SUMÁRIO:
I. O artigo 10º nº 5 do CIRS estabelece um benefício fiscal, de exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificados, cumulativamente, determinados requisitos;
II. Tratando-se de um benefício fiscal, a demonstração da ocorrência dos seus pressupostos corre por conta do contribuinte (artigo 74º nº 1, da LGT);
III. No caso de o sujeito passivo não dar cumprimento à obrigação prevista no artigo 19º nº 3 da LGT, a prova da residência habitual pode ser feita por qualquer meio, designadamente através de prova testemunhal.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO:
A..., contribuinte fiscal número..., doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS referente ao exercício de 2020, com o número 2024..., no valor de € 14.979,83, bem como a condenação da Autoridade Tributária (AT) ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
a) Em 18/12/2014 o Requerente adquiriu, conjuntamente com B..., pelo valor de € 127.000,00, a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua ..., nºs ...e ..., freguesia de ..., concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...;
b) Tendo destinado imediatamente o referido imóvel a habitação própria e permanente;
c) O Requerente residiu no referido imóvel, juntamente com B..., desde a sua aquisição até à data em que adquiriu uma nova habitação;
d) Era na indicada habitação que o Requerente tinha instalada a sua vida doméstica, onde comia, onde dormia, onde recebia visitas;
e) O referido imóvel foi vendido em 16/11/2020, pelo valor de € 260.000,00;
f) No dia 30/11/2020, o Requerente adquiriu, conjuntamente com B..., pelo valor de € 400.000,00, o prédio urbano sito na ..., ..., Albarraque, união das freguesias de Sintra (... e ..., ... e ...), concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...;
g) Tendo o referido imóvel sido destinado imediatamente a habitação própria e permanente do Requerente e do seu agregado familiar;
h) Na declaração modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2020, o Requerente declarou que a mais-valia proveniente da venda do imóvel adquirido em 2014 foi reinvestida na aquisição do imóvel adquirido em 2020;
i) A AT desconsiderou o reinvestimento declarado pelo Requerente, invocando que o imóvel alienado não constituía habitação própria e permanente do Requerente à data da alienação, tendo tal facto sido aferido pela morada constante do cartão de cidadão;
j) Pelo que procedeu à correção oficiosa da declaração modelo 3 de IRS apresentada, emitindo nova liquidação, da qual resultou valor a pagar;
k) A presunção de que o domicílio fiscal corresponde à habitação própria e permanente é ilidível;
l) O facto de o Requerente não ter alterado o seu domicílio fiscal não significa que a sua habitação própria e permanente não correspondesse ao imóvel alienado;
m) A liquidação impugnada viola o disposto no artigo 10º nº 5 do CIRS.
O Requerente juntou 12 documentos e arrolou testemunhas.
No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 17 de dezembro de 2024.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Em sede de defesa por exceção, alegou a Requerida, em síntese:
a) O Requerente foi notificado em 01/06/2024 da liquidação impugnada;
b) Pelo que, à data da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, já havia decorrido o prazo de 90 dias que a lei prevê para a respetiva apresentação.
Em sede de defesa por impugnação, alegou a Requerida, em síntese:
a) O Requerente adquiriu em 2014, na quota-parte de 50% e pelo preço de € 63.500,00, o imóvel sito na freguesia de ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...;
b) Tendo a parte do Requerente no identificado imóvel sido alienada em 16/11/2020 pelo valor de € 130.000,00;
c) Em 30/11/2020 o Requerente adquiriu, na quota-parte de 50% e pelo preço de € 200.000,00, o imóvel sito na união das freguesias de Sintra ( ... e ..., ... e ...), inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...;
d) O Requerente não deu cumprimento à obrigação de alteração do domicílio fiscal;
e) Pelo que, em novembro de 2020, data da alienação do imóvel gerador do ganho a enquadrar sob a Categoria G – Mais-valias, a residência do requerente não coincidia com o seu domicílio fiscal;
f) Não se encontrando, assim, preenchido o pressuposto de que o artigo 10º nº 5 do CIRS faz depender a exclusão de incidência, a saber, que o imóvel alienado constituísse habitação própria e permanente do Requerente;
g) A liquidação impugnada não padece, assim, de qualquer ilegalidade;
h) Não sendo, da mesma forma, devido o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.
A Requerida não juntou documentos, nem arrolou testemunhas.
O Requerente pronunciou-se sobre a exceção deduzida pela AT, pugnando pela sua improcedência.
A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT teve lugar no dia 19 de maio de 2025, tendo sido ouvidas as testemunhas arroladas pelo Requerente.
Finda a inquirição, foi concedido às partes o prazo simultâneo de 10 dias para apresentação de alegações escritas, tendo ambas as partes apresentado as suas alegações, nas quais, em síntese, mantiveram as posições expressas nos articulados anteriores.
II. SANEAMENTO:
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Em sede de resposta, a Requerida invocou a exceção de caducidade do direito de ação por parte do Requerente, importando desde já conhecer de tal exceção, já que a sua procedência prejudica o conhecimento do mérito do pedido.
Invoca a Requerida, em síntese, que o Requerente foi notificado da liquidação impugnada em 01/06/2024, pelo que, à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral – 03/10/2024 - já havia decorrido o prazo de 90 dias que a lei prevê para apresentação da impugnação.
Isto porque, segundo a Requerida, o prazo de 90 dias que a lei prevê para impugnar o ato de liquidação conta-se, nos termos do disposto no artigo 102º nº 1 b) do CPPT, da notificação da liquidação em causa.
Devidamente notificado para o efeito, o Requerente pronunciou-se no sentido da não verificação desta exceção.
Com o que, adianta-se desde já, se concorda.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 10º nº 1 a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 (entretanto revogado) do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.
Por seu turno, prescreve o artigo 102º nº 1 do CPPT:
“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”
No caso dos autos, o Requerente impugnou a liquidação de IRS que lhe foi notificada, da qual resultou imposto a pagar, pelo que o prazo para impugnar a decisão proferida é o prazo de 90 dias, previsto no artigo 10º nº 1 a) do RJAT, contado do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
O indicado prazo de 90 dias apenas se conta a partir da notificação dos restantes atos tributários, nos termos previstos no artigo 102º nº 1 b) do CPPT, quando em causa estão outros atos tributários, mesmo que não deem origem a qualquer liquidação, conforme, aliás, resulta expressamente do citado preceito.
O que não é o caso dos autos, em que em causa está uma liquidação de IRS, da qual, ademais, resultou imposto a pagar pelo impugnante.
Assim, terminando o prazo de pagamento voluntário da liquidação impugnada em 10/07/2024, à data da instauração do pedido de pronúncia arbitral – 03/10/2024 - não havia ainda terminado o prazo de 90 dias de que o Requerente dispunha para impugnar a liquidação, o qual apenas terminaria em 08/10/2024.
Improcede, assim, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida,
III. QUESTÃO A DECIDIR:
A questão a decidir reconduz-se a saber se o ganho proveniente da venda do imóvel ocorrida em 2020 e utilizado na aquisição do imóvel adquirido no mesmo ano beneficia da exclusão da tributação prevista no artigo 10º nº 5 do CIRS.
IV. MATÉRIA DE FACTO:
a. Factos provados:
Com relevo para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 18/12/2014 o Requerente adquiriu, conjuntamente com B..., pelo valor de € 127.000,00, a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua ..., nºs ... e ..., freguesia de ..., concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...;
2. O Requerente destinou imediatamente o referido imóvel a habitação própria e permanente, sua e do seu agregado familiar;
3. O Requerente residiu no referido imóvel, juntamente com B..., desde a sua aquisição até à data em que adquiriu uma nova habitação;
4. Era na indicada habitação que o Requerente tinha instalada a sua vida doméstica, onde comia, onde dormia, onde recebia visitas;
5. O referido imóvel foi vendido em 16/11/2020, pelo valor de € 260.000,00;
6. No dia 30/11/2020, o Requerente adquiriu, conjuntamente com B..., pelo valor de € 400.000,00, o prédio urbano sito na ..., ..., união das freguesias de Sintra (... e ..., ... e ...), concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo...;
7. Tendo o referido imóvel sido destinado imediatamente a habitação própria e permanente do Requerente e do seu agregado familiar;
8. Na declaração modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2020, o Requerente declarou que a mais-valia proveniente da venda do imóvel adquirido em 2014 foi reinvestida na aquisição do imóvel adquirido em 2020;
9. A AT desconsiderou o reinvestimento declarado pelo Requerente, pelo que procedeu à correção oficiosa da declaração modelo 3 de IRS apresentada, emitindo nova liquidação, da qual resultou valor a pagar;
10. A liquidação impugnada tinha como data de pagamento voluntário 10/07/2024;
11. Não tendo a liquidação efetuada sido paga, foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança do respetivo montante, o qual corre termos no Serviço de Finanças de Sintra ... sob o nº ...2024...;
12. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 03/10/2024.
b. Factos não provados:
Com relevo para a decisão, não resultou qualquer facto não provado.
c. Fundamentação da matéria de facto:
A convicção acerca dos pontos 1, 5, 6, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelo Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos e o processo administrativo.
Quanto aos pontos 2, 3, 4 e 7 dos factos provados, foram determinantes para a convicção do tribunal, para além dos documentos juntos pelo Requerente e cuja genuinidade não foi colocada em causa pela AT, os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo Requerente, as quais, revelando conhecimento direto e pessoal dos factos, por se tratarem de antigos vizinhos do Requerente, quando este residia no imóvel a que se alude no ponto 1 da matéria de facto provada (C..., D... e E...), do irmão (F...) e do pai (G...) do Requerente, depuseram de forma escorreita e credível, confirmando os factos descritos.
V. DIREITO:
Fixada que está a matéria de facto provada, cumpre agora, por referência àquela, apurar qual o Direito aplicável.
Conforme resulta do disposto no artigo 1º nº 1 do CIRS, este imposto incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias nele elencadas.
Uma das categorias é a Categoria G - Incrementos patrimoniais, entre as quais se incluem as mais-valias, definidas como os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem, designadamente, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis - cfr. artigos 9º e 10º nº 1 a) do CIRS.
Prescreve a alínea a) do nº 4 do artigo 10º do CIRS que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nas situações previstas nas alíneas a), b), c) e i) do n.º 1.
Com relevância para os autos, dispõem os números 5 e 6 do referido artigo 10º:
“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento” (sublinhados nossos).
Verifica-se, assim, serem requisitos cumulativos para a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente:
1) Que o valor de realização (deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel) seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino;
2) Que o reinvestimento seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
3) Que o sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento;
4) Que o sujeito passivo afete o imóvel adquirido à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento.
No que diz respeito ao requisito de ambos os imóveis – o alienado e o adquirido – serem destinados a habitação própria e permanente, dispõe o artigo 19º nº 1 da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Domicílio fiscal”, o seguinte:
“O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
b) (…)”
Nos termos do disposto no número 3 do mesmo artigo, é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sancionando o número 4 do mesmo preceito com ineficácia a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
Note-se que se trata, neste caso, de uma mera ineficácia da mudança, que determina a sua não produção de efeitos perante a autoridade tributária, e não de qualquer invalidade da mudança, não afetando a falta de comunicação a sua substância.
Por outras palavras, o domicílio fiscal do sujeito passivo pessoa singular, que é o local da sua residência habitual, não deixa de o ser pelo facto de não o ter comunicado à administração tributária.
Cumprida a obrigação prevista no artigo 19º nº 3 da Lei Geral Tributária, têm os sujeitos passivos a seu favor uma presunção de que o seu domicílio fiscal corresponde ao domicílio constante do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes.
Inversamente, no caso de os sujeitos passivos não cumprirem esta obrigação, incumbe-lhes o ónus de provar a respetiva residência habitual.
De facto, nos termos do disposto no número 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
No caso dos autos, resultou provado – cfr. pontos 2 e 7 dos factos provados - que ambos os imóveis foram destinados, imediatamente após a aquisição, a habitação própria e permanente do Requerente e do seu agregado familiar.
É certo que em novembro de 2020 o domicílio fiscal do Requerente não correspondia à morada do imóvel alienado.
Mas daqui não resulta, sem mais, como defende a AT, que tal morada não correspondesse à habitação própria e permanente do Requerente.
No caso dos autos, os documentos juntos pelo Requerente não permitem concluir, com a certeza necessária, que a habitação alienada constituísse a habitação própria e permanente do Requerente.
No entanto, a prova desse facto foi efetuada através da prova testemunhal arrolada, meio este idóneo e suficiente à prova da morada da habitação própria e permanente do Requerente.
Sobre o regime da exclusão de tributação previsto no artigo 10º nº 5 do CIRS, veja-se o que se consignou no Ac. do TCA de 30SET2020, processo nº 2960/10.4BELRS, in www.dgsi.pt:
“O objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se a técnica de rol-over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação e situados em território nacional. A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados a habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. O imóvel “de partida” e o imóvel “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência – e mais-valia realizada no imóvel de “partida” será tributável
Nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no art. 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressuposto de “habitação permanente” o n.º 5 do art. 10.º do CIRS a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.
O requisito da permanência na “habitação” (a lei não utiliza o termo “residência”), deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do nº 2 do art. 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação. // Para este efeito, os actos ou factos que demonstram a ligação do beneficiado ao prédio (…) não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças. É certo que estes elementos são indícios de que o beneficiado pretende fixar ou fixou a sua morada real e efectiva no prédio (…). Todavia, a morada em certo lugar, a habitatio, deve demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.”
Concluindo-se no referido aresto:
“Com vista à demonstração dos pressupostos da isenção de tributação das mais-valias obtidas na alienação de imóveis, com base no seu uso como habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado, não basta a junção de facturas relativas a despesas de funcionamento dos mesmos.
O cumprimento do ónus da prova referido implica a alegação e prova de indícios sérios, consistentes, conciliados com outros meios de prova, do uso dos imóveis como habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado.”
Está em causa, como bem se salienta no acórdão citado, a invocação de um benefício fiscal, pelo que a demonstração da ocorrência dos seus pressupostos corre por conta do contribuinte (artigo 74.º/1, da LGT).
No caso dos autos, como resultou provado - cfr. pontos 1 a 8 da matéria de facto provada -, encontram-se verificados todos os requisitos de que a lei faz depender a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente.
Resulta, assim, clara a inexistência de fundamento legal para o ato de liquidação impugnado, impondo-se, por isso a sua anulação.
O Requerente peticiona ainda a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.
A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” (sublinhado nosso).
Assim, constitui condição necessária à condenação no pagamento de juros indemnizatórios o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso dos autos, porém, resultou provado – cfr. ponto 11) da matéria de facto provada – que o Requerente não procedeu ao pagamento da liquidação efetuada, o que motivou, aliás, a instauração de processo executivo com vista à sua cobrança coerciva.
Assim, não tendo sido paga a dívida tributária, é manifesto não ser devido o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios por parte da Requerida.
VI. DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação;
b) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS relativo ao exercício de 2020 nº 2024 ..., no valor de € 14.979,83;
c) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
***
Fixa-se o valor do processo em € 14.979,83, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
***
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.
***
***
Registe e notifique.
Lisboa, 16 de junho de 2025.
***
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira