SUMÁRIO:
I – É jurisprudência assente do TJUE que os Estados-Membros estão obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrado em violação do Direito Europeu.
II – Não obstante, aquele Tribunal tem reconhecido aos Estados-Membros a possibilidade de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do Direito Europeu quando se comprove que o reembolso leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte.
III – Esta exceção, contudo, apenas é admitida pelo TJUE em termos muito estritos, exigindo-se, para que a mesma proceda, que se demonstre a repercussão do imposto, não podendo esta ser presumida pela Administração Tributária, mesmo quando um imposto indireto seja concebido pelo legislador com o objetivo de ser repercutido ou quando o contribuinte esteja legalmente obrigado a incorporá-lo no preço dos bens.
IV – Em face da prova produzida nestes autos – a qual não permite sustentar ou confirmar a repercussão do imposto e consequentemente a existência de eventual enriquecimento sem causa –, não se poderá ignorar que, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, “sempre que da prova produzida [no processo] resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, José Nunes Barata, Maria do Rosário Anjos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., LDA. (anteriormente designada por B..., Lda.), pessoa coletiva N.º..., com sede na ..., rua ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, com a pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento (tácito) do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente e consequentemente sobre os atos de liquidação N.ºs ..., ..., ..., ..., relativos aos meses de Maio a Julho de 2020, com liquidações (duas) a 12/6/2020, 15/7/2020 e 13/8/2020, respetivamente e com vencimento (duas) a 30/6/2020, 31/7/2020 e 31/8/2020, no montante total de €41.747.062,49, que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) e outros tributos que são objeto daquele pedido, referentes ao período decorrido entre Maio a Julho de 2020, apenas na parte que respeita ao montante total de €8.412.411,25 liquidado a título de CSR, contra AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, Rua da Alfândega, Nº 5, R/C, 1149-006 Lisboa.
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 13 de dezembro de 2024.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 3 de fevereiro de 2025, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 21 de fevereiro de 2025, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 26 de março de 2025.
Por despacho de 27 de março de 2025, o TAC proferiu o seguinte despacho:
“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria das exceções invocadas pela Requerida.
2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.
3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação.
5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
A Requerente respondeu às exceções.
II. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
a) A Requerente é uma sociedade cujo objeto social reside, entre outras atividades, no comercio a retalho de combustíveis.
b) No contexto da atividade exercida pela Requerente, e com base nas declarações de introdução no consumo por esta realizadas, a AT procedeu a atos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre Maio e Julho de 2020, conforme quadro que se reproduz:
Periodo
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N.º da liquidação
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Data
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ISP (euros)
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CSR (euros)
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DOC. N.º
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2020/05
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...
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12/06/2020
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8 269 154,03 €
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2 496 179,65 €
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1
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2020/5
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...
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12/06/2020
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4 570 098,34 €
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2
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2020/6
|
...
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15/07/2020
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13 716 682,98 €
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2 684 177,26 €
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3
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2020/7
|
...
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13/08/2020
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15 191 127,14 €
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3 232 054,34 €
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4
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41 747 062,49 €
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8 412 411,25 €
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c) Em 13 de Maio de 2024, a Requerente apresentou nos termos da 2.º parte do N.º 1 do artigo 78.º da LGT, pedido de revisão dos atos tributários de liquidação, tendo sido recebido a 14 de Maio de 2024, já anteriormente identificados, conforme DOC. N.º 5, que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
d) A Autoridade Tributaria não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 meses, referido no N.º 1 do Artigo 57.º da LGT, pelo que, não resta à Requerente outra solução senão recorrer ao presente procedimento.
e) Desta forma, segundo o quadro indicado no artigo 2.º, conclui-se que a empresa liquidou junto da Alfândega de Peniche e Alverca, relativamente ao período supra identificado, a título de CSR, o valor total de €8.412.411,25(oito milhões, quatrocentos e doze mil, quatrocentos e onze euros e vinte e cinco cêntimos).
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
I – Por Exceção
Da falta do interesse em agir
a) No artigo 1.º do PPA assume-se a Requerente como “[A Requerente é] uma sociedade cujo objecto social reside, entre outras actividades, no comercio a retalho de combustíveis.” Prosseguindo no artigo 2.º “No contexto da atividade exercida pela Requerente, e com base nas declarações de introdução no consumo por esta realizadas, a AT procedeu a atos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre Maio e Julho de 2020 …”
b) Nestes termos impõe-se não só assegurar a legitimidade processual da Requerente como o seu interesse em agir, enquanto pressuposto processual autónomo ao da legitimidade, verificando-se da necessidade da tutela jurisdicional da aqui Requerente.
c) Estando em causa um tributo que visa onerar o consumidor, através, como acima referido, de uma repercussão económica, para que se verifique a “necessidade e utilidade” da presente ação torna-se necessário que a aqui Requerente se encontre desembolsada dos montantes pagos em sede de CSR,
d) Ora, atento à natureza da CSR e à sua repercussão económica, a necessidade da proteção jurisdicional da Requerente assenta na NÃO incorporação da CSR no preço das mercadorias vendidas.
e) Atento à qualidade de sujeito passivo de um tributo que visa onerar o consumidor, como o era a CSR, esclarece o Tribunal de Justiça da União Europeia Esclarecendo ainda, no despacho de 07/02/2022, no Proc.º C-460/21, que:
“38 Como resulta de jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado-Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.° 12, e de 1 de março de 2018, Petrotel-Lukoil e Georgescu, C-76/17, EU:C:2018:139, n.° 32).
39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C. 218/95, EU:C:1997:12, n.°21, e de 1 de março de 2018, Petrotel-Lukoil e Georgescu, C-76/17, EU:C:2018:139, n.° 33).
40 Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.(…)
42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. (…)”
f) Assim, aceitar-se que a Requerente tenha interesse em agir reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, como abaixo se demonstra que repercutiu tais valores no consumidor através do preço, o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona, para além de se estar sem fundamento perante a violação de normas da constelação normativa dos IEC, poder-se-ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição, pois, no limite, pretende a Requerente a restituição de um valor repassado ao consumidor final, não demonstrando qual o direito violado, dado que não é a própria que se encontra desembolsada dos montantes pagos a título de CSR, conforme prova a aqui Requerida através, entre outros, da Informação n.º 7-A_IE/2025 datada de 2025/03/20.
g) Neste sentido cita-se aqui a Decisão arbitral proferida no processo n.º 695/2023-T, datada de 3 de setembro de 2024, a qual decidiu (e bem) atenta à prova da repercussão económica da CSR no consumidor final, que:
“88 E igualmente resulta da jurisprudência do TJUE que, sendo inquestionável o princípio de que os sujeitos passivos têm direito ao reembolso dos impostos cobrados pelos Estado-Membros em violação das disposições do direito da União, em caso de comprovada repercussão do imposto, o princípio da proibição do enriquecimento sem causa do titular do direito, impede o sujeito passivo de obter o reembolso do imposto quando este foi repercutido noutras pessoas ou entidades - cfr., no sentido apontado, o acórdão do TJUE, em sede de reenvio prejudicial, de 14-1-1997, nos apensos C-192-95 a C-218/9 - EU:C:1997:12, n.º 21, e de 1 de março de 2018, Petrotel-Lukoil e Georgescu, C-76/17, EU:C:2018:139, n.º33.
89 O que quer de algum modo dizer que a legitimidade formal ou meramente adjetiva se desvanece ou se convola na falta de concreto interesse em agir12 se e quando se comprove a repercussão do imposto em terceiros, estes sim os únicos verdadeiramente desembolsados do valor do imposto pago.
90 Assim é que, pese embora, no caso, reunidos os pressupostos para aferição da legitimidade formal da Requerente, a verdade é que, apreciando o mérito do pedido e os factos concretos provados e não provados, se comprova que, afinal, essa legitimidade não é acompanhada pela prova do interesse em agir, ou seja, pela prova do direito que invoca.
(…)
94 Do exposto resulta a total e inevitável improcedência do pedido de declaração de ilegalidade dos atos e liquidações mencionados supra em 2 (dois), alíneas a., b. e c., atos que assim se deverão manter na ordem jurídica.”
h) Por tudo exposto, inexistindo efetiva necessidade de tutela jurisdicional a que se arroga, carece a Requerente de interesse em agir, o que consubstancia uma exceção dilatória inominada nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância.
Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
a) A Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2.º, que dispõe que:
b) “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”
c) Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
d) Sendo que, no caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivas liquidações.
e) Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
f) E a este propósito veja-se o artigo 4.º da LGT onde o legislador não só definiu no n.º 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, como vem, ainda, atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no n.º 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto.
g) Daqui resulta que existem tributos aos quais, não obstante terem outra designação, o legislador veio atribuir a qualidade de imposto.
h) Assim, se o legislador pretendesse atribuir, também, essa qualidade à CSR, tê-la-ia, expressamente, enquadrado naquela definição, o que não fez.
Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa e da caducidade do direito de ação
a) Considera a Requerida que, no caso dos autos deverá ainda proceder a exceção da intempestividade do pedido arbitral, com base na intempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações efetuadas, cujo ato de indeferimento, está na origem do presente pedido arbitral.
b) Com efeito, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 11/12/2024, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, rececionado em 14/05/2024 na Alfândega de Peniche, ao abrigo do n.º 1 artigo 78.º da LGT (cfr. comprovativo do CTT, que integra o processo administrativo [PA] que se junta,).
c) E para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa.
d) Sendo que a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
e) A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa rececionado em 14/05/2024 na Alfândega de Peniche, de atos de liquidação efetuados a título de ISP, CSR, na parte relativa aos montantes liquidados a título de CSR, com as seguintes datas limite de pagamento:
Atos de liquidação (nº)
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Data limite de pagamento
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... de 12/06/2020
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30/06/2020
|
... de 12/06/2020
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30/06/2020
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... de 15/07/2020
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31/07/2020
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... de 13/08/2020
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31/08/2020
|
f) Tal pedido de revisão foi efetuado nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
g) Sucede, aliás, que o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral não são tempestivos quanto às identificadas liquidações.
h) É que, tomando por referência o termo do prazo para pagamento da última nota de liquidação, 31/08/2020 e 14/05/2024, data em que foi rececionado/entregue o pedido de revisão oficiosa, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR), previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
i) Razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços, a estes imputável, o que permitiria utilizar o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
j) Acresce que o pedido de revisão tem por fundamento a ilegalidade das liquidações, por entender a Requerente que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é um imposto desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008
k) As liquidações de CSR foram efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, pelo que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se em total consonância com as normas aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, é a mesma legal, logo, isenta de erro.
l) A Administração Tributária limitou-se a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade.
II – Por Impugnação
a) A A..., Lda. é um operador económico que de acordo com informações da própria à data dos factos “qualifica-se como sujeito passivo do ISP em todas as operações que realizou de importação de combustível em Portugal.” – vide Informação n.º ...-A_IE/2025 datada de 2025/03/20 junta como documento 1, página 8.
b) Enquanto “Sujeito Passivo” aquele operador atuava na área dos produtos petrolíferos e energéticos, encontrando-se, quanto às introduções em causa nos presentes autos, sob a jurisdição da Alfândega de Peniche.
c) Com referência ao período de maio a julho, a Requerente efetuou introduções no consumo de produtos petrolíferos, tendo sido processadas as respetivas Declarações de Introdução no Consumo (e-DIC) e emitidos os Documentos Únicos de Cobrança em conformidade, referentes às liquidações identificadas (cf. PA – Pedido de Revisão Oficiosa e documentos/DUC).
d) Em 14/05/2024, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Peniche um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de ISP/CSR efetuados no período acima identificado, quanto à parte em que foram objeto de liquidação da CSR.
e) Em 11/12/2024 a Requerente apresentou, junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, formulando o pedido de anulação do despacho de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e de anulação dos atos de liquidação de CSR, acima identificados, efetuados na sequência de introduções no consumo realizadas nos meses de maio a julho de 2020, bem como a condenação da AT no reembolso do montante de € 8.412.411,25 acrescido de juros de “mora”.
f) O não tratamento fiscal da CSR, não sendo esta faturada separadamente nem reconhecida contabilisticamente numa conta de gastos ou rendimentos, específica,
g) Contabilisticamente é a CSR, em conjunto com o ISP, registada na conta “311915 - Despesas de compra – compras mercado nacional – ISP”, e subsequentemente incorporados na conta de Custos Mercadorias Vendidas Mercadorias Consumidas (CMVMC).
h) Atendendo à NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico, reconhece o contribuinte a CSR numa conta de compras (e não como gasto do período) incorporado no CMVMC.
i) A inclusão da CSR no CMVMC constitui o reconhecimento por parte do contribuinte que a CSR (tal como os restantes impostos ISP e taxa de carbono), incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no respetivo preço de venda.
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, no entanto terão de ser apreciadas as exceções invocadas pela Requerida.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
a) A A..., Lda. é um operador económico que de acordo com informações da própria à data dos factos “qualifica-se como sujeito passivo do ISP em todas as operações que realizou de importação de combustível em Portugal.” – vide Informação n.º ...-A_IE/2025 datada de 2025/03/20 junta como documento 1, página 8.
b) Enquanto “Sujeito Passivo” aquele operador atuava na área dos produtos petrolíferos e energéticos, encontrando-se, quanto às introduções em causa nos presentes autos, sob a jurisdição da Alfândega de Peniche.
c) Com referência ao período de maio a julho, a Requerente efetuou introduções no consumo de produtos petrolíferos, tendo sido processadas as respetivas Declarações de Introdução no Consumo (e-DIC) e emitidos os Documentos Únicos de Cobrança em conformidade, referentes às liquidações identificadas (cf. PA – Pedido de Revisão Oficiosa e documentos/DUC).
d) Em 14/05/2024, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Peniche um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de ISP/CSR efetuados no período acima identificado, quanto à parte em que foram objeto de liquidação da CSR.
e) Em 11/12/2024 a Requerente apresentou, junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, formulando o pedido de anulação do despacho de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e de anulação dos atos de liquidação de CSR, acima identificados, efetuados na sequência de introduções no consumo realizadas nos meses de maio a julho de 2020, bem como a condenação da AT no reembolso do montante de € 8.412.411,25 acrescido de juros de “mora”.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.
A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.
IV.2.A. EXCEÇÕES
A) Da falta do interesse em agir
Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.
O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.
A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.
Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.
No caso da CSR, e conforme é referido pela Requerente, a legitimidade ativa no processo arbitral tributário é reconhecida aos sujeitos passivos, designadamente contribuintes diretos, demais obrigados tributários e outras pessoas que provem um interesse legalmente protegido, nos termos do artigo 9..º, n.ºs 1 e 4 do CPPT.
De outro modo, a repercussão da CSR no consumidor final, por efeito do disposto no art.º 2.º do CIEC, na redação dada pela Lei n.º 24-E/2022, de 30/12, não corresponde a uma forma de substituição tributária, uma vez que não só não é o consumidor final que responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.
Assim, não ocorre na situação em apreço uma deslocação da obrigação tributária do contribuinte direto para um terceiro, sendo este quem, por repercussão, suporta o peso do imposto.
Sem essa deslocação da obrigação, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos artigos 20.º e 28.º da LGT.
Assim, e secundando o alegado pela Requerente, à luz dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT e 18.º, n.º 3 da LGT, dúvidas não restam quanto à legitimidade processual e ao interesse em agir da Requerente, pois têm essa legitimidade os contribuintes, isto é, o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou coletiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.
Neste sentido, a Requerente, enquanto depositária autorizada, é sujeito passivo do ISP, de acordo com a incidência objetiva constante no art.º 4, n.º 1, alínea a) do CIEC e, consequentemente, é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos artigos 4, n.º 1 e 5.º, n.º 1, ambos da Lei n.º 55/2007.
Face ao exposto, dúvidas não restam que a Requerente, na qualidade de contribuinte direto, é titular da relação jurídica tributária, sendo parte legítima e tendo interesse em agir na presente demanda.
Aliás, a plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.
Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.
Termos em que a Requerente é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.
Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.
Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser ao Requerente, por direito próprio, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).
B) Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.
As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço. O mesmo se aplica ao ISP-Consignação de Serviço Rodoviário.
Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.
Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.
Acresce, estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.
Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
C) Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa e da caducidade do direito de ação
Por último, invoca a Requerida a exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa e de caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que o pedido de revisão oficiosa apresentado e cuja declaração de ilegalidade da decisão foi peticionada é intempestivo.
Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo apenas pode ser apresentado dentro do prazo de 120 dias contado do termo do prazo do pagamento voluntário do tributo.
Refere, assim, o seguinte:
a. Com efeito, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 11/12/2024, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, rececionado em 14/05/2024 na Alfândega de Peniche, ao abrigo do n.º 1 artigo 78.º da LGT (cfr. comprovativo do CTT, que integra o processo administrativo [PA] que se junta,).
b. E para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa.
c. Sendo que a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
d. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa rececionado em 14/05/2024 na Alfândega de Peniche, de atos de liquidação efetuados a título de ISP, CSR, na parte relativa aos montantes liquidados a título de CSR, com as seguintes datas limite de pagamento:
Atos de liquidação (nº)
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Data limite de pagamento
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... de 12/06/2020
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30/06/2020
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... de 12/06/2020
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30/06/2020
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... de 15/07/2020
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31/07/2020
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... de 13/08/2020
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31/08/2020
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e. Tal pedido de revisão foi efetuado nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
f. Sucede, aliás, que o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral não são tempestivos quanto às identificadas liquidações.
g. É que, tomando por referência o termo do prazo para pagamento da última nota de liquidação, 31/08/2020 e 14/05/2024, data em que foi rececionado/entregue o pedido de revisão oficiosa, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR), previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
h. Razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços, a estes imputável, o que permitiria utilizar o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
i. Acresce que o pedido de revisão tem por fundamento a ilegalidade das liquidações, por entender a Requerente que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é um imposto desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008
j. As liquidações de CSR foram efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, pelo que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se em total consonância com as normas aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, é a mesma legal, logo, isenta de erro.
k. A Administração Tributária limitou-se a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade.
Ora, o prazo de 4 anos previsto no artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, prossegue a Requerida, só é aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.
Erro esse que in casu não se verifica já que, de acordo com a Requerida, os atos de liquidação impugnados foram praticados ao abrigo dos artigos 4º e 5º da Lei 55/2007, não podendo a Requerida, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, deixar de aplicar quaisquer normas com base num julgamento de não conformidade com o direito comunitário.
Respondendo a esta exceção, defende a Requerente que o erro imputável aos serviços, ao abrigo do qual o artigo 78º da LGT permite a apresentação de pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, comporta não apenas o erro de facto como também o erro de direito, quer este resulte da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.
Em causa nos autos está a interpretação da norma contida no número 1 do artigo 78º da LGT, que dispõe o seguinte:
“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
O dissenso entre a Requerente e a Requerida reside na interpretação da 2ª parte deste preceito, concretamente, em saber se a revisão oficiosa do ato pode ter lugar a pedido do sujeito passivo, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, por um lado, e, por outro lado, na interpretação da locução “erro imputável aos serviços”.
Vamos por partes.
No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 04MAIO2016, processo nº 0407/15 e de 29MAIO2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.
O mesmo se diga em relação à definição de “erro imputável aos serviços”, a qual, como defende a Requerida, se encontra há mais de 20 anos estabelecida na jurisprudência, no sentido de que tal erro comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito.
Como bem se sumaria no recente acórdão do TCA Sul de 05NOV2020, disponível in www.dgsi.pt, “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.” (realce nosso).
Sendo certo que tal ilegalidade poderá reconduzir-se à ilegalidade da liquidação (ilegalidade em concreto) ou à ilegalidade do tributo, isto é, à ilegalidade absoluta da liquidação (ilegalidade abstrata), comportando esta última a ilegalidade de normas nacionais violadoras do direito comunitário.
No caso dos autos, o fundamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e do subsequente pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade abstrata da CSR e não propriamente das liquidações efetuadas, as quais, como bem defende a Requerida, o foram em cumprimento do princípio da legalidade.
Em defesa da sua tese, defende ainda a Requerida que o erro imputável aos serviços, para efeito do disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, no que à alegada violação do direito comunitário respeita, abrange apenas o erro na aplicação do direito comunitário que vincula diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.
Entendemos ser esta questão perfeitamente inócua para o litígio em causa, já que, como é sabido, às diretivas comunitárias é reconhecido o efeito direto vertical, podendo, em consequência, as respetivas normas ser invocadas diretamente pelos particulares junto dos tribunais, independentemente da sua aplicação direta, isto é, independentemente de esta vincular diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.
Em suma, temos, assim, por assente, que (i) o pedido de revisão oficiosa pode ter lugar por iniciativa do sujeito passivo, quer dentro do prazo de reclamação administrativa, com base em qualquer fundamento, quer dentro do prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços; (ii) o erro imputável aos serviços comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito; e (iii) o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares.
Improcede, pois, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.
IV.2.B. Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e obrigação de reembolso dos montantes de imposto indevidamente cobrado em violação do Direito Europeu.
A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.
Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.
De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.
Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.
Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.
O pedido em apreciação consiste, desde logo, de que é jurisprudência assente do TJUE que os Estados-Membros estão obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrado em violação do Direito Europeu.
Não obstante, aquele Tribunal tem reconhecido aos Estados-Membros a possibilidade de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do Direito Europeu quando se comprove que o reembolso leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte.
Esta exceção, contudo, apenas é admitida pelo TJUE em termos muito estritos, exigindo-se, para que a mesma proceda, que se demonstre a repercussão do imposto, não podendo esta ser presumida pela Administração Tributária, mesmo quando um imposto indireto seja concebido pelo legislador com o objetivo de ser repercutido ou quando o contribuinte esteja legalmente obrigado a incorporá-lo no preço dos bens.
A acrescer a isto, entende o TJUE que mesmo quando se comprove a repercussão, não se pode concluir que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo, uma vez que a repercussão pode levar a uma quebra do volume de vendas, maior ou menor.
Entende, portanto, aquele Tribunal, que cabe à Administração Tributária o ónus de provar, primeiro, a repercussão do imposto, depois, o enriquecimento sem causa do contribuinte, atendendo aos particularismos económicos que rodeiam as transações, não se podendo voltar o ónus da prova da repercussão e do enriquecimento sem causa contra o contribuinte.
Decorre também da jurisprudência do TJUE, que a invocação de uma exceção de enriquecimento sem causa com o fim de recusar o reembolso de imposto contrário ao Direito da União, exige norma de Direito interno que a preveja. Desta forma, não restam dúvidas e que todos os montantes liquidados pela Requerente, durante o período supra indicado, relativos à CSR deverão ser devolvidos à Requerente, por serem ilegais, pelos motivos supra expostos.
Senão vejamos.
A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.
A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.
O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.
Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.
O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.
Na apreciação das liquidações indevidas de CSR/ISP e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.
Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.
Consequentemente, no pedido de reembolso pelo Sujeito Passivo de acordo com TJUE, depende da Administração Tributária ter o ónus de provar, primeiro, a repercussão do imposto, depois, o enriquecimento sem causa do contribuinte, atendendo aos particularismos económicos que rodeiam as transações, não se podendo voltar o ónus da prova da repercussão e do enriquecimento sem causa contra o contribuinte.
“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.
Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do sujeito passivo distribuidor no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto, que neste caso pertence à Autoridade Tributária, uma vez que o Requerente é sujeito passivo por direito próprio e não repercutido.
No caso concreto, são identificadas as seguintes evidências:
a) Não resulta provado que o sujeito passivo repercutiu o imposto no consumidor final;
b) A invocação de uma exceção de enriquecimento sem causa com o fim de recusar o reembolso de imposto contrário ao Direito da União, exige norma de Direito interno que a preveja, que no caso concreto não existe;
c) Os únicos argumentos invocados pela Requerida que alegadamente fundamentam a repercussão são contabilísticos, a saber:
a. o não tratamento fiscal da CSR, não sendo esta faturada separadamente nem reconhecida contabilisticamente numa conta de gastos ou rendimentos, específica,
b. contabilisticamente é a CSR, em conjunto com o ISP, registada na conta “311915 - Despesas de compra – compras mercado nacional – ISP”, e subsequentemente incorporados na conta de Custos Mercadorias Vendidas Mercadorias Consumidas (CMVMC).
c. Atendendo à NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico, reconhece o contribuinte a CSR numa conta de compras (e não como gasto do período) incorporado no CMVMC.
d. a inclusão da CSR no CMVMC constitui o reconhecimento por parte do contribuinte que a CSR (tal como os restantes impostos ISP e taxa de carbono), incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no respetivo preço de venda.
São, em nosso entender, argumentos insuficientes e meramente teóricos, presuntivos e desprovidos de realidade e que sejam suficiente para a prova de uma eventual repercussão, sendo que acresce que em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “a prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.
Assim, e em face da prova produzida nestes autos – a qual não permite sustentar ou confirmar a repercussão do imposto e consequentemente a existência de eventual enriquecimento sem causa –, não se poderá ignorar que, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, “sempre que da prova produzida [no processo] resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.
No mesmo sentido expresso nesta decisão arbitral, vd., por ex.: “[tendo a recorrente sido] diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT como constitutivos do direito a que esta se arroga, [pode], sem margem para qualquer dúvida, reclamar a aplicação da regra prevista no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.” (Ac. do TCAN de 3/2/2022, proc. 00058/10.4BEBRG); “[...] acompanha-se o entendimento da ilegitimidade da administração pública, rectius da administração fiscal, em emitir juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, na esteira do escopo societário, mas apenas quando tal juízo de valor reflita uma pronúncia sobre a oportunidade de determinado tipo de conduta empresarial e, por maioria de razão, sobre a orientação dessa mesma conduta, enquanto conduta devida para a obtenção de ganhos, ou seja, acolhe-se o argumento de que a emissão de um juízo de valor sobre ‘(...) a bondade da gestão empreendida (...)’, por parte da AF, é ilegítimo para qualificação de uma determinada despesa enquanto custo ao abrigo do art.º 23.º/1 se e na medida em que essa aferição repousar numa ponderação de causalidade entre o custo e os proveitos. Assim sendo, neste domínio, porque o preceito existe e tem de ter aplicabilidade prática, apenas não será de aceitar como custos fiscais relevantes e, por isso, dedutíveis, aqueles que, independentemente de corresponderem a uma correta ou incorreta atuação de gestão, não forem, objetivamente, adequados ao desenvolvimento da atividade da empresa. [...]. Se a decisão teve na sua génese tão só o interesse da empresa, o prosseguimento do seu objeto social, tal como os seus sócios e gestores, bem ou mal não interessa, ao tempo o interpretaram, o custo não pode deixar de ser havido como indispensável. [...]. [...] ainda que se considere que a correção efetuada tem amparo no art. 23.º do CIRC, não resulta que de tal desconsideração se possa inexoravelmente concluir que os valores em causa se tratavam de adiantamentos por conta de lucros, sendo que era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos donde se pudesse extrair a conclusão atrás referida, atento o disposto no artigo 74.º da LGT” (Ac. do TCAS de 16/10/2012, proc. 05014/11); “[se relacionadas com o objeto social da sociedade recorrida] não pode a Fazenda Pública desconsiderar como custos [...] [as] viagens e estadias do sócio [...] sem que tal correção se deva considerar como entrando pelo campo, verdadeiramente subjetivo, da boa (ou má) gestão empresarial e da consequente e efetiva relevância dos ditos custos no conjunto dos proveitos obtidos pelo sujeito passivo [...]. Por outras palavras, é entendimento da jurisprudência e doutrina que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. art. 23.º, n.º 1, do CIRC), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr. ac. STA-2.ª Secção, 21/04/2010, rec. 774/09; ac. STA-2.ª Secção, 13/02/2008, rec. 798/07; ac. TCASul-2.ª Secção, 17/11/2009, proc. 3253/09).” (Ac. do TCAS de 16/10/2014, proc. 06754/13); “Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. [...]. Não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas devidamente suportadas em documentos idóneos, contabilizadas em conformidade e estando evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas devem ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais.” (Ac. do TCAS de 30/6/2022, proc. 750/09.6 BELRS).
Assim, e em face do supra exposto, conclui-se que a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e de anulação dos atos de liquidação de CSR, acima identificados, são ilegais por erro nos seus pressupostos de facto e de direito, o que determina a anulação das mesmas, com as demais legais consequências.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
b) Julgar procedente o presente pedido arbitral;
c) Condenar a Requerida ao pagamento das custas.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 8.412.411,25, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 104.652,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de maio de 2025
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(José Nunes Barata)
(Maria do Rosário Anjos, com voto vencido)
Declaração de voto:
Com o devido respeito pela análise jurídica vertida no presente Acórdão, entendo não poder subscrever o sentido da decisão no que toca à caducidade do direito de ação, nem quanto ao ónus da prova.
Assim, quanto à caducidade do direito de ação, subscrevo a posição vertida, entre outros, no Acórdão Vapo Atlantic SA, processo nº 629/2021-T, que dou por reproduzido, passando a citar o seguinte excerto, a propósito da mesma questão em discussão nos presentes autos e apelando à jurisprudência do STA mencionada pela Requerente: «…resultava da jurisprudência do STA que o “erro” para efeitos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT compreendia “o lapso, o erro de facto e o erro de direito – incluindo o Direito da União – sendo por isso um conceito amplo que engloba em termos genéricos todos os vícios de violação de lei. Acontece que esta prerrogativa que os Tribunais têm de recorrer ao TJUE para aclarar dúvidas que tenham sobre a interpretação do Direito da União não está ao alcance da AT. Nem o nosso sistema de controlo da constitucionalidade tem os mecanismos de recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional que decorrem da recusa de aplicação de normas pelos tribunais com fundamento em desconformidade constitucional. Quer dizer que nem por alegado desrespeito do Direito da União, nem por alegado desrespeito do Direito Constitucional, a AT pode estar investida na possibilidade de recusar a aplicação de normas legais.
O que nos leva de volta à questão metodológica – prévia – a que antes se fez referência. Uma vez que está em causa saber se a Requerente estava em tempo para pedir a “revisão oficiosa” – e isso implica ajuizar sobre se podia haver “erro imputável aos serviços” (único fundamento para poder beneficiar do prazo alargado de 4 anos da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT) (…)
Em termos lógicos, se há dois prazos (um curto, e um longo) para se obter uma apreciação jurídica, e se a aplicação de um ou de outro depende de uma certa qualificação a realizar no quadro dessa apreciação jurídica, as opções são simples:
- ou se considera que o prazo longo é sempre aplicável;
- ou se considera que nunca é aplicável;
- ou tem de se admitir que, previamente à fase da apreciação jurídica, umas vezes é de aplicar o prazo curto, e outras o prazo longo.
Como nenhuma das soluções extremas é compatível com a existência desses dois tipos de prazos (porque, na verdade, só haveria um – ainda que, dependendo da concepção que se adoptasse, pudesse ser um ou o outro) tem de haver um critério para a decisão vestibular que habilita, ou não, a passagem à fase de apreciação jurídica que só deve ocorrer quando é possível invocar, adequadamente, um dos dois prazos (o curto, porque se está dentro dele, o longo porque se está perante uma das situações a que ele é aplicado). (…)»
Assim, em sintonia com o entendimento vertido no Acórdão arbitral citado, há que distinguir dois tipos de situações:
1 - Situações em que o que está em causa é a possibilidade de a AT ter interpretado defeituosamente as normas aplicáveis, ou ter apreendido mal os contornos da situação de facto subjacente. Nestes casos, ligados à especificidade de cada situação, parece normal que a possibilidade de se aceitar a invocação de “erro imputável aos serviços” (seja de facto ou de direito) que subjaz ao pedido de revisão oficiosa tenha de passar pela sua aferição concreta. E aí, sem dúvida, a AT terá de se pronunciar sobre a situação específica, de modo a poder dizer-se que a rejeição expressa desse pedido “comporta” a apreciação dos fundamentos da decisão. São casos, por exemplo, como os das decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 345/2017, 499/2017-T, 527/2018-T e 114/2019-T. s.
2- Situações em que a questão suscitada pelo contribuinte tem a ver com o estrito cumprimento das normas a que a AT está vinculada, pese embora possa proceder a invocada desconformidade de tais normas com a Constituição, ou com o Direito da União, caso em que não se afigura existir um erro interpretativo ou de aplicação da norma, mas somente o cumprimento do dever da Administração a aplicar, sob pena de se substituir ao legislador e podermos mesmo concluir por uma eventual violação do princípio da separação de poderes. Nestes casos não há, nem pode haver, erro imputável aos serviços. E, assim sendo, aplica-se o prazo mais curto previsto no mencionado artigo 78º, nº1 da LGT.
Este entendimento não deixa o contribuinte desprotegido, apenas delimita a possibilidade de revisão ao prazo mais curto.
É precisamente o caso que se discute nos presentes autos, em que não se afigura, pois, aceitável a tese do erro imputável à AT. Não tem a Administração o poder de se desvincular do princípio da legalidade a que está obrigada e com o fundamento na atribuição exclusiva aos tribunais (justamente apetrechados em exclusivo com os mecanismos de sindicância desses juízos) da competência para a desaplicação de normas desconformes com Direito de nível superior. São casos como os das decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 362/2020-T, 19/2021-T, 189/2021-T e 250/2021-T.
Dispensando outros considerandos, por tudo o que vem exposto, no caso concreto, o pedido de revisão apresentado em 2024, referente a liquidações de 2020, já tinha em muito excedido o prazo em que devia ter sido apresentado, e em consequência, teria decidido pela procedência da exceção de caducidade do direito de ação, como bem alegou a Requerida.
Acresce ainda que, também não subscrevo o entendimento final em matéria de ónus da prova porquanto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem vindo a considerar que, “ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos
sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em
todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão, em cada caso, de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (cfr. Processo n.º C-460/21, parágrafo 44
e a jurisprudência nele citada). Assim se decidiu, entre outros, no Acórdão arbitral proferido no processo nº 151/2024-T, de 29-07-2024, ao qual se adere inteiramente. Como bem se afirma nesta decisão arbitral, segundo a mesma jurisprudência do TJUE acima referida, «não é de admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve sempre lugar, e, mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida (Processo n.º C-460/21, parágrafo 45). Neste sentido, constituindo a repercussão fiscal da CSR um facto positivo, o ónus da prova impende sobre quem o invoca, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária, e, por conseguinte, é ao contribuinte, que pretende obter a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação da CSR e dos correspondentes actos de repercussão na sua esfera jurídica, que cabe realizar a prova da efectiva repercussão.»
No caso sub judice, creio, que essa prova não foi concretamente efetuada pela Requerente a quem cabia o ónus de o fazer.
Eis a razão da minha discordância, pelo que teria decidido pela procedência da exceção de caducidade do direito de ação.
À Árbitro (vogal)
Maria do Rosário Anjos
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.