Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 520/2014-T
Data da decisão: 2015-05-26  Selo  
Valor do pedido: € 4.540,45
Tema: IS – verba 28.1 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Processo n.º 520/2014-T

 

Requerente: A, NIF …, residente na Rua … Lisboa.

Requerida: Administração Tributária e Aduaneira

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1.             A, NIF …, residente na Rua … Lisboa (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 25/07/2014 um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, referentes à aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”) ao prédio urbano sito na Avenida …, nº …, em …, União das Freguesias de …, …, e …, concelho de Oeiras, constante do artigo … da matriz predial urbana da União das Freguesias de …, … e …, concelho de … e distrito de Lisboa, prédio urbano de que é proprietário, relativamente ao ano de 2013, apresentando cumulação de pedidos por economia processual.

2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitro Ana Teixeira de Sousa, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

3.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 26.09.2014.

4.            Notificado o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional, foi apresentada resposta em 10.11.2014, subscrita pelos juristas Senhora Dra. … e …, em nome e representação da Requerida.

5.            Face à Resposta da AT o tribunal, através de despacho 10.03.2014, decidiu que se dispensa a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT e que a decisão final será apresentada até dia 26 de Março de 2015.

 

O pedido de Pronúncia arbitral

6.             Sintetizando, os fundamentos apresentados pela Requerente são os seguintes.

7.            O requerente é proprietário do prédio urbano sito na Avenida …, em …, União das Freguesias de …, … e …, concelho de …, com os valores patrimoniais separados por andares com utilização independente.

8.            Este prédio é composto por dezoito andares com utilização independente, cujo valor foi determinado separadamente, nos termos do disposto no artigo 7º, nº 2, alínea b) do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (DOC. 1).

9.            O referido prédio, apesar de integrado por dezoito andares com utilização independente, não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal.

10.        Cada um dos andares tem um valor patrimonial determinado autonomamente, nos termos do Código do IMI. 

11.        Em 2014 foi notificado o Requerente de 16 documentos para pagamento, no mês de Abril de 2014, de Imposto do Selo ao abrigo da Verba 28.1 da TGIS, primeira prestação, relativamente aos seguintes prédios:

 

 

Liquidação nº

VPT

Identificação do prédio

Imposto de Selo

2014 …

€46.680,00

R/C Dto.

233,40€

2014 …

€ 81.090,00

R/C esq.

270,30€

 

2014 …

€ 29.670,00

R/C FTE.

148,35€

2014 …

€ 74.950,00

1º DTO.

249,84€

2014 …

€ 90.320,00

1º ESQ.

301,08€

2014 …

€ 74.950,00

2º DTO.

249,84€

2014 …

€ 90.320,00

2º ESQ.

301,08€

2014 …

€ 74.950,00

3º DTO.

249,84€

2014 …

€ 90.950,00

3º ESQ.

301,08€

2014 …

€ 74.950,00

4ºDTO.

249,84€

2014 …

€ 90.320,00

4º ESQ.

301,08€

2014 …

€ 74.950,00

5º DTO.

249,84€

2014 …

€ 90.320,00

5º ESQ.

301,08€

2014 …

€ 74.950,00

6º DTO.

249,84€

2014 …

€ 90.320,00

6º ESQ.

301,08€

2014 …

174.860,00

582,88€

Total

€ 1.385.630,00

 

€ 4.540,45

               

 

12.        Nesta conformidade o Requerente entende que constituem objecto do presente pedido de pronúncia as liquidações de Imposto de Selo, emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa 7, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, supra identificadas e constantes da Tabela 2 (Cfr. Doc.s. n.ºs 2 a 17), que ascendem ao valor de Imposto de Selo de € 4.540,45 e que correspondem à primeira prestação do Imposto de Selo.

13.        O Requerente alega a ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO pelas seguintes razões.

14.        No entender do Requerente a questão jurídica essencial a decidir é a de saber, com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares, qual o VPT relevante.

15.        O artigo 67º n.2 do CIS remete as matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba nº 28.1 da Tabela Geral para a aplicação subsidiária do disposto no CIMI.

16.        O artigo12º nº3 CIMI dispõe que cada andar ou parte do prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

17.         Segundo o Requerente, a actuação da AT, ao fazer incidir o IS sobre os prédios em propriedade vertical, como sucede no caso em apreço, considerando-os como um todo, apesar de serem constituídos por várias partes autónomas, com utilização independente – e que, portanto, facilmente podem ultrapassar um milhão de euros – corresponde ao recurso a um critério oportunístico que não pode ser sufragado, pelas mais elementares razões de legalidade e equidade.

18.        Ora, sendo assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes andares com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.

19.        Efectivamente, para efeitos de IMI, as fracções autónomas e as partes de prédios susceptíveis de utilização independente têm exactamente o mesmo tratamento legal.

20.        Daqui conclui o Requerente que para liquidar o Imposto de Selo aqui em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira ficcionou um VPT- correspondente à soma dos VPTs relativos às partes susceptíveis de utilização independente do prédio- que não corresponde, de facto, ao “valor patrimonial tributário para efeito de IMI”.

21.        Considerando o exposto, apenas quando o “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI” de alguma das partes susceptíveis de utilização independente seja superior a um milhão de euros pode operar a tributação prevista na verba 28 da TGIS.

22.        Na verdade, o legislador, ao introduzir esta inovação legislativa, procurou claramente tributar as “habitações de luxo”, com valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre as quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo-se introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade de luxo com afectação habitacional.

23.        Claramente, o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

24.        O que não é o caso do imóvel em questão, onde todos os andares têm um valor muitíssimo inferior ao limite do milhão de euros.

25.        Por outro lado, o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente.

26.        De facto, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto.

27.        A verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio.

28.        Em consequência, a discriminação operada pela AT traduz uma discriminação arbitrária e ilegal; nada na lei impõe, de resto, a constituição da propriedade horizontal.

29.        Por tudo isto o Requerente solicita ser julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se consequentemente os actos de liquidação impugnados com as consequências legais daqui decorrentes.

 

Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira

30.        A Autoridade Tributária e Aduaneira (ou Requerida) apresentou resposta mantendo as liquidações impugnadas com base, resumidamente, nos seguintes argumentos

31.        Ao contrário do defendido pelo Requerente resulta inequivocamente da letra da lei que o legislador quis tributar com a verba 28.1 da TGIS os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária.

32.        No entender da Requerida o que está aqui em causa é, exclusivamente, um conjunto de liquidações relativas a um único imóvel, e que resultam da aplicação directa e imediata da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária.

33.        Falece, porém, de sustentação legal a tese defendida pelo Requerente, pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI.

34.        Para a Requerida, o que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária.

35.        Efectivamente, a sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.

36.        De acordo com as regras do CIMI, encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI.

37.        Do exposto, deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos.

38.        Também não a argumentação da violação do princípio da igualdade tributária porque este princípio proíbe as discriminações arbitrárias ou não justificadas mas não as discriminações eventualmente justificadas pelo carácter mais evoluído dos institutos ou pela coerência do sistema fiscal.

39.        A tributação em sede de Imposto do Selo obedece ao critério de adequação, visando a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode ser ignorado.

40.        Salienta a Autoridade tributária e Aduaneira que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma discrição na matriz do prédio na sua totalidade.

41.        O que se pretende concluir é que estas normas procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu, seria ilegal e inconstitucional.

42.        Estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeita-os!

43.        Com efeito, considera a Requerida, a constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do nº2 do art. 4º do CIMI e art. 1414º e seguintes do CC, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.

44.        Pelo conclui a Requerida que as liquidações estão correctas devendo manter-se e o pedido de pronúncia ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.

 

Objecto do pedido

45.        A questão que o Requerente pretende ver decidida é:

·      Legalidade da liquidação do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS (aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) relativamente ao valor patrimonial tributário global de um edifício, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários de diversos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.

Saneamento

46.        O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

47.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

48.        O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

Factos provados

Com base nas peças juntas pelo Requerente (pedido de pronúncia arbitral, Doc. nº 1 a 17 junto com esse Pedido; Resposta da A.T.), fixa-se a seguinte factualidade:

49.        O Requerente é proprietário de um prédio constituído por andares ou divisões de em propriedade total ou vertical, ou seja, não constituídos em propriedade horizontal (artigo 1.º do Requerimento de pronúncia arbitral; artigo 1º da Resposta e documentos de liquidação juntos aos autos pelo Requerente junto com o Pedido, cujo teor se tem por reproduzido).

50.        Em 18.03.2014 foi notificado o Requerente de um conjunto de liquidações para pagamento, no mês de Abril de 2014, de Imposto do Selo ao abrigo da Verba 28.1 da TGIS, relativamente ao prédio identificado no artigo 1ºda PI.

51.        Os montantes referidos nas liquidações como VPT total do prédio identificado correspondem aos valores mencionados no ponto 11. da presente decisão do tribunal arbitral, no montante global de € 4.540,45.

52.        Estes montantes referem-se à primeira prestação do Imposto de Selo do ano de 2013, a liquidar em Abril de 2014.

53.        As liquidações referiam-se ao ano de 2013, indicavam como fundamento a verba 28.1 da TGIS, aplicavam a taxa de 1% ao valor patrimonial do prédio sujeito a IMI, mas tendo em conta o VPT global do prédio onde se inseria cada um dos prédios tributados

 

54.         Factos não provados

Os factos não provados são considerados irrelevantes para a apreciação do mérito da causa.

 

O Direito aplicável

 

O âmbito de incidência da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo

55.        Resulta das posições das Partes que a questão essencial nos presentes autos consiste em saber se no caso de prédios em propriedade total, com andares ou divisões de utilização independente mas não constituídos em regime de propriedade horizontal, o VPT a considerar para efeitos de incidência de Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS deve corresponder ao VPT de cada andar ou divisão com e afectação habitacional e utilização independente ou à soma dos VPT correspondentes aos andares ou divisões de utilização independente com afectação habitacional. Ou seja, saber se o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais. 

56.        Esta questão já foi apreciada em vários processos no âmbito da Arbitragem Tributária [1], não se identificando, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada nas decisões proferidas.

57.        Seguimos neste processo essencialmente a fundamentação no Processo 194/2014-T de 28.07.2014, a qual subscrevemos totalmente.

58.        Começando por fazer referência às disposições legais relevantes na tomada de decisão do tribunal.

59.        A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

60.         Segundo resulta das alterações ao Código do Imposto do Selo, introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o imposto do selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do art. 1º e nº 4 do art. 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do art. 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS).

61.        O disposto no CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), conjugados com o art. 1º do CIMI, consideram o prédio em si como o facto tributário (a situação que desencadeia a tributação) desde que atinja o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo, independentemente do número de sujeitos passivos, possuidores (enquanto proprietários, usufrutuários ou superficiários) dos bens em causa [2].

62.        Quanto às taxas, a alínea f) do nº 1 do mesmo artigo 6º, da Lei nº 55-A/2012, prevê a aplicação em 2012 de uma taxa inferior à taxa de 1%, prevista na verba 28.1 da TGIS para prédios com afectação habitacional, distinguindo-se ainda entre os casos de prédios avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,5 %) e prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI (taxa de 0,8 %).

63.        A partir de 2013 a taxa normalmente aplicável é de 1%.

 

O conceito de prédio utilizado na verba 28 da TGIS

64.        O conceito de “prédios com afectação habitacional” utilizado na verba 28.1 [3] não se encontra expressamente definido em qualquer disposição do CIS nem no CIMI, diploma para que remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS.

65.        No caso dos autos, quer se tome em conta o prédio da Requerente em propriedade vertical quer cada uma das respectivas divisões dotadas autónomas, trata-se (não vem contestado) de prédio classificado como urbano e habitacional de acordo com os critérios estabelecidos nos arts. 2.º, 4.º e 6.º do Código do IMI, aplicáveis por remissão do art. 67º do CIS.

66.        Assim, está apenas em causa o exacto sentido da aplicação do "valor patrimonial considerado para efeitos de IMI", constante da norma de incidência do imposto do selo no corpo da verba 28: no caso de prédios em propriedade total mas com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o VPT relevante corresponde à soma do VPT das diversas divisões/andares, como pretende a AT, ou o que há que ter em conta é o VPT de cada um dos respectivos andares ou divisões autónomas, como defende a Requerente?

67.        Ora esta disposição está integrada num texto que define como objecto de incidência do imposto do selo a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI(bold nosso).

68.        Como tem sido repetidamente invocado e admitido, o Código do IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respectivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

69.        Assim, a cada prédio corresponde um único artigo na matriz (nº 2 do artigo 80º do CIMI) mas, segundo o nº 3 do art. 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (registo do prédio, sua caracterização, localização, VPT e titularidade), "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário”, não se tomando como referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos às partes autónomas de um mesmo prédio, mas o valor atribuído a cada uma delas individualmente considerado.

70.        Quanto à liquidação do IMI - aplicação da taxa à base tributável - o art. 119.º, n.º 1 dispõe que “o competente documento de cobrança” contém a “discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta (…)”.

71.        Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente [4], de acordo com o conceito de prédio definido logo no nº 1 do artigo 2º do CIMI: prédio é toda a fracção (de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência) desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica (apresentação e sublinhado nossos). [5]

72.        Assim, quando o nº 4 do artigo 2º dispõe que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”, não consagra propriamente um regime excepcional ou especial para os prédios em propriedade horizontal.

73.        Cada edifício em propriedade horizontal (artigo 92º) tem apenas uma só inscrição matricial (nº 1), descrevendo-se genericamente o edifício e mencionando-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal (nº 2) e a autonomia matricial concretiza-se na atribuição a cada uma das fracções autónomas, pormenorizadamente descrita e individualizada, de uma letra maiúscula, segundo a ordem alfabética (nº 3). Esta parece ser a especificidade dos edifícios em propriedade horizontal; nos outros casos, de prédios em propriedade vertical ou total, as divisões ou andares com autonomia mas sem o estatuto de propriedade horizontal, a matriz consagra também a autonomia mas evidenciando as unidades com indicação do tipo de piso/andar.

74.        Por outro lado, a argumentação de que “a tributação em sede de Imposto do Selo obedece ao critério de adequação, visando a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade dos imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado”, não é aceitável, porque o tratamento distinto de prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical nem se justifica como “uma discriminação imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal” (que coerência?) nem pode livrar-se da qualificação de arbitrário ao tratar de forma distinta realidades em grande parte idênticas, e, a serem diferentes, com risco até de tratar de forma mais gravosa situações geralmente relacionadas com menor capacidade tributária do que as que teriam tratamento mais benéfico.

75.        Nem convence a argumentação da Requerida de que no caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, não obstante o IMI ser liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do Imposto de Selo da verba n.º 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global dos prédios, e não o de cada um dos seus andares ou partes independentes, porque a verba n.º 28.1 da TGIS é aplicada segundo as regras do CIMI mas “com ressalva dos aspectos que careçam das devidas adaptações”. (sublinhados nossos).

76.        Não se vislumbra portanto na lei aprovada razão para, em matéria de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, dar às fracções de prédios em “propriedade vertical”, dotadas de autonomia, tratamento diferente do concedido aos prédios em propriedade horizontal, quando em qualquer dessas situações o IMI é aplicado ao valor patrimonial evidenciado na matriz para cada uma das unidades autónomas.

77.        A interpretação acima sustentada, decorrente da análise da letra da lei e sua inserção no conjunto de outras normas tributárias aplicáveis, é a mais consonante com o espirito das alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

78.        Como já foi evidenciado em outras decisões arbitrais, “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”. (...) “A fundamentação da medida designada por taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal." [6]

79.        Ora, parece carecer totalmente de adesão à realidade a sustentação da tese de que a detenção de fracções desprovidas de estatuto de propriedade horizontal denuncia maior capacidade contributiva do que se forem providas daquela natureza.

80.        Pelo contrário, na maioria dos casos, como evidenciado pela Decisão Arbitral nº 50/2013, “muitos dos prédios existentes em propriedade vertical são antigos, com uma utilidade social inegável, pois em muitos casos acolhem moradores com rendas módicas e mais acessíveis, factores que necessariamente devem ser tidos em conta.”

81.        Factualidade aplicável ao caso concreto em que o Requerente indica que os prédios são já antigos e habitador por pessoas idosas.

82.        Assim, considera-se correcta a interpretação de que a verba 28 da TGIS não abrange cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT superior ao que prevê a mesma verba.

83.        Tal como decidido em outros processos arbitrais, este tribunal entende que no tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, determinação da base tributável, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, por remissão expressa dos arts. 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS.

84.        Sujeitar ao novo imposto do selo partes autónomas sem o estatuto jurídico de propriedade horizontal ou seja, enquanto se mantém a propriedade vertical e não sujeitar nenhuma das fracções habitacionais se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal constituiria violação do princípio constitucional da igualdade, tratando situações iguais de forma diferente.

85.        No caso dos autos, verificando-se que nenhuma das “fracções” de qualquer dos edifícios em causa apresenta, per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, não há lugar a incidência da verba 28 prevista na Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Conclusão

Assim, o presente tribunal arbitral conclui que as liquidações de Imposto do Selo, com base na verba 28/28.1 da TGIS, relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente, propriedade do Requerente, objecto dos presentes autos, estão feridas de ilegalidade, porque os referidos dispositivos não podem ser interpretados no sentido da sua aplicação a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.  

 

E, como resulta da factualidade fixada, nenhum dos andares destinados a habitação, do prédio, em propriedade vertical, objecto deste processo, tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS.

 

 

Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais.

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4. 540,45 (quatro mil, quinhentos e quarenta euros e quarenta e cinco cêntimos).

 

Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Março de 2015

 

O Árbitro

 

 

 

 (Ana Teixeira de Sousa)

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.]



[1]Sobre a aplicação da verba 28 da TGIS no caso de prédios em propriedade vertical, estão já publicitadas decisões no site do CAAD, designadamente, nos Processos 50/2013-T; 132/2013-T; 181/2013-T; 183/2013-T; 185/2013-T; 248/2013-T; 240/2013- T; 280/2013-T, disponíveis em www.caad.org.pt.

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[2] O disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, quanto à nova verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo, entrou em vigor no dia seguinte à publicação da lei, ou seja, 30 de Outubro de 2012. O artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, prevê disposições transitórias por virtude das quais, nesse primeiro ano de vigência, ou seja, 2012: o facto tributário verifica -se no dia 31 de Outubro (quando, de acordo com o artigo 8º do CIMI, aplicável por remissão do nº 4 do art. 2º do CIS, seria em 31 de Dezembro); o sujeito passivo do imposto é o titular do prédio (n.º 4 do artigo 2.º do CIS) também nesse dia 31 de Outubro; o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI por referência ao ano de 2011; a liquidação do imposto pela AT é efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012; o imposto deverá ser pago numa única prestação, pelos sujeitos passivos, até ao dia 20 de Dezembro desse ano 2012.

[3] A redacção deste número foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, passando a utilizar-se o conceito “prédio habitacional”, mas as liquidações objecto dos presentes autos referem-se ao ano de 2012.

[4] Sobre este aspecto, e na linha do comentário citado na nota anterior, veja-se a fundamentação contida na decisão nº248/2013-T: “A autonomização na matriz das partes funcional e economicamente independentes de um prédio em propriedade total prende-se com razões de índole fiscal e extrafiscal. No plano fiscal, essa autonomização tem a ver com a própria determinação do valor patrimonial tributário, que constitui a base tributável do IMI, dado que a fórmula de determinação desse valor, prevista no art. 38.º do mesmo Código, comporta índices que variam em função da utilização atribuída a cada uma dessas partes. No plano extrafiscal, essa autonomização continua a encontrar justificação na relevância atribuída ao valor patrimonial tributário de prédios e suas partes autónomas na legislação do arrendamento urbano.” Aí se menciona também o n.º 1 do art. 15.º- O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30/11 (prevendo que a cláusula de salvaguarda relativa ao agravamento da tributação em IMI decorrente da avaliação geral dos prédios urbanos, é aplicável por prédio ou parte de prédio urbano que seja objecto da referida avaliação) como confirmando a individualização, para efeitos tributários, das partes autónomas dos prédios urbanos.     

[5]Como observado no Proc.132/2013 :“As normas (...) elencadas consagram o princípio da autonomização das partes independentes de um prédio urbano, mesmo quando não esteja constituído em propriedade horizontal. Ou seja, cada parte susceptível de utilização independente deve ser, para efeitos de IMI, valorizada em face das suas especificidades e afectação, resultando num VPT autónomo, individualizável e correspondente a cada parte susceptível de utilização independente.”

[6] Excertos da Decisão no processo nº 50/2014-T, referindo também a Decisão Arbitral no processo nº 48/2013-T, quanto à análise da Discussão da proposta legislativa na Assembleia da República.