Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 38/2025-T
Data da decisão: 2025-05-29  IRS  
Valor do pedido: € 14.953,49
Tema: IRS – Rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro; Rendimentos reais; Inutilidade superveniente da lide; Juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO:

1 - A AT revogou o acto impugnado, mas no acto de revogação não se pronunciou sobre o pedido da Requerente de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios - dando assim satisfação à pretensão da Requerente (apenas no que respeita à anulação do acto impugnado).

2 - Assim, o Tribunal Arbitral terá de se pronunciar sobre o pedido da Requerente de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, julgando o mesmo procedente por estarem preenchidos todos os requisitos legais do artigo 43.º da LGT.

3 - O facto de (i) a AT ter revogado o acto impugnado, o que deu lugar à decisão de inutilidade superveniente da lide (ii) o acto de revogação ter tido lugar após o prazo do artigo 13.º do RJAT, e (iii) o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios ter sido julgado procedente por provado; determinam a responsabilidade da AT pelo pagamento da totalidade das custas do processo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Hélder Faustino, designado pelo CAAD para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29 de Março de 2025, decide o seguinte:

 

I.              RELATÓRIO

 

1. O contribuinte A..., portador do Cartão de Cidadão n.º..., contribuinte n.º..., com residência em Rua ..., n.º ..., ... ...-... Lisboa, (“Requerente”), formulou, no dia 9 de Janeiro de 2025, pedido de constituição de tribunal arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), solicitando a anulação parcial da nota de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS”) referente ao período de 2017 (liquidação n.º 2021...) e a restituição dos montantes indevidamente pagos, no valor de € 14.953,49, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

 

2. A Requerente fundamentou o seu pedido, em suma, com base nos seguintes argumentos: 

 

            Competia à AT provar que a Requerente auferiu, de facto, no Azerbaijão os rendimentos de capitais que lhe imputa.

 

A AT limitou-se a repetir a informação que lhe havia sido prestada pelas autoridades tributárias no Azerbaijão, sem qualquer fundamentação ou prova.

 

Era dever da AT solicitar as informações necessárias para determinar os rendimentos auferidos pela Requerente no Azerbaijão, invés de concluir pela existência destes, sem qualquer facto concreto subjacente e demonstrável ou documento que os comprove.

 

Não basta à AT informar a Requerente de que existe uma comunicação de valores, com uma consequente qualificação de rendimentos, obtidos noutro país para que automaticamente possa ser erigido um acto de liquidação adicional com base única e exclusivamente nessa informação.

 

O direito à liquidação adicional tem de assentar em evidências da sua sujeição a imposto e do valor devido em conformidade com a lei interna.

 

A AT deveria procurar obter elementos que fundamentassem a sujeição do valor comunicado a imposto em Portugal, assim como o tipo de rendimento.

 

As declarações dos contribuintes devem ter-se por verdadeiras e de boa-fé, nos termos do número 1 do artigo 75.º da LGT.

 

Até prova em contrário, deverá valer os valores apresentados pela Requerente na sua declaração de rendimentos.

 

Acresce que, as informações prestadas pelas autoridades tributárias estrangeiras apenas fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos nos termos da lei, conforme disposto no n.º 4 do artigo 76.º, em conjugação com o n.º 1 do mesmo artigo.

 

A AT não poderia, sem mais, proferir decisão final no procedimento tributário apenas com base nas informações recebidas no âmbito do mecanismo de troca de informações, sem atestar a realidade material que se lhes encontra subjacente, designadamente, face aos elementos apresentados pela própria Requerente para o procedimento tributário.

 

Não se pode deixar de concluir que a informação prestada pelas autoridades tributárias no Azerbaijão não se encontra devidamente fundamentada nem se baseia em critérios objectivos.

 

Tão-pouco foi a mesma informação fundamentada a posteriori pela AT.

 

Conclui que o acto tributário é ilegal, por vício de violação da lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e em violação do disposto nos artigos 74.º e 76.º da LGT, quanto às regras do ónus da prova no procedimento tributário.

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – (“RJAT”), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5. As Partes foram devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 4.º e 5.º do Código Deontológico.

 

6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21 de Março de 2025.

 

7. Regularmente notificada para o efeito, a Requerida não apresentou Resposta.

 

8. Em 22 de Abril de 2025, a AT veio aos autos vem informar que por despacho da Subdiretora-geral da área da Gestão Tributária - Impostos Sobre o Rendimento, de 17 de Abril de 2025, foi revogado o acto de liquidação de IRS n.º 2021..., referente ao ano de 2017.

A AT junta também a Informação que fundamenta o despacho de revogação, a qual tem o seguinte teor:

            “1. A contribuinte A... NIF ..., residente fiscal em Portugal entregou em 2918-05-29 declaração de rendimento referente ao IRS de 2017 sem anexo J.

            2. Posteriormente, no seguimento de informação recebida no âmbito da Diretiva de Assistência Comunitária (DAC2) foi desencadeado um procedimento de controlo dos rendimentos obtidos no estrangeiro pelo sujeito passivo A... .

            3. Da informação recebida das autoridades fiscais do Azerbaijão constavam que a contribuinte tinha recebido juros naquele país no montante de 37.908,86 EUR (45.464,09 USD).

            4. Deste controlo efetuado pela AT, resultou a declaração de substituição apresentada pela contribuinte em 2021-06-23, na qual juntou um anexo J declarando € 37.908,86 de rendimentos de juros.

5. O sujeito passivo apresentou reclamação graciosa n.º ...2023... em junho de 2023, alegando que a conta em causa estava em encerrada e não tinha recebido qualquer rendimento.

6. Por despacho da Chefe de Serviço de Lisboa ..., em setembro de 2023, a reclamação foi indeferida por intempestividade.

7. E, não se conformando com o indeferimento, apresentou em 18 de junho de 2024 revisão oficiosa para o ano 2017, alegando novamente a inexistência de rendimentos, tendo apresentado novos documentos que sustentavam a sua posição.

8. Não concordando com a falta de decisão da revisão oficiosa, o sujeito passivo o presente pedido de constituição do tribunal arbitral tendo por base o indeferimento tácito.

9. Ora, analisados os argumentos e as provas apresentadas, conclui-se o seguinte: 

10. O objeto do presente pedido pode-se resumir à (in)existência de rendimentos de juros recebidos pelo sujeito passivo, em 2017, provenientes do Azerbaijão.

11. De salientar que as autoridades fiscais do Azerbaijão, inicialmente em 2022, comunicaram que o sujeito passivo A... tinha recebido juros naquele país no montante de 37.908,86 EUR (45.464,09 USD) durante o ano de 2017.

12. Posteriormente, e numa troca de informação espontânea, as autoridades fiscais do Azerbaijão vieram, em julho de 2023, corrigir a informação anteriormente enviada relativamente ao ano de 2017.

13. A informação corrigida teve por base informação da entidade bancária, a qual deu conta junto das autoridades fiscais do Azerbaijão do erro de transmissão de valores de rendimento relativamente ao sujeito passivo, uma vez que a referida conta se encontrava encerrada e com o tal não ter originado qualquer rendimento de juros.

14. Mais se informa que a informação recebida das autoridades fiscais do Azerbaijão já se encontra corrigida internamente pelo que deverá ser corrigida a situação fiscal da contribuinte relativamente ao IRS do ano de 2017.

15. Concluindo, atendendo à troca de informação espontânea das autoridades fiscais do Azerbaijão, relativamente ao ano de 2017, deverá ser atendido o pedido do sujeito passivo anulando-se o ato contestado, uma vez que se conforma o erro na comunicação de rendimentos de jutos relativos ao sujeito passivo A... .

Conclusão

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deve ser revogado o ato impugnado referente ao IRS do ano 2017, repondo-se como vigente a primeira declaração de IRS entregue voluntariamente pelo sujeito passivo.

Proposta

A ser sancionada superiormente, deve remneter.se esta informação e o processo à DSCJC.”.

 

9. Por despacho de 22 de Abril de 2025, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para se pronunciar sobre o requerimento entregue pela AT.

 

10. Por despacho de 9 de Maio de 2025, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho:

            “Processo n.º 38/2025-T

A Requerida veio em 22 de Abril de 2025 informar aos autos ter revogado totalmente o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral.

Ainda em em 22 de Abril de 2025, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre sobre o teor do requerimento da Requerida.

Embora, até à presente data, a Requerente não se tenha pronunciado (sobre o teor do requerimento da Requerida), poderá fazê-lo, querendo, num prazo adicional de 5 dias a contar da notificação do presente despacho.

Sem prejuízo do exposto, não estamos, porém, perante a situação prevista no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, na medida em que foi ultrapassado o momento processual lá previsto. Estando o Tribunal Arbitral já está constituído, impõe-se que tome uma decisão, que afigura ser no sentido da inutilidade superveniente da lide.

O Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária não prevê a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa arbitral por parte da Requerente. Consequentemente, embora o Tribunal Arbitral já esteja em condições de antecipar que a inutilidade superveniente será imputável à Requerida (que deverá, por isso, suportar integralmente a taxa arbitral), impõe-se que se notifique a Requerente para pagar a taxa arbitral subsequente e juntar aos autos o respectivo comprovativo, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º daquele Regulamento de Custas e no prazo de 10 dias a contar da notificação deste despacho.

O Tribunal Arbitral proferirá decisão arbitral após ser paga aquela taxa.

O termo do prazo do artigo 21.º do RJAT é o dia 21 de Setembro de 2025.”.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

11. O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído.

 

12. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

13. O processo não enferma de nulidades.

 

14. Cumpre apreciar e decidir.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

15. Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:

 

15.1. Em 17 de Janeiro de 2025, a AT foi notificada por e-mail da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

 

15.2. Em 21 de Março de 2025, o Tribunal Arbitral ficou constituído.

 

15.3. Em 17 de Abril de 2025 foi revogado o acto de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2027, por despacho proferido pela Subdirectora-geral da Gestão Tributária - Impostos Sobre o Rendimento.

 

15.4. A AT deu conhecimento da revogação do acto, mediante requerimento apresentado em 22 de Abril de 2025. 

 

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

16. Com relevo para a decisão do presente processo, não existem factos que se tenham considerado como não provados.

 

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

17. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

18. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

19. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos.

 

 

 

 

 

 

IV.          MATÉRIA DE DIREITO

 

O artigo 277.º alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”. A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito. A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio. Assim, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

 

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

 

Na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 16/11/2017, no processo n.º 6108/16.3T8VNF-B.G1:

“I- A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.

II- Emanação da proibição da prática de actos inúteis que, por sua vez, está relacionada com o princípio da economia processual, a inutilidade superveniente visa obstar a prática de actos absolutamente inúteis, ou seja, sem qualquer utilidade processual”.

 

Ainda na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 12/05/2012, no processo n.º 1124/11.4TBTMR.C1:

“I – A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade (artº 287 e) do CPC).

II - A instância extingue-se ou finda de forma anormal todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objecto, ou por motivo atinente à causa, a respectiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e., deixe de interessar a sua apreciação.

III - Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil; exige-se, para que se verifique a causa de extinção da instância considerada, que o facto seja superveniente.

IV - Como a instância se considera iniciada com a proposição da acção e esta se considera proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida pela secretaria a respectiva petição inicial, segue-se que só o facto ocorrido posteriormente ao recebimento da petição inicial se deve considerar superveniente (artºs 150 e 467 n.º 1 do CPC)”.

 

Nos termos do disposto no artigo 13.º do RJAT:

“1 - Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.

 

No caso concreto, a AT foi notificada pelo CAAD (tendo assim conhecimento) da apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 17 de Janeiro de 2025. Decorrido o prazo legal de 30 dias previsto no artigo 13.º do RJAT (a contar do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral) a AT nada veio comunicar aos autos, o que levou ao normal prosseguimento do processo com (i) a designação do Árbitro e respectiva notificação (em 3 de Março de 2025), (ii) a constituição do Tribunal Arbitral (em 21 de Março de 2025), e (iii) a notificação da AT para apresentar Resposta, nos termos do artigo 17.º do RJAT (em 21 de Março de 2025). Em 17 de Abril de 2025, a AT revogou o acto impugnado, tendo comunicado em 22 de Abril de 2025 aos autos essa mesma revogação (já na sequência da notificação do artigo 17.º do RJAT).

 

A conclusão da Informação que fundamenta o despacho de revogação é a seguinte:

“Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deve ser revogado o ato impugnado referente ao IRS do ano 2017, repondo-se como vigente a primeira declaração de IRS entregue voluntariamente pelo sujeito passivo.”.

 

Resulta do exposto, que a AT satisfez por inteiro e de modo voluntário a pretensão que a Requerente formulou nestes autos no que respeita à anulação do acto impugnado, e nessa medida, o resultado que a Requerente visava com o presente processo arbitral encontra-se integralmente atingido. Assim sendo, não oferece dúvidas que a decisão arbitral que, normalmente seria proferida, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação no que respeita à anulação do acto impugnado. Termos em que, com as devidas adaptações, se julga verificada a inutilidade superveniente da lide, no que respeita à anulação do acto impugnado.

 

Não obstante, e uma vez que na decisão de revogação do acto impugnado a AT não se pronuncia relativamente ao pedido da Requerente de condenação (da AT) ao pagamento de juros indemnizatórios, o Tribunal Arbitral terá de se pronunciar sobre este pedido (vide neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido em 21/02/2019, no processo n.º 02888/11.0BEPRT: “1. A inutilidade superveniente da lide (al. e) do art. 277º do CPC) ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância, pois que a pretensão do autor não poderá, então, manter-se, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por se encontrar fora do esquema da providência pretendida. 2. Ocorre erro de julgamento se a decisão de primeira instância declarou totalmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quando devia ter considerado o pedido de juros indemnizatórios efectuado na petição de impugnação”)”.

 

Porquanto, na esteira do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 22/05/2019, no processo n.º 1770/12.9BELRS:

“1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.

2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).

3. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ouomissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

4. As obrigações pecuniárias e de quantidade, como é o caso da obrigação de apuramento de juros indemnizatórios derivada do indevido pagamento de uma liquidação tributária, devem ser cumpridas de acordo com o princípio nominalista, em moeda que tenha curso legal no País, impondo a lei o pagamento de juros face a tal tipo de obrigações. O juro consiste no preço do dinheiro em função do tempo, remunerando o seu titular em face da sua disponibilização temporal a terceiro. Especificamente, os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada e imputável à Fazenda Pública (cfr.artºs.550 e 806, nº.1, ambos do C.Civil).

5. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.24, nº.1, do anterior C.P.Tributário; artº.43, da L.G.T.).

6. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:

a) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;

b) Que o erro seja imputável aos serviços;

c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

6. No âmbito do direito tributário, a interpretação de distinguir "erro" de "vício", como defende a doutrina e jurisprudência dominantes, e só relevar aquele, para efeitos de exame do direito a juros indemnizatórios, não é a que melhor garante a aplicação da teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário (cfr.artº.100, da L.G.T.). É que tal distinção pode conduzir a um tratamento diferenciado dos contribuintes, de forma injustificada.

7. Cremos que a interpretação da expressão "erro imputável aos serviços" que melhor se estriba na letra da lei, considerando que a L.G.T. e o C.P.P.T. não distinguem os conceitos de "erro" e de "vício", deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do acto tributário. Nesse sentido vai, de resto, o estipulado no artº.100, da L.G.T., norma que deve ser concatenada com a do artº.43, nº.1, do mesmo diploma, a qual consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário, na mesma utilizando o legislador a expressão "ilegalidade" como fundamento da dita reconstituição. Ora, a expressão "ilegalidade" aqui utilizada comporta, também, a violação de normas de procedimento que, embora não contendam com a própria definição da relação jurídica tributária substantiva, viciam o acto de liquidação. Tal expressão, a "ilegalidade", é igualmente utilizada pelo legislador, e com a mesma amplitude, no corpo do artº.99, do C.P.P.T., quando define os fundamentos do processo de impugnação, espécie processual por excelência do contencioso tributário”.

 

Ora, no que respeita à verificação de erro imputável aos serviços, considerando-se, em linha com a esmagadora maioria da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que a anulação dos actos tributários pela AT, in casu por desconformidade material com a lei, é, por si só, demonstrativa de erro imputável aos serviços determinando o pagamento de juros, de acordo com o artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (cfr. Acórdãos do STA nos processos n.ºs 574/14, de 7 de Janeiro de 2016 e 1101/16, de 3 de Maio de 2017).

 

Em todo o caso, a própria AT reconhece a existência de erro na comunicação da informação pelas autoridades tributárias do Azerbaijão (cfr., Informação que fundamenta o despacho de revogação do acto de liquidação). 

 

Quanto ao facto da verificação de tal erro ocorrer no âmbito de um processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, o mesmo sucedeu (cfr., Informação que fundamenta o despacho de revogação do acto de liquidação).

 

Por último, e no respeita ao pagamento da prestação, este foi efectuado pela Requerente em montante superior ao legalmente devido, em virtude da consideração de rendimentos de capitais no montante de € 37.908,86 provenientes do Azerbaijão (cfr., Informação que fundamenta o despacho de revogação do acto de liquidação).

 

Termos em que, é julgado totalmente procedente o pedido da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal (4%, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril aplicável por via do artigo 559.º do Código Civil).

 

No que respeita à responsabilidade por custas, nos termos do artigo 536.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (exceptuados os casos previstos nos números anteriores da mesma norma), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do Autor ou Requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao Réu ou Requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao Réu ou Requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do Autor ou Requerente.

Cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Agosto de 2014, proferido no processo n.º 0828/14:

“I - Se na pendência de reclamação da decisão do Director-Geral dos Impostos veio a ser revogado o acto reclamado, tal significa que o recorrente obteve a satisfação da sua pretensão por a autoridade tributária ter revogado o acto, ainda que sem ter decidido que lhe assistia razão.

II - Verifica-se, nesse caso a inutilidade da lide é superveniente na medida em que, instaurada esta, veio a ficar sem objecto por aquilo que a recorrente pretendia obter com a reclamação ter sido atingido pela revogação do acto sob reclamação.

III - A responsabilidade pela totalidade das custas, neste caso, fica a cargo do requerido por a inutilidade lhe ser imputável, face ao disposto no artº 536.º (art.º 450.º CPC 1961) do actual Código de Processo Civil, nos seus nºs 3 e 4”.

 

No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão da Requerente foi satisfeita voluntariamente pela AT por esta ter revogado o acto tributário, dando assim plena satisfação à principal pretensão da Requerente (a anulação do acto impugnado) — o que nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3 e n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, basta para que este Tribunal Arbitral determine que a inutilidade superveniente da lide é efectivamente imputável à AT, sendo a mesma a responsável pelo pagamento da totalidade das custas do processo.

 

Não obstante, o despacho de revogação foi praticado e comunicado ao CAAD em violação do prazo previsto no artigo 13.º do RJAT, conforme exposto supra, o que determina que as custas deste processo, também com este fundamento, devem ser totalmente imputadas à Requerida.

 

Acresce ao exposto, que este Tribunal Arbitral declarou ainda totalmente procedente o pedido de juros indemnizatórios apresentado pela Requerente, pelo que também com este fundamento as custas são totalmente da responsabilidade da AT.

 

 

V.            DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral:

·      Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide (apenas no que respeita à anulação do acto impugnado);

·      Condenar a AT à restituição dos montantes indevidamente pagos, no valor de € 14.953,49, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios; e

·      Condenar a AT no pagamento das custas do processo.

 

VI.          VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 14.953,49 (catorze mil, novecentos e cinquenta e três euros e quarenta e nove cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII.        CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT. 

 

Notifique-se.

Lisboa, 29 de Maio de 2025

 

O Árbitro,

 

 

 

Hélder Faustino

 

 

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.