Sumário
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É ilegal a liquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário por inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria esse imposto, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24.07, por violação do princípio da igualdade tributária, ínsito no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, na dimensão de proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
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Os tribunais arbitrais em matéria tributária têm competência, quando seja o caso, para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da LGT, e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, em conformidade com o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Prof.ª Doutora Marisa Isabel Almeida Araújo e Pedro Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 21 de fevereiro de 2025, acordam no seguinte:
I. Relatório
A...- SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante designado por “Requerente”, com o número único de pessoa coletiva ... com representação permanente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do B..., instituição de crédito constituída ao abrigo do direito irlandês, com sede e direção efetiva em ..., na República da Irlanda, veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º e seguintes, estes últimos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”) referente ao passivo apurado nos anos 2022 e 2023, no valor total de € 100.311,90.
O Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de ASSB reportada a 2022 e 2023 e, bem assim, a anulação deste ato tributário, e a restituição do montante pago acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 13 de dezembro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram oposição.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 21 de fevereiro de 2025.
Em 29 de março de 2025, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo junto documentos e o processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 3 de abril de 2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT), considerando que as questões a decidir são de direito.
As Partes foram notificadas para apresentarem alegações simultâneas e fixado o prazo para a decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, com indicação para pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
O Requerente apresentou as suas alegações em 30 de abril de 2025, reiterando a posição defendida no pedido arbitral. A Requerida apresentou as suas alegações em 2 de maio de 2025, mantendo o entendimento expresso na sua Resposta.
Posição da Requerente
O Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:
O Requerente é uma sucursal em Portugal do B..., instituição de crédito de direito irlandês com sede e efetiva administração na Irlanda.
A 27 de junho de 2022, o Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 57 com o número de identificação..., através da qual efetuou a autoliquidação do ASSB pago em 2022, pelo valor de € 52.690,66, tendo procedido ao respetivo pagamento em 30 de junho de 2022.
A 28 de junho de 2023, o Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 57 com o número de identificação .,.., através da qual efetuou a autoliquidação do ASSB pago em 2023, pelo valor de € 47.621,24, tendo procedido ao respetivo pagamento em 29 de junho de 2023.
Sem prejuízo de ter autoliquidado o ASSB, o Requerente entende que o mesmo padece de várias ilegalidades e inconstitucionalidades, que determinam a anulação das autoliquidações do ASSB pago nos anos de 2022 e 2023.
O Requerente alega a inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP, ao onerar mais gravosamente o setor bancário do que os demais setores de atividade, sem qualquer justificação para o efeito.
O Requerente alega a inconstitucionalidade material por violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação das empresas de acordo com o rendimento real, sustentando que não existe qualquer ligação entre a base de incidência objetiva do ASSB e o rendimento ou o património dos respetivos sujeitos passivos, como exigem o artigo 4.º, n.º 1, da LGT, e o artigo 104.º da CRP.
Sustenta que o ASSB não encontra, sequer, qualquer conexão com uma verdadeira tributação sobre o lucro das empresas, mesmo que este fosse estimado ou pelo menos aproximado, como legal e constitucionalmente se impõe.
E a violação de todos estes princípios fundamentais decorre de uma decisão política do legislador, a qual não se encontra sequer minimamente associada a questões concretas do setor financeiro, mas antes, e sem qualquer razão que o justifique, à sustentabilidade do sistema previdencial da Segurança Social, sobre o qual o setor em geral e o Requerente em particular não impõem qualquer ónus acrescido.
A liquidação e cobrança do ASSB é, totalmente alheia ao conceito de lucro, abstraindo-se totalmente da capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, razão pela qual, também neste plano, a sua incidência sobre o Requerente se revela manifestamente inconstitucional.
O Requerente, entende que o ASSB enferma, também, de outra ilegalidade, por violação da liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
O Requerente mais alega a violação do princípio da não consignação, sustentando, para esse efeito, que a violação da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, desde logo atenta a consignação da receita do ASSB ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, nos termos do disposto no artigo 9.º do respetivo regime jurídico.
Alega, que, não existe qualquer “razão especial” – senão o défice orçamental da Segurança Social – que justifique a concreta afetação do ASSB. Nem muito menos resulta do regime jurídico do ASSB que a respetiva consignação observe o “caráter excecional e temporário” de que tal afetação depende, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 3, da LEO.
Neste contexto, sendo o ASSB um imposto apresentado com carácter excecional, cuja receita é integralmente afeta ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, impõe-se, pois, a conclusão de que o artigo 9.º do regime jurídico do ASSB é ilegal, por violação do disposto no artigo 16.º da LEO, sendo esta uma lei de valor reforçado (cf. artigo 4.º da LEO).
O Requerente defende a violação do princípio da especificação, por violação do disposto no artigo 17.º, n.º 2, da LEO. Quanto às Autoliquidações, da análise ao referido anexo I, conforme alterado pelo artigo 80.º do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de março, e pelo artigo 156.º do Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio, inexiste qualquer referência à cobrança de receita que resulte de um imposto como o ASSB.
Termina o Requerente peticionando que o pedido de pronúncia arbitral objeto do presente requerimento seja julgado integralmente procedente, e a restituição do montante do ASSB indevidamente pago nos anos de 2022 e 2023, mas também o pagamento de juros indemnizatórios contados até à sua efetiva e integral restituição, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT e 24.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, do RJAT.
Posição da Requerida
A Requerida contra-argumentou, em síntese, nos seguintes termos:
A questão que aqui se pretende esclarecer consiste em saber se a sujeição das instituições de crédito ao ASSB consubstancia uma distinção discriminatória em relação aos demais setores de atividade, isto é, se configura uma desigualdade de tratamento materialmente infundada ou sem qualquer fundamento razoável, objetivo e racional.
A Requerida considera ser inequívoco – e, até mesmo, facilmente compreensível – que a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta, tal como a seguir se demonstrará, num critério distintivo objetivo, razoável e materialmente justificado.
Pelo que a tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito.
No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA.
A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.
Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”.
Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável. O que não sucede no caso sub judice.
Sendo, portanto, evidente que o critério distintivo utilizado pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor bancário, uma vez que a diferença de tratamento em causa é justificada com base num fundamento material objetivo, racional e razoável.
Não havendo, por isso, razões para concluir que o legislador possa ter extravasado os limites da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa.
Pelo que deve o presente ppa ser julgado totalmente improcedente, por se entender que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, não violam o princípio constitucional da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, nem qualquer outro princípio constitucional.
A Requerida não sufraga o entendimento do Requerente, no sentido de que o ASSB viola o princípio constitucional da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, e, igualmente, o princípio da capacidade contributiva.
Para a Requerida, o ASSB permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva, que se propõe enquanto imposto que visa compensar a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo até possível enquadrá-lo em experiências internacionais, como demonstrado supra, sempre com inteiro respeito pelo princípio constitucional da igualdade tributária.
Pugnando-se, assim, pela verificação da conformidade constitucional do tributo, rejeitando a violação de todos e cada um dos parâmetros apontados.
A Requerida defende que o ASSB não enferma das inconstitucionalidades apontadas pelo Requerente.
Conclui quanto a este ponto que deve o presente ppa ser julgado totalmente improcedente, por se entender, também nesta senda, que o art.º 2 do anexo VI a que se refere o art.º 18.º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa, nem qualquer outro princípio constitucional.
Da alegada (todavia, inexistente) violação do direito da União Europeia: entende o Requerente que não é possível incluir no âmbito do ASSB as sucursais de entidades com sede ou direção efetiva na UE, sem com isso violar o Direito Europeu, por violação da liberdade de estabelecimento, consagrada no TFUE. O que vale por dizer que, em qualquer dos casos, se não existirem rubricas no Passivo que sejam equiparáveis a capital próprio não podem ser deduzidos quaisquer valores, a esse título, para efeitos do cálculo da base de incidência da ASSB.
Sustenta a Requerida, que não pode este centro de arbitragem – em cumprimento do acórdão do TJUE conjugado com a jurisprudência do STA aferir se é ou não legalmente admissível dedução pelas sucursais dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparados aos capitais próprios (o que o STA já disse que é) – decidir em conformidade com a posição propugnada pela AT e ao arrepio da errónea e desacertada interpretação do Requerente.
Contrariamente ao alegado, o ASSB não está relacionado com os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução.
Pelo mesmo motivo, ao contrário do alegado, não se verifica uma situação de dupla tributação.
Não obstante, quanto à questão da dupla tributação, o Requerente não faz prova nenhuma dos factos que alega (ónus que a si competia, nos termos do art.º 74.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 342.º do Código Civil), o que por si só impede que se possa concluir pela alegada dupla tributação. Sustenta a Requerida, que os argumentos do Requerente não têm qualquer cabimento.
Defende a Requerida, que o ato tributário impugnado se deve manter, por inexistir o invocado vício de violação do Direito Comunitário.
Vem o Requerente alegar que o direito de estabelecimento proíbe todas as medidas nacionais suscetíveis de dificultar ou tornar menos atraente a constituição e a gestão de empresas, bem como a criação de agências, sucursais ou filiais num Estado-Membro, nos termos dos artigos 49.º e 18.º do TFUE.
A Requerida não concorda com o sustentado pelo Requerente, porque o regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito que viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º, 26.º e 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da UE.
O Requerente é uma sucursal de uma instituição de crédito com sede e administração efetiva num estado-membro, que atua em Portugal ao abrigo da liberdade de estabelecimento, nos termos do disposto no artigo 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da UE.
Verifica-se assim que são sujeitos passivos do ASSB também as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português, as quais fazem parte do mesmo grupo de sujeitos passivos beneficiários da isenção de IVA aplicável à generalidade das operações financeiras e, igualmente, da isenção do imposto do selo relativamente às operações de captação de fundos junto de outras instituições financeiras.
Assim, ao contrário do alegado, não existe um tratamento discriminatório, na medida em que o tratamento conferido pelo legislador ao delimitar a incidência objetiva é o mesmo para os todos os sujeitos passivos abrangidos pelo ASSB, não constituindo, portanto, qualquer violação da liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49º do TFUE.
Aliás, tendo em conta a natureza e finalidade do imposto em causa (compensação da isenção de IVA), seria violador do direito da UE não tributar as sucursais que prestam serviços no território nacional.
Defende a Requerida, que não assiste razão ao Requerente neste argumento.
Não obstante, preventivamente e com as merecidas cautelas, os articulados que se estendem supra vêem construir uma interpretação jurídico-normativa que não deixa de convocar abstrações jurídico-constitucionais conexas que robustecem e densificam a legalidade e constitucionalidade, quer das medidas político-fiscais adotadas (na sua vertente objetiva e subjetiva) quer da subsunção da normatividade aos factos, obedecendo deste modo, com a devida vénia, ao melhor direito, reforçando assim, o escrupuloso cumprimento normativo –infraconstitucional – e conservando as bases constitucionais que lhe servem de suporte.
Sobre o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida alega, que a ser procedente a impugnação judicial, o que somente se concebe por hipótese de raciocínio, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT é totalmente ilegal, porque inexistiu erro imputável aos Serviços. Afigura-se ainda que também a AT não pode ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art.º 43º n.º 3 al. d) da LGT, por esta condenação ser ilegal, decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra referidos, dado que a AT não tinha disponibilidade legal de decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais.
Nesta exata medida, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, em caso de vencimento na impugnação, é violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18º n.º 2 da CRP), uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, sendo, contudo, sancionada com o pagamento de juros indemnizatórios.
Ou seja, há falta de correspondência entre o objetivo dos juros indemnizatórios, que é reparar a privação indevida de meios financeiros do Contribuinte, e uma atuação da AT que lhe impute culpa na privação desses meios financeiros.
Assim, afigura-se que em caso de vencimento do Requerente, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra contestados.
Termina a Requerida alegando que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo, dirigido à anulação de atos tributários de autoliquidação de ASSB, tributo enquadrável como um imposto (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
De notar que não é controvertida a qualificação do ASSB como um imposto, aceite por ambas as Partes e consonante com o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 149/2024-T, de 27 de fevereiro de 2024.
Salienta aquele Tribunal que, apesar das afinidades com a CSB [esta caracterizada como contribuição financeira], “designadamente quanto às respetivas regras de incidência objetiva e subjetiva, o ASSB não comunga das finalidades da primeira”, não sendo possível fazer assentar uma presunção de prestação administrativa provocada ou aproveitada pelo Requerente (ou pelo grupo homogéneo de contribuintes em que esta se integra) que o ASSB se destinasse a compensar em torno de uma finalidade como “[…] reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.
O estabelecimento da necessária conexão não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social. E ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida “seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo”, pois muitas das operações financeiras isentas de IVA “são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação”.
“Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). […]
Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.
Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).
Não pode falar-se, enfim, de bilateralidade genérica ou difusa – a bilateralidade é simplesmente inexistente, por falta absoluta de elementos objetivos de conexão que a sustentem. […]”.[1]
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, que no caso ocorreu por ofício datado de 10 de setembro de 2024, tendo a ação arbitral dado entrada em 11 de dezembro de 2024.
Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
1. Factos provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. O A... – SUCURSAL EM PORTUGAL, aqui Requerente, assegura a representação permanente em Portugal do B..., instituição de crédito de direito irlandês com sede e administração efetiva na República da Irlanda – cf. Documento 1 e PA.
B. Na sequência da pandemia de COVID-19 o Conselho de Ministros aprovou, a 4 de junho de 2020, o Programa de Estabilização Económica e Social (“PEES”) cuja materialização se dá, entre outras medidas, na aprovação da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, Orçamento Suplementar para 2020, que vem alterar a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020 de 31 de março) – cf. https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=programa-de-estabilizacao-economica-e-social.
C. A criação do ASSB pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020 de 24 de julho, surgiu da necessidade de recorrer a fontes adicionais de receita pública por parte do Estado, sendo esta “adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social” – cf. Resolução do Conselho de Ministros n. º 41/2020, ponto 4.3.5.
D. A 27 de junho de 2022, o Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 57 com o número de identificação ..., através da qual efetuou a autoliquidação do ASSB pago em 2022, pelo valor de € 52.690,66, tendo procedido ao respetivo pagamento em 30 de junho de 2022. cf. Doc. n.º 3 e 4 do PPA.
E. A 28 de junho de 2023, o Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 57 com o número de identificação ..., através da qual efetuou a autoliquidação do ASSB pago em 2023, pelo valor de € 47.621,24, tendo procedido ao respetivo pagamento em 29 de junho de 2023. cf. Doc. n.º 5 e 6 do PPA.
F. Em 27 de junho de 2024, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa das autoliquidações de ASSB referente ao ano de 2022 e 2023.– cf. Documento 1 e PA.
G. Através da Informação n.º ...-AIR3/2024, de 10 de julho de 2024, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, o Requerente foi notificado para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa. Cfr. Doc 7 do PPA.
H. A Requerente optou pelo não exercício do direito de audição. Cfr. PA.
I. A Reclamação foi indeferida por despacho de 10 de setembro de 2024, através da Informação n.º ...-AIR3/2024 – cf. Documento 2 e PA.
J. Para o indeferimento da Reclamação Graciosa, a AT indica os seguintes fundamentos, de relevo para a presente decisão:
“13. Como referido, é pretensão das Reclamantes ver anulado o ato tributário identificado, com a natural e respetiva restituição do locupletado, com fundamento na suposta inconstitucionalidade material do tributo designado por «Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário» (ASSB), através das suas diversas normas, introduzido no ordenamento jurídico-tributário pelo artigo 18.º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, diploma que promove várias alterações ao Orçamento de Estado para 2020.
14. Faz-se notar que nenhum fundamento ou argumento avançado pelas Reclamantes respeita a ilegalidade por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas a que se refere o regime do ASSB, nem de interpretação ilegal pelos serviços na sua aplicação, ainda que com fundamento em inconstitucionalidade.
15. Disto isto, e a respeito da conformidade constitucional da ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não se pronunciar sobre o mérito e de facto nenhuma outra posição poderá ser tomada.”
(…)
26. Ora, não se encontrando prevista nas leis orgânicas da AT ou até do Ministério das Finanças a competência para o controlo legal ou constitucional de normas tributárias, nenhuma decisão nossa sobre o mérito do presente pedido poderá ser proferida sob pena de nulidade.
27. Deste modo, não obstante, possuirmos uma opinião vincada nesta matéria, qualquer pronúncia nossa, favorável ou não aos interesses das Reclamantes, pecará sempre por inutilidade da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer demais considerações para além das já enunciadas.
28. Nestes termos, deverá ser assim rejeitada a pretensão formulada, ficando prejudicada a apreciação da restituição do montante pago acrescido de juros indemnizatórios.”
– cf. PA.
K. Em discordância das autoliquidações de ASSB referentes aos anos de 2022 e 2023, bem assim, da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que as manteve, o Requerente apresentou no CAAD, em 11 de dezembro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem à presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2. Motivação da decisão da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, conforme acima referenciado, não se constatando, quanto aos mesmos, divergência das Partes.
3. Factos não provados
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
IV. Do Direito
1. Questões decidendas
Nos presentes autos é questionada a constitucionalidade do regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei.
Por fim, cumpre decidir sobre o direito da Requerente a juros indemnizatórios.
2. Breve enquadramento do ASSB
Na conjuntura pandémica de crescente pressão sobre o sistema de segurança social, o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, aprovou o regime do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário ou ASSB, constante do seu Anexo VI, com o objetivo de reforçar os mecanismos de financiamento de segurança social, cuja receita é consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (v. artigos 1.º, n.º 2 e 9.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, tal como determinado pela RCM n.º 41/2020, de 6 de junho).
Como fundamento legitimador o legislador enuncia que o ASSB constitui uma “forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”, assumindo implicitamente que o setor bancário é beneficiado pela não tributação das suas operações típicas em IVA (v. artigo 1.º, n.º 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho).
Os sujeitos passivos do ASSB são as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração em território português; as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português; e, por fim, as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (v. artigo 2.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho).
A base de incidência do ASSB é essencialmente constituída pelo Passivo daquelas entidades e sucursais, recortado nos seguintes moldes:
“a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis […];
b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos”. (v. artigo 3.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho).
Prevê-se ainda, segundo o disposto no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que:
“1 – Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:
a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;
b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;
c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos; d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;
e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e
f) Passivos por ativos não desconhecidos em operações de titularização.
2 –Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam -se as regras seguintes:
a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;
b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.”
O ASSB é anual e que deve ser autoliquidado pelos sujeitos passivos até ao último dia do mês de junho, através do preenchimento da declaração de Modelo Oficial (Declaração modelo 57) aprovada pela Portaria n.º 191/2020, de 10 de agosto.
3. Da violação da Constituição, em especial do princípio da igualdade
A Requerente alega a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, por violar o artigo 13.º da CRP, ao onerar mais gravosamente o setor bancário do que os demais setores de atividade, sem qualquer justificação para o efeito.
Vejamos, pois, se assiste razão à Requerente quanto às inconstitucionalidades suscitadas.
Começar por efetuar-se, ainda que em termos sucintos, a caracterização dos princípios constitucionais da igualdade fiscal e da capacidade contributiva.
Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155).
Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece de um específico e direto preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (ob. cit., pág. 155).
Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação o dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto» (ob. cit., pág. 157).
As questões da inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, foram objeto de várias decisões do Tribunal Constitucional, sendo uniforme a jurisprudência no sentido da violação daqueles princípios, colmo pode ver-se pelos acórdãos n.ºs 469/2014 (retificado pelo Acórdão n.º 507/2024), 529/2024, 592/2024 e 737/2024.
O entendimento consolidado do Tribunal Constitucional sobre esta matéria é evidenciado pelo facto de a questão ser atualmente resolvida por meio de decisões sumárias, como se verifica nas Decisões Sumárias n.ºs 436/2024, 458/2024, 460/2024, 549/2024, 551/2024, 618/2024 e 625/2024, 688/2024, 694/024, 714/2024.
Neste contexto, sendo o Tribunal Constitucional o órgão jurisdicional máximo em questões de inconstitucionalidade, do qual se adere a esta jurisprudência, assim seguindo a decisão tomada no processo 737/2024, tomar-se-á como referência, o Acórdão do TC n.º 469/2024, posteriormente retificado pelo Acórdão n.º 507/2024, em que se escreveu, no que aqui releva, o seguinte:
2.4. Relativamente às normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, o entendimento da decisão recorrida pode sintetizar-se nos seguintes pontos.
Quanto à violação do princípio da igualdade tributária: i) o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português; ii) não obstante a similitude de incidência com a CSB, “[…] o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira”; iii) a justificação apresentada não colhe, tendo em conta a natureza e efeitos da isenção de IVA nas operações financeiras; iv) não é possível “[…] determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o setor bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação”; v) não tem justificação “[…] que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva e desconsidera-se o caráter obrigatório de várias deduções, que a isenção simples não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, bem que essa isenção já é contrabalançada pelo imposto do selo”; assim, vi) “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.
Quanto à violação do princípio da capacidade contributiva: i) não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo […]”; ii) a ausência de correspondência entre o ASSB “[…] e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita”; e, por fim, iii) não se encontra “[…] qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.
Analisemos, pois, cada um dos referidos parâmetros, pela ordem indicada (a que foi seguida no acórdão recorrido e nas alegações), tendo presente que o recorrente (o Ministério Público) diverge da decisão recorrida quanto à violação do princípio da igualdade tributária e com ela converge quanto à violação do princípio da capacidade contributiva.
2.4.1. Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados – a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão n.º 344/2019:
“[…]
A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.
No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.
De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16).
[…]”.
Ou, na formulação do Acórdão n.º 268/2021 (adotada também, por remissão, no Acórdão n.º 505/2021):
“[…]
A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio.
A conceção puramente negativa da igualdade tributária, excluindo os casos de discriminação absurda, não garante, porém, a justiça material ou a coerência interna do sistema tributário. Impõe-se a definição de critérios materialmente adequados à repartição dos diversos tributos públicos. No caso dos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, na medida em que, exigindo-se aos membros de uma comunidade que custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 590/2015, n.º 12).
[…]”.
2.4.2. O recorrente sustenta que não ocorre violação do princípio da igualdade tributária, enquanto proibição do arbítrio, em síntese, pelas seguintes razões, que levou às conclusões da motivação do recurso:
“[…]
25. Sobre a dimensão constitucional deste princípio, na sua dimensão da proibição do arbítrio legislativo, afigura-se-nos especialmente elucidativo o Acórdão n.º 227/2015, de 28 de abril, que conclui que:
17. De tudo quanto ficou dito sobre a proibição do arbítrio, podemos extrair quatro conclusões essenciais:
1.º O legislador pode, seguramente, estabelecer diferenciações: todavia, essa liberdade de diferenciar é uma liberdade condicional, sujeita a limitações;
2.º Assim, uma diferenciação promovida pelo legislador sem um fundamento racional e material suficiente é arbitrária;
3.º A comparação indispensável para comprovar a existência de respeito ou desrespeito pelo princípio da igualdade deve ser sistemicamente contextualizada;
4.º O Tribunal Constitucional, no exercício do controlo do respeito pelo princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, deve limitar-se a um juízo de censura das diferenciações injustificadas.
25. O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores – artigo 1.º, n.º 2 do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.
26. Este é o fundamento adiantado pelo legislador para o tratamento desigual dado ao setor financeiro, onerando-o com o pagamento deste tributo.
27. É certo que, como bem elenca Filipe de Vasconcelos Fernandes:
g) Tratando-se o IVA de imposto europeu, as isenções que vigoram para alguns serviços e operações financeiras são expressamente consentidas pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006;
h) Da mesma forma que vigoram isenções para a generalidade dos serviços e operações financeiras, também assim sucede para setores como os seguros, a saúde, a cultura, o ensino ou o imobiliário, sem que lhes tivesse sido imposta qualquer necessidade de compensação pela despesa fiscal associada às isenções que até ao momento vigoram;
i) Não existe qualquer relação entre a despesa fiscal associada às isenções de IVA aplicáveis a serviços e operações financeiras e a parcela da receita deste último imposto que se encontra afeta ao FEFSS, o designado «IVA social» (receita de IVA resultante do aumento da taxa normal operado através do n.º 6 do art. 32.º, da Lei n.º 39-B/94 de 27.12;
j) A receita proveniente do designado «IVA social» encontra-se, nos termos do art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 02.11, consignada à realização da despesa com prestações sociais no âmbito do subsistema de proteção familiar;
k) A isenção que vigora para serviços e operações financeiras é uma isenção que não confere direito à renúncia, com a consequente não dedutibilidade do IVA suportado nos inputs;
l) A despesa fiscal associada à isenção de IVA que vigora para serviços e operações financeiras está intimamente relacionada com a respetiva sujeição a imposto de selo.
28. Porém, não deixa de ser um facto incontestável que os serviços e operações financeiras sujeitos ao ASSB gozam de isenção de IVA.
29. Tal facto, inquestionável, afigura-se ser o fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa, por muitas críticas que essa opção legislativa possa merecer por parte da doutrina.
30. E aqui não podemos deixar de secundar a declaração voto de vencida da Exma. Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral ao Acórdão supra identificado, ao afirmar:
No entanto, a densidade do escrutínio de que o Tribunal dispõe quando está em causa a censura de escolhas legislativas fundada apenas em violação do n.º 1 do artigo 13.º da CRP não me parece compatível – por razões que, creio, resultam bem claras da jurisprudência sedimentada do Tribunal relativamente ao que deva entender-se por proibição do arbítrio legislativo – com o recurso cumulativo a técnicas de ponderação. A ausência de racionalidade de uma qualquer distinção de regimes que seja estabelecida pelo legislador não se pondera. Verifica-se; e deixa de verificar-se a partir do momento em que, a fundar a diferença, se encontra um qualquer motivo que seja intersubjetivamente inteligível. E isto qualquer que seja o “peso” valorativo próprio que o Tribunal (que não sanciona o mérito das escolhas legislativas) reconheça ou deixe de reconhecer a esse mesmo motivo.
31. Assim, e face ao exposto, não entendemos que o regime que cria o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário, nomeadamente, as disposições conjugadas dos artigos lº, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, seja inconstitucional por violador do princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, previsto no art. 13.º da Constituição.
[…]”.
Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:
“[…]
O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.
Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.
Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação.
Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:
“[…]
Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.
A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor.
[…]”.
Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.
Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).
[…]”.
Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.
Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.
Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.
Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.
2.4.3. As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva.
Nos termos do artigo 3.º do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho:
Artigo 3.º
Incidência objetiva
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:
a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;
b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.
Nos presentes autos, foi recusada a norma contida na alínea a) do referido artigo 3.º.
Trata-se de norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023:
“[…]
A igualdade fiscal a que apela a recorrente pode ser entendida como dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim impedido um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República Portuguesa).
Afirmada assim a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva a que também alude a recorrente assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524).
[…]”.
Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostos “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.
Como faz notar Filipe de Vasconcelos Fernandes (O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 106/109), no ASSB não está em causa, manifestamente, a tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço (e fora dele). […] [E] uma vez que os sujeitos passivos do ASSB são igualmente sujeitos passivos de IRC, esta circunstância acaba por suscitar uma compressão do rendimento que, sob a forma de lucro, acabará sujeito a este último imposto, cenário especialmente agravado pela não dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do ASSB ao lucro tributável dos respetivos sujeitos passivos”, nem a tributação de atos de despesa, verificando-se, aliás, “[…] a impossibilidade de reconduzir o ASSB ao arquétipo dos impostos sobre atividades financeiras (‘financial activities taxes’) e, bem assim, dos impostos sobre transações financeiras (‘financial transaction taxes’), em qualquer uma das suas modalidades […]”, nem , por fim, a tributação do património, já que não basta para qualificar o passivo como património a sua inclusão no balanço, nem – acrescente-se – a respetiva natureza autoriza à partida essa qualificação.
Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., pp. 111/113):
“[…]
[Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva – composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço – possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.
Se, no caso da CSB, a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típica desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.
[…]
Esta circunstância, que no essencial resulta da transposição, sem as necessárias adaptações, da estrutura de incidência da CSB para a estrutura de incidência do ASSB faz com que, em relação aos sujeitos passivo deste último imposto, não exista qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação, agora numa reformulação original enquanto ‘impostos de grupo’.
Todavia, a proliferação deste tipo de impostos especiais ou de grupo – que são uma realidade completamente distinta das contribuições financeiras onde, apesar de tudo, continua a subsistir uma expressão de bilateralidade, ainda que difusa – levanta problemas aos quais os tribunais e, em especial, o TC, não podem ficar indiferentes.
Efetivamente, com o precedente agora levantado com a criação do ASSB, está em causa a aparente possibilidade de o legislador poder replicar num novo tributo a estrutura de incidência de um outro (neste caso, a CSB) e designar aquele primeiro como adicional do segundo sem qualquer preocupação de coerência creditícia ou material entre ambos. Tal redundaria, em nosso entender, numa sobreposição dos argumentos de base creditícia aos argumentos de cariz normativo, onde naturalmente se incluem os princípios constitucionais estruturantes e os princípios fiscais constitucionais, como é o caso da capacidade contributiva.
[…]”.
Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.
Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.
2.5. Às conclusões precedentes não constitui entrave o decidido no âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia (no caso protagonizado pelo Tribunal de Justiça – TJ) no processo n.º C‑340/22 (acórdão de 21/12/2023).
Não obsta, desde logo, tal decisão no segmento em que concluiu que a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução. Para assim concluir, considerou o TJUE (§§ 22. a 27.):
“[…]
22. Primeiro, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2014/59, esta estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas nessa disposição.
23. Segundo, como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes. Em conformidade com o considerando 103 da referida diretiva, incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.
24. Terceiro, neste contexto, as contribuições pagas por estas instituições ao abrigo da mesma diretiva não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.º 113).
25. A Diretiva 2014/59 não tem, portanto, de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União.
26. Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 não pode obstar à aplicação de um imposto nacional, como o ASSB, que incide sobre o passivo das referidas instituições e cujas receitas visam financiar o sistema nacional de segurança social, sem apresentar nenhuma relação com a resolução e a recuperação dessas mesmas instituições. A circunstância de a forma de cálculo desse imposto apresentar semelhanças com a das contribuições pagas por força da Diretiva 2014/59 é irrelevante a este respeito.
27. Assim, importa responder à primeira questão que a Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.
[…]”.
Dito de outro modo, o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe, genericamente, à criação de um imposto com as características do ASSB, desde logo porque a Diretiva 2014/59 não tem por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União. Como tal, é matéria que fica na livre disponibilidade dos Estados, o que não significa que o TJ tenha validado o tributo à luz de outros parâmetros, designadamente os atrás referidos, relativamente aos quais não tomou – nem tinha de tomar – qualquer posição.
Já no segmento do Acórdão (correspondente aos § 28. a 65.) em que o TJUE concluiu que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado‑Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado‑Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais, importa sublinhar que o decidiu, em síntese, porquanto “[…] a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios. Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios” (§ 62). Trata-se de uma dimensão do problema que não está em causa nos presentes autos, seja porque o Banco recorrente não tem a natureza de sucursal de instituição de crédito não residente (cfr. https://www.bportugal.pt/entidadeautorizada/...-sa), seja porque, ao concluir pela inconstitucionalidade do tributo (que, por via da confirmação da decisão recorrida, se repercutirá na invalidação da respetiva liquidação), a presente decisão concorre – no efeito induzido pela interpretação do TJ do Direito da União – para a eliminação do referido tratamento desigual.
2.6. Em face do exposto, prefiguram-se razões bastantes para fundar um juízo de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho (...).”
Perante o exposto, não há qualquer fundamento que justifique o afastamento da jurisprudência elencada do Tribunal Constitucional, concluindo assim que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário contido no seu Anexo VI, devem ser desaplicadas por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
Em consequência, os atos de liquidação de ASSB relativos ao período de tributação de 2022 e 2023, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, enfermam de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Questões Prejudicadas
Face à solução a que se chega, fica prejudicado por ser inútil, (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelo Requerente.
5. Reembolso e Juros indemnizatórios
A Requerente, peticiona, como decorrência da anulabilidade dos atos de autoliquidação de ASSB, a restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, que, no seu n.º 1 dispõe que estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
O direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral como resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT e da jurisprudência consolidada.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.
Por seu turno, a noção de “erro imputável aos serviços” concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS).
Ainda no que diz respeito à verificação de “erro imputável aos serviços” em caso de violação de norma inconstitucional, com a entrada em vigor da alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, deixou de ser discutível a possibilidade de atribuição de juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução (cfr. Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 12.02.2025, no processo n.º. n.º 01527/16.8BELRS, relatora Conselheira Anabela Russo). Também neste sentido, e relativamente a um caso de ASSB, v. decisão do processo arbitral n.º 844/2024-T.
Não pode, assim, este Tribunal Arbitral acolher o argumento da Requerida no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios quando esteja em causa a violação de princípios constitucionais, nem é, para tanto, exigível uma declaração do Tribunal Constitucional “com força obrigatória geral”. Veja-se, a este respeito, o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 10 de abril de 2024, processo n.º 0845/17.2BELRS, que aqui se segue: “Ainda que se retire do art. 43º nº 3 al. d) da Lei Geral Tributária, que a norma em apreço exige que exista uma decisão do Tribunal Constitucional que julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, não se retira da mesma a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (sendo de notar que o contribuinte não terá legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ao abrigo do artigo 281º nº 3 da CRP, estando esse impulso processual apenas na disponibilidade dos Juízes Conselheiros ou do Ministério Público, nos termos do artigo 82.º da LTC, podendo o mesmo, no limite, solicitar ao Ministério Público que promova esse processo).”
Acresce, no presente caso, o Requerente efetuou a autoliquidação de acordo com as instruções genéricas sobre o preenchimento da declaração modelo 57, que constam da Portaria n.º 191/2020, de 10 de Agosto, emitida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º da LGT, integra a Administração Tributária quando exerce competências administrativas no domínio tributário, como é o caso de emissão de diplomas regulamentares (artigo 138.º do Código do Procedimento Administrativo) e também com as que constam do Oficio Circulado nº 55003/2022, de 5 de Maio, da Unidade dos Grandes Contribuintes[2].
Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento da Reclamação Graciosa e de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, calculados com base na quantia de € 100.311,90 e contados desde a data do pagamento das quantias, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Por fim, não se afigura que o regime de juros indemnizatórios descrito viole o princípio da proporcionalidade, pois configura uma solução razoável e equilibrada, que assegura o ressarcimento do contribuinte pelo prejuízo decorrente da privação ilegal do imposto suportado, numa situação de erro de direito imputável aos serviços, como sucede in casu.
V. Decisão
À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente e em consequência:
a) Anular as autoliquidações de ASSB supra identificadas, referente aos anos 2022 e 2023, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que as manteve, com a inerente restituição do valor de € 100.311,90;
b) Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da quantia, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 100.311,90 (cem mil trezentos e onze euros e noventa cêntimos), indicado pelo Requerente e não impugnado pela Requerida, respeitante ao valor das autoliquidações do ASSB que aquele pretende anulado (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Custas
Fixam-se as custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a suportar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.
VIII. Comunicação ao Ministério Público
Para efeitos do recurso previsto no artigo 72.º, n.º 3, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, notifique-se o representante do Ministério Público junto do tribunal competente, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.
Lisboa, 27 de maio de 2025
Notifiquem-se as Partes.
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins,
(Presidente)
Marisa Isabel Almeida Araújo,
(Árbitro Adjunto)
Pedro Guerra Alves.
(Árbitro Adjunto, Relator)
[1] No mesmo sentido da qualificação do ASSB como imposto vejam-se as decisões arbitrais n.ºs 504/2021-T e 598/2022-T.
[2] https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/Oficio_circulado_55003_2022.pdf