SUMÁRIO:
I – Os procedimentos de inspeção têm um caráter meramente preparatório/acessório em relação aos atos tributários, pelo que não são, por norma, diretamente impugnáveis.
II – O artigo 11.º do RCPITA contém uma cláusula de salvaguarda ao atribuir aos sujeitos inspecionados o direito de impugnar as medidas cautelares adotadas ou quaisquer outros atos lesivos dos direitos e garantias legalmente conferidos aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
III – O legislador fiscal não impõe a obrigatoriedade que a transmissão abranja a totalidade do património do estabelecimento, poderá ser parte, mas a final teremos que estar em presença de uma unidade de atividade independente e que o seu adquirente já seja, ou venha ser, por força da aquisição um sujeito passivo de IVA nos termos já referidos e continue a exercer a mesma atividade económica que vinha sendo exercida pelo transmitente, prosseguindo sem interrupções a aludida atividade.
IV – No caso em apreço, revelam os autos que se verificou a transmissão de parte do património do estabelecimento, e os serviços inspetivos da requerida concluíram que o acordo quadro celebrado em 4 de agosto de 2023, entre as partes, não é mais do que o estabelecimento da estrutura de transações entre as duas entidades com vista à aquisição do imóvel e do estabelecimento hoteleiro nele instalado, à data da celebração deste acordo, tudo propriedade da sociedade A..., S.A., pelo que não poderia ser enquadrada no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Rui Miguel Zeferino Ferreira e Hélder Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º ... e ..., ...-... Lisboa, tendo sido notificada da demonstração de liquidação n.º 2024 ... referente a IVA de 12/2023, no valor de € 4.646.790,28 e da demonstração de liquidação n.º 2024 ... referente a JC de 12/2023, no valor de € 135.457,11 e, havendo requerido a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 11/2011, de 20 de Janeiro, vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade daquelas liquidações e o decretamento da sua anulação, sendo entidade requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 17 de dezembro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 5 de fevereiro de 2025, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 25 de fevereiro de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 2 de abril de 2025.
No dia 3 de abril de 2025, este Tribunal proferiu o seguinte despacho:
“1. Designa-se o dia 10 de abril de 2025, pelas 10h00 horas, nas instalações do CAAD como data para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
2. Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
A audiência realizou-se e ambas as partes apresentaram alegações.
II. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
a) A competência territorial dos diversos órgãos da AT encontra-se intimamente ligada ao local onde o contribuinte visado tem o seu domicílio fiscal, existindo uma relação de proximidade entre o órgão que deve praticar os atos procedimentais inspetivos tributários e o local onde o contribuinte tem o seu domicílio.
b) As regras da competência territorial procedimental são regras de cumprimento obrigatório, sendo que o seu desrespeito inquina de ilegalidade o ato praticado, precisamente por o mesmo ter sido praticado por órgão sem jurisdição na área territorial, conduzindo a que o mesmo fique sujeito a ser anulado com tal fundamento.
c) A este propósito apenas consta do relatório o seguinte:

d) Ora, face ao teor da lei e ao que consta do relatório, a conclusão só pode ser a de que o procedimento de inspeção foi levado a cabo por uma entidade material e territorialmente incompetente.
e) Ora, in casu, por força da lei a entidade competente para a instauração do procedimento de inspeção, da emissão da ordem de serviço e do despacho que o ordene, que estão a montante dos atos de inspeção, era a Direção de Finanças de Lisboa e não a Direção de Finanças de Coimbra, tendo que partir daquela e não desta, a possibilidade de praticar atos de inspeção fora da sua área territorial, habilitando este serviço a praticá-los, depois da instauração do procedimento, da emissão da ordem de serviço e do despacho que tal ordenasse, o que não aconteceu, realçando-se ainda que a lei, no mencionado artigo 17.º, refere expressamente atos de inspeção e não instauração do procedimento de inspeção, que são coisas diferentes, tal como não se confunde um ato de inspeção com o ato de emissão da ordem de serviço pelo órgão competente com a consequente credenciação dos funcionários.
f) Assim, considerando-se que o procedimento externo subsequente de inspeção só se inicia com a notificação da ordem de serviço (o procedimento inspetivo inicia-se na data da assinatura da ordem de serviço que determinou a respetiva realização e é nesse momento que se fixa, para todos os efeitos, a competência territorial para a prática dos atos inspetivos – Ac. do TCAN de 22.10.2022, Proc. 02059/12.9BEPRT) temos que esta ordem de serviço foi errada e ilegalmente produzida/emitida pela Direção de Finanças de Coimbra, por incompetência legal, não sendo, com toda a certeza, um ato de inspeção mas um ato que possibilita a inspeção e este era somente da competência da Direção de Finanças de Lisboa.
g) Para sustentar a sua posição junta parecer jurídico.
h) Ademais invoca que da notificação efetuada não consta que o legal representante da requerente estivesse ausente ou se tenha recusado a assinar o quer que fosse e a ter acontecido era à AT que se impunha provar tal facto.
i) Quer o projeto de relatório quer o relatório final não sendo atos de inspeção, também não poderiam ter sido elaborados pelos funcionários da Direção de Finanças de Coimbra, porque não pertencem funcionalmente ao órgão competente para o procedimento que é a Direção de Finanças de Lisboa e a impugnante ao exercer o direito de audição fê-lo e remeteu-o, de boa fé, para a entidade donde a notificação era procedente, acrescendo que apenas teve conhecimento do referido despacho em 27.11.2024 e depois de ter requerido que lhe fosse dado conhecimento do mesmo (Doc. 2).
j) Acrescenta ainda, sem prescindir, que, independentemente de se saber se se exige, para a aplicação da norma em causa, o consentimento do proprietário do imóvel, sendo que, no nosso entendimento estribado na mais variada jurisprudência, o mesmo é não é necessário, o certo é que no âmbito do Acordo Quadro celebrado entre a ora requerente e a sociedade B... Unipessoal, Lda., datado de 4.8.2023, aditado em 18.12.2023, com a intervenção da sociedade C..., S.A., ficou convencionado que:


k) Donde ficou consagrado o reconhecimento/autorização/obrigação contratual, precedente, pelo proprietário, da celebração do contrato de trespasse entre a A..., S.A. e a C..., S.A., o que veio a ocorrer.
l) Aliás, da “ficha doutrinária artigo 3.º n.º 4 do CIVA” salienta-se a clarificação do pretendido pelo artigo 3.º n.º 4 do CIVA pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e aceite pela AT pois transcreve esta definição para as suas informações vinculativas:
“11. Tendo em conta esta finalidade, o TJUE considerou que «o conceito de "transferência a título oneroso ou a título gratuito, ou sob a forma de entrada numa sociedade, de uma universalidade de bens ou de parte dela" deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão do estabelecimento comercial ou de uma parte autónoma de uma empresa que inclui elementos corpóreos e, se for caso disso, incorpóreos que, em conjunto, constituem uma empresa ou parte de uma empresa que pode prosseguir uma atividade económica autónoma, mas que não abrange a simples cessão de bens, como a venda de um stock de produtos».”
m) Esta definição indica claramente o espírito do legislador, confirmando, em nossa opinião, que a situação em análise que inclui “transmissão de bens, licenças e pessoas”, configura a transmissão de uma atividade autónoma (que está a ser exercida atualmente pela entidade adquirente), não tendo qualquer enquadramento no conceito excluído da isenção em sede de IVA pelo TJUE de “simples cessão de bens, como a venda de um stock de produtos”.
n) Por outro lado, da informação n.º 324, por despacho de 2010-02-18, do SDG do IVA salienta-se os seguintes parágrafos no que respeita à cedência de direitos e o seu tratamento no âmbito do artigo 3.º do CIVA:
“8 - De harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA excluem-se do conceito de transmissão e consequentemente da aplicação do imposto "as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º".
9 - Este preceito legal traduz-se numa norma de delimitação negativa da incidência do imposto, que abrange as cessões a título definitivo de um estabelecimento comercial, que poderão englobar quer a cedência de elementos corpóreos quer de incorpóreos, recorrendo, para estes, à aplicação em simultâneo do disposto no n.º 5 do artigo 4.º, que manda aplicar às prestações de serviços o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 3.º "em idênticas condições", já que a cedência de direitos consubstancia uma prestação de serviços, nos termos do Código, por força do conceito de "transmissão de bens" prevista no artigo 3.º do CIVA.
o) A Autoridade Tributária clarifica que a transmissão de direitos necessários ao exercício de atividade autónoma está incluída no conceito património que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente e consequentemente abrangido pela isenção do artigo 3.º n.º 4 do CIVA.
p) Assim, ao ser efetuada uma negociação simultânea entre as três partes, ficando assegurado que a entidade adquirente do trespasse, tem o direito de utilização do espaço hoteleiro conforme contratualizado com a nova proprietária do imóvel, no âmbito desta negociação tripartida, parece-nos um direito relevante que não poderá ser separado da análise da transmissão do negócio realizada, não tendo assim a AT qualquer razão ou fundamento na correção que efetuou.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
Quanto ao procedimento inspetivo
a) Relativamente às questões levantadas relativamente ao procedimento inspetivos, desde já se adianta que nenhuma razão assiste à Requerente.
b) Podemos, desde já, adiantar, em suma, que no que concerne à falta de competência territorial do órgão que realizou a inspeção e conforme consta do Processo Administrativo, verifica-se que por despacho do diretor de finanças de Lisboa de 23-05-2024 foi determinada a extensão de competência à DF de Coimbra, nos termos do artigo 17.º do RCPITA, com os fundamentos que constam da informação na qual foi exarado tal despacho e,
c) No que se refere à assinatura da ordem de serviço pelo Sr. D... com o NIF..., que assinou a mesma na qualidade de assistente da administração, tal ocorreu por indicação expressa da contabilista certificada, G... que indicou ser este o seu superior hierárquico.
d) Acresce que dos elementos do processo, designadamente no contrato de trespasse, consta o Dr. D... como representante da sociedade (veja-se o anexo IV deste contrato, anexo 6 ao relatório de inspeção).
e) Deste modo, cumpre-nos explicitar que o procedimento de inspeção tributária é um dos vários procedimentos tributários existentes no âmbito da atividade da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e, como tal, afigura-se como uma sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários (quer sejam direitos dos contribuintes, quer sejam direitos da AT).
f) Como resulta do n.º 2 do artigo 2.º da Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), os procedimentos de inspeção abarcam diversas formas de atuação da Administração tributária, compreendendo nomeadamente:
a) Confirmação dos elementos declarativos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários;
b) Indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos e demais
c) Esclarecimento e a orientação dos sujeitos passivos e demais
d) Realização de estudos individuais, setoriais ou territoriais sobre o comportamento dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a evolução dos sectores económicos em que se insere a sua atividade;
e) Promoção do sancionamento das infrações tributárias;
f) Outras ações de averiguação ou investigação legalmente incumbidas à AT.
g) Já quanto aos procedimentos de inspeção têm um caráter meramente preparatório/acessório em relação aos atos tributários, pelo que não são, por norma, diretamente impugnáveis.
h) Porém, o artigo 11.º do RCPITA contém uma cláusula de salvaguarda ao atribuir aos sujeitos inspecionados o direito de impugnar as medidas cautelares adotadas ou quaisquer outros atos lesivos dos direitos e garantias legalmente conferidos aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
i) Deste modo, quando a Requerente invoca que não teve oportunidade de impugnar os atos lesivos alegadamente perpetrados pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), por falta de competência da entidade que ordenou o procedimento de inspeção, na medida em que não foi devidamente notificada, é uma falsa questão.
Quanto às alegadas irregularidades
a) No âmbito do procedimento de inspeção ora em causa foram efetuadas duas correções, a saber:
a. Regularização do IVA deduzido na aquisição e construção do imóvel;
b. Contrato de Trespasse.
b) No que respeita ao primeiro ponto, a questão da regularização do IVA deduzido na aquisição e construção do imóvel, a requerente não põe em causa esta correção.
c) Deste modo, relativamente a esta matéria, deverá o este tribunal arbitral considerar que se formou caso decidido, o que desde já se requer.
d) Com efeito, a Requerente impugnou apenas a matéria relativa ao contrato de trespasse.
e) A argumentação aqui expendida tinha já sido apresentada em sede de direito de audição e respondida nos seguintes termos:
“Nas páginas 1 a 5 do direito de audição, começou por ser reproduzido o artigo 3.º do CIVA, elencando-se de seguida os pressupostos de verificação cumulativa para que uma operação se enquadre na delimitação negativa da incidência do imposto, prevista no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA. Segue-se depois uma incursão por alguma doutrina e jurisprudência sobre a génese desta norma com a necessária referência à Diretiva IVA, com o objetivo de precisar o conceito do que se deve entender por um património ou parte de um património suscetível de constituir um ramo de atividade independente. No Projeto de Relatório de Inspeção (PRI) já se tinha feito alusão, para enquadramento das correções propostas, à Diretiva, bem como à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), exatamente com o objetivo de precisar tal conceito, concluindo-se que os bens e direitos transmitidos não eram suficientes para que o adquirente (sociedade C..., S.A.) continuasse a exercer a atividade de forma independente, como bem se fundamenta no PRI”.
f) Com efeito, “não existem dúvidas para as partes, que o que foi transmitido para a C... S.A. foi parte de um património (o imóvel foi transmitido a um terceiro), pelo que há que estabelecer a distinção entre a parte de uma universalidade de bens suscetível de constituir um ramo de atividade independente, operação não sujeita a IVA e a transferência de um ou mais bens do ativo da empresa, que normalmente configura uma operação tributada”.
g) De facto, o que aqui se encontra em causa é o contrato designado como “Contrato de Trespasse de Estabelecimento Comercial com Transmissão de Bens Moveis e de Licenças Integrantes de um Estabelecimento Hoteleiro”,
h) Contrato esse celebrado entre a aqui Requerente e a Sociedade C..., S.A.
i) Da análise ao contrato e respetivos anexos, somos obrigados a concluir que o que foi transmitido para a sociedade C... foram os bens móveis que se encontram listados e descritos no Anexo I ao Contrato e quanto às licenças, estas consubstanciam, apenas, o titulo de registo nacional de empreendimento turístico e não se encontra relevada como Ativo (Intangível)
j) Alega a Requerente, quanto a esta distinção, que não se encontra qualquer esclarecimento na Diretiva IVA, nem até à data esta questão foi considerada pelo TJUE, pelo que aponta como razoável a solução adotada pelo Reino Unido e que de acordo com a entidade inspecionada prevê “que quando os ativos representando uma parte de uma empresa suscetível de funcionar separadamente são transferidos de forma que exista continuidade de exploração”, a exclusão de tributação é aplicável e não se considera que exista qualquer entrega de bens (artigo 69.º do PPA).
k) Como bem referido no RIT, a continuidade da exploração não pode ser o critério para avaliar se a parte do património transmitido é suscetível de constituir um ramo de atividade independente, na medida em que podem ser adquiridos outros bens e serviços a terceiros, permitindo, assim, ao adquirente dar continuidade à exploração, sem ser com bens transmitidos.
l) De facto, para que seja afastada a tributação, não basta que se dê continuidade à exploração.
m) Na verdade, é imperativo que, no seu conjunto, os elementos transmitidos sejam suficientes para permitir a continuação de uma atividade económica autónoma.
n) Tal como bem refere o RIT, “(…) no caso em discussão, os bens e direitos transmitidos, carecem de uma instalação especial, o imóvel onde funciona a unidade hoteleira, pelo que se reitera, que não existiu a transferência de um património que permita a continuação de uma atividade económica autónoma, pois o imóvel foi transmitido a um terceiro e a continuidade da atividade depende de um contrato a estabelecer entre partes diferentes” (RIT).
o) Dito de outra forma, aqueles bens e direitos transmitidos à sociedade C... não eram suficientes para a mesma continuar a atividade da Requerente.
p) Este contrato de trespasse veio a ser celebrado em 21 de dezembro de 2023, conforme se deu nota, no ponto V.1.3.2. e teve por consequência a transmissão de uma parte do património da A... para a esfera da sociedade C....
q) Na mesma data foi celebrado a escritura de dação em cumprimento concretizando a transmissão do imóvel da A... para a propriedade da sociedade B... .
r) Refere a entidade inspecionada que ao “ser efetuada uma negociação simultânea entre as três partes, ficando assegurado que a entidade adquirente do trespasse, tem o direito de utilização do espaço hoteleiro, não podendo este direito ser separado do “contrato de trespasse”, conclui que este contrato celebrado entre a A... e a C... não configura qualquer transmissão face ao n.º 4 do artigo 3.º do CIVA,
s) Argumento este que não se pode, de qualquer forma, aceitar.
t) O acordo quadro celebrado em 4 de agosto de 2023, entre a A... e a B..., não é mais do que o estabelecimento da estrutura de transações entre as duas entidades com vista à aquisição do imóvel e do estabelecimento hoteleiro nele instalado, à data da celebração deste acordo, tudo propriedade da sociedade A..., S.A..
u) Em 18-12-2023, foi efetuada uma alteração a este acordo, com a intervenção da sociedade C..., ficando estabelecido que a B... adquiriria o imóvel e entre a A... e a C... seria celebrado um “Contrato de Trespasse do Estabelecimento Hoteleiro”, significando esta expressão a aquisição pela C... à A... dos bens móveis, licenças e trabalhadores afetos ao estabelecimento hoteleiro (ver ponto 1.3 do aditamento ao acordo quadro). O próprio aditamento deixa de dar ênfase ao estabelecimento hoteleiro passando a significar uma aquisição/transmissão de bens e direitos.
v) Com esta alteração ao Acordo Quadro não foi transmitida uma posição contratual. Na verdade, foi alterado o acordo dando origem a dois negócios distintos, com entidades jurídicas também elas distintas, que ocorreram em simultâneo:
a. por um lado, a transmissão da propriedade do imóvel para B... e
b. por outro, a transmissão de bens, licenças e contratos com trabalhadores para a C... .
w) Decorrente desta transmissão, per si, a C... nunca poderia dar continuidade a uma atividade económica.
x) De facto, a própria entidade inspecionada, na sua contabilidade, afetou o valor total do negócio do dito” trespasse” aos bens do ativo fixo tangível, pois considerou que os € 2.450.000 recebidos da C..., consubstanciam o valor de realização dos bens do ativo fixo tangível transmitidos, tendo sido este valor o relevante para o cálculo da mais valia.
y) Ora, de acordo com o n.º 1, do artigo 75.º da LGT, os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial presumem-se verdadeiros, não existindo, no caso em análise, quaisquer indícios que afastem esta presunção legal.
z) Acresce, ainda, que em termos declarativos o sujeito passivo não invocou tal norma como motivo para a não liquidação de IVA, como se comprova designadamente pelo não preenchimento do Quadro 9 – campo L61 do Anexo L (Declaração anual de elementos contabilísticos e fiscais relativos a IVA) à IES do período de 2023.
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) O Sujeito Passivo “A..., S.A.,”, doravante Requerente, NIPC..., sociedade tem por objeto a promoção, instalação e exploração de estabelecimentos hoteleiros, restaurantes, bares, espaços de lazer, salas de ginástica, salas de jogos, com exclusão dos de fortuna e azar, salas de conferências, espaços destinados a comércio ou serviços, parqueamentos automóveis e a organização de todo o tipo de atividades e eventos turísticos, bem como a consultoria e prestação de serviços diversos na área turística e do entretenimento; formação e certificação profissional, incluindo o desenvolvimento de cursos específicos na área de hotelaria e turismo, compra de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, exploração, gestão e administração de bens imobiliários (próprios ou alheios) e a prestação de serviços conexos com o seu objeto social.
b) A Requerente iniciou a atividade em 23/08/2013, encontrando-se inscrita para o exercício da atividade principal de “hotéis – apartamentos com restaurante” (CAE 55116) e para o exercício das atividades secundárias de “arrendamento de bens imobiliários” (CAE 68200), “hotéis com restaurante” (CAE 55111) e “compra e venda de bens imobiliários” (CAE 68100).
c) No que respeita ao IVA, no ano de 2023, a atividade da Requerente encontrava-se “enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, com dedução total de imposto, contudo, é relevante referir que da análise efetuada se constatou que o sujeito passivo praticou operações sujeitas que conferem direito à dedução e operações isentas que não conferem esse direito” (Cfr. Relatório de Inspeção Tributária – RIT –, ponto III.1.2.).
d) Notificada da liquidação adicional (LA) de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de Juros Compensatórios (JC), bem como das respetivas demonstrações de liquidação e de acerto de contas referentes ao período de 2023, a seguir discriminadas:
a. Liquidação adicional de IVA (LA) n.º 2024..., de 04/12/2024, no montante de € 4.646.790,28, a qual originou o processo de execução fiscal (PEF) n.º ...2025..., instaurado em 06/02/2025, por falta de pagamento da nota de cobrança aqui em questão; e
b. Liquidação de juros compensatórios (JC) n.º 2024..., da mesma data, no montante de € 135.457,11.
e) Veio contestar as correções meramente aritméticas de IVA efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), que estão na base da liquidação impugnada, bem como os correspetivos juros compensatórios, e requerer a procedência da ação, por provada, e, consequentemente, a declaração de ilegalidade e respetiva anulação do ato tributário supra identificado, no valor total de € 4.782.247,39 (quatro milhões setecentos e oitenta e dois mil e duzentos e quarenta e sete euros e trinta e nove cêntimos).
f) A liquidação adicional de IVA ora contestada resultou de correções meramente aritméticas realizadas no decurso da ação inspetiva externa credenciada pela ordem de serviço n.º OI2024..., de âmbito parcial (alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA) e com incidência no exercício de 2023.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos e a audiência realizada, tendo admitido, ao abrigo da livre condução do processo, todos os documentos pertinentes ao apuramento da verdade material, garantindo o pleno contraditório às partes.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
IV.2.A. Quanto ao procedimento inspetivo
O artigo 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”) dispõe (em redação que já era aplicável à data dos factos aqui em causa) o seguinte:
“Artigo 13.º
Lugar do procedimento de inspeção
Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”
A qualificação de uma inspeção tributária como interna ou externa não tem efeitos apenas teórico-classificativos, mostrando-se, ao invés, fundamental no que se refere à definição dos direitos e garantias dos contribuintes e ao grau de formalismo inerente a um e outro tipo de inspeções, com reflexos nos atos tributários emitidos em consequência do procedimento inspetivo.
De facto, a necessidade de assegurar formalismos mais estritos no caso de inspeções externas entronca na circunstância de as mesmas serem, entre outros fatores, mais intrusivas e tendencialmente poderem afetar, na prática, a própria atividade da empresa pela presença física de inspetores e necessidade de alocar recursos humanos ao acompanhamento presencial da inspeção e também, com ainda maior relevância, serem aptas a suspender o curso do prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto, alargando o período em que o Estado pode exigir dos contribuintes o cumprimento de obrigações tributárias (v. artigo 46.º, n.º 1, da LGT) – neste sentido cfr. Nuno De Oliveira Garcia e Rita Carvalho Nunes, «Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção», in Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, Ano IV (2011), n.º 1, p. 251.
E nessa medida, como apontam os citados autores mas também Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, no seu Regime Complementar Do Procedimento De Inspecção Tributária (RCPIT) Anotado e Comentado, Almedina, (Coimbra:2021), 2.ª Ed., pp. 99-100, a qualificação dada ao procedimento de inspeção pela Autoridade Tributária não é vinculativa, devendo apurar-se, em função dos concretos atos praticados e independentemente do local em que ocorra a análise se se trata de uma inspeção externa ou interna.
No caso concreto, quando a Requerente invoca que não teve oportunidade de impugnar os atos lesivos alegadamente perpetrados pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), por falta de competência da entidade que ordenou o procedimento de inspeção, na medida em que não foi devidamente notificada, é uma falsa questão.
Tenham tais documentos sido analisados nas instalações da Requerente ou dos SIT, afigura-se a este tribunal que o tipo de análise – valores e detalhes de vendas, confirmação da conformidade de documentos de pagamentos que numa era tecnologicamente menos avançada teriam provavelmente implicado a presença dos SIT nas instalações da empresa Requerente – constitui, materialmente, um exercício inspetivo de carácter externo, sujeito ao regime da alínea b) do artigo 13.º do RCPITA.
Contudo, tal qualificação resultante do despacho da DF de Lisboa não produz os pretendidos efeitos de nulidade das liquidações aqui em causa pelo atraso de notificação do início do procedimento inspetivo.
Tal falta é geradora de mera irregularidade (e não de nulidade), sanada na medida em que foi evidente a oportunidade dada à Requerente para se pronunciar no decurso do procedimento e para exercer o direito de audição prévia à emissão do relatório final de inspeção, como se deu por provado ter sucedido – neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) proferido no âmbito do processo n.º 01095/15, em 29 de junho de 2016, no qual impressivamente se refere que “a falta da notificação prévia prevista no art. 49.º do RCPIT não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo”.
Ademais, concordamos totalmente com a Requerida quando refere:
a) Quanto aos procedimentos de inspeção têm um caráter meramente preparatório/acessório em relação aos atos tributários, pelo que não são, por norma, diretamente impugnáveis.
b) O artigo 11.º do RCPITA contém uma cláusula de salvaguarda ao atribuir aos sujeitos inspecionados o direito de impugnar as medidas cautelares adotadas ou quaisquer outros atos lesivos dos direitos e garantias legalmente conferidos aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
Ou seja, os atos consolidaram-se na ordem jurídica e precludiu-se o direito de impugnar os mesmos, nos termos do artigo 11.º do RCPITA. Deste modo, quando a Requerente invoca que não teve oportunidade de impugnar os atos lesivos alegadamente perpetrados pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), por falta de competência da entidade que ordenou o procedimento de inspeção, na medida em que não foi devidamente notificada, é uma falsa questão – porque na realidade já vai tarde (incluindo o parecer que junta, que não seria aplicável nesta jurisdição). Pelo que improcede o pedido de declaração de nulidade das liquidações impugnadas com fundamento em violação dos artigos 49.º, 50.ºe 51.º do RCPIT e dos artigos 59.º e 69.º da LGT, entendendo-se como sanada a irregularidade assacável ao procedimento inspetivo em causa nos autos, pelo que improcede o pedido nesta parte.
IV.2.B. Quanto às alegadas irregularidades
Conforme alegado pela Requerida, no âmbito do procedimento de inspeção ora em causa foram efetuadas duas correções, a saber:
a. Regularização do IVA deduzido na aquisição e construção do imóvel;
b. Contrato de Trespasse.
No que respeita ao primeiro ponto, a questão da regularização do IVA deduzido na aquisição e construção do imóvel, a requerente não põe em causa esta correção. Deste modo, relativamente a esta matéria, este Tribunal não tem de se pronunciar por não fazer parte do pedido ou da causa de pedir.
Na verdade, a Requerente impugnou apenas a matéria relativa ao contrato de trespasse.
Ora, o que aqui se encontra em causa é o contrato designado como “Contrato de Trespasse de Estabelecimento Comercial com Transmissão de Bens Moveis e de Licenças Integrantes de um Estabelecimento Hoteleiro”, contrato esse celebrado entre a aqui Requerente e a Sociedade C..., S.A.
Da análise ao contrato e respetivos anexos, somos obrigados a concluir que o que foi transmitido para a sociedade C... foram os bens móveis que se encontram listados e descritos no Anexo I ao Contrato e quanto às licenças, estas consubstanciam, apenas, o título de registo nacional de empreendimento turístico e não se encontra relevada como Ativo Intangível.
Como bem referido no RIT e acompanhando o alegado pela Requerida, a continuidade da exploração não pode ser o critério para avaliar se a parte do património transmitido é suscetível de constituir um ramo de atividade independente, na medida em que podem ser adquiridos outros bens e serviços a terceiros, permitindo, assim, ao adquirente dar continuidade à exploração, sem ser com bens transmitidos.
De facto, para que seja afastada a tributação, não basta que se dê continuidade à exploração, conforme refere a Requerente.
Na verdade, é imperativo que, no seu conjunto, os elementos transmitidos sejam suficientes para permitir a continuação de uma atividade económica autónoma. Tal como bem refere o RIT, “(…) no caso em discussão, os bens e direitos transmitidos, carecem de uma instalação especial, o imóvel onde funciona a unidade hoteleira, pelo que se reitera, que não existiu a transferência de um património que permita a continuação de uma atividade económica autónoma, pois o imóvel foi transmitido a um terceiro e a continuidade da atividade depende de um contrato a estabelecer entre partes diferentes” (RIT). Dito de outra forma, aqueles bens e direitos transmitidos à sociedade C... não eram suficientes para a mesma continuar a atividade da Requerente.
Este contrato de trespasse veio a ser celebrado em 21 de dezembro de 2023 e teve por consequência a transmissão de uma parte do património da A... para a esfera da sociedade C... . Na mesma data foi celebrado a escritura de dação em cumprimento concretizando a transmissão do imóvel da A... para a propriedade da sociedade B... .
Refere a Requerente que ao “ser efetuada uma negociação simultânea entre as três partes, ficando assegurado que a entidade adquirente do trespasse, tem o direito de utilização do espaço hoteleiro, não podendo este direito ser separado do “contrato de trespasse”, conclui que este contrato celebrado entre a A... e a C... não configura qualquer transmissão face ao n.º 4 do artigo 3.º do CIVA. Argumento este que o Tribunal não pode, de qualquer forma, aceitar – o acordo quadro celebrado em 4 de agosto de 2023, entre a A... e a B..., não é mais do que o estabelecimento da estrutura de transações entre as duas entidades com vista à aquisição do imóvel e do estabelecimento hoteleiro nele instalado, à data da celebração deste acordo, tudo propriedade da sociedade A..., S.A..
Ademais, em 18-12-2023, foi efetuada uma alteração a este acordo, com a intervenção da sociedade C..., ficando estabelecido que a B... adquiriria o imóvel e entre a A... e a C... seria celebrado um “Contrato de Trespasse do Estabelecimento Hoteleiro”, significando esta expressão a aquisição pela C... à A... dos bens móveis, licenças e trabalhadores afetos ao estabelecimento hoteleiro (ver ponto 1.3 do aditamento ao acordo quadro). O próprio aditamento deixa de dar ênfase ao estabelecimento hoteleiro passando a significar uma aquisição/transmissão de bens e direitos. Conforme bem referido pela Requerida, com esta alteração ao Acordo Quadro não foi transmitida uma posição contratual. Na verdade, foi alterado o acordo dando origem a dois negócios distintos, com entidades jurídicas também elas distintas, que ocorreram em simultâneo:
a. por um lado, a transmissão da propriedade do imóvel para B... e
b. por outro, a transmissão de bens, licenças e contratos com trabalhadores para a C... .
Ora, prevê o n.º 4 do artigo 3.º do CIVA “Não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º”
Da análise deste normativo, que faz uma delimitação negativa das regras de incidência, concluímos que a sua aplicabilidade está dirigida à transmissão da universalidade do património do estabelecimento comercial ou à transmissão de uma parte dele e estabelecendo, para o efeito, que o património transmitido por si só seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, ou quando em qualquer dos casos o adquirente seja ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de IVA de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
O legislador fiscal não impõe a obrigatoriedade que a transmissão abranja a totalidade do património do estabelecimento, poderá ser parte, mas a final teremos que estar em presença de uma unidade de atividade independente e que o seu adquirente já seja, ou venha ser, por força da aquisição um sujeito passivo de IVA nos termos já referidos e continue a exercer a mesma atividade económica que vinha sendo exercida pelo transmitente, prosseguindo sem interrupções a aludida atividade.
No caso em apreço, revelam os autos que se verificou a transmissão de parte do património do estabelecimento, e os serviços inspetivos da requerida concluíram que o acordo quadro celebrado em 4 de agosto de 2023, entre a A... e a B..., não é mais do que o estabelecimento da estrutura de transações entre as duas entidades com vista à aquisição do imóvel e do estabelecimento hoteleiro nele instalado, à data da celebração deste acordo, tudo propriedade da sociedade A..., S.A., pelo que não poderia ser enquadrada no n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, sem no entanto referirem se este era o único material informático existente na unidade e, por via da sua não inclusão, a unidade ficou impedida de exercer a atividade que lá vinha, no local, sendo exercida, se de facto a adquirente lá continua a desenvolver ou não atividade que vinha sendo exercida pela transmitente ou se os clientes transferidos para a adquirente estão a cumprir as suas obrigações fiscais, dados que, sem grande esforço da requerida, por os deter poderia ter canalizado para os autos por forma a sustentar o seu ponto de vista.
Do exposto consideramos como não verificadas as condições impostas pelo normativo em análise, pelo que a liquidação levada a efeito pela Requerida se encontra suficientemente fundamentada – em suma, a C... nunca poderia dar continuidade a uma atividade económica.
Quanto a este ponto, improcede o pedido arbitral, com as legais consequências.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral, com as legais consequências;
b) Condenar a Requerente ao pagamento das custas.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 4.782.247,39, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 60.282,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de maio de 2025
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Rui Miguel Zeferino Ferreira)
(Hélder Faustino)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.