Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1408/2024-T
Data da decisão: 2025-05-28  IRC  
Valor do pedido: € 1.713.301,46
Tema: IRC – Extinção da instância – Impossibilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO

       I.        Da revogação do ato de liquidação pela AT, através da qual o sujeito passivo obteve a plena satisfação do seu pedido, resulta a impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

     II.        Quando a AT comunicar a revogação do ato de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, as custas são da sua responsabilidade, por lhe ser imputável a impossibilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância (cf. artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dra. Cristiana Maria Leitão Campos e Professora e Doutora Clotilde Celorico Palma (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte: 

 

I.       RELATÓRIO 

A..., S.A., titular do número de identificação fiscal..., sociedade com sede em...– Km ..., ..., ...-... ... (doravante “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”), nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), contra a liquidação n.º 2023... (IRC 2019), que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2023..., e contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa autuada com o n.º ...2024..., pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 26-12-2024, e notificado à AT de seguida. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 05-03-2025.

Notificada para responder ao PPA, a AT Requerida veio, em 07-04-2023, informar os autos da revogação total dos atos tributários impugnados, por despacho de 01-04-2025, e requerer o arquivamento do presente processo arbitral.

Em 30-04-2025, a Requerente veio solicitar a extinção do presente processo arbitral com fundamento em inutilidade superveniente da lide.

Em 21-05-2025, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho arbitral:

Ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da livre determinação das diligências de prova necessárias (cf. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), tendo a AT Requerida proferido despacho de revogação total dos atos tributários impugnados (em 01-04-2025), e requerido o arquivamento do presente processo arbitral (em 04-04-2025), e tendo a Requerente solicitado a extinção do presente processo arbitral com fundamento em inutilidade superveniente da lide (em 30-04-2025), o Tribunal Arbitral determina o seguinte:

(1)    Dispensa-se a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas;

(2)    Notifique-se a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente no prazo de cinco dias;

(3)    Notifique-se as partes de que a decisão arbitral será proferida até ao final do prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT”.

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

Suscita-se no processo uma causa de extinção do processo suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da causa (nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), pelo que o Tribunal Arbitral, antes de se pronunciar sobre o mérito da causa, deve conhecer da mesma.

 

III. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, por facto ocorrido na sua pendência, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida, situação em que não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir por já não ser possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado com a ação ter sido atingido por outro meio.

In casu, a revogação dos atos tributários impugnados ocorreu e foi comunicada aos autos já no decorrer do processo arbitral.

Considerando que a Requerente comunicou ao Tribunal Arbitral que não tem interesse na prossecução do processo arbitral, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, que determina a extinção do processo arbitral nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-07-2014, proferido no processo n.º 0875/14: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.”

Julga-se, assim, a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), sem o Tribunal conhecer do mérito da pretensão da Requerente.

 

IV. DAS CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.

Dado que a AT Requerida determinou a revogação total dos atos tributários impugnados (por despacho de 01-04-2025) após a constituição do Tribunal Arbitral (i.e., para além do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), conclui-se que a ela é imputável a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância, e que é sobre ela que recai a responsabilidade pelas custas.

Ficam, assim, as custas decorrentes do presente processo arbitral a cargo da Requerida, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

V. DECISÃO ARBITRAL

De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral: 

a)  Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por falta de objeto, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

b)  Condenar a Requerida no pagamento integral das custas processuais devidas, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

 

VI.   VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.713.301,46 (indicado pelo Requerente no PPA, e não contestado pela Requerida).

 

VII.CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do artigo 5.º do citado Regulamento e artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 22.644,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam totalmente a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

CAAD, 28 de maio de 2025

O Tribunal Arbitral,

 

 

 

Professora Doutora Rita Correia da Cunha

 

Dra. Cristiana Maria Leitão Campos

 

Professora Doutora Clotilde Celorico Palma