Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1126/2024-T
Data da decisão: 2025-06-02  IRS  
Valor do pedido: € 19.796,27
Tema: IRS – RNH– Natureza da inscrição; artigo 16.º, n.º 10 do CIRS.
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SUMÁRIO: 

 

A aplicação do regime do Residente Não Habitual (RNH) implica a verificação das condições de acesso definidas no artigo 16.º, n.ºs 8 a 12 do Código do IRS, permitindo, em consequência, a concessão de um regime fiscal favorável, em sede de IRS. É através da inscrição que a AT pode previamente verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição do estatuto fiscal de RNH.

 

DECISÃO ARBITRAL

A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 24.12.2024, decide no seguinte: 

 

1.     RELATÓRIO

A..., com o número de contribuinte fiscal..., com domicílio fiscal ..., ...-... Serpa, (doravante designados por “a Requerente”), nos termos do disposto do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, , n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA (doravante, “Requerida” ou “AT”), peticionando a pronúncia deste Tribunal sobre de liquidação de IRS de 2023 n.º 2024..., da qual resulta um valor total a pagar de € 19.796,27 (dezanove mil setecentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos).

1.1.  Do pedido

O Requerente concretiza a final o seu pedido: «Termos em que, e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, por provado, sendo, consequentemente, parcialmente anulada a liquidação de IRS 2023 n.º 2024..., com as necessárias consequências legais, e bem assim, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, e ao pagamento das custas processuais.»

1.2.  Tramitação processual 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 17.10.2024, e em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66¬B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos. 

Em 06.12.2024, as partes foram devidamente notificadas da designação do árbitro, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 24.12.2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Em 27.12.2024 foi proferido o despacho previsto no artigo 17.º do RJAT, mandando-se notificar a AT para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar Resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional. 

Em 03.02.2025 a Requerida apresentou a Resposta, juntando aos autos o respetivo processo administrativo. 

Em 10.02.2025 foi proferido despacho deste Tribunal, determinando-se a notificação à Requerente para, «(…) no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta.»

Em 25.02.2025 foi apresentado requerimento em resposta ao despacho de 10.02.2025.

Por despacho de 20.03.2025, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, determinando-se que: «À luz dos princípios da autonomia que regem o processo arbitral (artigo 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária- RJAT) e do princípio da livre condução do processo a que se refere o artigo 19.º do RJAT) dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime e determina-se o prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para, querendo, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, apresentarem alegações finais escritas, formulando expressamente as respetivas conclusões. (…)».

As partes apresentaram as respetivas alegações finais no dia 09.04.2025. 

2.     POSIÇÃO DAS PARTES

2.1.      Pedido inicial da Requerente

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do ato de liquidação de IRS identificado, o seguinte:

     1.     Foi notificada da liquidação de IRS de 2023 n.º 2024... da qual resulta um valor total a pagar de € 19.796,27 (dezanove mil setecentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos), no seguimento da apresentação de devida declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS para o período de 2023.

     2.     Em síntese, é aqui matéria controvertida a identificação dos requisitos materiais da condição de residente não-habitual (doravante “RNH“), bem como a necessidade, enquanto pressuposto de atribuição, da inscrição dessa qualidade de residente não habitual, para que sejam atribuídos os respetivos benefícios fiscais desse estatuto para efeitos de liquidação de imposto relativo aos rendimentos de origem no estrangeiro.

     3.     A Requerente é nacional da República de Itália, tendo solicitado a sua inscrição no Registo Central de Contribuinte a 4 de janeiro de 2018, enquanto não-residente em Portugal, porquanto residia, à época, em Madrid, Espanha, tendo sido atribuído, nesse instante, o atual número de identificação fiscal da Requerente.

     4.     O pedido de atribuição de NIF da Requerente, naquela data, deveu-se ao facto de estar a preparar o seu investimento na região de Serpa, Portugal, na sociedade B... LDA, com o NIPC ..., a qual tem vindo a explorar, até aos dias de hoje, um hotel boutique. 

     5.     A 14 de agosto de 2019, a Requerente decidiu imigrar para Portugal, fixando assim a sua residência fiscal, com a devida alteração no Registo Central de Contribuinte para a morada ..., com o código postal ...-... Serpa, que até hoje se mantém.

     6.     A Requerente tornou-se, pela primeira vez, residente fiscal em Portugal em 14 de agosto de 2019, tendo tido até este facto a sua residência fiscal em Espanha.

     7.     A Requerente nunca chegou a solicitar a sua inscrição como RNH. Salienta ainda que nunca interrompeu, até aos dias de hoje, a sua residência fiscal em território português.

     8.     Com respeito ao ano de 2023, a Requerente apresentou a respetiva declaração de rendimentos de IRS Modelo 3, a 26 de junho de 2023, tendo declarado os rendimentos provenientes de fonte estrangeira no respetivo Anexo J. 

     9.     Por consequência, a AT emitiu a Liquidação n.º 2024..., a 16 de julho de 2024, com o valor de IRS a pagar fixado no montante € 19.796,27 (dezanove mil setecentos e noventa e seis euros vinte e sete cêntimos), a qual, entende conter erros nos pressupostos de direito.

9.1. Declarou ter auferido o montante de € 7.951.80 (sete mil e novecentos e cinquenta e um euros e oitenta cêntimos) com origem nos seus imóveis localizados no Japão, tendo pago no país da fonte €190,64; Tendo sido aplicada a regra do crédito de imposto, a Requerente entende que a AT deveria ter optado pelo método de isenção para aferir a tributação dos rendimentos agora declarados.

9.2.Declarou ainda rendimentos de capitais (dividendos) com fonte, respetivamente: em Hong-Kong, no montante de € 35.134,50, tendo sido aplicada a taxa de 35% de IRS, nos termos do artigo 72.º, n.º 18 do Código do IRS, considerando que se trata de rendimentos de capitais devidos por uma entidade domiciliada em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada pela Portaria n.º 150/2004 de 13 de fevereiro; e nos Estados Unidos da América (EUA), no montante de € 21 117,60, tendo sido pago imposto no país da fonte (€3.167,64). Tendo sido aqui aplicada a regra do crédito de imposto, a Requerente entende que a AT deveria ter optado pelo método de isenção para aferir a tributação dos rendimentos agora declarados.

    10.   Com respeito à questão de direito controvertida, clarifica a Requerente que as condições de atribuição do direito a ser tributado como RNH, encontram- se definidas nos n.ºs 8 a 11 do artigo 16.º do Código do IRS, salientando-se que é aplicada aos factos a redação aprovada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto).

    11.   Sinteticamente, os pressupostos para ser tributado como RNH, em sede de IRS, assentam em duas condições prévias, a saber:

               i. O sujeito passivo de IRS tornar-se residente fiscal em Portugal, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código do IRS;

             ii. O sujeito passivo de IRS, por referência ao ano da sua inscrição como residente, não ter sido residente fiscal em território português em qualquer um dos cinco anos anteriores.

    12.   Verificadas estas condições, o “residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português” [artigo 16.º, n.º 9 do Código do IRS], direito este que “depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano” [artigo 16.º, n.º 11 do Código do IRS].

    13.   Salienta que, com a modificação introduzida pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, e posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, o direito a ser tributado como RNH, em sede de IRS, deixou de depender “da inscriçãodessa qualidade no registo de contribuintes da DGCIpara depender da “inscrição como residente em território português.

    14.   Desta forma, verificados os requisitos materiais previstos no artigo 16.º, n.º 8 do Código do IRS, a atribuição do direito a ser tributado como RNH resulta ope legis da inscrição como residente em território português, e não de qualquer ato posterior de reconhecimento ou registo. Conclui assim que resulta claro e evidente o seguinte:

·    A Requerente não foi, nem constava em cadastro como residente fiscal em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores àquele em que se tornou residente;

·    Em resultado da sua inscrição como residente em Portugal, a Requerente passou a constar como contribuinte residente.

    15.   Estão assim verificados, desde 14 de agosto de 2019, os dois únicos pressupostos de que o n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS faz depender a capacidade de um contribuinte ser tributado como RNH, em sede de IRS,

    16.   Sobre o regime do RNH, e o seu enquadramento como benefício fiscal, entende que, apesar de o dever de solicitar a inscrição como RNH em registo, o benefício em apreço consiste num benefício automático, visto que, nos termos da lei, o mesmo não depende de prévio reconhecimento por parte da AT. A natureza automática do benefício resulta do disposto no artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS, que determina que o sujeito passivo tem o dever de solicitar a sua inscrição como RNH.

    17.   Considera assim que não resulta da lei o prévio reconhecimento do benefício fiscal por parte da AT para que tal direito produza efeitos. E que, não deve existir qualquer confusão, entre os conceitos de reconhecimento inscrição, posto que os mesmos possuem, juridicamente, significados e efeitos bastante distintos.

    18.   A inscrição como RNH no cadastro dos contribuintes, embora relevante para a boa execução da administração dos impostos, tem assim uma natureza meramente instrumental, que não pode colocar em causa a atribuição e reconhecimento do direito de um contribuinte ser tributado como tal, em sede de IRS.

    19.   É absolutamente relevante a eliminação pelo legislador, em 2012, da norma que determinava que “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal (...) com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (cfr. n.º 7 do artigo 16.º do Código do IRS, na redação vigente até à sua alteração pela Lei n.º 20/2012). Devendo, neste capítulo observar-se as mais elementares regras de interpretação das normas jurídicas, as quais impõem que sejam retiradas as devidas conclusões dessa eliminação e da sua substituição pelo mero dever de solicitar a inscrição como RNH.

    20.   Da análise das várias instruções administrativas produzidas pela AT quanto à inscrição dos RNH (Circular n.º 9/2012, de 3 de agosto de 2012, que atualizou a Circular n.º 2/2010, de 6 de maio da DSIRS; Ofício Circulado n.º 90023, emitido concomitantemente com a publicação do Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de agosto), resulta uma clara progressão no que toca à automatização das inscrições. Com esta última alteração, os pedidos de inscrição como residente não habitual passaram a ser feitos exclusivamente através da funcionalidade denominada “Inscrição como Residente Não Habitual”, disponível no Portal das Finanças. 

    21.   Alterações que se refere que se mostram compreendidas, estando a inscrição dependente da mera verificação de condições objetivas, as quais são facilmente comprováveis pelo cruzamento de dados, pelo que o procedimento é facilmente automatizável, dispensando controlo humano.

    22.   Entende ainda que não existe justificação para um tratamento diferenciado relativamente ao regime especial aplicável aos rendimentos de atividades de elevado valor acrescentado (EVA), o qual opera automaticamente. 

    23.   Em suma, a solicitação da inscrição consiste num dever acessório do contribuinte, o qual deverá ser cumprido de forma a possibilitar ab initio um correto processamento do IRS aplicável. Desta forma, entende que a inscrição em cadastro como RNH corresponde a um mero dever acessório, de natureza instrumental, e sem qualquer efeito constitutivo. Neste sentido, indicada decisões proferidas por tribunais a funcionar no CAAD (processo n.º 188/2020-T; n.º 57/2023-T, 67/2023-T, 76/2023-T, 386/2023-T, 391/2023-T, 422/2023-T, 487/2023-T, 544/2023-T, 574/2023-T, 894/2023-T, 891/2023-T, 664/2022-T, 705/2022-T, 581/2022-T, 319/2022-T, 550/2022-T, 319/2022-T, 815/2021-T, 782/2021-T, 777/2020-T).

    24.   Pelo que se refere, não restam dúvidas à Requerente de que cumpre, desde 2019, o direito a ser tributada enquanto RNH, uma vez que o dever de solicitar a o respetivo benefício não é constitutivo do direito a ser tributado como RNH. Assim, no que no que concerne aos rendimentos declarados pela Requerente relativamente ao período de 2023, não se contesta a tributação dos rendimentos com origem em território português, sendo apenas contestado o facto da AT não ter aplicado os devidos métodos de isenção no que toca aos rendimentos das categorias F e E declarados no Anexo J da Modelo 3 apresentada. 

    25.   Esclarece que Portugal é signatário da respetiva Convenção Para Eliminar a Dupla Tributação (CDT) com os Estados da fonte dos rendimentos de categoria F e E, declarados - Japão, Hong-Kong e Estados Unidos da América, mostrando-se cumpridos os requisitos do artigo 81.º, n.º 5, do Código do IRS.

    26.   Nestes termos, entende que deverá ser parcialmente anulada a Nota de Liquidação ora controvertida, bem como a Requerida ser condenada a restituir os montantes indevidamente pagos, tanto a título de IRS, bem como juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, sobre os montantes indevidamente pago, por manifesto erro imputável aos serviços da Administração tributária, cujo reconhecimento expressamente se requer.

2.2.      Resposta da Requerida 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, alegando, em síntese, o seguinte.

    27.   Começa por indicar que arguir a ilegalidade da liquidação impugnada, porquanto não reflete a aplicação do método de isenção, contemplado na norma do artigo 81º, nº 5, do CIRS, aos rendimentos de origem estrangeira e atento o regime de RNH.

    28.   Defendendo-se primeiramente por exceção, a Requerida alega a incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, o que configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c), do RJAT.

    29.   Não obstante a Requerente solicitar a anulação da liquidação de IRS do ano de 2023, reitera que a causa de pedir nos presentes autos se centra na suposta condição de residente não habitual da mesma e, depois, consequentemente a suposta aplicação do método de isenção aos rendimentos auferidos por residentes não habituais fora de território português, nos termos do artigo 81.º do Código do IRS. Ou seja, sem se apreciar se a Requerente pode ou não estar inscrita como RNH, não há como avançar para a apreciação para a ilegalidade que se imputa ao ato de liquidação de IRS uma vez que decorre tão só de aplicação deste regime de tributação

    30.   Considera assim que o julgamento da questão prévia indicada não comporta a apreciação da legalidade de nenhum ato concreto de liquidação de imposto, pelo que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos RNH.

    31.   Fundamenta a sua posição recorrendo à decisão arbitral proferida no Processo n.º 796/2022-T, no qual se remete para os acórdãos do STA n.º 034/14 de 2016-05-11, n.º 014/19.7BALSB (uniformizador de jurisprudência) e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017.

    32.   Sustenta ainda que se encontra verificada a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato de liquidação com o fundamento no suposto estatuto de RNH de que a Requerente se arroga, conducente à absolvição da instância, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea i) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT.

    33.   Entende que o reconhecimento da condição de RNH assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos. Ou seja, sendo um ato administrativo autónomo, o qual, impondo repercussões diretas na esfera do contribuinte, seria suscetível de impugnação imediata, nos termos do artigo 95.º, n.º 1, da LGT.

    34.   A Requerida defende-se igualmente por impugnação, salientando que, a Requerente reside em Portugal desde o ano de 2019, nunca tendo manifestado a intenção de requerer, via portal das finanças ou por escrito, a sua inscrição como Residente Não Habitual. 

    35.   Tendo-se tornado residente fiscal em Portugal no ano de 2019, a Requerente teria até 2020.03.31 (até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torna residente nesse território, nos termos do nº 10 do art.º 16.º do CIRS para solicitar o estatuto de RNH, com efeitos ao ano de 2023.

    36.   A interpretação jurídica invocada pela Requerente, e plasmada em algumas decisões do CAAD, sobre o alegado efeito meramente declarativo do artigo 16.º n.º 10 do CIRS, constitui-se numa manifesta violação das regras de interpretação das normas jurídicas fiscais previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária e do artigo 9.º do Código Civil.

    37.   É do entendimento da Requerida que a inscrição é um ato formal que tem por consequência o início ou a alteração de uma situação jurídica, e um enquadramento legal para uma pessoa ou um bem. Justifica assim a opção do legislador na integração sistemática que a disposição do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS se encontrava na secção das normas de incidência subjetiva do Código do IRS, bem como a própria opção de imposição de um limite temporal para acesso ao regime de RNH. Socorre-se ainda da primeira formulação do artigo 16.º, n.º 7, do Código do IRS, pelo legislador foi o de conferir à inscrição em sede de RNH um caráter constitutivo.

    38.   Se a atribuição do regime de RNH dependesse apenas e só do preenchimento dos requisitos do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, então o n.º 10 não teria qualquer razão prática de existência.

    39.   A interpretação de que a aplicação do regime de RNH se basta com a verificação das condições previstas no n.º 8, não dependendo do pedido de inscrição, atenta diretamente contra a coerência da aplicação do sistema de benefícios fiscais, designadamente com o “Programa Regressar”, previsto no artigo 12.º A do Código do IRS («Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.»).

    40.   A Requerida socorre-se igualmente de jurisprudência e doutrina relevante no sentido de afastar o entendimento de automaticidade propugnado pela Requerente. 

    41.   Caso assim não se entenda, terá, pelo menos, que se concluir pela imperiosa necessidade do contribuinte apresentar um pedido de RNH, que habilite a Administração Fiscal a aferir os seus pressupostos de aplicação, sendo o regime apenas aplicável para o futuro e pelo remanescente do prazo, atento o disposto no artigo 12.º do EBF. Nesse sentido, veja-se o recente acórdão do STA, de 29.05.2024 proferido processo n.º 842/23.9BESNT; fazendo ainda menção à decisão arbitral proferida nos processos n.º 893/2023-T, 653/2024-T

    42.   Em conclusão, sendo a inscrição como RNH, um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/ benefício de RNH (ou, caso assim não se entenda, pelo menos, para a sua aplicação), e não tendo este sido concedido (ou sequer requerido), não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação contestada. Prejudicada a ilegalidade da liquidação controvertida, tão pouco é possível viabilizar o pagamento de juros indemnizatórios peticionados.

    43.   Sem prescindir, a Requerida conclui com o entendimento de que, a interpretação invocada pela Requerente sobre o alegado efeito meramente declarativo da inscrição prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS consubstancia uma violação frontal aos princípios da Legalidade, do Sistema Fiscal e da Segurança Jurídica (cf. artigos 3º nº 3, 103º nº 2, 267º nº 2 e 2º todos da CRP).

2.3.      Resposta da Requerente às exceções invocadas 

    44.   Tendo sido notificada para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela AT, conclui a Requerente que os factos alegados no PPA não mereceram impugnação, pelo que deverão ser considerados provados.

    45.   Sobre a exceção de incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral, esclarece que o pedido da Requerente se limita à anulação da liquidação de IRS do ano de 2023, pelo facto da Requerida não ter aplicado o regime de RNH, apesar de a Requerente preencher os requisitos materiais para tal. Desta forma, enquadra-se, portanto, na competência do Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que prevê a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos (Processos (CAAD) n.º. 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T e 487/2023- T).

    46.   Sobre a exceção de inimpugnabilidade do ato, alega que o meio processual utilizado é adequado, na medida em que não está a impugnar o indeferimento do pedido de inscrição como RNH, mas sim a legalidade das liquidações de IRS, que não aplicaram o regime de RNH apesar de a Requerente preencher os requisitos materiais (Processos (CAAD) n.º 815/2021-T e 487/2023-T).

2.4.      ALEGAÇÕES FINAIS 

As Partes pronunciaram-se no prazo concedido para a apresentação das alegações finais escritas, explicitando e reiterando os entendimentos apresentados. 

 

3.     SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

O processo não enferma de nulidades. 

Tendo em consideração a matéria de exceção suscitada pela Requerida, importa apreciar, preliminarmente, estas matérias para efeitos de saneamento do processo, começando pela incompetência do Tribunal Arbitral, que é de conhecimento prioritário (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT). Neste âmbito, vide análise das mesmas no ponto 5 desta decisão.

 

4.     MATÉRIA DE FACTO

4.1.  Factos provados 

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre atender aos seguintes factos que se julgam provados:

a)  A Requerente é nacional da República de Itália – facto não controvertido

b)  A Requerente fixou a sua residência fiscal no ano de 2019, conforme certidão com o histórico do cadastro fiscal da Requerente, emitida pelo Serviço de Finanças de Serpa (Direção de Beja), contendo o registo da morada de residência portuguesa, com produção de efeitos a partir de 14.08.2019 (...–..., em Serpa) - cf cópia do respetivo Ofício n.º..., de 04.09.2024 constante do “PA”;

c)  A Requerente é titular de 50% quotas da sociedade B..., Lda. (NIPC...), com o objeto de “Alojamento local a turistas; Organização e actividades recreativas; Consultoria pessoal nas áreas de bem-estar; Exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas” – cf. cópia da certidão permanente junta como “Documento 3”; 

d)  A Requerente nunca solicitou a inscrição como RNH – facto não controvertido; 

e)  

 

 

A...

 

 

A Requerente submeteu a respetiva declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2023 - cf cópia constante do “PA” e anexa como “Documento 5”;

 

f)     No ano de 2023 a Requerente não estava inscrita no cadastro com Estatuto de RNH;

g)  

 

Emissão da demonstração da liquidação de IRS de 2023 com o n.º 2024..., da qual resulta um valor total a pagar de € 19.796,27 (dezanove mil setecentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos). – cf. cópia constante do PA”

 

 

 

 

 

 

 

 

h)  Pagamento do montante da liquidação de IRS correspondente a € 19.796,27 (dezanove mil setecentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos). – cf. cópia do comprovativo de transferência bancária de dia 16.08.2024 anexa como “Documento 6”;

i)   O pedido de pronúncia arbitral foi efetuado no dia 15.10.2024 e aceite em 17.10.2024.

4.2.  Factos não provados 

Com interesse para a decisão da causa, não existem outros factos que devam dar-se por não provados.

4.3.  Motivação da decisão da matéria de facto 

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi al. a) e e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT.

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação a cada facto julgado provado. 

 

5.     MATÉRIA DE DIREITO

Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que começar por determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, sendo que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria. 

5.1.  Da competência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria 

Estando em causa o âmbito de competência dos Tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, previsto no artigo 2.º do RJAT, o qual abrange na al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” entende a Requerida que, não obstante a Requerente solicitar a anulação da liquidação de IRS identificada, referente ao ano de 2023, a causa de pedir nos presentes autos centra-se na suposta condição de residente não habitual da mesma e, depois, consequentemente a suposta aplicação do respetivo regime fiscal em sede de IRS. Em sentido contrário, a Requerente entende que o pedido se limita à anulação da liquidação de IRS do ano de 2023, pelo facto da Requerida não ter aplicado o regime de RNH, apesar de a Requerente preencher os requisitos materiais para tal.

Analisado o pedido dirigido ao Tribunal, resulta claro que a Requerente pede, direta e claramente, a anulação da liquidação de IRS de 2023, com fundamento em ilegalidade, ainda que exista uma conexão com o quadro legal subjacente ao regime dos RNH, enquanto pressuposto com impacto na quantificação do imposto. Em concreto, não está aqui em causa conhecer de qualquer outra decisão, nomeadamente administrativa, mas sim da referida liquidação de IRS. No caso vertente, a Requerente reconhece expressamente que não submeteu qualquer pedido de inscrição como RNH. 

Neste sentido, entende-se que o pedido se insere no âmbito da competência do Tribunal Arbitral conforme disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT. 

 

 

5.2.  Da Inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH

Sobre a exceção inominada de inimpugnabilidade do ato tributário, entende-se assim que o meio processual utilizado é adequado, estando em causa a apreciação de legalidade da liquidação de IRS. 

Neste sentido refere-se o entendimento constante da decisão prolatada no Processo n.º 514/2015-T (revista na sequência do Acórdão n.º 718/2017 proferido pelo Tribunal Constitucional e transitado em julgado em 18 de janeiro de 2018): «Contudo, a sua escolha em não o fazer, é uma faculdade de impugnar e não um ónus. Assim sendo, atento os princípios da tutela judicial efectiva e da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, o Requerente não pode ser impedido de impugnar o acto de liquidação do IRS de 2010, com vícios próprios do acto da sua não inscrição como residente não habitual para efeitos fiscais. [nosso sublinhado]

 

Não foram suscitadas quaisquer outras exceções de que cumpra conhecer. 

Cumpre analisar.

5.3.  Sobre a ilegalidade da liquidação de IRS referente ao ano de 2023

Analisada a matéria controvertida, cabe decidir nos presentes autos se a liquidação de IRS identificada, com referência ao ano de 2023 da Requerente, se encontra ferida de vício de violação de lei, por indevida não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais (RNH). 

Neste âmbito, importa saber se, como entende a Requerente, a inscrição do RNH tem “efeitos meramente declarativos”, correspondendo a um mero dever acessório, de natureza instrumental, e sem qualquer efeito constitutivo, sendo bastante o preenchimento das condições previstas.

A análise da matéria em discussão já foi várias vezes objeto de análise e pronúncia por tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo indicadas diferentes posições com respeito aos argumentos invocados pelas partes. 

Vejamos. 

O RNH constitui um estatuto de residência fiscal, cujo respetivo regime fiscal foi introduzido através de alterações no Código do IRS (artigos 16.º, 22.º, 72.º, 81.º do Código do IRS), pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09, que aprovou o Código Fiscal do Investimento – CFI (na sua versão inicial), sendo igualmente objeto de integração no CFI (Parte III - Regime fiscal do investidor residente não habitual). 

A criação do referido regime fiscal seria fundamentada pelo legislador como um relevante instrumento de política fiscal internacional, tendo como objetivo incentivar à relocalização para o território português de profissionais em atividades de elevado valor acrescentado (cf. Portaria n.º 230/2019 de 23 de julho que altera a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro). Resulta do respetivo regime (não sendo controvertido) a sua natureza enquanto benefício fiscal, enquadrando-se concetualmente na definição constante do artigo 2.º, n.º1 do EBF: «Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem». 

Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do EBF, «1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimentoos primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.» Sendo que, «O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário. (n.º2)». [nosso sublinhado]

Pode assim entender-se que «[q]uando operam automaticamente na esfera jurídica do sujeito passivo, isso significa que, verificados objetivamente os respetivos pressupostos, nasce ope lege o direito ao benefício[1]Se, ao contrário, o benefício decorrer de pedido do interessado à entidade a quem, legalmente, se encontre atribuída a competência para avaliar e decidir, da aptidão a usufruir do benefício, então estaremos perante um benefício dependente de reconhecimento, que terá em qualquer caso efeito meramente declarativo». [nosso sublinhado]

Em suma, ao contrário dos benefícios automáticos, para que os benefícios dependentes de reconhecimento operem, importa sempre a vontade expressa, em termos e em tempo, dos seus virtuais beneficiários[2]. Sendo certo que se mantêm os poderes de fiscalização da AT e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios (artigo 7.º, do EBF). 

Entendendo-se os benefícios fiscais como factos que, estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação temporária, e como tal, da tributação-regra, releva considerar que a constituição do direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo (cf. artigo 12.º do EBF). 

Considerando o enquadramento exposto e o quadro legal aplicável à data dos factos, refere-se que as condições de atribuição do direito a ser tributado como RNH, se encontram definidas no artigo 16.º, n.ºs 8 a 11, do Código do IRS, na redação dada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto):

«8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.» [nosso sublinhado]

Da análise ao referido normativo, relevam como pressupostos para efeitos de aplicação do regime de tributação em sede de IRS, aplicável ao RNH: 

    i.       O sujeito passivo de IRS tornar-se residente fiscal em Portugal, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º do Código do IRS;

   ii.       O sujeito passivo de IRS, por referência ao ano da sua inscrição como residente, não ter sido residente fiscal em território português em qualquer um dos cinco anos anteriores.

Nesta sede, questiona-se se a atribuição do regime de RNH depende apenas e só do preenchimento dos requisitos do artigo 16.º, n.º 8 do Código do IRS, não dependendo da inscrição como residente não habitual, conforme resulta previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS [«O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual(…)»]. Não tendo a aqui Requerente procedido à inscrição como RNH, tem ou não o direito a ser tributada ao abrigo do respetivo regime (dos residentes não habituais), com referência ao ano de 2023 a que respeita à liquidação de IRS sob impugnação.

Salienta a Requerente a alteração promovida ao nível da redação legal do artigo 16.º em referência, considerando que, a redação inicial estabelecia no n.º 7 do artigo 16.º que «O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos.» Resultava então clara a obrigatoriedade de inscrição e o entendimento sobre o tema: neste sentido, Ricardo da Palma Borges e Pedro Ribeiro de Sousa, in “O novo regime fiscal dos RNH”, «Ora, o registo no cadastro de contribuintes da DGCI enquanto residente não habitual, exigido pelo n.º7 do artigo 16.º do CIRS, constitui um caso que a lei dispõe sobre o conteúdo de uma relação jurídica – a tributária – sem abstrair dos factos que lhe deram origem. O acto formal do registo assume-se, assim, como um facto constitutivo desta relação, sendo impossível, por isso, abranger as situações constituídas anteriormente à sua data em vigor.» [nosso sublinhado]

No âmbito da presente análise, sem que resulte qualquer vínculo deste Tribunal, deve notar-se o sentido de um significativo número de processos de tribunais a funcionar no CAAD, nos quais é entendido que o regime de RNH é um regime jurídico-fiscal cujo direito se verifica sem dependência do registo formal da qualidade de RNH, o qual reveste mero carácter declarativo (neste sentido, decisões arbitrais nos processos n.º 188/2020-T, 777/2020- T, 782/2021-T, 815/2021-T, 319/2022-T, 550/2022-T, 581/2022-T, 705/2022-T, 57/2023-T, 76/2023-T). 

Com base no que acima se expõe, entende-se que, ainda que tenha existido uma alteração normativa pela qual se suscite a diferente natureza subjacente ao ato de inscrição (passando a constar na lei «O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual), resulta claro que a aplicação do regime do RNH compreende uma atualização cadastral fiscal do beneficiário, mediante a verificação das condições de acesso definidas no artigo 16.º, n.ºs 8 a 12 do Código do IRS[3], permitindo, em consequência, a concessão de um regime fiscal favorável, em sede de IRS. Não se retira da lei a eliminação da necessidade de um impulso do potencial beneficiário (contribuinte). É esse o sentido que se retira do artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS. Na verdade, como bem conclui o tribunal no Processo n.º 1086/2024-T (CAAD): «Se a lei fiscal exige duas declarações autónomas (como residente fiscal e como RNH), não pode o intérprete chegar a um resultado que retira qualquer efeito útil a uma delas; para isso, o legislador teria apenas indicado a necessidade de uma só declaração, que conteria a ulterior – sendo automáticos os efeitos.»

Pelo que se explica, acompanha este Tribunal o entendimento propugnado na decisão proferida no Processo n.º 635/2023-T: 

«Tudo o visto como vem de percorrer-se, entendemos, pois, que estamos perante um BF dependente de reconhecimento. BF não automático, portanto – v. art.º 5.º, n.º 1 do EBF (supra). O que logo decorre, aliás também, diga-se, do próprio estabelecimento de um prazo pelo legislador para solicitar a inscrição como RNH (cfr. n.º 10 do art.º 16.º).

Como terá ficado aproximado, em todo o contexto que se percorreu, a norma que o legislador veio expressamente introduzir em 2012, estabelecendo um prazo para ser solicitada a inscrição como RNH, retirando a característica de “renovável” ao BF tal como do normativo constava, e mantendo a possibilidade de gozo do mesmo por um período máximo de 9 anos subsequentes ao da qualificação como RNH - a obter através do que o legislador entendeu exteriorizar assim: “deve solicitar a inscrição como residente não habitual” – é uma norma anti-abuso.

Resulta-nos tal claro seja pela contextualização devida, que abreviadamente deixámos, seja pelo próprio funcionamento do regime - tenha-se em conta o disposto no n.º 11 que mantém a necessidade de verificação ano a ano das condições, como bem se compreende... por tudo o que também aflorámos -, seja, entre o mais também, se atentarmos nas regras próprias por que se pautam os benefícios a que o RNH acede. Com efeito, não será desinteressante a um sujeito passivo fazer uso do regime apenas nos anos em que os rendimentos que obtiver disso obtenham vantagem em termos de tributação, e não já noutros em que tal não suceda. V., por exemplo, o que sucede com rendimentos da Cat. A que possam ser auferidos – por hipótese até a título de indemnização por cessação de contrato de trabalho determinada antes da deslocaç\ao da residência para o nosso país, e a que apenas será de vantagem o regime se e na medida em que no pais da fonte ocorra tributação o efectiva. Outras concretizações que pudéssemos conjecturar da aplicação do regime nos poderiam levar a entender neste mesmo sentido, da tentação de um fazer uso do mesmo à la carte. O que, estamos certos, o nosso legislador não terá pretendido, ao consagrar o regime em questão. Como legislador razoável que tem que se presumir que é, a legislar dentro do espírito do Sistema. E tendo em consideração tudo o mais que se referiu acima em matéria de consagração legal de BFs. (Tenha-se em atenção também o mais no art.º 9.º do CC para que somos remetidos pelo art.º 11.º da LGT).

Dito isto,

O direito a fazer utilização do BF em questão ficou, por lei, dependente de reconhecimento. Reconhecimento por acto administrativo, de efeito meramente declarativo. Como nem poderia deixar de ser, por tudo o que se viu, e até também uma vez que ano a ano terão que se reunir, à mesma, as condições para o gozo do mesmo. Por outras palavras, é sim dependente de solicitação por parte do SP a obtenção do Estatuto de RNH que lhe concede acesso às vantagens fiscais aí implicadas.

Neste sentido, com respeito ao ato de inscrição como RNH, conclui ainda o tribunal no Processo n.º 1086/2024-T (CAAD), com o qual manifesta este Tribunal a devida concordância: «Pretende, antes, garantir o preenchimento dos pressupostos de acesso ao regime fiscal dos RNH e reflexamente os princípios da legalidade e igualdade tributária.

Assim, a concessão do estatuto de RNH não é automática nem oficiosa.

Depende de ato administrativo de reconhecimento dos seus pressupostos, como sustentaria o Acórdão do TCA Sul de 6/10/2022, proc. 01321/20.1BEBRG, ato esse tomado no âmbito de procedimento autónomo da iniciativa do interessado, nos termos do art. 14º do EBF.

Para efeitos da emissão desse ato, a AT, nos termos da  Circular  nº 9/2012, de 13/8, ,  o sujeito passivo deve apresentar no pedido de inscrição uma declaração em como não se verificaram os requisitos necessários para ser considerado residente em território português, em qualquer dos cinco anos anteriores àquele em que pretenda que tenha início a tributação como residente não habitual, nomeadamente por não preencher nenhuma das condições previstas nos nºs 1,2 e 5 do art. 16º do CIRS  ou por força da aplicação de convenção para evitar a dupla tributação.
Após o pedido de inscrição como residente não habitual, incumbe à AT proceder ao controlo dos registos do requerente do estatuto de RNH  no seu cadastro, por forma a validar se cumpre ou não com os requisitos legalmente previstos, nomeadamente:

i)Se esteve registado enquanto residente em Portugal perante a Autoridade Tributária;

(ii) Se submeteu declarações Modelo 3 de IRS enquanto residente em Portugal;

(iii) Se recebeu rendimentos de trabalho dependente ou rendimentos profissionais ou empresariais pagos por entidades portuguesa e que tenham sido reportados em Declarações Mensais de Remunerações;

(iv) Se beneficiou de alguma isenção de IMI enquanto residente em Portugal. 

(…) O Fisco procede,  assim, um controlo,  ainda que meramente provisório,  dos pressupostos do regime dos RNHs, podendo solicitar elementos adicionais, comprovativos de que o requerente foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição nos cinco anos anteriores à inscrição .

Cabe-lhe verificar se a atividade desenvolvida pelo contribuinte é, ou  não, se elevado valor acrescentado.»

Neste sentido, veja-se ainda o Processo n.º 893/2023-T, onde se conclui que, “Não pode um contribuinte reivindicar o estatuto de RNH sem se inscrever previamente no sítio das Finanças como determinado na lei.”

Ainda que resulte da análise das várias instruções administrativas produzidas pela AT quanto à inscrição dos RNH (Circular n.º 9/2012, de 3 de agosto, que atualizou a Circular n.º 2/2010, de 6 de maio da DSIRS; Ofício Circulado n.º 90023, emitido concomitantemente com a publicação do Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de agosto), uma clara progressão no que toca à automatização das inscrições, tal não determina a função inerente ao ato de inscrição, mas tão-só a sua facilitação administrativa. 

Pela sua relevância, atentamos na posição assumida por unanimidade pelo STA, no Acórdão de 29.05.2024 proferido no processo n.º 842/23.9BESNT: 

«(…) cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de analisar o invocado erro de julgamento da decisão recorrida ao ter considerado que a qualidade de residente não habitual depende do reconhecimento por da AT e que o prazo previsto no art. 16º nº 10 do CIRS, na redacção introduzida pelo D.L. nº 41/2016, de 01-08, é um prazo preclusivo do direito a beneficiar do regime de RNH.

Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, inscrição que sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal, como resulta da redacção inicial da norma, que dispunha “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (Aditado pelo artigo 4º do D.L. nº 249/2009, de 23-09, produzindo efeitos desde 01/01/2009).

Deste modo, temos que o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais.

No entanto, não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa nos termos propostos pela ora Recorrente.

Por outro lado, nos termos do artigo 12º do EBF, “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.

Com este pano de fundo, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período.
Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (nº 7 do artigo 16º do CIRS, na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção -Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (nº 12 do artigo 16º do CIRS).

Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018, situação que implica a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida, com a consequente viabilização da pretensão da Recorrente no âmbito desta acção no sentido da anulação da decisão de indeferimento do pedido de inscrição.

Ora, o Tribunal (STA) não deixa de entender que o pedido de pedido de inscrição como RNH é condição necessária (o que igualmente acompanhamos). Concluiu então o STA que «III - Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018.»

No caso vertente, a Requerente não pede diretamente a condenação da AT à inscrição como residente não habitual, mas sim a anulação parcial de uma liquidação concreta de IRS, sendo certo que, tal apenas seria admissível uma vez cumprido o pressuposto de caráter prejudicial de atualização cadastral fiscal, mediante inscrição como RNH. Ou seja, a pretensão da Requerente de anulação parcial da liquidação depende de uma questão prévia: a verificação dos requisitos para obtenção do estatuto de RNH, com o consequente acesso ao regime especial aplicável. Não se retira do quadro legal identificado uma aplicação automática do regime fiscal aplicável aos RNH, mantendo a necessidade de um impulso pelo contribuinte. 

*

Pelo que se explica, e em resposta à questão decidenda, entende este Tribunal que a liquidação controvertida não padece de vício de violação de lei como vem invocado pela Requerente.

5.4.  Do direito reembolso do imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios

Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o pedido acessório de reembolso do imposto e de pagamento de juros indemnizatórios (art.º 43.º da LGT).

 

6.     DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)  Julgar improcedente o pedido arbitral, mantendo a liquidação de IRS de 2023 (n.º 2024...), da qual resulta um valor total a pagar de € 19.796,27 (dezanove mil setecentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos);

b)  Julgar prejudicado o conhecimento do pedido de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios;

c)  Absolver a Requerida da instância;

d)  Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

 

 

7.     VALOR DO PROCESSO

A Requerente indicou como valor da causa o montante € 19.796,27 (dezanove mil setecentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos), que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

8.     CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de junho de 2025

 

A Árbitra 

 

 

Ana Rita Chacim 

 

 



[1] Carlos Paiva, Mário Januário, Os Benefícios Fiscais nos Impostos sobre o Património, Almedina, 2014, p. 73, referindo no mesmo sentido, Nuno de Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF, n.º 362, 1991, pp. 277, 278.

[2] Cf. Carlos Paiva, Mário Januário, Os Benefícios Fiscais (….), ob cit, p. 74.

[3] Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, Almedina, 2022, págs. 75-76sentido, N