SUMÁRIO: O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu, no processo C-340/22, que a impossibilidade de as sucursais deduzirem capitais próprios e instrumentos equiparáveis à base tributável do ASSB é discriminatório face às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições não residentes e, enquanto tal, incompatível com o princípio da liberdade de estabelecimento.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A.... – SUCURSAL EM PORTUGAL, com o número de identificação de pessoa coletiva ... e com local de representação na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
O pedido formulado pela Requerente consiste na (i) declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”) referente ao ano de 2023 e no valor de € 180.082,88 e (ii) no pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral enviado em 31 de outubro de 2024 foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD, em 04 de novembro de 2024, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66º-B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificado, nessa data, à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ora Requerida.
O Conselho Deontológico da CAAD, em 20 de dezembro de 2024, procedeu à nomeação dos árbitros ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, al. a), e do artigo 11.º, n.º 1, al. b), do RJAT, que comunicaram, no prazo legalmente estipulado, a aceitação dos respetivos encargos.
As partes foram devidamente notificadas dessa designação e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT e dos artigos. 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 9 de Janeiro de 2025, e nessa data foi proferido o despacho previsto no artigo 17.º do RJAT, o qual foi notificado à Requerente em 10 de janeiro 2025.
A Requerida apresentou Resposta e remeteu o Processo Administrativo (PA) em 11 de Fevereiro de 2025.
Por despacho de 13 de fevereiro de 2025, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações finais.
Posição da Requerente
No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:
i) A Requerente é a sucursal em Portugal B... (doravante “B...”), instituição de crédito de direito neerlandês, com sede e efetiva administração nos Países Baixos;
ii) Em 25 de junho de 2024, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2023, mediante a submissão da declaração relevante Modelo 57. A autoliquidação incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do ano de 2023, tendo por base os dados contabilísticos de encerramento em 31 de dezembro de 2023. Foi apurado e pago o montante de € 180.082,88;
iii) Não obstante o tributo em análise ser apelidado pelo legislador como um “adicional”, estamos perante um tributo distinto e autónomo da Contribuição sobre o Setor Bancário (“CSB”), cuja qualificação como contribuição financeira foi já confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo. Embora a base de incidência do ASSB seja igual à da CSB, os fundamentos e a finalidade creditícia do ASSB não confundem com os daquele tributo;
iv) A Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabeleceu um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, entrou em vigor em julho de 2014. No âmbito desta Diretiva, foram criados mecanismos de financiamento da resolução bancária, passando as instituições de crédito de cada jurisdição a estar obrigadas ao pagamento de contribuições ex ante, e contribuições extraordinárias e a contribuições ex post, de forma harmonizada a nível europeu;
v) A Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março concretizou a transposição para a ordem jurídica interna da aludida Diretiva 2014/59/EU. Tanto na consagração da CSB como do ASSB, o legislador ignorou todo o enquadramento europeu resultante da Diretiva 2014/59/EU e da sua transposição por vários diplomas nacionais. Adicionalmente, onde o legislador do ASSB mal andou também foi em importar da CSB a fórmula discriminatória de cálculo da base de incidência objetiva de um e de outro tributo, cuja aplicação prejudica as sucursais, face às entidades residentes, uma vez que as primeiras veem o ASSB incidir sobre o seu passivo bruto e as últimas sobre o seu passivo líquido, necessariamente menor;
vi) A Requerente não se conforma com a sua sujeição ao ASSB, que considera ser ilegal a vários títulos por violação de preceitos legais, normas constitucionais e disposições europeias;
vii) O ASSB não respeita o critério fundamental da conformidade dos impostos com a Constituição: a incidência sobre a totalidade dos contribuintes de forma igualitária, i.e., respeitando o princípio da igualdade enquanto princípio legitimador da cobrança de impostos:
«O princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010)» - cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 695/2014
viii) Com efeito, dita a vertente da generalidade do princípio da igualdade que a obrigação de pagar impostos deve incidir sobre todos ou a maioria dos contribuintes, independentemente do setor de atividade em que se insiram, tendo como critério, simplesmente, a sua capacidade contributiva. O ASSB viola grosseiramente o princípio da igualdade quer na sua dimensão negativa de proibição do arbítrio, quer no seu corolário da capacidade contributiva;
ix) A base de incidência objetiva do ASSB é manifestamente ilegal, uma vez que não incide sobre manifestações de riqueza, i.e., não incide sobre uma realidade que possa reconduzir-se sinteticamente ao rendimento, ao património ou ao consumo. Já a base de incidência subjetiva do ASSB é puramente arbitrária, uma vez que, apresentando o legislador como critério de incidência o benefício conferido às empresas pela isenção simples de IVA que lhes é aplicável, fica incluída apenas uma pequeníssima parte - sem qualquer critério justificativo - do universo de empresas que beneficiam dessa isenção;
x) Embora a seleção dos principais complementos do balanço possa ser considerada - como o foi pela jurisprudência portuguesa - como apta para graduar uma menor ou maior contribuição para a ocorrência de um evento sistémico, no caso em concreto, essa graduação nada tem que ver com os fundamentos do ASSB enquanto imposto, nem tão-pouco com os critérios constitucionalmente impostos para determinação da base tributável de um imposto;
xi) A desconexão entre a incidência objetiva e a demonstração de capacidade contributiva «impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de nexo relacional, na ótica dos sujeitos passivos, entre o objeto da tributação que agora lhes é imposta e um efetivo incremento da capacidade contributiva que o legislador lhes pretenda atribuir» cfr. FILIPE DE VASCONCELOS FERNANDES, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário – regime financeiro, fiscal & constitucional, 2020, AAFDL editora, p. 113. Simplesmente não faz sentido criar um imposto deste tipo desenhado com a base de incidência de uma contribuição financeira;
xii) É manifesta a ausência do critério de igualdade logo na sua raiz: o ASSB não tributa a capacidade contributiva e incide de forma desajustada sobre um determinado grupo de contribuintes, que acabam por suportar sectorialmente o que, no limite, deveria ser imposto a todos os contribuintes.
xiii) Poderia talvez questionar-se se a isenção do IVA de que “beneficiam” as entidades do setor bancário é critério suficiente para fazer incidir sobre este o ASSB. A resposta afigura-se claramente negativa;
xiv) Porque existem muitos outros setores de atividade que “beneficiam” igualmente da sobredita isenção, sem que tenham sido chamados a suportar qualquer encargo. O ASSB, aplicando-se ao setor bancário com justificação no facto de as entidades bancárias beneficiarem de uma isenção simples de IVA, não se aplica a todos os demais setores a que essa isenção se estende;
xv) Acresce que o “benefício” que resulta da isenção de IVA aplicável às entidades do setor bancário, na prática, não existe. Tal como refere a Associação Portuguesa dos Bancos (“APB”), “a isenção de IVA, aplicável à generalidade dos serviços financeiros, tem-se revelado, cada vez mais, como uma desvantagem para o setor. Com efeito, ao não liquidar IVA nos serviços que prestam, os bancos e seguradoras não podem deduzir o IVA que suportam nas aquisições de bens e serviços que lhes permitem exercer a sua atividade. Ou seja, se só 5% ou 6% dos serviços prestados aos clientes pelos bancos forem onerados com IVA (como se verifica com a maioria dos bancos a operar em Portugal), só 5% ou 6% de todo o IVA que os bancos suportam (nos pagamentos aos seus fornecedores) é que será dedutível”;
xvi) Como já acontecia com a CSB, não é possível simplesmente incluir no âmbito do ASSB as sucursais de entidades com sede ou direção efetiva na UE, sem, com isso, violar o Direito Europeu: por violação da liberdade de estabelecimento, consagrada no TFUE e por violação do regime jurídico-tributário criado pela Diretiva 2014/59/EU;
xvii) O Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) sempre deixou muito claro que, mesmo no âmbito de áreas do Direito que não se encontrem harmonizadas, os Estados-Membros estão vinculados, no exercício das suas competências, ao cumprimento das obrigações que assumiram ao aderirem aos Tratados, entre as quais consta, designadamente, a proibição de restrições à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais previstas nos artigos 49.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
xviii) A questão da (in)compatibilidade da base de incidência do ASSB com o Direito da União foi já alvo de decisão por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), por força de um reenvio prejudicial operado por este douto Tribunal Arbitral, formado no processo n.º 502/2021-T.
xix) 123. No Acórdão proferido no processo C-340/22, o TJUE veio deixar claro que a impossibilidade de as sucursais deduzirem capitais próprios e instrumentos equiparáveis à sua base tributável em sede de ASSB é discriminatório face às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições não residentes, por tal impossibilidade derivar da ausência de personalidade jurídica das sucursais.
xx) Nas palavras do TJUE no mesmo Acórdão (parágrafos 43 a 47):
«No caso em apreço, a regulamentação nacional em causa no processo principal aplica‑se indistintamente às instituições de crédito residentes, às filiais e às sucursais portuguesas de instituições de crédito não residentes. A base de incidência do ASSB é formada pelo passivo dessas entidades, ou seja, nos termos do artigo 4.° do anexo VI da Lei do Orçamento Suplementar de 2020, pelo conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção, nomeadamente, dos elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios.
Ora, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, contrariamente às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições de crédito não residentes, as sucursais das instituições de crédito não residentes estão impossibilitadas, por não terem personalidade jurídica, de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB, não dispondo também estas entidades, por lei, de capitais próprios. Além disso, estas sucursais não podem emitir instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios como, nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis, pelo que também não podem deduzir tais instrumentos da sua base de incidência.
Assim, afigura‑se que a regulamentação nacional em causa no processo principal não permite às sucursais das instituições de crédito não residentes exercer as suas atividades nas mesmas condições que se aplicam às filiais de instituições de crédito não residentes, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 39 do presente acórdão. Com efeito, ao onerar indistintamente o passivo das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, esta regulamentação permite que as filiais reduzam a base de incidência através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios, embora essa dedução pareça ser legalmente inadmissível para as referidas sucursais, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
Nestas condições, tal regulamentação nacional pode tornar menos atrativo, para as sociedades sedeadas noutro Estado‑Membro, o exercício das suas atividades em Portugal através de uma sucursal.
Ora, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.° 45 das suas conclusões, uma diferença de tratamento suscetível de limitar a livre escolha da forma jurídica adequada para o exercício de uma atividade noutro Estado‑Membro, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 38 do presente acórdão, pode constituir uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE»;
xxi) De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do regime do ASSB, a base de incidência do ASSB tal como resulta do artigo 3.º será líquida dos “elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios”. Como está bom de ver, a inexistência desse tipo de elementos nas sucursais UE implica a impossibilidade da dedução de quaisquer montantes a esse título. Colocando as sucursais em situação discriminatória e desfavorável face às sociedades;
xxii) Nos termos da jurisprudência do TJUE, os artigos 52.º e 65.º do TFUE produzem efeito direto, pelo que a Administração Tributária e os juízes nacionais, enquanto administradores e juízes comuns do direito da União, têm o dever de desaplicar no caso concreto a norma nacional incompatível com aquelas liberdades fundamentais e/ou interpretar o direito nacional de modo a harmonizá-lo com o direito da União, à luz dos princípios do primado e da interpretação conforme do direito da União e do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa;
xxiii) E por referência ainda à jurisprudência já constante do douto Tribunal Constitucional, que tem vindo a confirmar a inconstitucionalidade do regime jurídico do ASSB por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, nos seus recentes acórdãos n.º 469/2024 (retificado pelo Acórdão n.º 507/2024), n.º 529/2024 e n.º 549/2024;
xxiv) Três Acórdãos do Tribunal Constitucional em sentido idêntico - o suficiente para que se desencadeie o efeito jurídico de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas em apreço naquelas decisões judiciais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 282.º, n.º 1 , da CRP: o que deverá suceder a muito breve trecho;
xxv) Por fim, devendo a AT ser condenada ao reembolso do imposto indevidamente pago, por motivo que lhe é exclusivamente imputável, devem ser acrescidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
Posição da Requerida
A Requerida apresentou contestação, tendo alegado que:
i) Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras;
ii) Entende, erroneamente, a Requerente que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, violam o princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio. Entende que a sujeição das instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável às operações e serviços financeiros acarreta uma diferenciação de tratamento arbitrária do setor bancário em relação aos demais setores de atividade, uma vez que assenta num critério distintivo irracional, para o qual não se vislumbra fundamento material razoável, nem se consegue apreender as razões que efetivamente estiveram na base dessa distinção. Entendimento este com o qual a Requerida não concorda;
iii) No âmbito da sua discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA;
iv) Ora, considerando que o IVA constitui uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (o denominado “IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção natural e coerente do legislador;
v) De facto, o “IVA social” foi inicialmente introduzido pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 1995, cujo n.º 8 do artigo 32.º estabelecia que era “(…) consignada à segurança social a receita fiscal obtida com o aumento de 1% da taxa normal do IVA”. Atualmente, a consignação do IVA à realização da despesa com prestações sociais está expressamente prevista no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de novembro, que estabelece o quadro do financiamento do sistema de segurança social;
vi) Ora, em razão da isenção de que a esmagadora maioria dos serviços e operações financeiras beneficia ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, o “IVA social” onera, pelo menos essencialmente, apenas os setores não financeiros. Ao que acresce ainda o facto de, desde 2011, todos os trabalhadores do setor bancário terem passado a integrar o regime geral de segurança social, incluindo-se aqui os trabalhadores de sucursais nacionais de bancos estrangeiros, que beneficiam do sistema de segurança social nos mesmos termos dos trabalhadores dos bancos nacionais.
vii) Sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o sistema de segurança social.
viii) E não se diga que a isenção aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras não representa, em bom rigor, um benefício efetivo para os sujeitos passivos, in casu, as instituições de crédito, por se tratar de uma isenção simples ou incompleta, ou seja, que não confere direito a dedução do imposto suportado a montante nas operações internas. Desde logo porque admitir que a tributação em IVA dos serviços e operações financeiras, com a consequente possibilidade de dedução do IVA suportado a montante para a sua realização, é que seria benéfica para o setor bancário, aumentando o seu lucro, significaria, na prática, que a atividade deste setor não gera valor acrescentado em termos de resultado dos exercícios, o que não se crê, mesmo empiricamente, que seja verosímil. Além disso, aquela asserção simplesmente ignora o facto de os inputs com IVA no âmbito da atividade financeira serem residuais e, também eles, genericamente isentos de IVA;
ix) Na verdade, somente uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta, mais concretamente em sede de Imposto do Selo, o qual, aliás, desde a reforma do Código do Imposto do Selo (CIS) levada a cabo pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo e repercutido no adquirente;
x) A receita do Imposto do Selo incidente sobre os serviços e operações financeiras é, em termos comparativos, consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação, em sede de IVA, do valor acrescentado pela atividade bancária. Não se podendo esquecer que a receita do Imposto do Selo não está, nem mesmo parcialmente, consignada à Segurança Social, diversamente do que sucede com o IVA e o ASSB;
xi) De acordo com os valores apurados pela AT (cfr. quadros juntos aos autos), no período em análise ou seja 2016-2022, o valor do Imposto do Selo relativo a operações financeiras (verba 17 da TGIS) correspondeu a apenas 6,2% do produto bancário (oscilando entre o mínimo de 5,1%, em 2017, e um máximo de 7,0%, em 2019) e a 7,8% do produto bancário deduzido dos outros gastos gerais administrativos (oscilando entre o mínimo de 6,4%, em 2017, e o máximo de 8,5%, em 2019), o que considerando que este último indicador corresponde a uma boa aproximação do valor acrescentado bruto do setor bancário, implica uma taxa efetiva de imposto sobre as operações financeiras significativamente inferior à taxa normal do IVA;
xii) Atenta a relevância económica do setor financeiro na produção de riqueza em Portugal, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações suscita não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, como também de desigualdade na distribuição do esforço tributário;
xiii) A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo;
xiv) Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”;
xv) Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável. Sendo, portanto, evidente que o critério distintivo utilizado pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor bancário, uma vez que a diferença de tratamento em causa é justificada com base num fundamento material objetivo, racional e razoável;
xvi) Quanto à alegação de violação do princípio da capacidade contributiva, o ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA (também ele um imposto indireto) tendo como alvo um determinado setor que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objetiva - abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço. Isto, porque os elementos subjetivos e objetivos de incidência da CSB se ajustam perfeitamente aos objetivos prosseguidos por um imposto sobre as atividades financeiras (caso do ASSB);
xvii) O legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal e encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação num imposto indireto - IVA e Imposto do Selo - de determinadas operações. A opção político-legislativa de tributação incide sobre a capacidade diretamente revelada pelos sujeitos passivos, através de indicadores que o legislador decida como pertinentes;
xviii) No que respeita à violação do princípio da liberdade de estabelecimento consagrado no TFUE, importa trazer à colação o Acórdão exarado pelo STA no âmbito do processo n.º 0938/17.6BELRS, de 21-09-2022:
«3.2.3.9. Note-se, de resto, que as sucursais tem elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios, uma vez que são criadas e movimentadas contas de capital próprio, pelo menos o “capital afecto” (se existir) e os resultados transitados, nada impedindo que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio, caso em que tudo se assemelha às entradas feitas pelos sócios às empresas e que não são remuneradas, o que significa que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência da CSB, o mesmo sucede ao “capital afecto” às sucursais, quando contabilizado como tal.
3.2.3.10. Concluímos assim que, no caso das Sucursais, em Portugal, distintamente do que defende a Recorrente, o passivo inclui as dívidas para com a sede, pois também estas são consideradas dívidas para com terceiros, pelo que, não se verifica o erro na determinação da base tributável imputado aos actos impugnados, o que determina que se julgue improcedente, também nesta parte, o recurso jurisdicional interposto e se declare prejudicada a apreciação da questão relativa aos juros indemnizatórios (identificada sob o n.º 6 no ponto 2 deste acórdão) que tinha como pressuposto necessário que algum dos vícios tivesse obtido provimento, o que não foi o caso.»
xix) O STA verteu esta posição também nos Acórdãos exarados no âmbito dos Processos n.º 0850/17.9BELRS, de 12-10-2022, Processo n.º 09/21.0BELRS, de 13-07-2022, Processo 090/21.2BELRS de 31-05-2023;
xx) Ora, de acordo com o TJUE, no acórdão C-340/22, Cofidis v. Autoridade Tributária e Aduaneira, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio (ou, no caso dos presentes autos, ao centro de arbitragem), aferir se é ou não legalmente admissível a dedução pelas sucursais dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparados aos capitais próprios:
«embora essa dedução [dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios] pareça ser legalmente inadmissível para as referidas sucursais, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
xxi) Prossegue o TJUE, no ponto 44 do Acórdão:
«Ora, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, contrariamente às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições de crédito não residentes, as sucursais das instituições de crédito não residentes estão impossibilitadas, por não terem personalidade jurídica, de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB, não dispondo também estas entidades, por lei, de capitais próprios»;
xxii) Incumbindo, portanto, conforme ante referido, no caso sub judice, ao Tribunal dos presentes autos aferir se, para efeitos do cálculo da base de incidência da ASSB é ou não legalmente admissível a desconsideração das rubricas do “capital próprio” da sucursal, bem como dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios pelas sucursais integrados no passivo;
xxiii) A dedução ao Passivo - seja de uma sucursal de instituição não residente ou de uma subsidiária de instituição não residente - dos valores das rubricas que qualifiquem como “fundos próprios de nível 1” ou “fundos próprios de nível 2” só ocorre, quando tais rubricas constarem dos respetivos passivos. O que vale por dizer que, em qualquer dos casos, se não existirem rubricas no Passivo que sejam equiparáveis a capital próprio não podem ser deduzidos quaisquer valores, a esse título, para efeitos do cálculo da base de incidência da ASSB;
xxiv) Não se descortina, pois, a este respeito, qualquer discriminação, das sucursais de instituições não residentes e de sociedades residentes;
xxv) Como é óbvio, os fundos alocados pela Sede (ou outras Sucursais) à Sucursal em Portugal, designadamente os empréstimos destinados ao financiamento normal da exploração, integram, de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis, o Passivo da Sucursal e entram para o cálculo da base de incidência;
xxvi) Já os fundos que constituem o designado “Capital afecto” (fundos alocados pela Sede, não remunerados) são, por natureza, equiparados a “capital próprio”, tal como outras rubricas, como sejam os Resultados Transitados, logo, não entram para a base de incidência, porque não cabem no conceito de Passivo constante da regulamentação aplicável. (artigo 4.º do Regime da ASSB);
xxvii) O regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito que viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º, 26.º e 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da UE. Não se encontra vedado às sucursais a dedução de capitais próprios, estando na disponibilidade da sucursal qualificar os fundos que lhe são afectos pela Sede como como passivo ou como capital próprio, em função, entre outros critérios, de serem, ou não, passíveis de remuneração e do caracter de permanência;
xxviii) O tratamento dado às sucursais e aos restantes sujeitos passivos do ASSB é igual, no sentido em que são sujeitas ao ASSB independentemente da nacionalidade. No entanto, a não dedução de capitais próprios, caso a sucursal os não tenha, não significa que existe um tratamento diferenciado;
xxix) Para efeitos do apuramento da base de incidência do ASSB qualificam-se, por regra, como passivo, todos os elementos reconhecidos em Balanço que representem dívida para com terceiros, independentemente da sua forma ou modalidade.
xxx) Da base de incidência do ASSB excecionam-se os elementos que não se traduzem na assunção efetiva de dívidas da instituição de crédito perante terceiros, ou que, pese embora assim sejam consideradas, integrem o capital próprio da respetiva entidade.
xxxi) Isto é verdade para todas as instituições de crédito que operam em Portugal, quer as mesmas representem sucursais de instituições de crédito residentes fora do território nacional, ou instituições de crédito residentes no território nacional, não havendo, portanto, qualquer tratamento discriminatório de umas em relação a outras, procurando-se, bem pelo contrário, o contributo de ambas as entidades em paridade. A circunstância de as entidades sob a forma de sucursais não disporem de uma rúbrica própria denominada capital social não impede a aplicação do regime legal do ASSB;
xxxii) Improcedendo a anulação do ato de autoliquidação, idêntico destino é aplicável ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
II. Saneamento
O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades e as Partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas.
III. Matéria de facto
Matéria provada e não provada
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é a sucursal em Portugal do B..., instituição de crédito de direito neerlandês, com sede social e direção efetiva nos Países Baixos;
b) Em 25 de junho de 2024, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2023, tendo apurado o valor de € 180.082,88, o qual foi pago (guia n.°...);
c) Em 5 de Agosto de 2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa dessa autoliquidação (à qual foi atribuído o n.º de processo ...2024...), na qual solicitou a respetiva anulação e consequente reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;
d) A reclamação graciosa foi objeto de indeferimento expresso, notificado à Requerente em 12 de Setembro de 2024;
e) O pedido de pronúncia arbitral controvertido foi apresentado em 4 de Novembro de 2024.
Com pertinência para a apreciação do mérito, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
IV. Matéria de direito
O ASBB foi instituído (artigo 18º da Lei nº 27-A/2020, de 24 de Julho) com o objetivo de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.
Nos termos do artigo 2.º do regime jurídico do ASSB, são sujeitos passivos: (a) as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, (b) as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e (c) as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
Conforme o artigo 3.º do referido regime, o ASSB incide sobre passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos, deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço.
Estatui o artigo 4.º que se entende por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:
a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;
b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;
c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;
d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;
e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e
f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.
Conforme referem ambas as Partes, a questão material subjacente foi apreciada pelo TJUE no processo C-340/22, do TJUE, que respondeu às seguintes questões prejudiciais (suscitadas no reenvio prejudicial constante do pedido de pronúncia arbitral decidido no processo n.º 502/2021-T):
(1) A Diretiva [2014/59] opõe‑se à tributação, num Estado‑Membro, das sucursais de instituições financeiras residentes noutro Estado‑Membro da União Europeia, através de uma legislação como o regime doméstico português do [ASSB] caso o tributo incida sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço e cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução e para efeitos de financiamento do Fundo Único de Resolução?
(2) A liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.° do TFUE opõe‑se a uma legislação nacional, como a que está em causa no regime doméstico português [ASSB], que permite deduzir ao passivo apurado e aprovado certos elementos do passivo que contam para o cálculo dos [capitais] próprios de nível 1 e os [capitais] próprios de nível 2, de acordo com o disposto na parte II do [Regulamento n.º 575/2013], tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte IX do mesmo Regulamento, que apenas podem ser emitidos por entidades com personalidade jurídica, isto é, que não podem ser emitidos por sucursais de instituições de créditos não residentes?
Decidiu o TJUE, em resposta à primeira questão, que a Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.
No que respeita à segunda questão prejudicial, refere o TJUE que:
«Importa também recordar que, segundo jurisprudência constante, a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE abrange, no que se refere às sociedades constituídas segundo a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na União, o direito de exercerem a sua atividade noutros Estados‑Membros por intermédio de uma filial, sucursal ou agência [Acórdãos de 22 de setembro de 2022, W (Dedutibilidade dos prejuízos finais de um estabelecimento estável não residente), C‑538/20, EU:C:2022:717, n.° 14, e de 16 de fevereiro de 2023, Gallaher, C‑707/20, EU:C:2023:101, n.° 70].
O artigo 49.°, primeiro parágrafo, segundo período, TFUE deixa expressamente aos operadores económicos a possibilidade de escolherem livremente a forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades noutro Estado‑Membro, não devendo esta livre escolha ser limitada por disposições fiscais discriminatórias (Acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, CLT‑UFA, C‑253/03, EU:C:2006:129, n.° 14, de 6 de setembro de 2012, Philips Electronics UK, C‑18/11, EU:C:2012:532, n.° 13, e de 17 de maio de 2017, X, C‑68/15, EU:C:2017:379, n.° 40).
A liberdade de escolher a forma jurídica apropriada para o exercício de atividades noutro Estado‑Membro tem assim, nomeadamente, por objetivo permitir às sociedades com sede num Estado‑Membro abrir uma sucursal noutro Estado‑Membro para aí exercerem as suas atividades, em condições idênticas às que são aplicáveis às filiais (Acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, CLT‑UFA, C‑253/03, EU:C:2006:129, n.° 15, e de 6 de setembro de 2012, Philips Electronics UK, C‑18/11, EU:C:2012:532, n.° 14 e jurisprudência referida).
A este respeito, segundo jurisprudência constante, devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício da liberdade garantida pelo artigo 49.° TFUE (Acórdão de 11 de maio de 2023, Manitou BF e Bricolage Investissement France, C‑407/22 e C‑408/22, EU:C:2023:392, n.° 20 e jurisprudência referida).
São assim proibidas não apenas as discriminações ostensivas baseadas no lugar da sede das sociedades, mas também quaisquer formas dissimuladas de discriminação que, em aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (Acórdão de 6 de outubro de 2022, Contship Italia, C‑433/21 e C‑434/21, EU:C:2022:760, n.° 35 e jurisprudência referida).
Em particular, uma cobrança obrigatória que prevê um critério de diferenciação aparentemente objetivo, mas que, na maioria dos casos desfavorece, tendo em conta as suas características, as sociedades que têm a sua sede noutro Estado‑Membro e que estão numa situação comparável à das sociedades com sede no Estado‑Membro de tributação constitui uma discriminação indireta em razão do lugar da sede das sociedades, proibida pelos artigos 49.° e 54.° TFUE (Acórdão de 3 de março de 2020, Vodafone Magyarország, C‑75/18, EU:C:2020:139, n.° 43, e de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.° 63 e jurisprudência referida).
No caso em apreço, a regulamentação nacional em causa no processo principal aplica‑se indistintamente às instituições de crédito residentes, às filiais e às sucursais portuguesas de instituições de crédito não residentes. A base de incidência do ASSB é formada pelo passivo dessas entidades, ou seja, nos termos do artigo 4.° do anexo VI da Lei do Orçamento Suplementar de 2020, pelo conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção, nomeadamente, dos elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios.
Ora, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, contrariamente às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições de crédito não residentes, as sucursais das instituições de crédito não residentes estão impossibilitadas, por não terem personalidade jurídica, de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB, não dispondo também estas entidades, por lei, de capitais próprios. Além disso, estas sucursais não podem emitir instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios como, nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis, pelo que também não podem deduzir tais instrumentos da sua base de incidência.
Assim, afigura‑se que a regulamentação nacional em causa no processo principal não permite às sucursais das instituições de crédito não residentes exercer as suas atividades nas mesmas condições que se aplicam às filiais de instituições de crédito não residentes, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 39 do presente acórdão. Com efeito, ao onerar indistintamente o passivo das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, esta regulamentação permite que as filiais reduzam a base de incidência através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios, embora essa dedução pareça ser legalmente inadmissível para as referidas sucursais, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
Nestas condições, tal regulamentação nacional pode tornar menos atrativo, para as sociedades sedeadas noutro Estado‑Membro, o exercício das suas atividades em Portugal através de uma sucursal.
(…)
Como resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o ASSB que onera indistintamente todo o setor bancário em Portugal, incluindo as instituições de crédito residentes, as filiais e as sucursais portuguesas das instituições de crédito não residentes, tem por objetivos apoiar financeiramente o sistema nacional de segurança social e restaurar o equilíbrio entre a carga fiscal suportada por esse setor, que beneficia de uma isenção do IVA sobre a maior parte dos serviços financeiros, e a suportada por todos os outros setores da economia portuguesa.
À luz destes objetivos, as disposições nacionais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não procedem a nenhuma distinção entre as instituições de crédito residentes e as filiais e as sucursais de instituições de crédito não residentes.
De resto, não resulta da decisão de reenvio que o objeto e o conteúdo das disposições nacionais em causa procedem a essa distinção.
Por conseguinte, nada parece indicar que a situação de uma instituição de crédito não residente que exerce a sua atividade através de uma sucursal não seja objetivamente comparável à situação de uma instituição de crédito residente ou de uma filial de uma instituição de crédito não residente.
Segundo, no que se refere à justificação da diferença de tratamento por uma razão imperiosa de interesse geral, o Governo Português afirma, nas suas observações escritas, que a vantagem fiscal conferida pela regulamentação nacional em causa no processo principal às instituições de crédito residentes, e às filiais de instituições de crédito não residentes, se justifica pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional.
Ora, segundo jurisprudência constante, para que tal justificação possa ser admitida é necessário que se demonstre a existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma através de uma determinada cobrança fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de junho de 2018, Bevola e Jens W. Trock, C‑650/16, EU:C:2018:424, n.° 45, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 68 e jurisprudência referida).
No caso em apreço, nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça indica que a dedutibilidade dos capitais próprios da base de incidência a título do ASSB é compensada por uma determinada cobrança fiscal, suportada pelas instituições de crédito residentes e pelas filiais de instituições de crédito não residentes.
Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de preservar a coerência do regime fiscal português.»
Assim, no caso em apreço, continua o acórdão do TJUE citado:
«(…) a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.
Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.
Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não se afigura justificada pela necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros.
Por conseguinte, há que responder à segunda questão que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.
É sabido e assente que as sentenças do TJUE vinculam os tribunais nacionais dos Estados-membros, sempre que idêntica questão lhes seja submetida para apreciação e decisão. Verifica-se, pelo princípio do primado do Direito da União Europeia, uma vinculação dos tribunais nacionais quer quanto ao sentido da decisão, quer no que respeita à fundamentação.
A Requerida identifica jurisprudência do STA a propósito da CSB (Processos n.º 0850/17.9BELRS, de 12-10-2022, n.º 09/21.0BELRS, de 13-07-2022, n.º 090/21.2BELRS de 31-05-2023), nos termos da qual caberia ao órgão jurisdicional nacional pronunciar-se sobre a admissibilidade da desconsideração das rubricas do “capital próprio” da sucursal, bem como dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios pelas sucursais integrados no passivo.
Deve entender-se, nos termos que exigem a aplicação do estatuído na decisão do TJUE (C-340/22) - não estar demonstrado, ser legalmente possível que uma sucursal possa reduzir a base de incidência do ASSB, através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.
Com efeito, contrariamente às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições de crédito não residentes, as sucursais das instituições de crédito não residentes estão impossibilitadas, por não terem personalidade jurídica, de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB, não dispondo também estas entidades, por lei, de capitais próprios.
Além disso, estas sucursais não podem emitir instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios como, nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis, pelo que também não podem deduzir tais instrumentos da sua base de incidência.
Ora, o que é argumentado na Jurisprudência do STA citada pela Requerida, não parece contrariar, na essência, tais considerações, que são, claramente, a razão de ser e fundamento, da alegada discriminação. Acresce que a jurisprudência do STA precede a decisão do TJUE.
Não pode assim deixar de ser sufragado o entendimento de que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.
Sendo essa a situação que se verifica no pedido controvertido, tal implica, necessariamente, a procedência do pedido, ficando prejudicada a apreciação das demais questões ou vícios suscitados (artigo 124º, do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, do RJAT): julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos da impugnante, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Juros indemnizatórios
A Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados desde a data de pagamento do imposto até ao reembolso integral da quantia devida.
Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
É jurisprudência pacífica do STA e dos Tribunais Centrais que essa imputabilidade decorre da prática, por iniciativa da Administração Tributária, de um ato ilegal, o que inclui o incumprimento do Direito da União.
A imputabilidade do erro é independente da demonstração de culpa funcional, pelo que inclui as situações em que a AT pratica o ato tributário como decorrência da sua obrigação de vinculação à lei ordinária.
Acresce que, neste caso, a Requerente apurou o imposto tendo por base a declaração modelo 57, que consta da Portaria n.º 191/2020, de 10 de Agosto e do Ofício Circulado n.º 55003/2022, pelo que se está perante uma situação de erro imputável aos serviços, por força do n.º 2 do artigo 43.º da LGT.
De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, que visa concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Assim, procede o pedido de juros indemnizatórios a liquidar à taxa legal aplicável sobre o ASSB indevidamente e a partir da correspondente data de pagamento (conforme o disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária).
V. Questão de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a anulação do ato de autoliquidação do ASSB por violação do princípio da liberdade de estabelecimento prevista no Direito da União, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento do vício de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
VI. Decisão
Em face do exposto, acorda o tribunal arbitral coletivo em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e do ato de autoliquidação subjacente, devolvendo-se à Requerente o valor de € 180.082,88;
b) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável e contados a partir da data de pagamento do ASSB autoliquidado;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VII. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 180.082,88.
VIII. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 6 de Junho de 2025
Os Árbitros
(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)
(Ana Rita do Livramento Chacim - Adjunta – com declaração de voto)
(José Luís Ferreira – Adjunto e Relator)
Declaração de voto
Com o devido respeito, que saliento, acompanho a decisão de procedência do pedido arbitral, entendendo, no entanto que, com respeito à apreciação da matéria de direito em causa, as questões de inconstitucionalidade teriam de ser sempre apreciadas (conjugado o disposto no artigo 204.º da CRP com o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), conforme entendimento constante da decisão proferida no Processo n.º 14/2024-T, de cujo Coletivo fiz parte, e é aqui referida pela Requerente.
(Ana Rita do Livramento Chacim - Adjunta)