Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 524/2014-T
Data da decisão: 2015-03-27  Selo  
Valor do pedido: € 8.493,66
Tema: IS – verba 28.1 TGIS; propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

RELATÓRIO

 

1.                  Em 27 de julho de 2014, A, contribuinte n.º …, (adiante designada por 1.ª Requerente), B, contribuinte n.º …, (adiante designada por 2.ª Requerente) e C, contribuinte n.º …, (adiante designado por 3.º Requerente), doravante designados por Requerentes, quando em referência aos mesmos em conjunto, residentes em Portugal, solicitaram a constituição de tribunal arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).

2.                  Os Requerentes são representados, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. …, e a Requerida é representada pelos juristas, Dr.ª … e Dr. ….

3.                  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 29 de julho de 2014.

4.                  Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, os Requerentes pretendem a anulação dos seguintes atos de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2013, no valor total de € 4.246,92, que incidiram sobre o prédio inscrito sob o artigo … da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, em propriedade vertical, respeitante aos andares ou divisões com utilização independente correspondente ao R/C, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, que se indicam:

 

a)      quanto ao primeiro Requerente, as notas de liquidação n.º 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, todas referentes à 1.ª prestação do ano de 2013, no montante de € 1.415, 64;

 

b)      quanto ao segundo requerente, as notas de liquidação n.º 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, todas referentes à 1.ª prestação do ano de 2013, no montante de € 1.415, 64;

 

c)      quanto ao terceiro requerente, as notas de liquidação n.º 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, todas referentes à 1.ª prestação do ano de 2013, no montante de € 1.415, 64.

 

5.                  Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Dr. Jorge Carita.

6.                  O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 29 de setembro de 2014, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme ata da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

7.                  Não houve lugar à primeira reunião do tribunal arbitral por ter sido dispensada, face ao requerido aquando da apresentação da resposta por parte da Requerida a 28.10.2014, e, por depois de notificados para o efeito, os Requerentes nada terem dito.

8.                  Não tendo sido invocadas quaisquer exceções, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, face à posição manifestada pelas partes, expressa e tacitamente (face ao silêncio dos Requerentes), o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

9.                  O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 27 de março de 2015 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido os Requerentes de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

10.              Por requerimento de 16 de março de 2015, os Requerentes solicitaram a ampliação do pedido de modo a que a apreciação do presente Tribunal abrangesse a totalidade da liquidação do Imposto do Selo efetuada ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, e não apenas a 1.ª prestação do mesmo.

11.              Devidamente notificada, por despacho de 17 de março de 2015, para se pronunciar sobre a requerida ampliação do pedido, a AT nada disse.

12.              Os Requerentes pedem a cumulação de pedidos e a coligação de autores, alegando a existência de identidade de circunstâncias de facto e da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, as quais sendo admissíveis, nos termos do artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 3.º do RJAT, são admitidas.

 

II. Os Requerentes sustentam os seus pedidos, em síntese, da seguinte forma:

 

Os Requerentes sustentam o pedido de anulação do ato de liquidação de imposto do selo a que foram sujeitos, relativamente aos andares ou partes suscetíveis de utilização independente, afetos a habitação, do prédio inscrito sob o artigo … na respetiva matriz, sito na Rua …, n.º …, freguesia de …, concelho de Lisboa, que se encontra em propriedade vertical, por ilegais, por enfermarem nos seguintes vícios:

a)      Erro sobre os pressupostos de aplicação da verba 28.1 da TGIS,  “na medida em que, quer o prédio esteja inscrito na matriz predial em propriedade horizontal, quer em propriedade vertical, a base tributável sujeita a IMI foi e é sempre o valor patrimonial de cada uma das divisões susceptíveis de arrendamento em separado, tal como aconteceu já em sede de Contribuição Predial e da Contribuição Autárquica. Logo, se foi e é assim em relação ao cálculo do IMI (…), os impugnantes não vêm razão para que o mesmo não aconteça ao imposto de Selo, fazendo-o incidir, também ele, sobre o valor patrimonial de cada uma das ditas divisões.”, uma vez que o “legislador nunca teria tido outro pensamento que não fosse o da tributação dos “Fogos de luxo” e de “elevado valor patrimonial”;

b)      Acrescentam, ainda, que: “ se o legislador nada disse em relação à forma de tributação de tais prédios em sede de imposto do selo à taxa de 1% e se não fez qualquer distinção entre prédios em propriedade vertical e prédio em propriedade horizontal, afectos a habitação e com valores patrimoniais tributários inferiores aos tais € 1.000.000,00, por andar ou divisão susceptível de arrendamento em separado, como no caso concreto aconteceu e acontece, é consabido que lhes pretendeu dar o mesmo tratamento a nível de tributação em impostos do selo, à semelhança do que se passou e passa ao nível da tributação em IMI e antes, na CA e na Contribuição Predial.”

c)       Defendem, ainda, que: “ a Autoridade Tributária, desconsiderando o valor patrimonial tributário relativo a cada uma das habitações autónomas do prédio na liquidação do selo da verba 28 da Tabela Geral, desrespeitou claramente a “ratio juris” do preceito, o qual só pode prever a incidência do imposto relativamente aos “Fogos” de luxo com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00”.

d)      Vício de violação de Lei constitucional, mormente do princípio da igualdade, da prevalência da verdade material, da boa-fé da confiança e da segurança jurídica, porquanto, por um lado, “a AT, actuando como actuou, usou e usa de «dois pesos e de duas medidas», (…) a AT, com tal actuação acabou por dar, com ou sem intenção, relevância à forma, descorando a substância, quando (…) devia ter acontecido o contrário, ou seja, devia ter valorizado a substância, desinteressando-se da forma, à semelhança do caminho que trilhou em muitas outras alturas e noutras circunstâncias.”; “Porque sujeitar tais habitações a Imposto do Selo, somente pela inexistência do instrumento jurídico que formalizasse a propriedade horizontal, é negar totalmente o princípio que vigora em Direito Fiscal da “Prevalência da Substância sobre a Forma”;

e)      Defende, ainda, que: “não é crível que conhecendo o legislador a realidade das inscrições matriciais, a Lei apareça de supetão e se vá aplicar aos contribuintes em tais circunstâncias (como no casos dos impugnantes), ferindo de forma clara, entre outros tantos, os princípios da segurança jurídica e da boa-fé que deve existir na autuação entre a Administração e particulares, consagrados, principalmente, nos artigo 59.º da LGT, 7.º do Código de Procedimento Administrativo, disposições estas que tiveram a sua origem nos artigo 22.º, 266.º e 267.º da Constituição da República.”

 

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Por seu lado, a AT vem alegar, na sua resposta: 

a)      Quanto ao alegado erro sobre os pressupostos das liquidações, entende a Requerida que: “quanto à liquidação de IS, tratando-se de um prédio em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o VP que a ora Requerente define como «valor global do prédio», porquanto,

b)      “ para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art.º 2.º do CIMI.”

c)      Acrescenta, ainda que, “de acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113.º, n.º 1, a liquidação efectua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que as mesmas respeitam (no caso do imposto de 2013).

d)      Pelo que, “encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI

e)      Concluindo, assim, no sentido de que “deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos. “

f)       No que toca ao alegado vício de violação de lei constitucional – por violação do princípio da legalidade, igualdade tributária e da capacidade contributiva, defende-se a Requerida referindo, quanto à alegada violação do princípio da igualdade, que inexiste “qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, porque “são institutos jurídicos diferenciados.”

g)      Mais entende que as ”normas, procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime de propriedade vertical, isto, porque (…) seria ilegal e inconstitucional”.

h)      Refere, ainda, que a verba 28.1 da TGIS é “uma norma geral e abstracta, aplicável de uma forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito.” (…) “Com efeito, a constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do CIMI e artigo 1414.º e seguintes do Código Civil (CC), sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídica-tributária.”

i)        Arrematando, que: “não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente.”

j)        E, conclui no sentido de que “aos actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo ser mantidos.”

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do pedido.

 

V. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

- Os Requerentes são proprietários do prédio sito na Rua …, n.º …, freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … – R/c, 1, 2, 3, 4 e 5. (cfr. Docs. n.º 1 a n.º 19 juntos com a petição inicial);

- Cada um dos Requerentes é proprietário da quota-parte de ¼ do prédio acima identificado. (cfr. Docs. n.º 1 a n.º 19 juntos com a petição inicial);

 - O prédio compreende um total de seis andares e divisões com utilização independente, afetas a habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT), determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), varia entre € 171.910,00 e € 192.810,00 e perfaz, no total, € 1.132.480,00. (cfr. Docs.n.º 1 a n.º 19 juntos com a petição inicial);

 - O prédio em causa encontra-se em regime de propriedade vertical ou total. (Doc. n.º 19 junto com a petição inicial);

 - O somatório dos VPT das mencionadas frações autónomas afetas a habitação ascende a € 1.132.480,00 (um milhão, cento e trinta e dois mil, quatrocentos e oitenta euros), tendo cada uma delas individualmente, um VPT inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (Docs. n.º 1 a n.º 19 juntos com a petição inicial);

 - A inscrição matricial nº … identifica separadamente cada uma das unidade autónomas de utilização independente, encontrando-se também discriminado o respetivo VPT resultante da avaliação geral (cfr. Doc. nº 19 junto com a petição inicial);

 - Os Requerente foram notificados dos atos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2013, efetuados ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, em função da sua quota-parte, sobre os andares e divisões com utilização independente afetas a habitação, quanto à 1.ª prestação, no valor global de € 4.246,92, da seguinte forma (cfr. Docs. n.º 1 a n.º 18 juntos com a petição inicial):

 - O terceiro Requerente procedeu ao pagamento dos montantes correspondentes às liquidações de IS, relativo à sua quota-parte, objecto do presente pedido de pronuncia arbitral.(Cfr. Doc. n.º 20 junto com a petição inicial).

 

 

VI. Motivação da matéria de facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

VII. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VIII. Fundamentos de direito

 

 - Ampliação do pedido –

 

Os Requerentes apresentaram, a 16 de março de 2015, requerimento com a ampliação do pedido, abrangendo, não apenas e conforme o pedido inicial de constituição do tribunal arbitral a 1.ª prestação, mas a liquidação de imposto do selo a que foram sujeitos, no seu todo. Notificada para se pronunciar sobre este pedido de ampliação, a AT nada disse.

 

Ora, atendo o disposto no n.º 2 do artigo 265.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, segundo o qual “o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo., ” e tendo em consideração que o disposto no n.º 5 do artigo 44.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29.10, em conjugação com o artigo 120.º do CIMI, entende este Tribunal que se verificam os pressupostos legais para a requerida ampliação do pedido, pelo que, na procedência do alegado pelos Requerentes, admite-se a ampliação do pedido inicial de € 4.246,92 para € 8.493,66, alterando-se o valor do processo para este último valor, € 8.493,66.

 

 - Das questões controvertidas –

 

No presente caso, são três as questões de direito controvertidas:

 

1) saber se a sujeição a imposto do selo, nos termos do que dispõe a verba n.º 28 da TGIS, relativa ao ano de 2013, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afetação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPTs dos andares que o compõem  - Incidência da verba 28.1 da TGIS;

2) saber se o disposto na verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, bem como do disposto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, na interpretação que dele faz a AT.

3) saber se a Requerente, caso procedam as anteriores questões, tem direito a juros indemnizatórios.

 

Vejamos,

 

 

I – Da incidência da verba 28.1 da TGIS

 

1.        A Lei nº. 55-A/2012, de 19 de Outubro (que adiante designaremos por Lei nº. 55-A/2012 ou apenas Lei), procedeu à alteração, entre outros, de diversos artigos, do Código do Imposto do Selo, mais propriamente 12 dos seus artigos.

2.        A alteração fundamental, que condiciona todas as outras, consta do artigo 4.º da Lei nº. 55–A/2012, que adita à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), uma nova verba, a nº. 28, com a seguinte redação:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional ------------------------------------- 1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ----------------------------------------------------------------- 7,5%”

 

3.        Deste modo, de acordo com a referida verba, e naquilo que aqui nos importa, somente está sujeita a Imposto do Selo a propriedade, usufruto, direito de superfície de:

a)       “prédios urbanos,

b)       com afectação habitacional,

c)      E cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000;” (sublinhado nosso)

 

4.        A lógica da tributação da riqueza e da fortuna prevalece, com maior ou menor intensidade, no quadro deste diploma, conclusão que resulta do agravamento generalizado da carga fiscal, na lógica financeira, exclusivamente dirigida a situações fiscais que produzissem receita imediata.

5.        Agrava-se a tributação dos rendimentos de capitais, alarga-se a lista de manifestações de fortuna, agrava-se a tributação dos rendimentos obtidos em Portugal por entidades domiciliadas em paraísos fiscais, e finalmente, a tudo isto se acrescenta a tributação dos imóveis para habitação, de valor superior a € 1.000.000,00.

6.        E se o legislador inclui neste diploma imóveis de habitação, fixando um valor acima do qual eles passariam a ser tributados por um outro imposto, tal só poderia significar que, considerava que quem fosse proprietário de imóvel, desse valor, tal expressava um elemento indiciador de meios de fortuna adicionais, que pudessem ser chamados a participar no esforço colectivo de arrecadação suplementar de receitas fiscais.

7.        Na verdade, o legislador ao introduzir esta inovação legislativa, considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

8.        Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

9.        A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

10.    Com efeito, o legislador claramente considerou que este valor, quando imputado a uma habitação (casa ou fração autónoma) traduzia uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

11.    Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva.

12.    Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal, em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.

13.    Com efeito, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto, mas somente se o VPT de cada uma das partes ou frações for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00.

14.    Não parece sensato que se possa enquadrar na previsão normativa, prédios urbanos no seu todo, i.e, constituídos por unidades independentes, com avaliações de VPT separadas.

15.    Tal como referido, a introdução da Lei n.º 55-A/2012, de 19 de Outubro, pretendia tributar de facto, a riqueza.

16.    Ora, o prédio em questão pertence aos Requerentes, e é composto por 6 andares ou divisões com utilização independente, todas com afetação habitacional.

17.    É entendimento da AT que o somatório dos VPT relativos a esses 6 andares ou divisões com utilização independente que têm afetação habitacional, perfazendo um VPT global de € 1.132.480,00 (um milhão, cento e trinta e dois mil, quatrocentos e oitenta euros), no ano de 2013, dá lugar a incidência de imposto do selo, razão pela qual, entendeu proceder à liquidação do Imposto do selo impugnada nos presentes autos.

18.    Assim, do ponto de vista da AT, para um prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto do selo, é o VPT global dos andares e divisões mesmo que com utilização independente, destinadas a habitação.

19.    Vejamos, se a tese da AT convence,

20.    A Lei 55-A/2012, de 29 de outubro entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de outubro de 2012.

21.    No entanto, nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afetação habitacional.”, que aqui nos interessa.

22.    No entanto, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.

23.    Assim, temos que, a norma de incidência se refere a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

24.    Consultado o CIMI, verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” 

25.    Daqui podemos concluir que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico- formal da situação concreta do prédio, mas sim, a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio.

26.    Mais, aferimos que, para o legislador, a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. Releva, sim, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização. 

27.    Com efeito, a sujeição ao imposto do selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS, é determinada pela conjugação de três factos, a saber:

a)      estarmos perante um prédio urbano;

b)     a afetação habitacional e

c)      o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

28.    Ora, tratando-se de um prédio com as características supra descritas, a sujeição a imposto do selo terá de ser determinada, não pelo VPT do prédio “no seu todo”, mas pelo VPT atribuído a cada dos andares ou divisões com utilização independente, afetas a habitação.

29.    Deste modo, o entendimento da AT no sentido de que o somatório dos VPTs das várias frações ou divisões com utilização independente afetas à habitação, resultando num VPT global igual ou superior a € 1.000.000, legitima a incidência do imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, no regime regra, é, manifestamente, ilegal!

30.    Assim sendo, não havendo, desta forma, uma única fração ou divisão com utilização independente, afeta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, nunca poderia a AT sujeitar os Requerentes ao imposto do selo, ao abrigo da verba 28 da TGIS, do ano de 2013, que ora se impugna, por ser o mesmo ilegal, e por isso inaceitável e desconforme, entre outros, com o princípio da legalidade fiscal, bem como com o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).

II – Da violação de Lei constitucional

 

31.    Em conformidade com outas decisões arbitrais proferidas no âmbito da matéria que aqui nos ocupa, e às quais aderimos, por com as mesma concordarmos, temos que o princípio constitucional da igualdade fiscal, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º, da CRP), não se resume à regra da universalidade dos impostos, segundo a qual estes incidem sobre todos aqueles que têm capacidade contributiva, determinando também que todos devem estar adstritos ao pagamento de impostos com base no mesmo critério - a regra da uniformidade dos impostos.

32.    Segundo esta regra, o que é igual deve ser tributado igualmente, e o que é desigual deve ser tributado desigualmente, na medida dessa desigualdade.

33.    O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.

34.    Por isso mesmo, é que o artigo 12.º, nº3 do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”

35.    Em consequência, a discriminação que se verifica, e que está a ser operada pela AT no caso concreto, traduz uma discriminação arbitrária e ilegal. Nada na lei impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal.

36.    Por outro lado, é sabido que muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, fatores que necessariamente devem ser tidos em conta. E, certamente, tendo em conta toda essa realidade social e económica, o próprio legislador fiscal no CIMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.

37.    Não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade, segurança e certeza jurídica e proporcionalidade fiscal. 

38.    No entanto, cumpre referir que, os princípios constitucionais são aqui invocados apenas como suporte para uma interpretação segundo a CRP, posto que, a operação de liquidação de IS levada a cabo pela AT, na situação dos autos, não está conforme a verba 28 da TGIS e o nº 7 do artigo 23º do CIS.

39.    Seguindo este raciocínio, e transcrevendo o que já foi sufragado no Acórdão do CAAD no processo n.º 30/2014 T que aderimos na íntegra:

A questão não carece, em nosso entender, de ser colocada ao nível da violação da CRP, bastando, no cumprimento do referido no nº 7 do artigo 23º do CIS que se leve a efeito uma leitura, “com as necessárias adaptações das regras do CIMI” que será considerar que a expressão “cada prédio urbano” comporta não só os andares em propriedade horizontal (que são prédios urbanos ope legis) como também “os andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente” (nº 3 do artigo 12º do CIMI).

Ou seja, ao nível da interpretação das normas tributárias poderá utilizar-se a regra muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.

Ora, se v.g. para os andares que compõem as fracções autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, (ainda que sejam por definição e “ope legis” prédios urbanos) não se adicionam os VPT para determinar o limiar do VPT elegível para sujeição a IS (1 000 000,00 de euros) da verba 28 da TGIS (operação de determinação da matéria colectável), porque é que quanto às “partes de prédio ou andares” dos prédios em propriedade vertical tal deve ocorrer?

Em ambos os casos se manifesta a mesma capacidade contributiva dos contribuintes (o seu nível de riqueza ao nível de bens imóveis).Trata-se da mesma “substância económica” analisada sobre diversos prismas.

As verbas 28 e 28-1 da TGIS, enquanto normas de incidência de IS, na leitura que se propugna nesta decisão, não padecem desta feita de qualquer desconformidade com o texto da lei fundamental.(…)

Na verdade é a referida norma, na sua literalidade, mormente a parte final da verba 28 da TGIS, conjugada com o nº 7 do artigo 23º do CIS, que permite concluir, com as “necessárias adaptações das regras do CIMI” que não deveria a AT adicionar os VPT dos andares ou parte do prédio acima identificados para encontrar um novo VPT relativo àqueles que são afectos a fins habitacionais, cindido do VPT dos que estão afectos a outros fins.»

 

40.    Posto isto, a tributação desigual dos ora requerentes, comparativamente com uma situação em que o prédio se encontre em propriedade horizontal de idênticas características, é manifestamente ilegal por considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, porque se trata de uma nítida violação, entre outros, do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal, nada legitimando a interpretação que a AT faz das normas jurídicas aplicáveis.

41.    Finalmente, não pode deixar de se referir a recente jurisprudência do CAAD, proferida sob o tema “Imposto de Selo – Verba 28, propriedade vertical”, nos processos n.º 428/2014-T, n.º 206/2014-T, n.º 30/2014-T, n.º 181/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 50/2013-T, n.º 248/2013-T do CAAD, entre outros, cuja motivação de Direito, o presente tribunal adere na íntegra, no que à matéria da incidência da verba 28.1 da TGIS diz respeito.

42.    Face ao exposto, não havendo, deste modo, uma única fração ou divisão com utilização independente, afeta à habitação, com VPT igual ou superior a € 1.000.000, são os atos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano de 2013, no montante de € 8.493,66 nulos, por violação do disposto na verba 28.1 da TGIS e no artigo 13.º da CRP.

 

III – Dos juros indemnizatórios

 

43.  O 3.º Requerente peticiona, ainda, que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

44.  Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

45.  Considera-se erro imputável à administração, quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

46.  Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

47.  No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos atos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

48.  Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do acto é imputável à Autoridade Tributária, que autonomamente o praticou de forma ilegal.

49.  Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

50.  Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem o 3.º Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia de € 1.415,64, e contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.

 

DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

1.      Anular todos os atos de liquidação de Imposto do Selo impugnados pelos Requerentes, relativos ao ano de 2013.

2.      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o 3.º Requerente da quantia que pagou, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal, desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso.

 

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 8.493,66 (oito mil, quatrocentos e noventa e três euros e sessenta e seis cêntimos) nos termos art.º 97-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT e do n.º 2 do art.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4 do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 27 de março de 2015

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O Árbitro

Jorge Carita