SUMÁRIO:
I. O exercício da renúncia à isenção de IVA pelos sujeitos passivos que se dediquem à locação de bens imóveis, depende da obtenção de declaração de modelo oficial e da emissão de certificado de acordo com a legislação em vigor à data dos factos.
II. O termo inicial do prazo para o exercício do direito à dedução é a data em que nasceu o direito à dedução, que não pode ser senão aquele em que foi emitido o certificado de renúncia.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. José Luís Ferrera e Prof. Doutor Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24 de dezembro de 2024, acordam no seguinte:
I. Relatório
A A..., SA, NIPC..., ao abrigo da alínea a) do n º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, na redação que lhe foi dada pela Lei 66-B/2012 de 31/12, com sede na Rua ..., nº..., ..., Caldas da Rainha, veio pedir a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, com vista à pronúncia arbitral de declaração de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024..., (conforme documento 1 que se junta), e, consequentemente com vista à pronúncia de declaração de anulação das demonstrações de liquidação de IVA e juros compensatórios e das demonstrações de acerto de contas dos períodos:
- 2020/12, onde foi apurado, respetivamente, IVA e juros compensatórios, a pagar nos valores de € 61.741,13 e 6.549,63;
- 2021/03, onde foi apurado, respetivamente, IVA e juros compensatórios, a pagar nos valores de € 10.543,20 e 1.313,22;
- 2021/06, onde foi apurado, respetivamente, IVA e juros compensatórios, a pagar nos valores de € 11.040,00 e 1.227,10;
- 2021/09, onde foi apurado, respetivamente, IVA e juros compensatórios, a pagar nos valores de € 11.040,00 e 1.106,14;
- 2021/12, onde foi apurado, respetivamente, IVA e juros compensatórios, a pagar nos valores de € 11.040,00 e 985,63 e
- 2022/03, onde foi apurado, respetivamente, IVA e juros compensatórios, a pagar nos valores de € 2.665,73 e 208,67;
o que perfaz o valor global a pagar de € 119.460,45, (conforme documentos 2-13 anexos ao PPA[1]).
A Requerente requer ainda a condenação da Autoridade Tributária à restituição da importância paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”),
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 17/10/2024 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17 de outubro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.
Em 6 dezembro de 2024, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24 de dezembro de 2024.
Foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as partes apresentado alegações escritas reiterando o que já tinham apresentado nos articulados.
Posição da Requerente
A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
As liquidações contestadas estão relacionadas com a renúncia à isenção do IVA, no arrendamento do prédio urbano, inscrito na matriz da freguesia e concelho do ..., sob o artigo ... .
De acordo com o RIT, (capítulo V.1.1.) a Requerente celebrou o contrato de arrendamento em 1 de agosto de 2020 e a renúncia à isenção do IVA apenas foi requerida em novembro de 2020, pelo que não pode deduzir o IVA suportado na construção, no montante de € 108.070,06.
A AT verificou que a Requerente esteve integrada no regime de isenção do artigo 9º do CIVA, desde o início de atividade até 27 de agosto de 2020, data em que optou pelo regime normal trimestral, pelo que, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 20º do CIVA entendeu que a Requerente não podia ter deduzido o IVA suportado, no montante de € 108.070,06.
Segundo o RIT, a Requerente não podia ter deduzido o IVA porque renunciou à isenção de IVA em data posterior ao início do contrato de arrendamento.
A questão de direito do presente processo tem a ver com a aplicação e interpretação do nº 4 do artigo 12º do CIVA em conjugação com o Decreto-Lei 21/2007, de 29 de janeiro (doravante designado por DL 21/2007).
Sucede que a aplicação e a interpretação das citadas normas têm de respeitar a Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006 (doravante designada por DIVA), a qual é diretamente aplicável na ordem jurídica nacional, por força do disposto no nº 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.
Um dos princípios estruturantes da citada Diretiva é o da neutralidade do IVA previsto nos artigos 178º a 183.º da DIVA. Por esse motivo, entende a Requerente que a aplicação do nº 4 do artigo 12º do CIVA e do DL 21/2007, não poderá pôr em causa a referida neutralidade do IVA, constituindo os referidos normativos um instrumento e meio de alcançar a referida neutralidade do IVA e não um obstáculo ao direito à dedução, conforme teve oportunidade de evocar em sede de reclamação graciosa chamando à colação jurisprudência do STA (Processos 0486/09, 0287/08, respetivamente, em 25 de novembro de 2009 e em 20 de maio de 2020, publicados em www.dgsi.pt) e jurisprudência arbitral (Processo 616/2018-T, publicado em www.caad.org.pt), nos quais se defende que a renúncia à isenção do IVA constitui condição essencial para o exercício do direito à dedução do IVA. Ainda a propósito do direito à dedução, entende que posteriormente à jurisprudência acima mencionada, quer a jurisprudência nacional quer a europeia vão no sentido de fazer prevalecer as questões materiais face às questões formais no que toca a questões relacionadas com o direito à dedução em termos de IVA. Assim defende que se utilize o mecanismo de reenvio prejudicial com vista a que o TJUE se pronuncie sobre a violação ou não do princípio da neutralidade do IVA, na interpretação e aplicação do nº 4 do artigo 12º do CIVA, conjugado com o DL 21/2007, no sentido de entender como uma formalidade essencial para a renúncia à isenção do IVA, a emissão do respetivo certificado por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por outro lado, as liquidações adicionais de IVA controvertidas estão relacionadas com a renúncia à isenção do IVA, no arrendamento do prédio urbano, inscrito na matriz da freguesia e concelho do ..., sob o artigo ... . Ora, no RIT afirma-se que a Requerente celebrou um contrato de arrendamento com início em 1 de agosto de 2020 e que não praticou em 2020 operações ativas, posição com a qual, a Requerente não concorda. Entende que durante ao ano de 2020 praticou operações ativas, incluindo-se nas mesmas as rendas da loja ... assim como, a partir de 27 de agosto de 2020, passou a estar registada no regime normal trimestral, estando até essa data registada no cadastro fiscal como isenta ao abrigo do artigo 9.º do CIVA, como aliás é referido no RIT. Assim, consequentemente a partir do 3.º trimestre de 2020, do lado das operações ativas, apurou uma base tributável de €299.683,30, onde se incluiu as rendas da loja ..., tendo liquidado IVA no montante de €69 927,16, tendo sido esse montante entregue ao Estado, conforme documento anexo ao PPA. No 4.º trimestre de 2020, do lado das operações passivas, deduziu IVA no montante de €108 070,06 e, do lado das operações ativas, apurou uma base tributável de €268 439,70, onde estão incluídas as rendas das lojas ..., tendo sido liquidado IVA no montante de €61 741,13, tendo apurado um montante de IVA a reportar de €46 328,93, conforme documento anexo ao PPA. Nos períodos subsequentes, 2021, 2022, 2023, 2024 (até ao 2.º trimestre) do lado das operações ativas, liquidou IVA, onde estavam incluídas as rendas debitadas ao ..., sobre as quais incidia IVA, conforme documentos anexos ao PPA. Entende que, a partir do 3.º trimestre de 2020, mais concretamente desde 27 de agosto de 2020 atá à presente data, praticou operações ativas relativas às rendas da loja ..., tendo a AT cometido um erro de facto, quando refere que não houve operações ativas em 2020, pelo que a correção de IVA com esse fundamento é ilegal.
Adicionalmente, a correção levada a cabo pela AT traduzida na não aceitação de IVA dedutível de €108 070, 06, na declaração do 4.º trimestre de 2020, com o fundamento de a Requerente ter iniciado o arrendamento em 1 de agosto de 2020 na situação de isenção para efeitos de IVA (artigo 9.º do CIVA), e obtenção posterior do certificado de renúncia em novembro de 2020, tendo dado origem às liquidações adicionais controvertidas, constituindo por isso, um erro de direito, consubstanciado no vício de lei, por violação do princípio da neutralidade fiscal e do principio da proporcionalidade, através dum comportamento demasiado formalista por parte da AT, ao arrepio da DIVA, Jurisprudência do TJUE e dos Tribunais Fiscais Nacionais.
A Requerente defende igualmente que, como consequência duma errónea interpretação dos factos e do Direito, as liquidações contestadas resultam dum erro exclusivamente imputável à AT, pelo que houve pagamento de imposto (IVA) e respetivos juros compensatórios indevidos, em excesso, entregues ao Estado, pelo que há lugar, para além das anulações das liquidações controvertidas, a pagamento de juros indemnizatórios, calculados desde a data de pagamento até à data da efetiva restituição.
Em conclusão, pugna por:
- Ao pedido de pronúncia, junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante designado por TJUE), no sentido deste se pronunciar sobre a violação ou não do princípio da neutralidade do IVA, mais concretamente dos artigos 178º a 183º da respetiva Diretiva, na interpretação e aplicação do nº 4 do artigo 12º do CIVA, conjugado com o DL 21/2007, de modo a entender como uma formalidade essencial para a renúncia à isenção do IVA a emissão do respetivo certificado por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira.
- À subsequente pronúncia arbitral de declaração de anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e consequente declaração de anulação das liquidações de IVA e JC dos períodos 2020/10, 2021/01, 2021/04, 2021/07, 2021/10 e 2022/01.
Deve, ainda, ser reconhecido o direito da Requerente a juros indemnizatórios a calcular à taxa legal desde a data de pagamento indevido até efetiva e integral restituição.
Posição da Requerida
A Requerida alega, em síntese, o seguinte:
A Requerida defende-se por impugnação, começando por afirmar que as conclusões apresentadas no RIT pelos SIT, não erraram na apreciação dos pressupostos de facto ou de Direito, como a Requerente defende, pelo que as liquidações controvertidas deverão manter-se na ordem jurídica.
A Requerida, em termos de matéria de facto, dá por inteiramente reproduzido os factos que constam no RIT n.º OI20230...pelo que só se impugna os factos alegados pela Requerente que se encontrem em contradição com os constantes no RIT ou que sejam omissos no mesmo.
Assim, a Requerida defende que de acordo com o vertido no RIT, os SIT concluíram que a Requerente não praticou operações ativas em 2020, pelo que não podiam aceitar o IVA dedutível no montante de €108 070,60 que a Requerente declarou no 4.º trimestre de 2020, dando origem às liquidações adicionais de IVA controvertidas. Esse montante de IVA, €108 070,60, tem a ver com o IVA suportado pela Requerente como locador quanto a obras realizadas no imóvel locado - o prédio inscrito sob o artigo ... - destinado a comércio para a instalação de uma loja da marca “...” que constitui o objeto do contrato de arrendamento celebrado em 1 de agosto de 2020 pela Requerente com a B... S.A. (locatária). Como consta no RIT, o contrato de arrendamento foi precedido dum contrato de promessa de arrendamento (29 de julho de 2019), conforme introito ponto E) do referido contrato de arrendamento celebrado em 1 de agosto de 2020.
Por outro lado, conforme consta do RIT, a Requerente esteve, desde a sua constituição até 27 de agosto de 2020, integrada no regime de isenção de IVA do artigo 9.º do CIVA, optando, só após aquela data pelo regime normal (trimestral) de IVA. Esta alteração do regime de IVA, ocorreu depois da celebração do contrato de arrendamento celebrado em 1 de agosto de 2020.
Adicionalmente, em termos de matéria de Direito, a Requerida defende que nos termos do artigo alínea 29) artigo 9º, do CIVA, a locação de imóveis é uma operação isenta de IVA, existindo a possibilidade de renunciar a essa isenção, conforme prevê o n.º4 artigo 12º, do CIVA. Por sua vez, os nºs 6 e 7 do referido preceito (artigo 12.º do CIVA), estabelecem que as
condições de renúncia à isenção estão definidas em legislação especial, que no caso, encontram-se previstas no artigo 5º do Anexo ao DL nº 21/2007.
Assim, dispõe o nº 1 do artigo 5º do Anexo ao DL nº 21/2007, que “a renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime”. Acrescenta o nº 2 do mesmo artigo que, “deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via electrónica, esse facto à administração tributária”. Finalmente dispõe o nº 3 que “o exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos”.
Tendo em conta o acima descrito, a Requerida conclui que:
ü A renúncia à isenção pressupõe a existência de um certificado de renúncia válido (conforme decorre do nº1),
ü prévio à celebração do contrato de arrendamento - isento nos termos do artigo 9º do CIVA - (conforme decorre do nº2),
ü sob pena de não se produzirem os efeitos da renúncia (conforme decorre do nº 3).
Tal como vem enunciado no RIT (título V. 1.1), o certificado de renúncia à isenção de IVA relativo ao contrato de locação (arrendamento) do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º, é datado de 6 de novembro de 2020, posterior à celebração do contrato de arrendamento (1 de agosto de 2020), aliás confirmado pelo própria Requerente no PPA. Assim, concorda com a posição assumida no RIT de “(...) para que seja efetiva a opção de renúncia à isenção, nas operações imobiliárias, as mesmas estão condicionadas, ao prévio exercício de uma opção expressa por parte dos sujeitos passivos, não sendo admissível suprir posteriormente essa falta, como aconteceu, sendo assim a renúncia não tem efeitos e enferma de vício insanável (…)”
A Requerida refere que a Requerente, em 2020, deduziu IVA no montante de €108 070,60 relativo ao contrato de arrendamento do prédio, referente a faturas com data de emissão de 31 de agosto a 30 de dezembro de 2020, posteriores à celebração do contrato de arrendamento e a maior parte delas anteriores à emissão do certificado de renúncia à isenção de IVA.
Adicionalmente, a Requerida defende que no que diz respeito ao direito à dedução, em regra, esse direito relativo ao imposto suportado nasce quando o imposto dedutível se torna exigível – esta é a regra que resulta do nº 1 do artº 22º do CIVA e do artº 167.° da Diretiva IVA, havendo, no entanto, exceções a esta regra. É o caso em que o exercício de renúncia à isenção de IVA pelos sujeitos passivos que se dediquem à locação e transmissão de imóveis, depende da obtenção de declaração de modelo oficial e da emissão de certificado pela AT, que será exibido aquando da celebração do contrato de arrendamento ou da escritura de transmissão (cfr. arts. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, 4º e 5º do Decreto-lei 21/2007, e art. 12.º, n.ºs 4 a 6, do CIVA). A opção pela renúncia à isenção do IVA “ (…) tem de se verificar previamente ao facto gerador dos impostos, que ocorre à data da celebração do contrato ou da escritura da transmissão”. Existem formalidades a cumprir para efeitos de opção, quando se refere na parte final do n.º 6 do artigo 12.º do CIVA que “comprovados os pressupostos referidos naqueles números, a Administração Fiscal emitirá nessa altura o certificado, isento de selo, que ser exibido aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão”.
Quanto ao certificado de renúncia, a Requerida defende, com respaldo em jurisprudência do STA, que o certificado assume uma natureza constitutiva do direito à renúncia e subsequente dedução ou reembolso do IVA, conforme jurisprudência do STA, e, por outro lado, conforme Doutrina[2] e o disposto na alínea a) do artigo 168.º da DIVA, a Requerida igualmente defende que é determinante que os bens e serviços adquiridos pelo sujeito passivo sejam utilizados na realização de operações tributadas, para que seja reconhecido o direito à dedução do imposto incorrido a montante, nascendo esse direito com a realização da operação económica tributável (arrendamento), após a obtenção do certificado de renúncia, conforme igualmente jurisprudência do STA.
Segundo a Requerida e a renúncia a isenção de IVA, para ser válida e legal tem de respeitar o regime jurídico estabelecido no DL 21/2007, de 29/1, de acordo com o qual, a
validade da renúncia à isenção está dependente da posse de certificado válido de renúncia no momento de celebração do contrato de arrendamento, não violando essa exigência de declaração prévia (certificado de renúncia) o direito da União Europeia, entendimento já sufragado quer pelo TJUE e Tribunais nacionais. Assim sendo, não viola o direito à dedução, nem o principio da neutralidade, a não autorização pela AT, da dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo, quando este não obteve o certificado de renúncia previamente ao facto tributário (arrendamento), conforme prevê o DL 21/2007, concordando com a posição assumida pelos SIT em negar a dedução de €108 070,60 com os seguintes fundamentos: (1) a Requerente ter renunciado à isenção em novembro 2020 e o contrato de arrendamento teve início em 1 de agosto de 2020, e (2) a Requerente não ter praticado operações ativas em 2020.
A Requerida defende que a previsão constante no n.º1 do artigo 43.º da LGT não é aplicável por não ter havido erro imputável aos serviços, pela não existência do vicio de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto e de Direito, pelo que, as liquidações controvertidas de imposto e juros compensatórios não devem ser anuladas devendo o PPA ser considerado improcedente, com todas as consequências legais.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nostermos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Inexistem outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da ação de que cumpra conhecer.
Donde, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa. Tudo visto, cumpre proferir.
III. Matéria de Facto
1. Factos provados
A. A Requerente é uma sociedade comercial anónima com sede e direção efetiva em território português (Caldas da Rainha), com objeto social Aluguer ou arrendamento de móveis ou imóveis, próprios ou de terceiros, realização e promoção de operações imobiliárias. Importação e exportação, com capital social de € 50.000,00, cfr. ponto III.1 do RIT
B. A Requerente encontra-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação da matéria coletável, e em sede de IVA no regime normal trimestral, realizando operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem direito à dedução (misto com afetação real de todos os bens).
C. O sujeito passivo procedeu à entrega de declaração de início de atividade em 21-06-2019, tendo ficado enquadrado nos seguintes regimes:

E atividade:

Em 27-08-2020 optou pelo regime normal trimestral de IVA:

Tendo ainda acrescentado uma atividade secundária:

D. No âmbito da sua atividade, a Requerente, em 14 de janeiro de 2020, adquiriu um terreno para construção (Artigo ...– Freguesia ...), com uma área de 10.000 m2, situado no concelho do Entroncamento, conforme informação comunicada à AT:

E. Posteriormente, em 5 de agosto de 2020, o prédio ... daria origem a outros dois artigos:

- O artigo ..., terreno para construção com 6952,85 m2, onde viria a construir-se um imóvel onde seria instalada uma loja de distribuição da marca “...”; e
- O artigo ..., terreno para construção com uma área de 2130,15 m2, que viria a ser alienado;
- Também nesta data, 5 de agosto de 2020, o artigo ... deu origem ao artigo ..., onde se situa a loja de distribuição da marca “...” (doravante designada “Loja...”) e dado origem à entrega da ficha de avaliação, para efeitos de IMI, do prédio novo onde se situa a Loja..., cfr Anexo 1 do RIT.
F. A Requerente celebrou contrato de locação (arrendamento), em 1 de agosto de 2020, com a B... S.A. (locatária) referente à loja acima referida, com uma renda mensal de €16 000 com início em 1 de agosto de 2020, cfr. Anexo 2 ao RIT, já com licença de utilização emitida com o n.º .../2020 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., conforme considerando A do introito do contrato de locação (arrendamento).
G. O imóvel era constituído por um edifício destinado a comércio, através de uma loja da marca “...”, e, respetivo parque de estacionamento privativo, conforme considerando B do introito do contrato de locação (arrendamento)
H. O imóvel foi entregue em “tosco”, para que pudessem ser efetuadas as adaptações à atividade que a loja necessitasse e foi precedido de contrato promessa de arrendamento, celebrado antes da aquisição do terreno para construção onde o imóvel se iria situar (29 de julho de 2019), conforme indicado considerandos D) e E) do contrato de locação (arrendamento):

I. A Requerente, obteve em 6 de novembro de 2020, o certificado de renúncia à isenção de IVA, cfr. Anexo 3 ao RIT, referente à locação celebrada com a sociedade comercial sob a forma anónima B... S.A., isto é, posterior à data de celebração do contrato de
locação (arrendamento) em 1 de agosto de 2020.
J. Na declaração do terceiro trimestre de 2020, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2020/9T) apurou uma base tributável de €299.683,30 que inclui rendas da loja do ..., na qual liquidou IVA, no montante de €68.927, cfr Doc. 15 anexo ao PPA.
K. No quarto trimestre de 2020, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2020/12T) apurou uma base tributável de €268.439,70 que inclui rendas da loja do ..., na qual liquidou IVA no montante de €61.741,13, tendo deduzido IVA no montante de € 108.070,06, pelo que apurou um reporte de IVA de €46.328,93, cfr Doc 16 anexo ao PPA.
L. No primeiro trimestre de 2021, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2021/03T) apurou uma base tributável de €48.000,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.040,00, tendo reportado IVA de €46.825,73 pelo que apurou um reporte de IVA de €35.785,73, cfr Doc 17 anexo ao PPA.
M. No segundo trimestre de 2021, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2021/03T) apurou uma base tributável de €48.000,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.040,00, tendo reportado IVA de € 35.785,73 pelo que apurou um reporte de IVA de €24.745,73, cfr Doc 18 anexo ao PPA
N. No terceiro trimestre de 2021, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2021/03T) apurou uma base tributável de €48.000,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.040,00, tendo reportado IVA de €24.745,73 pelo que apurou um reporte de IVA de €13.705,73, cfr Doc 19 anexo ao PPA
O. No quarto trimestre de 2021, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2021/04T) apurou uma base tributável de €48.000,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.040,00, tendo reportado IVA de €13.705,73 pelo que apurou um reporte de IVA de €2.665,73, cfr Doc 20 anexo ao PPA
P. No primeiro trimestre de 2022, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2022/01T) apurou uma base tributável de €48.000,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.040,00, tendo reportado IVA de €2.744,73 pelo que apurou IVA a pagar de €8.295,95, cfr Doc 21 anexo ao PPA
Q. No segundo trimestre de 2022, a Requerente na Declaração Periódica de IVA
(2022/02T) apurou uma base tributável de €48.000,00 que diz respeito a rendas da loja do..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.040,00, tendo deduzido IVA de € 69,00 pelo que apurou IVA a pagar de €10.971,00, cfr Doc 22 anexo ao PPA
R. No terceiro trimestre de 2022, a Requerente apurou na Declaração Periódica de IVA (2022/03T) uma base tributável de €48.000,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.040,00, tendo deduzido IVA de €565,80 pelo que apurou IVA a pagar de €10.474,20, cfr Doc 23 anexo ao PPA
S. No quarto trimestre de 2022, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2022/04T) apurou uma base tributável de €48.000,00 que diz respeito a rendas da loja do
..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.040,00, tendo deduzido IVA de €69,00 pelo que apurou IVA a pagar de €10.971,00, cfr Doc 24 anexo ao PPA
T. No primeiro trimestre de 2023, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2023/02T) apurou uma base tributável de €48.960,00 que diz respeito a rendas da loja do P..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.260,80, tendo deduzido IVA de €349,15 pelo que apurou IVA a pagar de €10.911,65, cfr Doc 25 anexo ao PPA
U. No segundo trimestre de 2023, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2023/02T) apurou uma base tributável de €48.960,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.260,80, tendo deduzido IVA de €69,00 pelo que apurou IVA a pagar de €11.191,80, cfr Doc 26 anexo ao PPA
V. No terceiro trimestre de 2023, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2023/03T) apurou uma base tributável de €48.960,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.260,80, tendo deduzido IVA de €331,43 pelo que apurou IVA a pagar de €10.929,37, cfr Doc 27 anexo ao PPA.
W. No quarto trimestre de 2023, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2023/04T) apurou uma base tributável de €48.960,00 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €11.260,80, tendo deduzido IVA de €74,75 pelo que apurou IVA a pagar de €11.186,05, cfr Doc 28 anexo ao PPA.
X. No primeiro trimestre de 2024, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2024/01T) apurou uma base tributável de €52.357,83 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €12.042,30, tendo deduzido IVA de
€256,68 pelo que apurou IVA a pagar de €11.785,62, cfr Doc 29 anexo ao PPA.
Y. No segundo trimestre de 2024, a Requerente na Declaração Periódica de IVA (2024/02T) apurou uma base tributável de €52.357,83 que diz respeito a rendas da loja do ..., pela qual liquidou IVA no montante de €12.042,30, tendo deduzido IVA de €534,75 pelo que apurou IVA a pagar de €11.507,5 cfr Doc 30 anexo ao PPA.
Z. A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo de âmbito geral ao ano fiscal de 2020 ao abrigo da OI 2023... . Do referido procedimento inspetivo resultaram correções meramente aritméticas em sede de IVA no montante total de € 108 070,06 dos quais se destacam um montante de IVA de €64 020,50 e €43 341,13 referente às faturas, respetivamente, n.º 1/3158 de 31/8/2020 (Base tributável: €278.350) e n.º 1/3210 (base tributável: €188 439,70), em ambos os casos com a descrição: [Trabalhos realizados na empreitada de “Construção de edifício destinado a Supermercado - fase tosco, sito em ...-em Entroncamento, conforme auto de medição aprovado em anexo], emitidas por C..., cfr. Anexo 4 ao RIT. O montante de €108 070,060 de IVA dedutível foi declarado na Declaração Periódica de IVA de 2020 referente ao 4.º trimestre de 2020 (2020/12T).
AA. Os SIT no PRIT fundamentaram a sua posição quanto à não dedutibilidade do IVA no montante de €108 070,060 por um lado, pelo facto de a Requerente ter obtido o certificado de renúncia, a 6 de novembro de 2020, numa data posterior à data da celebração do contrato de arrendamento (facto tributário), a 1 de agosto de 2020, e, assim, todo o IVA suportado a montante conexo com o facto tributário, não é passível de ser recuperado através do exercício do direito à dedução via certificado de renúncia [“E desde logo se apura que a data desta certificação (6 de novembro de 2020) é posterior à data de celebração do contrato de arrendamento (1 de agosto de 2020). Para que seja efetiva a opção pela renúncia à isenção, nas operações imobiliárias, as mesmas estão condicionadas, ao prévio exercício de uma opção expressa por parte do sujeito passivo não sendo admissível suprir posteriormente essa falta, como aconteceu, sendo assim, a renúncia não tem efeitos e enferma de vício insanável. O contrato de arrendamento foi celebrado em 1 de agosto de 2020 e a opção solicitada em novembro do mesmo ano. Aliás, o contrato de arrendamento refere na sua cláusula segunda, o seguinte:

Ora, esta opção deveria ter sido solicitada antes da celebração do contrato.”] e, por outro lado, pelo facto de a Requerente não ter praticado operações isentas em 2020 [Conforme vimos acima, o sujeito passivo esteve integrado no regime de isenção do art.º 9.º do CIVA desde o início de atividade até que optou pelo regime normal trimestral em 27 de agosto de 2020.
Estando integrado neste regime, não poderia deduzir IVA suportado, nos termos do art.º 20.º n.º 1 alínea a) do CIVA, pois as operações que realizaria seriam isentas de IVA.
Uma das condições para ter direito à renúncia indicada no ponto anterior seria, segundo o art.º 3.º n.º 1 alínea a) do DL n.º 21/2007, que o SP teria de praticar operações que confiram direito à dedução ou, no caso de sujeitos passivos que exerçam simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito, quando o conjunto das operações que conferem direito à dedução seja superior a 80% do total do volume de negócios.
Daí ter efetuado a alteração de atividade em 27 de agosto de 2020, mas, uma vez mais, já depois de ter celebrado o contrato de arrendamento.
O sujeito passivo deduziu no ano de 2020, o total de € 108.070,60 de IVA, de que se destacam as deduções referentes à construção da loja do ..., que se anexam (anexo 4), com um total de IVA de € 64.020,50 e € 43.341,13. Estas faturas tinham data de emissão de 31-08-2020 e 30-12-2020, datas posteriores à conclusão do imóvel e ao respetivo contrato de arrendamento.
Uma vez que concluímos que a locação do imóvel está isenta de IVA ao abrigo do art.º 9.º alínea 29) do CIVA, e o SP não efetuou mais quaisquer operações ativas no ano de 2020, a dedução total do IVA no ano de 2020 não será passível de ser aceite, nos termos do já citado art.º 20.º n.º 1 alínea a) do CIVA] concluindo pela impossibilidade de dedução do IVA no montante de €108 070,60 declarado na Declaração Periódica de IVA 2020/12T.
BB. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição, o que não fez, convolando-se a correção proposta no PRIT, no montante de €108.070,60, em
definitivo, tendo a Requerente sido notificado do RIT constante no PA.
CC. Da correção efetuada pelos SIT quanto à não dedutibilidade do IVA na Declaração Periódica da Requerente referente ao período 2020/12T, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA identificadas no introito do PPA (correspondentes à liquidação adicional de IVA n.º 2023..., do período 2020/12T, no valor de €61.741,13 e respetiva liquidação de juros n.º 2023..., no valor de €6.549,63, bem como das liquidações de IVA dos quatro trimestres de 2021 e primeiro trimestre de 2022) cfr aos Docs. 2 a 13 anexos ao PPA, perfazendo um valor total a pagar de €119 460,45, tendo as mesmas sido pagas, cfr Docs. 32 a 43 anexos ao PPA.
DD. Por não se conformar com os aludidos atos tributários, em 22.04.2024 a Requerente apresentou reclamação graciosa. (cfr. art. 4.º do PPA e Doc. n.º 1 anexo ao PPA)
EE. Através do Ofício DTJ-..., datado de 24.07.2024, a Requerente foi notificada da
decisão final de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. art. 5.º do PPA e Doc. n.° 1 anexo ao PPA).
FF. Refere-se naquela decisão de indeferimento que:
[“ 14. De acordo com o RIT:
“O sujeito passivo celebrou contrato de arrendamento, em 1 de agosto de 2020,
cuja cópia se anexa (anexo 2), referente à loja acima referida, já com licença de
utilização e inscrito na matriz, conforme considerando A do contrato.
O imóvel era constituído por imóvel destinado ao comércio e respetivo parque de
estacionamento, destinado a uma loja da marca “...”.
(…)
Existe a possibilidade de renúncia a esta isenção, consagrada no n.º 4 do art.º 12.º
do CIVA. Os n.ºs 6 e 7 deste art.º 12.º estabelecem que os termos e as condições
para a renúncia à isenção são estabelecidos em legislação especial e que o direito à
dedução do imposto, obedece às regras constantes dos artigos 19.º e seguintes,
salvo o disposto em normas regulamentares especiais.
A legislação especial acima referida é o Decreto-Lei n.º 21/2007 que estabelece no
seu art.º 5.º que a renúncia à isenção se verifica na data de celebração do contrato
de locação do imóvel, ou seja, em 1 de agosto de 2020.
(…)
Anexam-se os dois documentos (anexo 3), o primeiro, o certificado de renúncia à
isenção do IVA na locação de bem imóvel, datado de 6 de novembro de 2020 e o
segundo a retificar o artigo predial para o referente ao imóvel locado.
E desde logo se apura que a data desta certificação (6 de novembro de 2020) é
posterior à data de celebração do contrato de arrendamento (1 de agosto de 2020).
Para que seja efetiva a opção pela renúncia à isenção, nas operações imobiliárias,
as mesmas estão condicionadas, ao prévio exercício de uma opção expressa por
parte do sujeito passivo não sendo admissível suprir posteriormente essa falta,
como aconteceu, sendo assim, a renúncia não tem efeitos e enferma de vício
insanável. O contrato de arrendamento foi celebrado em 1 de agosto de 2020 e a
opção solicitada em novembro do mesmo ano.
(…)
Conforme vimos acima, o sujeito passivo esteve integrado no regime de isenção do
art.º 9.º do CIVA desde o início de atividade até que optou pelo regime normal
trimestral em 27 de agosto de 2020.
Estando integrado neste regime, não poderia deduzir IVA suportado, nos termos do
art.º 20.º n.º 1 alínea a) do CIVA, pois as operações que realizaria seriam isentas de
IVA.
Uma das condições para ter direito à renúncia indicada no ponto anterior seria,
segundo o art.º 3.º n.º 1 alínea a) do DL n.º 21/2007, que o SP teria de praticar
operações que confiram direito à dedução ou, no caso de sujeitos passivos que
exerçam simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações
que não conferem esse direito, quando o conjunto das operações que conferem
direito à dedução seja superior a 80% do total do volume de negócios.
Daí ter efetuado a alteração de atividade em 27 de agosto de 2020, mas, uma vez
mais, já depois de ter celebrado o contrato de arrendamento.
O sujeito passivo deduziu no ano de 2020, o total de € 108.070,60 de IVA, de que se
destacam as deduções referentes à construção da loja do ..., que se
anexam (anexo 4), com um total de IVA de € 64.020,50 e € 43.341,13. Estas faturas
tinham data de emissão de 31-08-2020 e 30-12-2020, datas posteriores à conclusão
do imóvel e ao respetivo contrato de arrendamento. Uma vez que concluímos que a
locação do imóvel está isenta de IVA ao abrigo do art.º 9.º alínea 29) do CIVA, e o
SP não efetuou mais quaisquer operações ativas no ano de 2020, a dedução total do
IVA no ano de 2020 não será passível de ser aceite, nos termos do já citado art.º
20.º n.º 1 alínea a) do CIVA.”
15. Não assiste razão à reclamante, havendo consenso na jurisprudência quanto a este tema.
16. A obtenção do certificado de renúncia teria que ser prévia ao contrato de locação.
17. Mas na data da celebração do contrato de locação a reclamante não detinha o referido certificado nem se verificavam as condições para que o pudesse obter.
18. De acordo com o disposto no artigo 5º do Decreto Lei n.º21/2007:
“Artigo 5.º
Momento em que se efectiva a renúncia à isenção
1 - A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que o sujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.
2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via electrónica, esse facto à administração tributária.
3 - O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.”
19. Citamos excerto do acórdão CAAD n.º616/2018-T, de 04.07.2019:
“Ora, existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6
do artigo 12.º do CIVA, para a renúncia à isenção e as formalidades do
procedimento declarativo prévio destinado à emissão do certificado de renúncia,
previsto no artigo 4.º do Regime de Renúncia.
Por isso, o exercício de renúncia à isenção sem que estejam reunidas as respectivas
condições previstas no Regime de Renúncia, ou sem que o locador disponha de um
certificado de renúncia, válido, para a operação concreta não produz efeitos
jurídico-tributários.
É hoje jurisprudencial e doutrinalmente consentâneo o entendimento de que “(…) o
certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direito em matéria
tributária. (…)”
Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 25-11-
2009, prolatado no âmbito do processo 0486/09, em cujo sumário se pode ler o
seguinte:
(…)
II - A sucessão no contrato de arrendamento não dispensa o sujeito passivo de
cumprir as formalidades necessárias para que, de acordo com a lei fiscal, possa
legitimamente cumprir aquilo a que ficou obrigado para com o arrendatário;
IV - Não o tendo, contudo, feito no momento que lhe permitiria assegurar o integral
exercício do direito à dedução do IVA que suportou aquando da aquisição do
imóvel com renúncia à isenção do IVA, mas apenas em momento posterior, esse
comportamento omissivo é-lhe exclusivamente imputável, pois que não parece que
o legislador nacional, ao ter condicionado a renúncia à isenção e ao exigir a
certificação administrativa dessa renúncia, tenha excedido a "ampla margem" de manobra de que dispunha no âmbito do artigo 13.º-C da Sexta Directiva (cfr. o Acórdão do TJCE de 9 de Setembro de 2004, processo C-269/03, caso Kirchberg, Colect. P. I-8067).(…)
(…)
E, conforme decisão do Tribunal Arbitral no processo 176/2018-T, cujo teor
subscrevemos: “O exercício da renúncia à isenção do IVA sem que estejam
reunidas as respetivas condições constitutivas previstas no Regime de Renúncia”,
ou sem que o locador disponha de um certificado válido para a operação concreta
(…) simplesmente não produz efeitos. (…)”
20. Citamos ainda o acórdão STA 0287/08.0BEFUN 01687/13, de 20.05.2020:
“Importa também sublinhar que as questões objecto do presente recurso não só não
suscitam dúvidas de interpretação do direito europeu (directiva IVA), como se
enquadram na jurisprudência do TJUE sobre o direito à renúncia ao imposto nas
operações imobiliárias.
Com efeito a jurisprudência do TJUE tem afirmado a compatibilidade com o direito
da União, da exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de
acesso ao regime de renúncia à isenção e a conformidade dessa exigência na ampla
margem de manobra de que dispõe o legislador estadual ( E neste sentido, também,
o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.11.2009, recurso 486/09. ).
Margem que o Estado português não extravasou ao prever um procedimento de
certificação para a emissão de um certificado de renúncia.
Neste sentido se pronunciou o TJUE, no Caso Kirchberg (C-269/03, de 9/09/2004)
a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa, que impõe a observância de
determinados requisitos para aceder a tal regime.
Escreveu-se naquele acórdão que: “ (…) verifica-se assim que tal procedimento de
aprovação não se destina a lesar o direito à dedução, mas permite, pelo contrário,
que este direito seja plenamente exercido, desde que se respeitem certas exigências,
designadamente, a apresentação de uma declaração de opção e a obtenção da
aprovação dentro de determinados prazos.
O facto de o procedimento de aprovação não ser retroactivo não o torna
desproporcionado. Pelo contrário, tal procedimento pode considerar-se útil a fim
de incitar os locadores a apresentar antecipadamente a sua declaração de opção.
Com efeito, não se pode excluir que um procedimento de aprovação com carácter
retroactivo seja susceptível de produzir efeito inverso, conduzindo os locadores a
apresentar tardiamente a sua declaração de opção e que seja, consequentemente,
menos apto a assegurar a aplicação correcta do exercício do direito de opção e a
alcançar o objectivo de segurança jurídica referido no n.° 25 do presente acórdão.
(…)”.
Acresce referir que não se coloca também a questão da interpretação restrita das
normas de isenção de IVA.
Em primeiro lugar, como já ficou dito, o acórdão recorrido não se baseou no
entendimento de que actividade de promoção imobiliária constitui, por si só, e
necessariamente, uma actividade isenta nos termos dos nºs 30 e 31 do art. 9º do
CIVA ou que o sujeito passivo apenas exercia a actividade principal de promoção
imobiliária.
Depois, há que notar que a doutrina da interpretação estrita se foi matizando na
jurisprudência do TJUE e se tornou claro que, para o Tribunal, o elemento literal
representa apenas um ponto de partida na interpretação das regras de isenção da
directiva IVA.
Como sublinha Sérgio Vasques ( Ob. citada, pags. 328/331. ), O TJUE tem
lembrado que esta interpretação estrita não se confunde com uma interpretação
restritiva, e que as regras de isenção constantes da Diretiva IVA não devem ser
interpretadas de maneira a privá-las dos seus efeitos.
Assim, tomando embora o elemento literal como ponto de partida e derradeiro
limite na interpretação das normas de isenção, o TJUE tem vindo nesta matéria a
lançar mão da generalidade dos elementos tradicionais de interpretação das
normas jurídicas.
Improcede, pois, a invocada violação do direito comunitário (al. O) das
conclusões),
9.3 Mas em relação ao direito à dedução importa ainda precisar o seguinte.
Por regra o direito à dedução do imposto suportado nasce quando o imposto
dedutível se torna exigível – esta é a regra que resulta do nº 1 do artº 22º do CIVA e
do artº 167.° da Diretiva IVA. Consequentemente, como vem afirmando a
jurisprudência do TJUE, apenas a qualidade em que o particular age nesse
momento pode determinar a existência de um direito à dedução (v., neste sentido,
Acórdão do TJUE de 28 Fevereiro de 2018, processo C-672/16, e demais
jurisprudência ali citada, nomeadamente Acórdãos de 11 de julho de 1991,
Lennartz, C 97/90, EU:C:1991:315, n.° 8, e de 30 de março de 2006,
Uudenkaupungin kaupunki, C 184/04, EU:C:2006:214, n.° 38).
No entanto, nem sempre o direito à dedução poderá ser exercido nesse momento,
sendo essa a situação configurada no caso sub judice.
É que o exercício da renúncia à isenção de IVA pelos sujeitos passivos que se
dediquem à locação e transmissão de imóveis depende da obtenção de declaração
de modelo oficial e da emissão de certificado pela AT, que será exibido aquando da
celebração do contrato de arrendamento ou da escritura de transmissão (cfr. arts.
1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, 4º e 5º do Decreto-lei 21/2007, e art. 12.º, n.ºs 4
a 6, do CIVA).
A opção pela renúncia à isenção do IVA “… tem de se verificar previamente ao
facto gerador dos impostos, que ocorre à data da celebração do contrato ou da
escritura da transmissão. Este corolário resulta, inequivocamente, das formalidades
a cumprir para efeitos de opção, quando se refere na parte final do n.º 6 do artigo
12.º do CIVA que «comprovados os pressupostos referidos naqueles números, a
Administração Fiscal emitirá nessa altura o certificado, isento de selo, que ser
exibido aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão»” (IVA,
anotado e comentado, 9.ª edição, Porto Editora, página 257, Emanuel Vidal Lima).
Assim como vem sublinhando a jurisprudência deste Supremo Tribunal
Administrativo esse certificado de renúncia assume natureza constitutiva do direito
à renúncia e subsequente dedução ou reembolso de IVA – Cf. Acórdãos do Supremo
Tribunal Administrativo de 3 de Julho de 2002, recurso n.º 139/02, de 25 de
Novembro de 2009, recurso nº 486/09 e de 07.10.2015, recurso 1455/12.
Por outro lado há que ter em conta o disposto no artº 168º, al. a) da Directiva IVA,
no sentido de que, «Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das
suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que
efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os
montantes seguintes:
a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe
tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham
sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;»
Como esclarece Sérgio Vasques( Ob. citada, pag. 338.), «do ponto de vista
finalístico, resulta do corpo do artº 168º que ao sujeito passivo só é reconhecido o
direito à dedução do imposto incorrido a montante quando os bens ou serviços que
adquira sejam “utilizados para os fins das suas operações tributadas( Sublinhado
nosso.).(…) Esta referência às “operações tributadas” serve para deixar claro que
só quando se dá a aplicação efectiva do imposto nas operações activas se torna
possível a dedução do imposto incorrido nas operações passivas. Ao contrário,
quando as operações activas beneficiem de isenção simples, fica excluído por
princípio o direito à dedução e o sujeito passivo passa a ocupar posição semelhante
à de um consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas
aquisições».
A exigência de que os bens e serviços adquiridos pelo sujeito passivo sejam
utilizados na realização de operações tributadas é pois determinante para que seja
reconhecido o direito à dedução do imposto incorrido a montante.
Ora, como se sublinhou no supra citado Acórdão 1455/12 deste Supremo Tribunal
Administrativo, se o direito à dedução depende da prévia renúncia a isenção, deve
entender-se que ele apenas nasce com a realização da operação económica
tributável, após a obtenção do certificado de renúncia.”
21. Não se põe em causa que a actividade de locação do imóvel realizada pela
reclamante esteja abrangida pela isenção ao abrigo do art.º 9.º alínea 29) do CIVA.
22. Também não se põe em causa que na data da escritura a reclamante não
detinha o certificado de renúncia à isenção do IVA como é exigido pelo Decreto Lei
n.º21/2007.
23. Por maioria de razão, também se depreende que as operações praticadas pela
reclamante estavam abrangidas por isenção simples, ficando excluídas do direito à
dedução.
24. Por tudo isto, mantêm-se as correcções.
Conclusão
25. Corroboramos inteiramente as conclusões dos SIT expressas no seu relatório, as quais damos aqui por reproduzidas.],
cfr documento administrativo de suporte “Informação” do Despacho de Indeferimento do Chefe de Divisão de Direção de Finanças, notificado ao mandatário da Requerente através do Ofício DTJ-...-2024, datado de 24.07.2024, constante no PA.
GG. Por discordar da decisão da AT, a Requerente apresentou no sistema informático do CAAD, em 17.10.2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral coletivo que deu origem ao presente processo arbitral.
2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não ficou provado que a Requerente não tenha praticado
operações tributáveis em 2020. A partir do 6 de novembro de 2020, data em que obteve o certificado de renúncia à isenção de IVA, a Requerente estava em condições de praticar operações tributáveis, sujeitas a imposto (IVA), obrigando à liquidação de IVA, o que veio a ser reconhecido na Declaração Periódica de IVA de 2020/12T, como ficou provado.
3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes,cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da nãoprovada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, em que as partes também estão de acordo na sua existência.
IV. Matéria de Direito
1. Questões Decidendas
A questão em causa nos presentes autos de processo arbitral tributário, consiste em determinar se as liquidações adicionais de IVA, sob escrutínio, são ilegais, bem como o indeferimento da Reclamação Graciosa, por a AT ter desconsiderado a dedução de IVA no montante de €108 070,06 na Declaração Periódica de IVA de 2020/12T, com o fundamento de
a Requerente não ter tido operações tributáveis em 2020 e ter exercido o direito de renúncia à isenção do IVA posterior (06.11.2020) à celebração do contrato de locação (arrendamento- 01.08.2020), sem que estivesse munido deste certificado no momento da celebração do contrato de locação (arrendamento)
Assim, sabendo a posição das partes, convém fazer o enquadramento legal do ponto de vista tributário (IVA) da questão controvertida, e, depois a análise quanto ao mérito da causa.
2. O regime regra do IVA
O IVA assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta sem poder deduzir. O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordocom o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.
Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, de 28 denovembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”.
O princípio da neutralidade do IVA tem sido ampla e devidamente analisado pela jurisprudência europeia eunanimemente sufragado que: (…) O sistema comum do IVA tem por objectivo garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (Caso Rompelman, proc. C-268/83, de 14/02/1985, Caso Klub, C-153/11, de 22/03/2012).
No caso dos autos, está em causa a atividade de locação de bens imóveis, a qual, é uma operação isenta deimposto, nos termos do disposto no número 29 do artigo 9.º, do Código do CIVA.
Esta isenção reveste natureza incompleta, ou seja, não confere o direito à dedução do IVA suportado,implicando que o locador não possa deduzir o IVA suportado para a realização das suas operações de locação de imóveis, o que significa que a isenção da tributação em IVA,
nem sempre é vantajosa, pelo contrário, pode ser penalizadora, pois cria o denominado imposto “oculto” (IVA nãodeduzido) que penaliza os sujeitos passivos.
3. Regime da Renúncia à Isenção
Para obviar às penalizações que distorcem a funcionalidade do imposto, o legislador comunitário consagrou, em determinadas circunstâncias, e de forma excecional, o direito à renúncia à isenção, com vista a que, o sujeito passivo possa liquidar e deduzir o IVA suportado nas operações, de acordo com o regime-regra.
O regime de renúncia à isenção do IVA nas operações de locação resulta do disposto na alínea l) do n.º1 do artigo 135.º, alínea d) do n.º1 do artigo 137.º e n.º 2 do artigo 168.º, todos da DIVA, que o legislador português transpôs para o n.º 29 do artigo 9.º, e n.ºs 4 a 7 do artigo 12.º do CIVA, exercendo a prerrogativa de conceder a opção de tributação nas operações de locação de bens imóveis, cujos termos e condições regulamentou, autonomamente, no Regime de Renúncia, instituído, pelo DL n.º 21/2007, de 29 de Janeiro3
A possibilidade de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias encontra-se consagrada na alínea d) do n.º 1 do artigo 137.º da Diretiva IVA (anterior artigo 13.º, C, da Sexta Diretiva), cabendo aos Estados-Membros a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas suas legislações internas, podendo,inclusive, restringir o seu exercício4.
Trata-se de uma faculdade que o legislador da União Europeia concedeu aos Estados-Membros em derrogação à regra geral prevista na alínea l) n.º 1 do artigo 135.º, n.º 1 alínea l) da DIVA5, segundo a qual as operações de locação estão isentas de IVA6.
O que significa que, desde que respeitados os princípios gerais do sistema do IVA previsto na Sexta Diretiva, e atualmente na DIVA, os Estados-Membros dispõem de uma larga margem de liberdade na conformação do regime jurídico da renúncia à isenção7.
Com a aprovação do DL n.º 21/2007, a renúncia à isenção passou a estar sujeita à verificação cumulativa de um conjunto de condições objetivas8 (referentes aos imóveis) e subjetivas9 (em relação aos sujeitos passivos que podem intervir nessas operações), como abaixo se analisará.
Com interesse para o caso, transcrevem-se, parcialmente os artigos 2.º, 3.º 4.º e 5.º do Regime de Renúncia (Decreto-Lei 21/2007, de 29 de janeiro)
Artigo 2.º
Condições objectivas para a renúncia à isenção
1 - A renúncia à isenção é admitida nas operações relativas a bens imóveis quando se mostrem satisfeitas as seguintes condições:
a) O imóvel se trate de um prédio urbano ou de uma fracção autónoma deste ou ainda, no caso de transmissão, de um terreno para construção;
b) O imóvel esteja inscrito na matriz em nome do seu proprietário, ou tenha sido pedida a respectiva inscrição, e não se destine a habitação;
c) O contrato tenha por objecto a transmissão do direito de propriedade do imóvel ou a sua locação e diga respeito à totalidade do bem imóvel;
d) O imóvel seja afecto a actividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições;
e) No caso de locação, o valor da renda anual seja igual ou superior a 25 avos do valor de aquisição ou construção do imóvel.
2 - Verificadas as condições previstas no número anterior, a renúncia só é permitida quando o bem imóvel se encontre numa das seguintes circunstâncias:
a) Esteja em causa a primeira transmissão ou locação do imóvel ocorrida após a construção, quando tenha sido deduzido ou ainda seja possível deduzir, no todo ou em parte, o IVA nela suportado;
b) Esteja em causa a primeira transmissão ou locação do imóvel após ter sido objeto de grandes obras de transformação ou renovação, de que tenha resultado uma alteração superior a 30 % do valor patrimonial tributável para efeito do imposto municipal sobre imóveis, quando ainda seja possível proceder à dedução, no
todo ou em parte, do IVA suportado nessas obras;
c) Na transmissão ou locação do imóvel subsequente a uma operação efectuada com renúncia à isenção, quando esteja a decorrer o prazo de regularização previsto no n.º 2 do artigo 24.º do Código do IVA relativamente ao imposto suportado nas despesas de construção ou aquisição do imóvel.
3 - No caso de contratos realizados em simultâneo, em que haja lugar à renúncia à isenção, a condição prevista na alínea b) do n.º 1, relativamente à inscrição em nome do proprietário, deve verificar-se em relação ao sujeito passivo que realiza a transmissão do imóvel no primeiro dos contratos.
4 Não é permitida a renúncia na sublocação de bens imóveis, excepto quando estes sejam destinados a fins industriais.
3 Anteriormente vigorava o regime do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de agosto
4 Artigo 137.º, n.º 2 da Diretiva IVA
5 Artigo 13.º, B, alínea b), da Sexta Directiva
6 Caso Waldbur, C-246/04, de 12/01/2006
7 Caso Imoflesmira, processo C-672/16, Caso Objekt Kirchberg, processo C-269/03.
8 Artigo 2.º do Decreto-Lei, n.º 21/2007, de 29 de janeiro de 2007
9 Artigo 3.º do Decreto-Lei, n.º 21/2007, de 29 de janeiro de 2007
Artigo 3.º
Condições subjectivas para a renúncia à isenção
1 - A renúncia à isenção é permitida quando o transmitente e o adquirente do bem imóvel ou, no caso de locação, quando o locador e o locatário sejam sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, que preencham as seguintes condições:
a) Pratiquem operações que confiram direito à dedução ou, no caso de sujeitos passivos que exerçam simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito, quando o conjunto das operações que conferem direito à dedução seja superior a 80% do total do volume de negócios;
b) Não estejam abrangidos pelo regime especial dos pequenos retalhistas constante dos artigos 60.º e seguintes do Código do IVA;
c) Disponham de contabilidade organizada nos termos dos Códigos do IRS ou do IRC.
2 - A percentagem referida na alínea a) do número anterior é determinada nos termos dos n.os 4, 5, 7 e 8 do artigo 23.º do Código do IVA, com base no montante das operações realizadas no ano anterior, independentemente do critério que o sujeito passivo utilize para o exercício do direito à dedução.
3 - Não obstante o disposto na alínea a) do n.º 1, podem renúnciar à isenção, ainda que o conjunto das operações que confere direito à dedução não seja superior à percentagem aí prevista, os sujeitos passivos cuja actividade tenha por objecto, com carácter de habitualidade, a construção, reconstrução ou aquisição de imóveis para venda ou para locação.
4 - No caso de operações relativas a imóveis detidos ou a deter em regime de compropriedade, a renúncia à isenção só é admitida quando as condições referidas nos números anteriores se verifiquem relativamente a todos os comproprietários e o direito de renúncia à isenção seja exercido por todos eles.
Artigo 4.º
Formalidades para a renúncia à isenção
1 - Os sujeitos passivos que pretendam renúnciar à isenção devem dirigir à Direcção-Geral dos Impostos, por via electrónica, um pedido de emissão de certificado para efeitos de renúncia, do qual conste os seguintes elementos:
a) O nome ou designação social do sujeito passivo transmitente ou locador e do sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, bem como os respectivos números de identificação fiscal;
b) A identificação do imóvel;
c) Se se trata de uma operação de transmissão do direito de propriedade do imóvel ou de uma operação de locação do mesmo;
d) A actividade a exercer no imóvel;
e) O valor da venda do imóvel ou o valor mensal da renda;
f) A declaração de que se encontram reunidas todas as condições para a renúncia à isenção, previstas no Código do IVA e no presente regime.
2 - A Direcção-Geral dos Impostos, após a recepção do pedido de emissão de certificado, deve, por via electrónica, dar conhecimento do mesmoao sujeito passivo adquirente ou locatário do imóvel, para efeitos de confirmação por este, pela mesma via, dos elementos que lhe dizem respeito.
3 - Não obstante o disposto no número anterior, quando a informação disponibilizada no pedido não corresponder aos elementos na possedos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, a decisão de emissão do certificado é tomada pelo chefe do serviço de finanças da área da sede, do estabelecimento estável ou, na sua falta, do domicílio do transmitente ou locador, após a apreciação da conformidade dessa informação.
4 - O certificado para efeitos de renúncia é emitido no prazo de 10 dias a contar da data da confirmação a que se refere o n.º 2.
5 - O certificado emitido é válido por seis meses e tem exclusivamente por efeito titular que os sujeitos passivos intervenientes na operação manifestaram à Direcção-Geral dos Impostos a intenção de renúnciar à isenção do IVA nessa operação e que declararam estar reunidas as condições legalmente previstas para que a renúncia se efectivasse.
Artigo 5.º
Momento em que se efectiva a renúncia à isenção
1 - A renúncia à isenção só opera no momento em que seja celebrado o contrato de compra e venda ou de locação do imóvel, desde que osujeito passivo esteja na posse de um certificado de renúncia válido e se continuem a verificar nesse momento as condições para a renúncia à isenção estabelecidas no presente regime.
2 - Deixando de se verificar as condições de renúncia à isenção antes da celebração do contrato referido no número anterior, ou tendo decorrido o prazo de validade do certificado de renúncia sem que tal contrato haja sido celebrado, deve o sujeito passivo que solicitou a emissão do mesmo comunicar, por via electrónica, esse facto à administração tributária.
3 - O exercício da renúncia à isenção sem que estejam reunidas as condições referidas no n.º 1 não produz efeitos.
Artigo 8.º
Exercício do direito à dedução
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os sujeitos passivos intervenientes em operações em que tenha ocorrido a renúncia à isenção no âmbito do presente regime têm direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações relativas a cada bem imóvel, segundo as regras definidas nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA.
2 - Os transmitentes ou locadores podem deduzir o IVA relativo ao bem imóvel na declaração do período de imposto ou de período posterior àquele em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do presente regime, tem lugar a renúncia à isenção, tendo em conta o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA.
3 - O prazo previsto no n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA é elevado para o dobro para efeitos da dedução do imposto suportado na construção de bens imóveis por sujeitos passivos cuja actividade tenha por objecto, com carácter de habitualidade, a construção de imóveis para venda ou para locação, quando essa construção, comprovadamente, tenha excedido o prazo referido naquela disposição.
4 - Os sujeitos passivos adquirentes de bens imóveis podem deduzir o imposto liquidado pela respectiva aquisição na declaração do período de imposto em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º, tem lugar a renúncia à isenção.”
Resulta da análise do texto legal que o legislador nacional fez depender a tributação das operações de locação:
i. Do prévio exercício de uma opção expressa por parte do sujeito passivo locador; e
ii. Do cumprimento de requisitos objetivos, subjetivos e formais.
Ora, existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo
12.º do CIVA, para a renúncia à isenção e as formalidades do procedimento declarativo prévio destinado à emissão docertificado de renúncia, previsto no artigo 4.º do Regime de Renúncia.
Por isso, o exercício de renúncia à isenção sem que estejam reunidas as respetivas condições previstas no Regimede Renúncia, ou sem que o locador disponha de um certificado de renúncia, válido, para a operação concreta não produz efeitos jurídico-tributários.
É hoje jurisprudencial e doutrinalmente consentâneo o entendimento de que “ (…) o certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direito em matéria tributária. (…)”[3]
4. Análise quanto ao mérito
Tendo em conta as questões decidendas e o enquadramento normativo das mesmas, há que começar por responder à seguinte questão: a renúncia à isenção de IVA prevista nos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA complementado com as formalidades (objetivas e subjetivas) do procedimento declarativo previsto no DL n.º 21/2007 para a obtenção do certificado de renúncia à isenção de IVA, implica que um sujeito passivo que celebre um contrato de locação (arrendamento), estando abrangido pelo regime de isenção previsto no artigo 9.º do CIVA, não possa em data posterior à celebração do referido contrato de arrendamento, vir a obter um certificado de renúncia à referida isenção de IVA, e, consequentemente, venha a deduzir o IVA suportado relativo ao período em que esteve isento, desde que seja cumprido o plasmado no n.º2 do artigo 91.º do CIVA previsto no DL n.º 21/2007 (correspondente ao atual n.º2 do artigo 98.º do CIVA)?
Esta questão já foi objeto de análise por parte do STA no Processo 012/08.6BCPRT 01593/15[4] em que o objeto de recurso era
“ A questão objecto do recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte exarado a fls. 328/339, que julgou improcedente acção administrativa especial intentada contra o despacho do Senhor SEAF, que indeferiu pedido de regularização de IVA relativos aos anos de 1998 a 2000, no entendimento de que os certificados de renúncia à isenção de IVA, relativos a contratos de locação financeira imobiliária referenciados no probatório, deveriam ter ser emitidos em data anterior à dos respectivo contratos de locação, face ao disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA, ao preâmbulo do DL n.º 241/86, de 20 de Agosto e ao disposto no n.º 2 do art. 4.º deste último diploma.
Em causa o invocado direito à dedução integral do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) incorrido em contratos de locação financeira imobiliária, considerando a autora, e ora recorrente, que supriu a falta dos certificados de renúncia à isenção.
Mostram os autos, que a Administração Tributária, na sequência de uma acção de inspecção para efeitos de controlo de pedidos de reembolso, detectou, relativamente a alguns contratos de locação financeira imobiliária, que a Autora não dispunha de certificado de renúncia à isenção de IVA. Neste contexto, procedeu às respectivas liquidações adicionais.
Posteriormente, a Autora obteve junto da Administração Tributária os certificados de renúncia à isenção (referente a vários períodos dos anos de 1998 a 2000), previstos no n.º 2 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, e que não dispunha à data da acção de inspecção. Depois, por requerimento dirigido ao Director-Geral dos Impostos, e com fundamento no art. 71.º, n.º 7 do Código do IVA (CIVA), requereu a autorização para deduzir o IVA que havia sido liquidado adicionalmente naquela acção de inspecção, por entender que, tendo suprido a falta dos certificados poderia, então, deduzir o IVA suportado.
Porque aquele requerimento lhe foi apenas parcialmente deferido, a Recorrente interpôs recurso hierárquico daquela decisão, que veio a ser objecto de despacho de indeferimento proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Residiram as razões do indeferimento, síntese, no entendimento de que o certificado de renúncia deveria ter ser emitido em data anterior à do respectivo contrato de locação, face ao disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA, ao preâmbulo do DL n.º 241/86, de 20 de Agosto e ao disposto no n.º 2 do art. 4.º deste último diploma.
A Recorrente discordava deste entendimento, no essencial, porque no momento em que solicitou ao Director-Geral dos Impostos a regularização do IVA dos diversos períodos de 1998 a 2000, a seu favor, já tinha suprido a falta da emissão dos certificados de renúncia de isenção, sendo que os contratos de locação financeira referiam expressamente que era vontade das partes sujeitar os mesmos a IVA, pelo que alegadamente não seria necessário a rectificação dos contratos, e deste modo, poderia deduzir o IVA suportado naquele período, e que foi objecto de liquidação adicional”
situação similar à do presente caso controvertido. Refira-se que o Decreto-Lei n.º 241/86 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007 (diploma que incorpora as alterações promovidas ao abrigo da Diretiva n.º 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de julho), aplicável
ao caso dos presentes autos, e que, no que é relevante para o caso em apreço não colide com o plasmado no Decreto-Lei 21/2007. O STA no Acórdão acima referido (Processo 012/08.6BCPRT 01593/15) pronunciou-se no sentido de que, conforme jurisprudência já consolidada no ordenamento tributário português, o certificado de renúncia assume uma natureza constitutiva do direito à renúncia permitindo a subsequente dedução ou reembolso de IVA, caso haja lugar ao mesmo. Por outro lado, no mesmo aresto, é defendido que
“ (…) como esclarece Sérgio Vasques, «do ponto de vista finalístico, resulta do corpo do artº 168º (da Directiva IVA) que ao sujeito passivo só é reconhecido o direito à dedução do imposto incorrido a montante quando os bens ou serviços que adquira sejam “utilizados para os fins das suas operações tributadas. (…) Esta referência às “operações tributadas” serve para deixar claro que só quando se dá a aplicação efectiva do imposto nas operações activas se torna possível a dedução do imposto incorrido nas operações passivas. Ao contrário, quando as operações activas beneficiem de isenção simples, fica excluído por princípio o direito à dedução e o sujeito passivo passa a ocupar posição semelhante à de um consumidor final, suportando na sua esfera o imposto relativo às suas aquisições».
A exigência de que os bens e serviços adquiridos pelo sujeito passivo sejam utilizados na realização de operações tributadas é pois determinante para que seja reconhecido o direito à dedução do imposto incorrido a montante. “
e
“ Ponderando a hipótese de se considerar que a sujeição a IVA das operações imobiliárias em causa estava condicionada à obtenção prévia dos certificados de renúncia à isenção, que assumiam um carácter constitutivo do direito, alega recorrente, subsidiariamente, que há que interpretar o disposto o disposto no artigo 4º, nº 4, do Decreto-Lei nº 241/86, de 20 de agosto, no sentido de se permitir a dedução do imposto suportado por referência aos contratos de locação em análise na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção. Em síntese sustenta a recorrente que deve aceitar-se a possibilidade de efectuar a dedução do imposto suportado nos contratos identificados sob os números 500283, 501881, 502070, 501854, 501540, 501360, 501441, 501481, 501377, 501495, 501792, 502106 501796, 502138, 501922, 502137, 20000046, 20000066, 20000086, 20000190, 20000045, 20000197,20000261 e 20000705, objecto de indeferimento no despacho impugnado – ponto D do probatório - na proporção do período subsequente à data de tal obtenção, invocando o disposto no artigo 4º, número 4 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto”
e
“Dispunha o nº 4 do artº 4º do Decreto-lei 241/86, o seguinte: “quando a renúncia à isenção tiver sido precedida de uma locação isenta, o direito à dedução do imposto suportado é limitado na proporção do número de anos em que o imóvel estiver afecto a uma actividade ou sector tributado.”
Este nº 4 do artº 4º do Decreto-lei 241/86 foi aditado pela Lei nº 3-B/2000, que igualmente aditou os n°s. 5 e 6 com a seguinte redacção:
«5 - A referida proporção resulta de uma fracção que comporta, no numerador, a diferença ente o número de anos a que alude o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA e o número de anos em que a locação tiver estado isenta, e, no denominador, o número de anos previsto naquela disposição.
6 - Para efeitos do número anterior, quando, ao longo do mesmo ano civil, o imóvel tenha sido objecto de realização de operações isentas e de operações tributadas, tomar-se-á em conta o maior dos dois períodos e, sendo estes iguais, considerar-se-á que o imóvel esteve afecto a uma actividade totalmente tributada.»”
(…)
“De facto nada na letra da lei indica, ou aponta no sentido de que a “locação isenta” precedente à renúncia à isenção, a que se refere o artigo 4.º, número 4, do referido Decreto-Lei, tenha que ser efectuada no âmbito de outro contrato.
Aliás decorre da conjugação da referida norma com o disposto no n.º 2 do artigo 91º do CIVA, na redacção então em vigor, que este artigo 4.° do DL 241/86 consagra a possibilidade de os sujeitos passivos que renúnciarem à isenção efectuarem a dedução do imposto suportado a montante em relação a cada imóvel ou parte autónoma, podendo ser recuperado o IVA que tenha sido suportado nos quatro anos anteriores à opção pela tributação (Cf. neste sentido, Patrícia Noiret da Cunha, IVA, anotações, ed. do Instituto Superior de Gestão, pag. 220).
Como esclarece Patrícia Noiret da Cunha (Ob. citada, pag. 220.), «nas situações em que o imóvel, ao longo desses quatro últimos anos, esteve um ou vários períodos afecto à realização de operações isentas, a dedução a efectuar, no momento da opção pela tributação, quando tal opção tiver sido precedida de uma locação isenta, deve ser proporcional ao número de anos em que, nos últimos quatro, o imóvel esteve afecto a uma actividade ou sector tributado. Tal deve-se ao facto de, nessa situação, seria contrário ao funcionamento do IVA que o sujeito passivo em momento posterior, aquando da opção pela tributação, exercesse integralmente o direito à dedução do IVA suportado anteriormente (Também neste sentido, e numa situação com algumas similitudes, vide o já citado Acórdão 1455/12 deste Supremo Tribunal Administrativo.).”
vindo o STA a pronunciar-se no sentido de
“Procede, pois, nesta parte, a argumentação da Recorrente, pelo que haverá que interpretar o disposto no artigo 4.°, nº 4 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, no sentido preconizado, ou seja de, a título subsidiário, se permitir a dedução do imposto suportado por referência aos contratos de locação imobiliária[5] com financiamento para construção números 500283, 501881, 502070, 501854, 501540, 501360, 501441, 501481, 501377, 501495, 501792, 502106, 501796, 502138, 501922, 502137, 20000046, 20000066, 20000086, 20000190, 20000045, 20000197, 20000261 e 20000705, na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção, e a calcular pela Administração Tributária nos termos do disposto nos n°s. 5 e 6 do referido artº 4º do Decreto-lei 241/86, na redacção da Lei nº 3-B/2000 e nº 2 do artº 91º do CIVA, na redacção então em
vigor.”
Ora, quer o Decreto-Lei 241/1986 quer o Decreto-Lei 21/2007, em termos substantivos versam sobre as condições objetivas e subjetivas que sujeitos passivos abrangidos pela isenção incompleta prevista no artigo 9.º do CIVA, têm de cumprir, para aceder ao certificado de renúncia de isenção, possibilitando-os a exercer o direito à dedução como manifestação do princípio da neutralidade, princípio basilar em sede de IVA.
No caso em concreto, provou-se que a Requerente obteve o certificado de renúncia, em 6 de novembro 2020, posteriormente à celebração do contrato de locação (arrendamento), em 1 de agosto de 2020. Ora, a partir do dia 6 de novembro de 2020, a Requerente deixou de estar sujeita ao regime de isenção previsto no artigo 9.º do CIVA, passando a estar sujeita ao regime normal de tributação de IVA (trimestral), devendo liquidar IVA nas operações ativas, i.e., nas rendas a debitar ao locatário: B... S.A. e nas operações passivas (obras na Loja ...), deduzir o IVA suportado nessas operações, conexas com o imóvel locado (Loja ...). Ora chegados aqui, este Tribunal arbitral acompanha a posição do STA no Processo 012/08.6BCPRT 01593/15, acima exposto, em que aquele Tribunal Superior se pronunciou no sentido de
“ Procede, pois, nesta parte, a argumentação da Recorrente, pelo que haverá que interpretar o disposto no artigo 4.°, nº 4 do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, no sentido preconizado, ou seja de, a título subsidiário, se permitir a dedução do imposto suportado por referência aos contratos de locação imobiliária com financiamento para construção números 500283, 501881, 502070, 501854, 501540, 501360, 501441, 501481, 501377, 501495, 501792, 502106, 501796, 502138, 501922, 502137, 20000046, 20000066, 20000086, 20000190, 20000045, 20000197, 20000261 e 20000705, na proporção do período subsequente à obtenção dos certificados de renúncia à isenção, e a calcular pela Administração Tributária nos termos do disposto nos n°s. 5 e 6 do referido artº4º do Decreto-lei 241/86, na redacção da Lei nº 3-B/2000 e nº 2 do artº 91º do CIVA, na redacção então em vigor”
com as devidas adaptações em termos de legislação em vigor à data dos factos do caso concreto, i.e., Diretiva IVA (alínea a) artigo 168.º e n.º1 do artigo 173.º 173.º n.º1), CIVA (n.s 4 a 6 do artigo 12.º) complementado com o Decreto-Lei n.º 21/2007, (por força da alínea d) do artigo 137.º da DIVA).
Ora, uma vez obtido o certificado de renúncia à isenção de IVA em 6 de novembro de 2020, levanta-se a questão de saber qual é o início do prazo para o exercício do direito à
dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos na locação de bens imóveis. O STA no Processo 01455/12[6], de 7 de outubro de 2015, pronunciou-se no sentido daquele que foi defendido em sede de recurso pelo Tribunal Tributário de Lisboa a quo de que
“Para tanto, e em resumo, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, após discorrer sobre a natureza do IVA e sobre o direito à dedução como reflexo (E, dizemos nós, como instrumento de realização da neutralidade do imposto.) do princípio da neutralidade, fez notar que «não haverá lugar à dedução do imposto contido nas aquisições conexas com operações que, estando sujeitas a IVA, são, no entanto, dele isentas ao abrigo do artigo 9.º do CIVA, bem como às operações que se encontrem fora do âmbito da incidência do IVA».
Depois, passou a analisar o art. 1.º do Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (diploma legal que, à data, regulava os condicionalismos e formalidades a observar pelos sujeitos passivos que pretendessem renúnciar à isenção na transmissão de bens imóveis nos termos do art. 12.º, n.º 4 do CIVA), e salientou que aquele diploma legal «não fazia qualquer remissão para o artigo 91.[7]º, n.º 2, do Código do IVA, diversamente do novo regime [ou seja, o que foi instituído pelo Decreto- Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro], que veio estabelecer que o respectivo exercício do direito à dedução se fará tendo em conta o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA, mas em contrapartida, alterou o prazo para dedução de 4 para 8 anos, nos casos em que a construção, comprovadamente, tenha excedido o prazo referido naquela disposição – cfr. art. 8.º, n.º 2 e n.º 3 [do referido Decreto-Lei n.º 21/2007]».
De seguida, registou que «há que entender que, ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 241/86, o prazo para o exercício do direito à dedução nos casos de renúncia à isenção, estabelecido no citado n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA, deve ser contado desde o nascimento desse direito, sendo que, ao contrário do que invoca a AT, não coincide, necessariamente, com a data da emissão da factura, uma vez que o Código do IVA não faz depender o início da contagem do prazo da data das facturas, mas tão-somente do nascimento do direito à dedução». Isto porque «o direito à dedução apenas nasce quando puder ser exercido», ou seja, na situação sub judice, considerando o disposto nos arts. 1.º a 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86, «apenas nasce com a celebração da escritura […] e subsequente emissão de certificado [de renúncia à isenção] válido», pois anteriormente, não podia ser exercido.
Mais salientou que a interpretação por ela feita da lei nacional, é a única que se conforma com o direito europeu no que respeita ao exercício do direito de dedução – designadamente com o disposto no art. 17.º, n.ºs 2, alínea a), e 5, da Directiva 77/388/CEE (Actualmente, correspondem-lhe os arts. 168.º, alínea a), e 173.º, n.º 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 26 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA, habitualmente designada Directiva IVA.), de 17 de Maio (Sexta Directiva, relativaao sistema comum do IVA) –, que logra primazia sobre aquela, atento o princípio do primado do direito da União Europeia, consagrado no n.º 4 do art. 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).”
Refere também a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), quer no sentido de que os Estados-Membros da União Europeia, podendo subordinar o exercício do direito de dedução a determinadas condições, estas não podem, pelo seu número ou pela sua tecnicidade, inviabilizar ou tornar excessivamente difícil o exercício do direito, quer no sentido de que o direito de dedução do IVA visa concretizar o desígnio de neutralidade prosseguido pelo imposto.”.
Tendo em conta o acima exposto e aplicando ao caso em concreto, por força do previsto no n.º2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 21/2007, é convicção deste Tribunal Arbitral de que a
Requerente podia deduzir o IVA suportado nas obras da loja ... no montante de €108 070,06 num prazo de quatro (4) anos contados a partir de 6 de novembro de 2020, o que o fez na declaração de IVA referente ao período 2010/12T, conforme ficou provado. É convicção deste Tribunal Arbitral que a posição assumida pelos SIT, ao não aceitar a dedutibilidade do IVA suportado pela Requerente relativo às obras relacionadas com a loja ... está desconforme com o Direito Europeu em sede de IVA, por violação do princípio da neutralidade e proporcionalidade. Não se permitir a dedução do IVA suportado nas obras do imóvel locado pela Requerente dentro do prazo previsto no n.º 2 do artigo 91.º do CIVA (atual artigo 98.º do CIVA), conforme a previsão do referido n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei 21/2007, viola quer o princípio da neutralidade quer o da proporcionalidade.
Adicionalmente refira-se que pelas razões acima expostas, este Tribunal Arbitral não acompanha a fundamentação usada pela AT, conforme ponto FF dos factos provados, pelo que o indeferimento da reclamação graciosa é ilegal.
Por outro lado, ficou provado na declaração de IVA do período 2020/12T, que a Requerente a nível das operações ativas declarou uma base tributável de €269 439,70, na qual estão incluídas rendas da loja ..., tendo liquidado IVA no montante de € 68 927,16. Assim, não se acompanha a posição da AT quando a mesma afirma que em 2020, não houve operações tributáveis.
Deste modo, uma vez que a correção efetuada pela AT na Declaração Periódica de IVA do período 2020/12T viola o principio da neutralidade e da proporcionalidade, esta enferma de vício de violação de lei, por erro quanto aos pressupostos de facto e de Direito, justificando-se a anulação das liquidações controvertidas que as tiveram como pressuposto (correção efetuada pela AT acima referida) de harmonia com o disposto no n.º1 do artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos da al. c) do artigo 2.º da LGT
Em face do acima exposto, o pedido de pronúncia arbitral é procedente com as devidas consequências legais.
5. Questões prejudicadas
Sendo dado provimento ao pedido de pronuncia arbitral, não se torna necessário o reenvio prejudicial junto do TJUE, solicitado pela Requerente, para que aquele Tribunal Europeu se pronuncie sobre a violação ou não do princípio da neutralidade previsto nos artigos 178.º a 183.º
da DIVA na interpretação que foi dada pela legislação nacional plasmada no n.º4 do artigo 12.º do CIVA conjugado com o DL n.º 21/2007, de 29 de janeiro.
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação destetribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (Cf. Artigo 608.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
10 Acórdão to TCAN, processo 00012/08.6BCPRT
11 Cfr. Clotilde Celorico de Palma, Vicissitudes da renúncia à isenção das operações imobiliárias em imposto sobre o valor acrescentado,Comentário ao Acórdão do STA de 25 de novembro de 2009, processo 0486/09, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 3, n.º 1, 2010
Com base nos fundamentos acima expostos, as liquidações adicionais controvertidas terão de ser anuladas, e, como ficou provado que a Requerente pagou o imposto devido acrescido de juros compensatórios, há lugar à restituição da quantia paga em excesso.
Por outro lado, a Requerente pugna igualmente pelo pagamento de juros indemnizatórios. Ora, o n.º1 do artigo 43.º da LGT prevê que:
o que no caso em apreço, se verificou erro imputável aos serviços por erro nos pressupostos de facto e de Direito, pela não aceitação do IVA dedutível no montante de €108 070,06 declarado na Declaração Periódica de 2020/12T, violando os princípios da neutralidade e proporcionalidade, havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
b) A correção de €108 070,06 levada a cabo pela AT relativa a IVA suportado nas obras da Loja ... é ilegal;
d) Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações controvertidas constantes dos autos;
e) Julgar procedente o pedido de restituição do imposto e juros compensatórios pagos, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT, calculados desde o pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito.
Fixa-se o valor do processo em €119.460,45 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processosde Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, em face do decaimento, uma vez que o pedidointegralmente procedente, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e n.º 5 do artigo 4.º, do citado Regulamento.
Notifique-se.