SUMÁRIO:
O IVA suportado por um sujeito passivo nas despesas de contratação de serviços de transporte para os seus trabalhadores desde locais pré-determinados para o local de trabalho e vice-versa, confere direito à dedução, uma vez que configuram despesas inerentes ao conjunto das atividades económicas por ele prosseguidas e estarem abrangidas pelos artigos 168.°, alínea a), e 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, DIVA), direito que prevalece sobre o direito nacional.
DECISÃO ARBITRAL
I- Relatório
A..., LDA, sociedade com sede na ..., ...-... ..., ..., contribuinte fiscal n.º..., ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e dos artigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, pedindo a anulação do despacho de indeferimento, proferida pelo Senhor Chefe de Divisão de Serviço Central da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada contra os atos de Autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes ao período compreendido entre janeiro de 2022 e dezembro de 2023, no valor global de € 561.273,80, e, consequentemente, a anulação destes atos de liquidação, por ser ilegal a exclusão do direito à dedução do IVA suportado nas despesas em causa, devendo a Requerente ser ressarcida do referido valor acrescido do pagamento de juros indemnizatórios devidos, nos termos do artigo 43.º da LGT.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (doravante designada como AT ou Requerida).
Em 20-11-2024, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. A. Sérgio de Matos (Adjunto e Relator) e o Dr. Arlindo José Francisco (Adjunto) que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes, devidamente notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 10/12/2024, tendo na mesma data dado cumprimento ao disposto no artigo 17.º do RJAT.
Em 27/01/2025 a AT apresentou a Resposta e, em 26/02/2025, juntou aos autos o Processo Administrativo.
Em 30/01/2025 foi proferido Despacho pelo Tribunal no qual se dispensou a reunião do artigo 18.º do RJAT e dispensou a inquirição das testemunhas arroladas, por se considerar desnecessária tal diligência, concedendo-se prazo para alegações finais escritas, facultativas, a fixar a data para a prolação da decisão final e a notificar a Requerente para o pagamento da taxa de justiça subsequente.
Em 27/02/2025 a Requerida vem dizer que não abdica do prazo de vista de 10 dias, nos termos do disposto no artigo 444.º, n.º 1 e artigo 3.º, n.º 3do CPC relativamente aos documentos juntos com as alegações da Requerente.
Por Despacho de 27-02-2025 O Tribunal admitiu as alegações da Requerida mesmo entregues fora de prazo, justificando que nada trazem de novo aos autos e concedeu 10 dias às partes para exercerem o contraditório.
Em 28-02-2025 a Requerida juntou a parte do Processo instrutor que ainda estava em falta.
Em 10-03-2025 a Requerente solicitou 10 dias para apreciação da documentão apresentada.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
III. Matéria de facto
1.Factos provados
O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes e não impugnados, considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
a) Requerente é uma empresa de responsabilidade limitada que que integra o “Grupo B...”, e que, no nosso país, desenvolve a sua atividade numa única fábrica, sita na quinta da ..., ...-... ..., concelho de ..., na qual são produzidos diversos modelos automóveis.
b) A Requerente representa um dos maiores investimentos estrangeiros, realizados em Portugal, sendo um dos maiores exportadores e empregadores no nosso país, assumindo, por esses motivos, uma dimensão e relevância nacional, quer em termos económicos, quer sociais.
c) Em 2018, a Requerente passou a trabalhar, em regime de laboração contínua, utilizando a totalidade da sua capacidade instalada para produzir 890 carros/dia, os quais se destinam, essencialmente, aos mercados europeu e asiático.
d) A Requerente concluiu o ano de 2023 com cerca de 4900 colaboradores ao seu serviço, tendo produzido 220.100 viaturas, representando 1,4% do PIB nacional.
e) A unidade de produção em ... labora muitas vezes de forma contínua, isto é, 24 horas por dia, 6 dias por semana (de segunda-feira a sábado), em regime de trabalho por turnos, os quais podem ser ajustados conforme as necessidades de produção da fábrica.
f) De uma forma geral, a Requerente labora em turnos, que se iniciam nos seguintes horários: noites de domingo e feriados - 00:00h; noites de segunda a sexta-feira - 23:50h; manhãs - 07:00h; tardes - 15:20h.
g) Tendo em consideração a localização remota da referida unidade fabril, a disponibilidade e oferta de transportes públicos é escassa, quer a curta, quer a média distância, pois a verdade é que não existe qualquer transporte público rodoviário para a fábrica, nas suas imediações.
h) Acresce a isto a enorme dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de conciliar os horários desses transportes com os turnos de trabalho estabelecidos, pois estes últimos implicam entradas/saídas a horas em que, muitas vezes, não existe qualquer cobertura de transportes - os que existem, como se aludiu, ficam a uma distância que exige dos trabalhadores um esforço de deslocação e um risco de segurança que não são aceitáveis.
i) A Requerente contratou uma empresa de transporte rodoviário que assegura o transporte diário dos seus trabalhadores, de determinados locais pré-estabelecidos até à fábrica e, bem assim, o seu regresso no final de cada turno.
j) Este transporte assume relevância para os trabalhadores da fábrica de..., e é tão imprescindível para a sua laboração, que está inclusivamente previsto no acordo base celebrado entre a administração da empresa e a comissão de trabalhadores, sendo facilitador e necessário para o cumprimento dos seus compromissos comerciais e de produção.
k) Cada turno comporta mais de 1500 trabalhadores que têm de chegar à fábrica ao mesmo tempo, pois o processo fabril não pára e exige que os trabalhadores tenham de se encontrar nos seus postos uns minutos antes da hora de rotação, para assegurar a continuidade do processo de fabrico.
l) Face à exígua existência de transportes públicos que servem as imediações da fábrica da Requerente e, por outro, aos horários dos turnos estabelecidos, sob pena de não conseguir garantir força de trabalho para todos os seus turnos, a Requerente viu-se na obrigação de garantir, pelos seus próprios meios, o transporte dos trabalhadores até ao local do trabalho, a partir de diversos pontos geográficos previamente determinados.
m) custo da contratação do referido serviço de transporte para os seus trabalhadores ascendeu, na esfera da Requerente, a € 5.055.475,48, em 2022, e a € 4.860.361,70, em 2023 com IVA incluído à taxa reduzida, por aplicação da verba 2.14 da Lista I anexa ao Código do IVA, no montante global de € 561.273,80.
n) O custo do referido transporte não é repercutido nem suportado, por qualquer meio, pelos trabalhadores utilizadores do serviço, pelo que não configura uma prestação de serviços onerosa e, por isso, não deve ser liquidado IVA.
o) O procedimento adotado pela Requerente tem sido a não de dedução do IVA suportado com tais despesas em concordância com a posição assumida pela AT, conforme pedido de Informação Vinculativa n.º 21206, apresentado pela Requerente em 06/05/2021 e sobre o qual recaiu decisão proferida pelo Senhor Subdiretor-geral, notificada à Requerente, em 17/09/2021, através do Ofício..., nos termos da qual se considerou não existir fundamento para a dedução do IVA suportado com tais despesas.
p) A Requerente não concordando com tal entendimento, apresentou Reclamação Graciosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, contra os atos de autoliquidação de IVA dos períodos de janeiro de 2022 a dezembro de 2023, solicitando a confirmação do direito à dedução do IVA suportado com o transporte realizado nas circunstâncias descritas, ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Código do IVA que veio a ser indeferida.
q) Em 30/09/ 2024 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão
3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que poderão interessar à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convicção deste Tribunal Arbitral sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações da Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta pelas partes, cuja autenticidade e correspondência à realidade e também não foram questionadas.
IV. Matéria de direito
1. Posição da Requerente
Em síntese a Requerente considera que demonstrou que a fábrica situa-se em local isolado e de difícil acesso, não sendo servida por quaisquer meios de transporte público aptos a colocar os seus trabalhadores junto da fábrica e respetivo regresso, assim, com vista a assegurar o regular funcionamento da fábrica sentiu a necessidade de garantir o transporte dos seus colaboradores através de contratação e transporte rodoviário e, esporadicamente, de serviço de táxis, de e para a fábrica, o que por sua vez é suscetível de assegurar melhores condições aos trabalhadores, a atração e a retenção do capital humano de que carece para prosseguir com a sua atividade.
Por outro lado, o custo dos transportes assegurado pela Requerente serve estritamente os fins da sua atividade económica e, como tal, deverá ser permitida a dedução do IVA suportado na aquisição do respetivo serviço, nos termos do princípio geral de direito à dedução explanado nos artigos 168.º e 169.º da Diretiva IVA e do correspondente artigo 20.º do CIVA.
Outro entendimento que não este colocaria em causa o mecanismo de dedução, não garantindo o respeito pelo princípio da neutralidade que o IVA almeja, forçando a Requerente a suportar o montante de IVA com base na presunção estabelecida no artigo 21.º do CIVA, relativamente a estas despesas, atua de forma equivalente a um consumidor final, o que manifestamente já se comprovou não corresponder à verdade, uma vez que as despesas ora em análise estão intimamente ligadas com o exercício da sua atividade económica, na medida em que é através delas que pode exercer a sua atividade tributada, pelo que a referida presunção fica, deste modo, ilidida, o que permite a dedução do respetivo IVA nos termos gerais do artigo 20.º do CIVA.
Por último, cita vária doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores e ainda decisões dos Tribunais do CAAD que vão no sentido por si preconizado, tudo como melhor consta na sua petição que nessa parte, aqui se dá por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais.
2. Posição da Requerida
A AT na sua resposta, também em síntese, vem dizer que a prestação dos serviços de transportes aos seus trabalhadores, sem qualquer contrapartida por parte destes não constitui uma operação tributável, em sede de IVA o que de acordo com o n.º 1 do artigo 19.º do CIVA que prevê, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, entre outros, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
Considera que tem que existir um nexo de causalidade entre os bens ou serviços adquiridos (inputs) e as operações realizadas a jusante que são tributadas ou que, sendo não sujeitas ou isentas, conferem o direito à dedução.
O TJUE tem vindo a reiterar que o direito à dedução previsto nos artigos 168.º e 169.º da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, sendo as derrogações a este princípio apenas autorizadas para as situações previstas na Diretiva, havendo interpretação restrita das normas que preveem tais derrogações. O artigo 21º do CIVA é uma dessas normas que não deve ser considerado como uma presunção legal, uma vez que o legislador nacional optou por consagrar limitações à possibilidade de deduzir o IVA suportado, como forma de evitar a fraude e evasão fiscais resultantes de deduções indevidas em despesas relacionadas com bens e serviços que, pela sua natureza e características específicas, podem ser afetas a fins privados, consubstanciando um consumo final que, de outro modo, não seria tributado. O citado artigo 21º do CIVA prevê expressamente a exclusão do direito à dedução o imposto suportado nas despesas de transporte quer do sujeito passivo quer do seu pessoal, bem como as inerentes a viagens de negócios destes.
Assim, as despesas de transporte, do pessoal da Requerente de e para o local de trabalho, não seja suscetível de dedução em sede de apuramento a que alude o citado artigo 19.º do CIVA e que a ficção da Requerente da existência de uma presunção no artigo 21º do CIVA, adultera o espírito do artigo 21.º do CIVA, mormente nas alíneas a), b), c) e d) do seu n.º 1.
Por outro lado, considera que o valor de IVA suportado e não efetivamente deduzido no total de 561.273,80 €, não se encontra devidamente demonstrado ao mesmo tempo que não apresenta qualquer contrato ou outros elementos suscetíveis de comprovar os factos alegados e que complementem a descrição que consta das faturas apresentadas, cabendo à Requerente o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução
do IVA.
Quanto aos juros indemnizatórios requeridos ao abrigo do artigo 43.º da LGT, refere que o alegado erro na autoliquidação do IVA não é imputável aos serviços, uma vez que as instruções ínsitas em circulares ou ofícios circulados, que visam a uniformização de interpretação e aplicação das leis tributárias, só vinculam os funcionários e os órgãos da AT e não vinculam os contribuintes.
A suportar o seu ponto de vista, cita diversa doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos Tribunais do CAAD que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
3. Questão decidenda
O que está causa é determinar se as despesas com o transporte dos trabalhadores de locais pré-estabelecidos para a fábrica e vice-versa, gratuita para todos os trabalhadores, suportada pela Requerente e contratada a uma empresa de transporte rodoviário se podem considerar relacionadas com a atividade económica da empresa e se o IVA incorrido com essas despesas é dedutível.
Nos Processos 607/2022-T e no 605/2022-T foi apreciada a mesma questão decidenda, relativamente à mesma Requerente.
Assim, por brevidade e economia processual, e tendo presente o imperativo de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil, seguir-se-á aqui o já explicitado nas referidas decisões arbitrais.
Deste modo, subscrevendo-se os enquadramentos gerais relativamente aos entendimentos jurisprudenciais e doutrinais sobre o direito à dedução do IVA e sobre o enquadramento das despesas de transporte dos trabalhadores em causa.
O Tribunal tem de avaliar se tais despesas, ao abrigo das normas do CIVA, das normas do Direito da Comunidade Europeia, e da interpretação judicial que tem sido realizada sobre esta questão, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), são ou não dedutíveis para efeitos de IVA.
Considerando os factos dados como provados a Requerente tem a única fábrica, onde produz automóveis na ..., ... no concelho de ..., onde a disponibilidade e oferta de transportes públicos é muito limitada, quer a curta, quer a média distância, não existindo qualquer transporte público rodoviário para a fábrica, e o transporte ferroviário existente não fica suficientemente próximo da fábrica da Requerente e a sua incompatibilidade com os horários e os turnos praticados na fábrica que implicam entradas/saídas a horas em que, muitas vezes, não existe qualquer cobertura de transportes - os que existem, como se aludiu, ficam a uma distância que exige aos trabalhadores um esforço de deslocação e riscos de segurança.
Dentro desta factualidade, a Requerente contratou os serviços de uma empresa de transporte rodoviário e esporadicamente táxis que asseguram o transporte diário dos seus trabalhadores, de determinados locais pré-estabelecidos até à fábrica e vice-versa como já se viu.
São despesas que a empresa tem de suportar para poder laborar 24h por dia, sem interrupções, de modo a garantir o cumprimento dos seus objetivos de produção e comercialização.
Vejamos a legislação aplicável:
a) A legislação da União Europeia:
Diretiva IVA - Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977; reformulada pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006
O artigo 2.°, n.º 1 determina:
“1.Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:
“a) As entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;
(...)”
“Artigo 168. º
Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:
a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;
(...)”
“Artigo 176.º
O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.
Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.”
b) A legislação nacional
O CIVA:
Artigo 19.º
1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
(...)”
Artigo 21.º
“Exclusões do direito à dedução
1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:
(...)
c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;
d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;
e) Despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.
(...)
2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:
(...)
b) Despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares;
c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso;
d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;
e) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25 %.
(...)”
Como se sabe a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais dos Estados-Membros quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia, enquanto a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que o IVA é um imposto de matriz comunitária, cujas normas, harmonizadas no conjunto dos Estados-Membros da União Europeia, constam da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006. É um imposto plurifásico que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir, razão pela qual o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto. De acordo com os ensinamentos de Xavier Basto em “A Tributação do Consumo e a sua coordenação internacional” considera que o direito à dedução é “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado” (Lisboa 1991, p. 41).
O direito à dedução designado como método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs, devendo garantir a neutralidade fiscal, a qual configura a característica nuclear do imposto, constituindo o equivalente, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento, como é afirmado pelo no Acórdão S. Puffer, C-460/07, do TJUE de 23 de abril de 2009.
O direito à dedução é considerado como um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante, como é mencionado nos Acórdãos do TJUE nos Acórdãos Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11; Bonik, C-285/11; e Petroma Transports C-271/12.
O regime de deduções instituído pela Diretiva IVA tem por objetivo desonerar por completo o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA visa garantir, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA.
Nesta perspetiva, a regra principal de funcionamento do IVA assenta no mecanismo da dedução do imposto suportado, tendente a evitar que, de forma oculta, se incorpore no preço de bens e serviços, o que originaria o surgimento de efeitos cumulativos, contrários à sua neutralidade que busca e que se apresenta como a uma caraterística principal.
O artigo 168.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006), consagra o princípio geral da liquidação e dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo, desde que tais bens e serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas.
A Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro estabelece no artigo 168.º a) que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor o IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.
A análise desta norma permite concluir que a dedução integral e imediata do imposto constitui a regra geral no que diz respeito às despesas do sujeito passivo com bens e serviços utilizados para os fins das suas operações tributadas.
O artigo 176.º da DIVA, dispõe que “O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.”
Os Estados-Membros podem ainda excluir parcial ou totalmente do regime das deduções alguns ou todos os bens de investimento ou outros bens, conforme o artigo e 177.º da mesma Diretiva.
A nível da legislação interna, de mencionar que o artigo 21.º do CIVA exclui deste princípio geral, algumas despesas que expressamente enumera. Exclui nomeadamente, no n.º 1 c) “as despesas de transporte e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal, incluindo as portagens.”
Porém, o CIVA não tem qualquer norma que derrogue a regra geral estabelecida no seu artigo 2.º e não estabelece qualquer limitação ao princípio geral da liquidação e dedução do IVA, estabelecido no artigo 168.º da DIVA, para as despesas incorridas por uma empresa com o pagamento a uma outra empresa para transportar os seus trabalhadores desde determinados locais para o local de trabalho, como previsto no acordo base celebrado entre a administração da Requerente e a comissão dos seus trabalhadores, o que é feito sem quaisquer implicações nas suas retribuições.
Também a considerar a propósito do princípio da neutralidade do IVA, que “O Tribunal de Justiça recorda frequentemente na sua jurisprudência em matéria de IVA que o direito à dedução (e, por conseguinte, ao reembolso do imposto pago) é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.
No entanto, ainda que, à primeira vista, este direito à dedução deva sempre aplicar-se com o objetivo de atingir uma tributação neutra, há certos limites que se impõem a esse direito. A este respeito, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça exige que exista uma relação direta e imediata entre a aquisição de um bem ou de um serviço e a operação tributada a jusante. Por outras palavras, a aquisição deve, segundo critérios objetivos, destinar-se a servir a atividade económica do sujeito passivo. Em contrapartida, quando são efetuadas aquisições para efeitos de operações isentas ou que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode ser cobrado nenhum imposto a jusante nem pode ser pode ser deduzido nenhum imposto a montante”. Cfr. CURIA Fichas Temáticas - Deduções do Imposto Sobre o Valor Acrescentado”, in https://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2021-06/tra-doc-pt-div-c-0000-2020-202000844-05_00.pdf.
Quanto à questão da dedução do valor IVA suportado nas despesas de transporte dos trabalhadores da empresa, temos de considerar o Processo C-258/95, Acórdão Fillibeck do TJUE de 16 de outubro de 1997, acórdão que se pronunciou sobre a questão de uma empresa poder deduzir o IVA no transporte dos trabalhadores desde a sua residência para o local de trabalho:
“1. Por decisão de 11 de Maio de 1995, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 31 de Julho seguinte, o Bundesfinanzhof submeteu ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 2.°, n.º 1, e 6.°, n.º 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54, a seguir «Sexta Directiva»).
2. Estas questões foram suscitadas num litígio que opõe Julius Fillibeck Söhne GmbH & Co. KG (a seguir «Julius Fillibeck Söhne») ao Finanzamt Neustadt a propósito da sujeição ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir “IVA”) do transporte gratuito do seus assalariados efectuado pela Julius Fillibeck Söhne, do domicílio daqueles para o respectivo local de trabalho.
3. A Julius Fillibeck Söhne, que exerce a actividade de construção, transportou gratuitamente, de 1980 a 1985, alguns dos seus assalariados em veículos que lhe pertencem, do respectivo domicílio até aos diversos locais de obras aos quais os mesmos estavam afectados. Durante este mesmo período, a) A utilização de bens afectos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa, sempre que, relativamente a esses bens, tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado;
b) As prestações de serviços a título gratuito efectuadas pelo sujeito passivo, para seu uso privado ou do seu pessoal ou, em geral, para fins estranhos à própria empresa...”
Nestas condições, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:
“1)Preenche o conceito de prestação de serviços “a título oneroso”, na acepção do n.º 1 do artigo 2.° da Directiva 77/388/CEE, o transporte efectuado por uma entidade patronal - entendendo-se como contrapartida uma parte a determinar da prestação laboral do trabalhador - quando a entidade patronal, com base numa convenção colectiva de trabalho (e sem contrapartida acordada e calculada em separado), transporta trabalhadores da sua residência para os locais de trabalho, a partir de uma certa distância mínima, e a prestação laboral deva ser efectuada exclusivamente como contrapartida do salário acordado, tal como acontece com os restantes trabalhadores - sem ligação concreta com aquela prestação de transporte?
2. O n.º 2 do artigo 6.° da Directiva 77/388/CEE abrange a utilização de bens afectos à empresa ou a prestação a título não oneroso de serviços, ainda que (como acontece com o transporte a título não oneroso de trabalhadores da habitação para os locais de trabalho e regresso, em veículo da empresa) do ponto de vista da entidade patronal, não sejam prosseguidos fins estranhos à própria empresa, mesmo que se sirva também o uso privado dos trabalhadores, sem que a estes seja exigido o imposto sobre o volume de negócios (que seria devido por receberem uma prestação de transporte a título não oneroso)?
3.Caso a resposta à questão 2. seja afirmativa:
É ainda aplicável o n.º 2 do artigo 6.° da Directiva 77/388/CEE quando a entidade patronal não transporta os trabalhadores em veículos próprios, mas, em vez disso, encarrega um terceiro (no caso vertente, um dos seus trabalhadores) da realização do transporte?”
(...)
10. Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 2.°, n.º 1, da directiva, deve ser interpretado no sentido de que uma entidade patronal que assegura o transporte dos seus assalariados, a partir de determinada distância, do seu domicílio até ao local de trabalho, a título gratuito e sem relação concreta com a relação de trabalho ou o salário, é abrangida pela noção de prestação de serviços a título oneroso na acepção dessa disposição.
(...)
encarregou, além disso, um dos seus assalariados de transportar no seu veículo privado outros assalariados dessa sociedade do respectivo domicílio até aos diversos locais de trabalho.
4. A Julius Fillibeck Söhne assegurou estes transportes, em conformidade com a «Bundesrahmentarifvertrag für das Baugewerbe» (convenção colectiva de trabalho para o sector da construção civil), quando o percurso entre o domicílio e o local de trabalho atinja uma determinada distância mínima.”
(...)
8. O artigo 6.°, n.° 2, da Sexta Directiva, prevê:
“São equiparadas a prestações de serviços efectuadas a título oneroso:
a ) A utilização de bens afectos à empresa para uso privado do sujeito passivo ou do seu pessoal ou , em geral , para fins estranhos à própria empresa , sempre que , relativamente a esses bens , tenha havido dedução total ou parcial do imposto sobre o valor acrescentado ;
b ) As prestações de serviços a título gratuito efectuadas pelo sujeito passivo , para seu uso privado ou do seu pessoal ou , em geral , para fins estranhos à própria empresa.
Os Estados-membros podem derrogar o disposto no presente número , desde que tal derrogação não conduza a distorções de concorrência .
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção), pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Bundesfinanzhof, por decisão de 11 de Maio de 1995, declara:
1. O artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma entidade patronal que assegura o transporte dos seus assalariados, a partir de uma certa distância, do respectivo domicílio para o local de trabalho, a título gratuito e sem nexo concreto com a prestação de trabalho ou o salário, não efectua uma prestação de serviços a título oneroso na acepção dessa disposição.
2. O artigo 6.°, n.º 2, da Sexta Directiva 77/388 deve ser interpretado no sentido de que o transporte gratuito de assalariados, assegurado pela entidade patronal entre o respectivo domicílio e o local de trabalho, com um veículo da empresa, satisfaz em princípio o uso privado dos assalariados e serve, por conseguinte, fins estranhos à empresa. Todavia, esta disposição não se aplica quando as exigências da empresa, atentas certas circunstâncias particulares, tais como a dificuldade de recorrer a outros meios de transporte convenientes e as mudanças de local de trabalho, aconselham que o transporte dos assalariados seja assegurado pela entidade patronal, não sendo esta prestação, nestas condições, efectuada para fins estranhos à empresa.
3. A resposta dada à segunda questão é igualmente válida quando a entidade patronal não transporta os assalariados nos seus próprios veículos, mas encarrega um dos seus assalariados de assegurar o transporte com o seu veículo privado.”
É ainda de salientar sobre esta matéria o Decidido no Processo C-124/12 do TJUE de 18 de julho de 2013. (Este Acórdão foi proferido no âmbito da DIVA 2006/112/CE, após a reformulação da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977) e que na sua fundamentação faz referência expressa ao Acórdão Fillibeck.
Este processo teve como objeto:
“Imposto sobre o valor acrescentado - Diretiva 2006/112/CE - Artigos 168.°, alínea a), e 176.° - Direito à dedução - Despesas relativas à aquisição de bens e de prestações de serviços destinados ao pessoal - Pessoal disponibilizado ao sujeito passivo que invoca o direito à dedução, mas que trabalha para outro sujeito passivo.”
A AES possui e explora uma central elétrica que, embora se situe no território do município de Galabovo (Bulgária), se encontra fora dos limites da zona habitacional deste município.
12. A AES não dispõe de pessoal próprio para assegurar a exploração da referida central, pelo que é obrigada a proceder à locação, a tempo inteiro, dos serviços de trabalhadores, através de um contrato de cedência de pessoal celebrado com a sociedade AES Maritza East 1 Services EOOD (a seguir «AES Services»). Nos termos deste contrato, a AES Services seleciona e contrata o pessoal necessário à atividade económica da AES. Os contratos de trabalho são celebrados entre os trabalhadores e a AES Services e é esta que paga a retribuição a esses trabalhadores.
13. Os trabalhadores em questão são em seguida disponibilizados à AES. Nos termos do contrato que vincula a AES à AES Services, a primeira paga à segunda uma remuneração pelo serviço de disponibilização de pessoal. Esta remuneração inclui as retribuições e as contribuições para a segurança social dos trabalhadores. O vestuário de trabalho, o equipamento de proteção pessoal dos trabalhadores e o serviço que assegura o transporte de ida e volta dos referidos trabalhadores entre a central elétrica e o seu domicílio são providenciados pela AES. As despesas atinentes a estes bens e serviços não estão incluídos no montante da remuneração paga à AES Services. Quando um trabalhador é enviado numa viagem de serviço, a AES também assume diretamente as despesas de transporte e alojamento daquele.
14. Entre agosto de 2008 e setembro de 2010, a AES beneficiou de prestações, efetuadas por terceiros, cujo objeto era um serviço de transporte, de disponibilização de vestuário de trabalho e de equipamento de proteção pessoal, e ainda de serviços relacionados com viagens de serviço dos trabalhadores.
15. Resulta da decisão de reenvio que, vivendo as pessoas que trabalham na central elétrica em zonas habitacionais que não são servidas por transportes públicos, a AES decidiu assegurar ela própria um serviço de transporte, em horários correspondentes aos turnos dos trabalhadores.
16. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, por força do disposto no Código do Trabalho e na Lei sobre a saúde e a segurança no trabalho, a AES é obrigada a fornecer vestuário de trabalho e equipamento de proteção pessoal às pessoas que trabalham na central elétrica.
É conforme com os artigos 168.°, alínea a) e 176.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado uma regulamentação como a do artigo 70.°, n.º 1, ponto 2, [da ZDDS], nos termos da qual não deve ser reconhecido a um sujeito passivo o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado referente a prestações de transporte, vestuário de trabalho e equipamento de proteção pessoal, bem como a despesas incorridas com viagens de serviço, pelo facto de esses bens e prestações terem sido fornecidos a título gratuito a pessoas singulares, designadamente em benefício dos trabalhadores ao serviço do sujeito passivo, se forem tomadas em consideração as seguintes circunstâncias:
a) O sujeito passivo não celebrou contratos de trabalho com os trabalhadores, mas emprega‑os com base numa relação contratual que tem por objeto a ‘cedência de pessoal’, com outro sujeito passivo que é a entidade patronal desses trabalhadores;
b) As prestações de transporte são utilizadas para o transporte, de ida e volta, dos trabalhadores a partir de diversos locais de recolha em diferentes localidades para o local de trabalho, sem que os trabalhadores disponham de transporte público para o local de trabalho;
c) A disponibilização de vestuário de trabalho e de equipamento de proteção pessoal é exigida pelo Código de Trabalho e pela Lei [sobre a] saúde e da segurança no local de trabalho;
d) A dedução do IVA sobre as prestações de transporte, o vestuário de trabalho, o equipamento de proteção e as despesas com viagens de serviço não seria objeto de controvérsia se estes bens tivessem sido disponibilizados e estes serviços tivessem sido prestados pela entidade patronal dos trabalhadores. No caso em apreço, contudo, as respetivas aquisições foram efetuadas por um sujeito passivo que não é a entidade patronal, mas que, com base num contrato de cedência de pessoal, retira o proveito do seu trabalho e suporta os custos a ele associados?
Quanto à primeira questão
23 A título preliminar, refira‑se que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, em princípio, pode considerar‑se que as despesas incorridas pela AES com a aquisição dos bens e serviços a que a primeira questão se refere fazem parte das despesas gerais ligadas ao conjunto das atividades económicas da AES e que o problema relativo à respetiva dedutibilidade é apenas suscitado porque, ao contrário da situação em causa no processo que deu origem ao acórdão Fillibeck, já referido, o sujeito passivo que invoca o direito à dedução não tem, por força do direito búlgaro, a qualidade de empregador das pessoas que trabalham nas suas instalações, mas tão‑só a de «empregador económico».
24 Nestas condições, há que entender a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que se pretende saber, no essencial, se os artigos 168.°, alínea a), e 176.° da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual um sujeito passivo, que incorre em despesas com serviços de transporte, vestuário de trabalho, equipamento de proteção pessoal e viagens de serviço de pessoas que trabalham para o referido sujeito passivo, não tem direito à dedução do IVA relativo a estas despesas, porque as referidas pessoas lhe são disponibilizadas por outra entidade e não podem, por conseguinte, ser consideradas membros do pessoal do sujeito passivo na aceção dessa legislação, não obstante se poder considerar que as referidas despesas têm um nexo direto e imediato com as despesas gerais ligadas ao conjunto das atividades económicas deste sujeito passivo.
25 Para responder a esta questão, em primeiro lugar, recorde-se que o direito à dedução previsto no artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112, faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08, Colet., p. I-10413, n.º 55).
26 Com efeito, o regime das deduções destina-se a libertar completamente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. Por conseguinte, o sistema comum do IVA garante a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados destas atividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, sujeitas ao IVA (v., nomeadamente, acórdão SKF, já referido, n.º 56 e jurisprudência referida).
27 Segundo jurisprudência assente, a existência de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução é, em princípio, necessária para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito. O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução (acórdão SKF, já referido, n.º 57 e jurisprudência referida).
28 Porém, admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direta e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v., nomeadamente, acórdão SKF, já referido, n.º 58 e jurisprudência referida).
29 Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal que a Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE p.54), deve ser interpretada no sentido de que o transporte gratuito dos trabalhadores, assegurado pelo empregador entre o respetivo domicílio e o local de trabalho, com um veículo da empresa, satisfaz em princípio o uso privado dos trabalhadores e serve, por conseguinte, fins alheios à empresa. Todavia, quando as exigências da empresa, atentas certas circunstâncias particulares, como a dificuldade de recorrer a outros meios de transporte convenientes e as mudanças de local de trabalho, aconselham a que o transporte dos trabalhadores seja assegurado pelo empregador, não se pode considerar que esta prestação é efetuada para fins alheios à empresa (v., neste sentido, acórdão Fillibeck, já referido, n.º 34).
30 Importa, em segundo lugar, averiguar se a circunstância de um sujeito passivo não ser considerado, pela legislação nacional, empregador das pessoas que trabalham na sua empresa pode pôr em causa a existência do nexo direto e imediato entre as despesas incorridas a montante com o trabalho dessas pessoas e as despesas gerais ligadas ao conjunto das atividades económicas do sujeito passivo.
31 A este respeito, verifica‑se, em primeiro lugar, que o artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 só sujeita a existência do direito à dedução à condição de os bens e serviços adquiridos serem utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo que invoca este direito. De acordo com a jurisprudência referida nos n.os 25 a 29 do presente acórdão, o nexo que deve existir é de natureza puramente económica.
32 No processo principal, como se recordou no n.º 23 do presente acórdão, é pacífico que se pode considerar que os custos em causa têm um nexo económico com o conjunto das atividades da AES.
33 Em seguida, importa recordar que o Tribunal já decidiu que se deve considerar que o facto de o pessoal poder tirar proveito de uma prestação de serviços oferecida pelo empregador, mas efetuada no interesse da empresa, é acessório face às necessidades da empresa (v., neste sentido, acórdão Fillibeck, já referido, n.º 30).
34 Ora, a resposta à questão de saber se o fornecimento, a título gratuito, de um bem ou de uma prestação de serviços às pessoas que trabalham para o sujeito passivo é efetuado para as necessidades da empresa não depende da relação jurídica existente entre o sujeito passivo e essas pessoas.
35 Além disso, como resulta do n.º 26 do presente acórdão, o sistema comum do IVA garante, através do regime das deduções, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados destas atividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, sujeitas ao IVA.
36 Ora, seria contrário ao princípio da neutralidade do IVA obrigar um sujeito passivo a suportar IVA sobre despesas, como as em causa no processo principal, relativamente às quais é pacífico que, como resulta da decisão de reenvio, foram efetuadas para as necessidades de uma atividade económica que está ela própria sujeita a IVA, pelo facto de o sujeito passivo não ser o empregador, na aceção da legislação nacional, das pessoas que trabalham para a sua empresa e para cujo trabalho essas despesas foram efetuadas.
37 Por último, importa salientar que a interpretação segundo a qual, numa situação como a do processo principal, o sujeito passivo pode beneficiar, em aplicação dos artigos 168.°, alínea a), e 176.° da Diretiva 2006/112, do direito à dedução das despesas efetuadas para as necessidades da sua empresa é também a mais conforme aos objetivos do sistema do IVA de garantir a segurança jurídica e a correta e simples aplicação das disposições da referida diretiva (v., neste sentido, acórdão de 9 de outubro de 2001, Cantor Fitzgerald International, C‑108/99, Colet., p. I-7257, n.º 33).
38 Com efeito, ao dissociar o direito à dedução do IVA pago a montante, relativo a despesas efetuadas para a necessidades da atividade económica de um sujeito passivo, da relação jurídica que vincula o sujeito passivo às pessoas que trabalham para a sua empresa e para cujo trabalho essas despesas são efetuadas, esta interpretação permite uma gestão simples do regime de deduções estabelecido pelo sistema do IVA e contribui para assegurar a cobrança fiável e correta do IVA (v., neste sentido, acórdãos de 6 de outubro de 2011, Stoppelkamp, C-421/10, Colet., p. I-9309, n.º 34, e de 26 de janeiro de 2012, ADV Allround, C-218/10, n.º 31).
39 Atendendo a estas considerações, há que responder à primeira questão que os artigos 168.°, alínea a), e 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual um sujeito passivo, que incorre em despesas com serviços de transporte, vestuário de trabalho, equipamento de proteção pessoal e viagens de serviço de pessoas que trabalham para este sujeito passivo, não tem direito à dedução do IVA relativo a estas despesas, porque as referidas pessoas lhe são disponibilizadas por outra entidade e não podem, por conseguinte, ser consideradas membros do pessoal do sujeito passivo na aceção dessa legislação, não obstante se poder considerar que as referidas despesas têm um nexo direto e imediato com as despesas gerais ligadas ao conjunto das atividades económicas do referido sujeito passivo.
Quanto à segunda questão
40 Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro introduza, na data da sua adesão à União, uma limitação ao direito à dedução, por aplicação de uma disposição legislativa nacional que prevê a exclusão do direito à dedução de bens e serviços destinados a entregas ou prestações a título gratuito ou a atividades alheias à atividade económica do sujeito passivo, quando semelhante exclusão não estava prevista na legislação nacional em vigor até à data dessa adesão.
41 Para responder a esta questão, há, antes de mais, que observar que a interpretação da legislação nacional, a fim de determinar o seu conteúdo no momento da adesão de um novo Estado-Membro à União e de estabelecer se essa legislação teve por efeito alargar, após esta adesão, o âmbito das exclusões existentes, é, em princípio, da competência do órgão jurisdicional de reenvio (v., neste sentido, acórdão de 22 de dezembro de 2008, Magoora, C-414/07, Colet., p. I‑10921, n.° 32).
42 Em seguida, há que recordar que, no quadro de um processo nos termos do artigo 267.° TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, a apreciação dos factos da causa é da competência do órgão jurisdicional nacional. Todavia, a fim de lhe dar uma resposta útil, o Tribunal de Justiça pode, num espírito de colaboração com os órgãos jurisdicionais nacionais, fornecer‑lhe todas as indicações que considere necessárias (v., neste sentido, acórdão Magoora, já referido, n.º 33).
43 A este respeito, importa notar que o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 contém uma cláusula de «standstill» que prevê, para os Estados que aderem à União, a manutenção das exclusões nacionais do direito à dedução do IVA que eram aplicáveis antes da data da respetiva adesão (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2000, Ampafrance e Sanofi, C-177/99 e C-181/99, Colet., p .I-7013, n.º 5). Todavia, a cláusula de «standstill» prevista no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 não permite a um novo Estado-Membro modificar a sua legislação interna, por ocasião da sua adesão à União, num sentido que afaste essa legislação dos objetivos dessa diretiva. Uma modificação desse tipo seria contrária ao próprio espírito dessa cláusula (v. acórdão Magoora, já referido, n.º 39).
44 O objetivo desta disposição é, pois, permitir aos Estados-Membros, enquanto aguardam a aprovação, pelo Conselho, do regime comunitário das exclusões do direito à dedução do IVA, manter em vigor qualquer regra de direito nacional relativa à exclusão desse direito efetivamente aplicada pelas suas autoridades no momento da entrada em vigor das disposições da Diretiva 2006/112 (v., neste sentido, acórdão Magoora, já referido, n.º 35).
45 Em contrapartida, recorde-se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional de um Estado-Membro não constitui uma derrogação permitida pelo artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112, se tiver por efeito alargar, após a entrada em vigor desta diretiva, o âmbito das exclusões existentes e efetivamente aplicadas, afastando-se assim do objetivo da mesma (v., neste sentido, acórdão Magoora, já referido, n.os 37 e 38).
46 Nestas condições, a revogação, à data da adesão da República da Bulgária à União, de disposições internas e as respetivas substituições, nesta mesma data, por outras disposições internas não permitem, por si só, presumir que o Estado-Membro em causa desrespeitou o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112, desde que, contudo, essa substituição não tenha conduzido a um alargamento, a partir da referida data, das exclusões nacionais anteriores.
47 No processo principal, cabe, pois, ao órgão jurisdicional de reenvio, que, como foi recordado no n.º 41 do presente acórdão, tem competência exclusiva para interpretar o seu direito nacional, apreciar se as alterações introduzidas, quando da adesão da República da Bulgária à União, no direito em causa tiveram por efeito, face às disposições nacionais anteriores, alargar o âmbito de aplicação das limitações do direito à dedução do IVA pago a montante e que incidiu sobre a aquisição de bens e serviços que podem ser considerados como tendo um nexo direito e imediato com as despesas gerais ligadas ao conjunto das atividades económicas de um sujeito passivo.
48 Neste contexto, há que notar, porém, que, nos termos do próprio pedido de decisão prejudicial, a alteração introduzida na ZDDS à data da adesão da República da Bulgária à União teve por efeito alargar o âmbito de aplicação das limitações face à situação existente antes desta adesão, pois nenhuma das limitações taxativamente enumeradas pela ZDDS em vigor antes da adesão em questão tinha um nexo com o destino das entregas ou das prestações a título gratuito, o que, atendendo à jurisprudência recordada no n.º 44 do presente acórdão, é contrário ao artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112.
49 A circunstância de o Tribunal ter decidido, no n.º 72 do seu acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Eon Aset Menidjmunt (C-118/11), que o artigo 70.°, n.º 1, da ZDDS não limita o direito à dedução na aceção do artigo 176.° da Diretiva 2006/112, não pode, por si só, pôr esta constatação em causa.
50 Com efeito, por um lado, o Tribunal precisou, no n.º 73 desse acórdão, que um Estado-Membro não pode recusar aos sujeitos passivos, que optaram por tratar como bens da empresa os bens de investimento utilizados simultaneamente para fins profissionais e para fins privados, a dedução integral e imediata do IVA devido a montante sobre a aquisição desses bens, à qual têm direito em conformidade com a jurisprudência assente do Tribunal.
51 Por outro lado, como resulta dos n.os 45 e 46 do presente acórdão, há também que ter em conta a aplicação efetiva das disposições nacionais relativas às exclusões do direito à dedução do IVA e dos efeitos daí resultantes para os sujeitos passivos.
52 Ora, como decorre do n.º 39 do presente acórdão, a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a referida na primeira questão, que tem por efeito privar um sujeito passivo do direito à dedução do IVA pago a montante, que incidiu sobre despesas que possam ser consideradas como tendo um nexo direto e imediato com as despesas gerais associadas ao conjunto das atividades económicas do referido sujeito passivo.
53 Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar, na medida do possível, o seu direito interno à luz do teor e da finalidade da Diretiva 2006/112, para alcançar os resultados por esta prosseguidos, privilegiando a interpretação das normas nacionais mais conforme com essa finalidade, de modo a chegar, assim, a uma solução compatível com as disposições da referida diretiva (v., neste sentido, acórdão de 4 de julho de 2006, Adeneler, C-212/04, Colet., p. I-6057, n.º 124), e, se necessário, deixando de aplicar todas as disposições contrárias da lei nacional (v., neste sentido, acórdão de 22 de novembro de 2005, Mangold, C-144/04, Colet., p. I‑9981, n.º 77).
54 Face a todas estas considerações, há que responder à segunda questão que o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro introduza, na data da sua adesão à União, uma limitação ao direito à dedução em aplicação de uma disposição legislativa nacional que prevê a exclusão do direito à dedução de bens e serviços destinados a entregas ou prestações a título gratuito ou a atividades alheias à atividade económica do sujeito passivo, quando semelhante exclusão não estava prevista na lei em vigor até à data dessa adesão.
Cabe ao órgão jurisdicional nacional interpretar as disposições nacionais em causa no processo principal, na medida do possível, em conformidade com o direito da União. Caso essa interpretação se venha a revelar impossível, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a deixar de aplicar essas disposições, por incompatibilidade com o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112.
Quanto à terceira questão
55 Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não é necessário responder à terceira questão.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:
1) Os artigos 168.°, alínea a), e 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual um sujeito passivo, que incorre em despesas com serviços de transporte, vestuário de trabalho, equipamento de proteção pessoal e viagens de serviço de pessoas que trabalham para este sujeito passivo, não tem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado relativo a estas despesas, porque as referidas pessoas lhe são disponibilizadas por outra entidade e não podem, por conseguinte, ser consideradas membros do pessoal do sujeito passivo na aceção dessa legislação, não obstante se poder considerar que as referidas despesas têm um nexo direto e imediato com as despesas gerais ligadas ao conjunto das atividades económicas do referido sujeito passivo.
2) O artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro introduza, na data da sua adesão à União Europeia, uma limitação ao direito à dedução em aplicação de uma disposição legislativa nacional que prevê a exclusão do direito à dedução de bens e serviços destinados a entregas ou prestações a título gratuito ou a atividades alheias à atividade económica do sujeito passivo, quando semelhante exclusão não estava prevista na lei em vigor até à data dessa adesão.
3) Cabe ao órgão jurisdicional nacional interpretar as disposições nacionais em causa no processo principal, na medida do possível, em conformidade com o direito da União. Caso essa interpretação se venha a revelar impossível, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a deixar de aplicar essas disposições, por incompatibilidade com o artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112.”
À luz da fundamentação e da decisão tomada pelo TJUE nestes processos, a identidade das questões em causa como a que temos de decidir nestes autos e, concordando com o seu sentido e fundamento, este Tribunal Arbitral decide pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, reconhecendo o primado do direito europeu sobre o direito nacional e a força jurídica das decisões do TJUE, com as necessárias consequências de anulação da decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa que teve por objeto as autoliquidações de IVA referente ao período compreendido entre janeiro de 2022 e dezembro de 2023 que deverão ser anuladas, por erro nos seus pressupostos de facto e de Direito, nomeadamente a ilegal exclusão do direito à dedução do IVA das despesas em causa.
Como suprarreferido seguimos de perto o decido sobre esta na matéria o Processo 607/2022-T do CAAD, já transitado em julgado.
V – Juros indemnizatórios
A Requerida considera que não são devidos juros indemnizatórios, na medida em que o alegado erro na autoliquidação do IVA não é imputável aos serviços, uma vez que as instruções ínsitas em circulares ou ofícios circulados, que visam a uniformização de interpretação e aplicação das leis tributárias, só vinculam os funcionários e os órgãos da AT e não vinculam os contribuintes. Porém, no caso dos autos o procedimento adotado pela Requerente tem sido a não de dedução do IVA suportado com tais despesas em concordância com a posição assumida pela AT, conforme pedido de Informação Vinculativa n.º 212062, apresentado pela Requerente em 06/05/2021 e sobre o qual recaiu decisão proferida pelo Senhor Subdiretor-geral, notificada à Requerente, em 17/09/2021, através do Ofício..., nos termos da qual se considerou não existir fundamento para a dedução do IVA suportado com tais despesas, sufragando este entendimento no ato de indeferimento da reclamação graciosa.
Mas mesmo que assim não fosse, o STA vem sufragando, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um ato ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade derive “apenas” de desconformidade com o direito da União Europeia.
Veja-se nesse sentido o Acórdão do STA de 07-11-2001, proferido no Processo n.º 26404,
“…Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado”;
E também o Acórdão do mesmo Venerando Tribunal de 28-11-2001, proferido no Processo n.º 26223 “os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação.”
Nesta perspetiva a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, devendo o apuramento do seu quantum ser feito em sede de execução do presente julgado.
VI. Consequências da decisão anulatória quanto aos atos de autoliquidação de IVA
Face à procedência do pedido com a inerente anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa tem como consequência a anulação das autoliquidações periódicas apresentadas nos períodos de janeiro de 2022 a dezembro de 2023 até ao montante global de € 561.273,80.
Este valor, na perspetiva da AT, não está demonstrado nos autos que corresponda ao IVA suportado e não deduzido, no entanto corresponde ao montante cuja devolução foi pedida na Reclamação Graciosa que a AT indeferiu, sem pôr em causa, em momento algum, tal montante e tendo o processo Reclamação sido junto aos autos pela Requerida, o Tribunal considera provado o referido valor de € 561.273,80, valor que não poderá ser excedido na execução de julgados do presente Acórdão.
VII-Decisão
Em face do exposto o Tribunal coletivo decide:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e anulação das autoliquidações periódicas apresentadas nos períodos de janeiro de 2022 a dezembro de 2023 até ao montante global de € 561.273,80, que deverá ser restituído à Requerente.
b) Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos constantes do ponto V.
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
VIII. Valor do Processo
Fixa-se o valor do Processo em € 561.273,80, de acordo com as disposições contidas nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
IX. Custas
Fixa-se as custas no montante de € 8 568,00, ao abrigo do disposto na tabela I a que alude o artigo 4.º do RCPAT, que ficam na sua totalidade a cargo da Requerida AT, ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do artigo 536.º n.º 3 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 04 de junho de 2025
Os Árbitros
(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)
(A. Sérgio de Matos- Adjunto)
(Arlindo José Francisco - Adjunto e Relator)