se demonstra a aludida pelo TJUE “impossibilidade ou excessiva dificuldade em cumprir os normais trâmites dos pedidos de restituição de IVA”.
Ademais, também as prestadoras de serviços, ou seja, as intervenientes C... e D..., entenderam , a posteriori, que deve ser aplicada, in casu, a isenção de IVA prevista no artigo 9.º, n.º 27, alínea g), do CIVA, o que resulta quer do próprio teor do PPA, quer das alegações escritas apresentadas conjuntamente pelo Requerente e pelas intervenientes C... e D..., nas quais se afirma que “mediante a intervenção requerida no caso é também o sujeito passivo repercutor do imposto (ou seja, as aderentes C.../D...) que reclama a reposição da legalidade mediante a restituição do IVA excessivo ao repercutido (A...)”.
Ora, o facto de apenas extemporaneamente e posteriormente as prestadoras de serviços virem aderir ao entendimento do Requerente não invalida que, como referido, em tempo útil, tivessem recusado anularem as ditas faturas e emitirem novas faturas com a aplicação do regime de isenção conforme lhes era legalmente exigível, exatamente os fundamentos que justificam a pretensão do Requerente.
Perante esta situação de recusa de cumprimento das regras legais a que estavam as prestadoras de serviços adstritas, o Requerente viu-se "confrontado com a impossibilidade, ou pelo menos, com a excessiva dificuldade de obter o reembolso do IVA que considera ter indevidamente pago junto dessas mesmas prestadoras de serviços, o que o levou a dirigir diretamente à AT o seu pedido de reembolso do referido montante de IVA."
Este pedido junto da AT foi feito dentro do prazo e, sem recurso a este procedimento, o Requerente vê-se confrontado com a impossibilidade de reaver o imposto indevidamente liquidado que não foi regularizado.
Impor tal consequência ao Requerente, por facto que não lhe é imputável e apesar de não ter sido o Requerente quem violou as regras legais a que estava adstrito, seria manifestamente desproporcional e violador do princípio da igualdade e da neutralidade do imposto, pelo simples facto de extemporaneamente as prestadoras virem alterar a sua posição, negando-se o exercício do direito à dedução do Requerente.
Desta forma, e percorrendo a decisão do TJUE citada, se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil, designadamente em caso de insolvência do fornecedor, o princípio da efetividade pode exigir que o adquirente do bem em questão possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Por conseguinte, os Estados‑Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido adquirente recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado.
É o que se verifica no caso concreto.
20. Nesta conformidade, as autoliquidações de IVA controvertidas são anuladas, o mesmo sucedendo com o despacho de rejeição da revisão oficiosa, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral..
Note-se ainda, quanto ao pedido de reenvio, que, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais podem questionar o TJUE através da figura do reenvio prejudicial.
Neste contexto, no Caso Cilfit, o TJUE concluiu que não há que fazer o reenvio prejudicial quando a questão for impertinente, quando a lei da União Europeia seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia (Acórdão de 6 de Outubro de 1982, Proc. 283/81).
Com efeito, os tribunais nacionais podem decidir a questão sem reenviar para o TJUE quando decisões anteriores deste Tribunal já tenham tratado do aspecto jurídico em causa, independentemente dos procedimentos que conduziram a tais decisões. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do DUE seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro).
Resulta assim do exposto que apenas nos casos em que existem dúvidas fundadas quanto às normas em questão não tendo as mesmas sido já esclarecidas pelo TJUE – considerando, nomeadamente, as chamadas “teorias do “acto claro” e do “acto aclarado”, devem os tribunais nacionais proceder ao reenvio prejudicial. Ora, na situação em apreço não se verificam os requisitos para reenvio.
Juros
Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, (…) Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 100.º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, no qual se estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que nos remete, nomeadamente, para o disposto no artigo 43.º, da LGT, e para o artigo 61.º, n.º 5, do CPPT.
Dispõe, por sua vez, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
O artigo 43.º, da LGT pressupõe que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial – ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
“Erro imputável aos serviços”, significa, de acordo com jurisprudência firmada e unânime, qualquer ilegalidade que fira o ato objeto do pedido (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – “STA” -, 2.ª Secção, de 08.03.2017, no processo n.º 01019/14, relator Conselheiro Pedro Delgado), desde que não seja um erro formal. Ou seja, qualquer violação de lei por erro nos pressupostos de facto ou de direito.
O “erro imputável aos serviços” compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro (cfr. Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 14.03.2012, no processo n-º 01007/11, relatora Conselheira Dulce Neto).
Por seu turno, o artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, prescreve que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.
Termos em que se conclui que procede igualmente o pedido quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios.
IV. Decisão
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular parcialmente as autoliquidações de IVA repercutido ao Requerente, apresentadas pela sociedade C..., Lda., devidamente identificadas pelas respetivas declarações periódicas mensais sob os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., nos valores de, respetivamente, € 28.951,25, € 116.774,06, € 75.374,11, € 37.280,01, € 152.594,08, € 116.715,24, e € 135 320,07, e pela sociedade D..., Unipessoal, Lda., devidamente identificadas pelas respetivas declarações periódicas trimestrais (2.º a 4.º trimestres de 2020) e mensais (janeiro a novembro de 2021), sob os n.os..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., nos valores, respetivamente, de € 69.000,00, € 103.500,00, € 103.500,00, € 34.500,00, € 41.914,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 34.500,00, € 36.614,36, € 34.500,00 e € 34.500,00, e anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, devendo a AT proceder à restituição do imposto pago em excesso;
c) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do seu integral reembolso.
V. Valor do Processo
Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 1.328.037,36.
VI. Custas
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 18.054,00, cujo pagamento fica a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de maio de 2025.
Os Árbitros,
___________________
(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)
___________________
(Marisa Almeida Araújo – Relatora)
___________________
(Clotilde Celorico Palma – Adjunta)
Declaração de voto
Vencida, pelas razões constantes da decisão arbitral proferida no processo n.º 820/2024-T que subscrevi.
Regina Almeida Monteiro