SUMÁRIO:
Em sede de IRS, na determinação do rendimento líquido da categoria G - mais-valias, relativo a um sujeito passivo residente em Portugal que beneficia do estatuto de residente não habitual, é ilegal a desconsideração, pela AT, das menos-valias obtidas em França, na determinação daquele rendimento líquido.
DECISÃO ARBITRAL
Martins Alfaro, árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 20-12-2024, profere a seguinte Decisão Arbitral:
A - RELATÓRIO
A.1 - Requerentes da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A... (NIF...) e B... (NIF...), casados, residentes na ... n.º..., ..., ..., ...-... Porto.
A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.
A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral:
A liquidação de IRS n.º 2024..., de 2024, referente ao ano de 2023, emitida na sequência da declaração de rendimentos modelo 3 dos Requerentes relativa a esse ano.
A.4 - Pedido: Os Requerentes formularam o seguinte pedido:
A declaração de ilegalidade parcial do acto tributário impugnado (liquidação de IRS de 2023 supra identificada) e a consequente anulação dessa liquidação na parte correspondente à desconsideração de menos-valias de fonte francesa, com o reembolso do imposto pago em excesso, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios legais, e demais consequências legais.
A.5 - Fundamentação do pedido:
Os Requerentes alegam, em suma, que no ano de 2023 realizaram uma operação de alienação onerosa de participações sociais de uma sociedade sediada em França, cujo activo era composto maioritariamente por bens imóveis situados em França.
Dessa operação resultou, para cada um dos Requerentes, uma menos-valia no montante de € 14 902,07 (catorze mil, novecentos e dois euros e sete cêntimos).
Tal menos-valia, relativa a ganhos de fonte em França, foi reportada nas declarações de IRS apresentadas pelos Requerentes (Anexos J, quadro 9.2A, código de país 250 - França - e código de operação G06, referente a alienações de partes sociais cujo activo seja constituído em mais de 50% por bens imóveis localizados no outro Estado).
Contudo, a AT desconsiderou esta menos-valia na liquidação de IRS relativa ao ano de 2023, não a deduzindo ao saldo de mais-valias e menos-valias do ano, o que inflacionou indevidamente o rendimento colectável e o imposto a pagar do IRS diz respeito a perdas ocorridas em territórios com regime fiscal privilegiado (“paraísos fiscais”), nos termos do artigo 43.º, n.º 5, do Código do IRS.
Como a França não consta da lista de jurisdições de fiscalidade privilegiada (Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro), a menos-valia em causa deve ser considerada no apuramento do saldo anual de mais-valias e menos-valias, não havendo base legal para o seu afastamento.
Acrescentam que, à luz da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e França, em vigor (com as alterações introduzidas pela Convenção Multilateral MLI), as eventuais mais-valias obtidas com a referida alienação de participações sociais poderiam ser tributadas em França (Estado da fonte) e, por isso, estariam isentas de tributação em Portugal - quer pelo método de isenção previsto na CDT, quer pelo regime dos residentes não habituais (RNH), previsto no artigo 81.º, do Código do IRS.
No entanto, sustentam os Requerentes, o método de isenção apenas abrange rendimentos positivos (mais-valias efectivas) e não impede a dedução de menos-valias realizadas no estrangeiro, inexistindo na lei interna qualquer norma que elimine do cômputo as menos-valias simplesmente porque provêm de território estrangeiro (desde que este não tenha regime fiscal privilegiado).
Invocam, em apoio da sua posição, a orientação da OCDE constante dos Comentários à Convenção-Modelo, bem como precedentes jurisprudenciais, nomeadamente decisões arbitrais do CAAD (por exemplo, processos n.º 247/2021-T e n.º 654/2022-T) em que se decidiu no mesmo sentido, concluindo que a não consideração da menos-valia de fonte francesa carece de fundamento legal e deverá ser corrigida.
A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:
A Requerida contesta o pedido, propugnando pela legalidade da liquidação impugnada.
Em síntese, a Requerida admite que os Requerentes obtiveram, em 2023, rendimentos da categoria G (mais-valias e menos-valias) provenientes de França, nomeadamente uma menos-valia resultante da alienação de partes sociais de sociedade francesa cujos activos são maioritariamente imóveis situados em França.
Reconhece que, nos termos da CDT Portugal-França (com as alterações do MLI), as mais-valias obtidas com tal alienação, por se referirem a participações cujo valor provém em mais de 50% de bens imóveis situados em França, podem ser tributadas pelo Estado da fonte (França).
Consequentemente, aplica-se o método da isenção previsto no artigo 81.º, n.º 5, do Código do IRS (regime dos residentes não habituais) aos ganhos dessa natureza, isentando-os de tributação em Portugal.
Nesse entendimento, a isenção abrange não apenas eventuais ganhos positivos, mas toda a categoria de rendimentos em causa; ou seja, estando os rendimentos dessa operação excluídos da tributação nacional pelo método da isenção, também as respectivas menos-valias não podem ser deduzidas no apuramento do rendimento colectável em Portugal.
A Requerida defende que admitir a dedução em Portugal da menos-valia de fonte francesa implicaria uma situação de dupla dedutibilidade transfronteiriça de perdas: se também em França o contribuinte puder vir a aproveitar tal perda (v.g. reportando-a para compensação com lucros futuros naquele Estado), então ambos os Estados estariam a suportar as consequências fiscais da mesma perda, criando um desequilíbrio indevido.
Assim, conclui a Requerida, sempre que se aplique o método da isenção para eliminar a dupla tributação de rendimentos obtidos no estrangeiro, as perdas ou menos-valias realizadas no Estado da fonte não devem ser consideradas no cálculo do rendimento tributável no Estado de residência - no caso, Portugal.
Nessa conformidade, a Requerida entende ter agido correctamente ao desconsiderar, na liquidação impugnada, a menos-valia realizada pelos Requerentes em França, não se verificando assim qualquer erro ou ilegalidade na liquidação impugnada, pelo que deverá ser absolvida do pedido.
B - SANEAMENTO:
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 20-12-2024.
O Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAMT, sem que as partes se tivessem oposto.
Notificadas para apresentar alegações, ambas as partes o fizeram, reiterando no essencial os termos constantes do pedido de pronúncia arbitral e da resposta.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
O pedido de constituição do Tribunal arbitral é tempestivo, o processo não enferma de nulidades, nem existem excepções suscitadas pelas partes ou de que cumpra conhecer oficiosamente.
C - FUNDAMENTAÇÃO:
C.1 - Matéria de facto - Factos provados: Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
Os Requerentes, casados entre si, tornaram-se residentes fiscais em Portugal, em 2020, encontrando-se registados com o estatuto fiscal de residentes não habituais (RNH).
Em 2023, os Requerentes alienaram, onerosa e definitivamente, as participações sociais que detinham numa sociedade comercial com sede em França, cujo activo era composto em mais de 50% por bens imóveis localizados em território francês.
A alienação teve lugar em 03-02-2023 (data de realização), tendo as participações sido adquiridas em 03-05-2021 (data de aquisição).
O valor de realização da alienação referida antes referida foi de € 50.000,00 por cada um dos Requerentes, e o valor de aquisição correspondente foi de € 64.457,63 por cada um dos Requerentes.
Os encargos e despesas relacionadas com a alienação ascenderam a € 444,44 por cada Requerente.
Da operação descrita resultou, para cada um dos Requerentes, uma menos-valia (perda) no montante de € 14.902,07, correspondente à soma algébrica entre o valor de realização e o valor de aquisição, acrescido das despesas da alienação.
No ano de 2023, para além da menos-valia referida antes referida, os Requerentes obtiveram outros rendimentos da mesma categoria (mais-valias mobiliárias), nomeadamente decorrentes de outras alienações de valores mobiliários, os quais geraram ganhos sujeitos a tributação em Portugal nos termos gerais.
Considerando o conjunto das operações realizadas em 2023 pelos Requerentes na categoria G, o saldo global apurado (mais-valias deduzidas de menos-valias) seria positivo, ou seja, os Requerentes obtiveram um resultado líquido global favorável em sede de mais-valias nesse ano.
Os Requerentes apresentaram dentro do prazo legal as declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS relativas ao ano de 2023, nas quais incluíram, no Anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro), quadro 9.2-A, as informações relativas às operações relativas a França.
Ambos os Requerentes optaram pelo englobamento das mais-valias geradas.
Neste particular, declararam cada um a alienação das participações sociais da sociedade francesa, indicando o país da fonte (código 250 - França), o código de operação G06 (alienação de partes sociais cujo activo é constituído em mais de 50% por imóveis no estrangeiro), as datas e os valores de aquisição e realização, bem como os respectivos encargos.
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Na liquidação de IRS n.º 2024..., emitida pela AT em 2024, com referência aos rendimentos de 2023 dos Requerentes (em regime de tributação conjunta, por opção dos Requerentes), a AT não considerou a menos-valia de € 14.902,07, reportada por cada um dos Requerentes como resultante da operação de fonte francesa, não procedendo à dedução dessa perda no cômputo do saldo de mais-valias e menos-valias do ano de 2023.
Por efeito dessa desconsideração, o rendimento colectável em sede de IRS ficou apurado em montante superior ao que resultaria caso a menos-valia fosse deduzida, levando a uma colecta de IRS correspondentemente superior.
O prazo para pagamento voluntário da liquidação de IRS impugnada terminou em 11-09-2024.
Os Requerentes efectuaram o pagamento na totalidade do montante liquidado na aludida liquidação de IRS.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 08-10-2024 - Sistema Informático de Gestão Processual (SGP) do CAAD.
C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:
Não existem outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos, nomeadamente: i) declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS de 2023 dos Requerentes e respectivos anexos (doc. 1 junto ao pedido arbitral), de onde constam os valores declarados das mais-valias e menos-valias; ii) demonstração da liquidação de IRS de 2023 impugnada (doc. 2); iii) resposta apresentada pela AT; iv) elementos constantes do requerimento adicional apresentado nos autos pelos Requerentes, a convite do Tribunal.
Tais elementos documentais não foram objecto de impugnação pelas partes e revelam-se concordantes com as posições assumidas por ambas ao longo do processo.
Os factos foram em larga medida admitidos por acordo ou não contestados especificamente, não subsistindo controvérsia séria quanto à sua ocorrência material, mas apenas quanto à interpretação jurídica a extrair dos mesmos.
Acresce que a Requerida, apesar de expressamente notificada para o efeito, não juntou o processo administrativo, alegando a sua inexistência.
Assim, o Tribunal considerou assente a matéria de facto acima elencada, por constituir um reflexo fiel e suficientemente completo dos elementos probatórios disponíveis e incontroversos nos autos, que foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.
D - MATÉRIA DE DIREITO:
D.1 - Questão a decidir:
A questão a decidir consiste em saber se, no âmbito do regime de eliminação da dupla tributação internacional aplicável aos Requerentes (designadamente, a CDT Portugal-França, conjugada com o regime dos residentes não habituais previsto no Código do IRS), a Autoridade Tributária poderia legalmente ter desconsiderado uma menos-valia realizada pelos Requerentes em território francês (no caso, a perda resultante da alienação de partes sociais de sociedade francesa) ao apurar o rendimento líquido da categoria G em sede de IRS, ou se, pelo contrário, deveria ter considerado essa menos-valia na determinação do saldo anual de mais-valias e menos-valias tributável em Portugal.
Vejamos:
D.2 - Enquadramento jurídico:
Para enquadrar juridicamente a matéria, importa antes de mais referir as normas aplicáveis e a interpretação que delas deve ser feita, tendo presente o contexto da CDT em vigor entre Portugal e França e os princípios decorrentes dos Comentários da OCDE ao Modelo de Convenção.
D.2.1 - Regime legal interno e convenção aplicável:
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, constituem rendimentos da categoria G (mais-valias) os ganhos obtidos mediante a alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários.
O artigo 43.º, n.º 1, do Código do IRS estabelece que o valor sujeito a IRS nesta categoria corresponde ao saldo anual entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, após a aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária quando aplicáveis (que não são o caso).
Por seu turno, o artigo 43.º, n.º 5, do Código do IRS, estatuiu uma restrição quanto à relevância de certas perdas de fonte estrangeira, dispondo expressamente que:
Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f), g) e k) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou o n.º 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.
Em suma, apenas as perdas ocorridas em operações com entidades sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável (vulgo “paraísos fiscais”) são excluídas do cálculo do saldo de mais e menos-valias tributável.
Fora dessa situação excepcional, nenhuma disposição do Código do IRS exclui ou limita a consideração das menos-valias realizadas no estrangeiro.
Com efeito, «excluída esta restrição [do n.º 5 do art. 43.º], para os residentes todas as restantes menos-valias 
obtidas noutros territórios são consideradas para o apuramento do saldo negativo ou positivo das operações previstas no art. 10.º, n.º 1, al. e) do CIRS. O CIRS não faz qualquer outra restrição».[1], [2]
No caso em apreço, França não está incluída na lista de jurisdições de regime fiscal privilegiado, constante da Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Portanto, à luz do artigo 43.º, n.º 5, do Código do IRS, nenhuma norma interna proibia que a menos-valia obtida pelos Requerentes com a alienação das participações sociais em França fosse tida em conta no apuramento do saldo anual de mais-valias e menos-valias dos Requerentes, quanto a 2023.
Adicionalmente, os Requerentes beneficiavam, à data dos factos, do regime de Residente Não Habitual (RNH) em Portugal, artigo 81.º do Código do IRS.
Tal regime estabelece, para evitar a dupla tributação internacional de certos rendimentos auferidos no estrangeiro, a aplicação do método da isenção em Portugal quando se trate de rendimentos que possam ser tributados no Estado da fonte ao abrigo de Convenção para evitar a dupla tributação - cfr. artigo 81.º, n.º 5, do Código do IRS.
No que respeita às mais-valias mobiliárias de fonte estrangeira, obtidas por residentes não habituais, resulta da lei que, se tais ganhos puderem ser tributados no país de origem em virtude de Convenção, ficam isentos de IRS em Portugal.
Ora, nos termos da CDT Portugal-França (com as alterações do MLI), as mais-valias obtidas com a alienação em causa nos autos, por se referirem a participações cujo valor provém em mais de 50% de bens imóveis situados em França, podem ser tributadas pelo Estado da fonte (França).
Foi com base nesse regime que a AT considerou isentas as eventuais mais-valias obtidas pelos Requerentes com a alienação das participações sociais da sociedade francesa.
Assim, a AT entendeu que a menos-valia decorrente da mesma operação deveria igualmente ser desconsiderada, por estar abrangida pelo “método da isenção” aplicado.
D.2.2 - Orientações dos Comentários OCDE - método da isenção e tratamento de perdas:
A Convenção Modelo da OCDE e respectivos Comentários, embora não vinculem directamente os Estados, constituem uma importante referência interpretativa das convenções fiscais bilaterais e dos métodos de eliminação da dupla tributação nelas previstos.
Atendendo ao regime RNH, Portugal optou pela isenção no caso das mais-valias imobiliárias (incluindo as equiparadas a imobiliárias, como as de partes sociais cujo valor provenha de imóveis).
Os Comentários da OCDE ao Artigo 23.º-A da Convenção modelo (método da isenção) esclarecem que, em regra:
Normally, the basis for the calculation of income tax is the total net income, i.e. gross income less allowable deductions. Therefore, it is the gross income derived from the State of source less any allowable deductions (specified or proportional) connected with such income which is to be exempted.
Esta orientação significa que apenas o rendimento líquido estrangeiro (após a dedução das despesas relacionadas) deve ser excluído da tributação no Estado de residência, ao abrigo do método da isenção.
Por outras palavras, se o contribuinte obteve determinado rendimento bruto no Estado da fonte, do qual resultou, após dedução de encargos, um certo rendimento tributável nesse Estado, é esse montante líquido que será isento de imposto no Estado de residência.
Corolário importante dessa regra é que, se da fonte externa resultar um saldo negativo (perda líquida), não haverá “rendimento” positivo a isentar - podendo colocar-se a questão do tratamento a dar a essa perda no Estado de residência.
Sobre o tratamento das perdas no contexto do método da isenção, o Comentário, parágrafo 44, ao Artigo 23.º-A, da Convenção Modelo, refere que alguns Estados optam por tratar as perdas incorridas no outro Estado de forma simétrica aos rendimentos: ou seja, o Estado de residência não permite a dedução de uma perda sofrida num imóvel ou estabelecimento permanente situado no outro Estado, evitando que a mesma perda seja deduzida duas vezes (no Estado da fonte e no da residência).[3]
Por outro lado, outros Estados admitem a dedução imediata da perda externa; nesse caso, preconiza-se que o Estado de residência restrinja posteriormente a isenção de lucros obtidos no outro Estado, deduzindo desses lucros futuros o montante das perdas anteriormente deduzidas (mecanismo de recaptura).
O Comentário reconhece, assim, duas abordagens possíveis e acrescenta que, dada a diversidade de políticas fiscais internas, a Convenção não impõe uma solução uniforme para o tratamento das perdas, devendo tal matéria ser esclarecida pelos Estados contratantes em sede bilateral ou ficar entregue ao direito interno de cada um.[4]
No tocante ao método do crédito de imposto (Artigo 23.º-B do Modelo), as orientações da OCDE são equivalentes no que respeita à determinação do rendimento líquido e ao problema das perdas.
Com efeito, no Comentário ao Artigo 23.º-B, parágrafo 63, destaca-se que:
The maximum deduction is normally computed as the tax on net income, i.e. on the income from State E (or S) less allowable deductions (specified or proportional) connected with such income […]. For such reason, the maximum deduction in many cases may be lower than the tax effectively paid in State E (or S).
Por outras palavras, também no método de crédito, o Estado de residência calcula o imposto correspondente apenas ao rendimento líquido obtido no estrangeiro, não dando crédito por imposto pago sobre parcelas que, se houvesse prejuízo ou deduções, não teriam gerado imposto interno.
No parágrafo 65 do Comentário ao Artigo 23.º-B, a OCDE reafirma que, em caso de o contribuinte ter perdas num ou noutro Estado, a forma de compensação depende em larga medida do direito interno do Estado de residência.
Especificamente, refere-se que:
A resident of State R, deriving income from State E (or S), may have a loss in State R, or in State E (or S) or in a third State. For purposes of the tax credit, in general, a loss in a given State will be set off against other income from the same State. Whether a loss suffered outside State R (e.g. in a permanent establishment) may be deducted from other income, whether derived from State R or not depends on the domestic laws of State R,
Reconhecendo-se que surgem aqui problemas semelhantes aos já mencionados no contexto do método da isenção (Comentário ao artigo 23.º-A, parágrafo 44).[5]
Mais uma vez, conclui-se que cabe a cada Estado, no seu ordenamento interno, decidir se e como permite a dedução de prejuízos estrangeiros, podendo em geral adoptar soluções que evitem a dupla utilização da mesma perda, nomeadamente via mecanismos de reporte e recaptura de créditos não usados.
Em síntese, dos Comentários OCDE retira-se uma orientação clara: no cálculo do imposto a eliminar (seja por isenção, seja por crédito), releva o rendimento líquido do Estado da fonte, e o tratamento das perdas cabe aos ordenamentos internos, já que a Convenção Modelo não uniformiza esta questão.
Não existe, pois, impedimento convencional a que um Estado opte por reconhecer, no âmbito do seu sistema fiscal doméstico, as perdas provenientes do estrangeiro, mesmo quando os correspondentes lucros sejam isentos ou creditados.
Tal reconhecimento, se concedido, poderá implicar a necessidade de ajustar o mecanismo de eliminação da dupla tributação em anos posteriores para evitar vantagens indevidas - o que fica ao critério e legislação de cada país.
D.2.3 - Aplicação ao caso concreto:
Conforme vimos já, a lei portuguesa, através do artigo 43.º, n.º 5, do Código do IRS, optou por permitir a dedução de perdas resultantes de operações realizadas no estrangeiro, excepto se verificadas em transacções com entidades de regime fiscal privilegiado (o que não é o caso da França).
Não existe na lei interna portuguesa qualquer norma que elimine a dedutibilidade de menos-valias pelo simples facto de estarem associadas a rendimentos isentos por força de método de isenção previsto em CDT ou no regime RNH.
Ressalve-se que, nalguns ordenamentos jurídicos, existem previsões específicas para “recaptura” de perdas estrangeiras deduzidas quando posteriormente se obtenham lucros no mesmo país estrangeiro - mas o legislador português não estabeleceu, até ao momento, qualquer disposição nesse sentido, à excepção da mencionada restrição relativa a paraísos fiscais.
Assim, a interpretação perfilhada pela AT, de que o método de isenção implicaria automaticamente a exclusão das perdas associadas, não só carece de base legal no ordenamento português vigente,
Como criaria na prática uma nova restrição não prevista na lei, violando o princípio da legalidade tributária (artigos 8.º, n.º 2 da LGT e 103.º, n.º 2, da Constituição), pois exige-se expressa previsão legal para afastar um encargo dedutível.
Acresce que a solução defendida pelos Requerentes - reconhecimento da menos-valia na determinação do rendimento líquido da categoria G de rendimentos - não conduz, por si só, a qualquer situação de dupla dedução “indevida” não pretendida pelo legislador.
Com efeito, se e quando os Requerentes vierem/viessem a beneficiar dessa perda também em França (por exemplo, imputando-a a eventuais mais-valias futuras naquele país), competiria às autoridades francesas, nos termos do seu direito interno, regular esse aproveitamento.
De todo o modo, dado que os Requerentes são residentes fiscais em Portugal e não em França, é até plausível que a menos-valia aqui em causa não possa sequer ser utilizada em França (uma vez que, em regra, a França tributa não residentes apenas sobre certos ganhos de fonte francesa, e não garante necessariamente a compensação de perdas a não residentes).
Em contrapartida, em Portugal, onde os Requerentes são sujeitos passivos plenos, a perda (menos-valia) insere-se no apuramento global do seu rendimento sujeito a imposto - e a lei portuguesa não a exclui.
Portanto, não se vislumbra qualquer duplicação de benefício contrária à intenção legislativa: antes pelo contrário, ignorar a menos-valia em Portugal redundaria numa tributação mais gravosa do que aquela que resultaria da aplicação das normas internas em vigor.
Por fim, não pode deixar de salientar-se o enquadramento de direito da União Europeia.
Tratando-se de rendimentos (ou perdas) provenientes de um Estado-Membro da UE (França) e obtidos por contribuintes residentes noutro Estado-Membro (Portugal), está em causa a liberdade fundamental de circulação de capitais (artigo 63.º, do Tratado sobre o Funcionamento da UE).
Uma interpretação ou prática fiscal nacional que resulte na não consideração de prejuízos relacionados com investimentos noutro Estado-Membro, quando prejuízos de idêntica natureza em território nacional são dedutíveis, é susceptível de configurar uma restrição injustificada àquela liberdade.
A ser acolhida a tese perfilhada pela AT, criar-se-ia uma discriminação inversa dos investimentos intracomunitários face aos internos, situação essa de duvidosa compatibilidade com o Direito da UE.
Esta consideração apenas reforça a necessidade de interpretar e aplicar o direito nacional no sentido de admitir a dedução da menos-valia de fonte francesa, por não existir base legal para o contrário e por essa solução ser a que melhor se coaduna com os princípios da neutralidade e da não discriminação tributária no espaço comunitário.
Em consequência do que vem de dizer-se, o Tribunal conclui que a liquidação impugnada enferma de erro de direito, por indevida falta de aplicação do disposto nos artigos 81.º, n.º 5 e 43.º, n.º 5, ambos do Código do IRS.
Isto é, a menos-valia realizada pelos Requerentes em França, no montante total de € 29.804,14 (soma das perdas individuais de € 14.902,07 de cada um), deve concorrer para a determinação do rendimento líquido da categoria G (saldo de mais-valias sujeito a IRS em 2023) dos Requerentes.
Sendo que a exclusão daquela menos-valia levou, nessa exacta medida, a uma tributação superior à legalmente devida, tornando parcialmente ilegal a liquidação efectuada.
Tudo razões pelas quais este Tribunal irá decidir a final conceder provimento ao pedido arbitral.
D.3 - Juros indemnizatórios:
A Requerente pediu a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios por o valor do imposto a pagar ter sido superior ao que seria devido.
Encontra-se provado que o imposto em causa foi pago.
O artigo 24.º, n.º 5, do RJAMT, estabelece que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Processo e de Procedimento Tributário».
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estabelece o direito do particular a juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resultou pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Tendo em consideração que, no caso dos autos, se verifica a ilegalidade parcial do acto de liquidação, ilegalidade parcial essa exclusivamente imputável à Requerida, já que foi esta que, por sua própria iniciativa, optou indevidamente por desconsiderar as menos-valias de fonte francesa declaradas pelos Requerentes, o Tribunal considera ter ocorrido erro de direito imputável aos serviços, de que resultou pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que irá decidir a final a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
E - DECISÃO:
De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2024..., de 2024, referente ao ano de 2023 e objecto do pedido de pronúncia arbitral, nos estritos termos anteriormente expostos.
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor que resultar da anulação parcial do acto impugnado, desde o momento do pagamento do imposto, até ao integral reembolso do montante referido.
F - VALOR DA CAUSA:
Os Requerentes indicaram como valor da causa o montante de € 4.258,38, o qual não foi impugnado pela Requerida.
Considera o Tribunal não existir fundamento bastante para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 4.258,38.
G - CUSTAS:
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, indo a Requerida, que foi vencida, condenada nas custas do processo.
Notifique.
Lisboa, em 15-06-2025.
O Árbitro,
( Martins Alfaro )
Assinado digitalmente
[2] O que se justifica, dado o princípio da tributação do rendimento numa base mundial.
[3] Several States in applying Article 23 A treat losses incurred in the other State in the same manner as they treat income arising in that State: as State of residence (State R), they do not allow deduction of a loss incurred from
immovable property or a permanent establishment situated in the other State (E or S). […]
[4] As the solution depends primarily on the domestic laws of the Contracting States and as the laws of the OECD member countries differ from each other substantially, no solution can be proposed in the Article itself, it being left to the Contracting States, if they find it necessary, to clarify the abovementioned question and other problems connected with losses (see paragraph 62 below for the credit method) bilaterally, either in the Article itself or by way of a mutual agreement procedure (paragraph 3 of Article 25).
[5] No já referido parágrafo 65 do Comentário ao Artigo 23.º-B, a OCDE refere que «here similar problems may arise, as mentioned in the Commentary on Article 23 A (paragraph 44 above)».