Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1071/2024-T
Data da decisão: 2025-05-21  IRC  
Valor do pedido: € 2.080.685,20
Tema: IRC – Valor da transação inferior ao Valor Patrimonial Tributário – Artigos 64.º e 139.º do CIRC
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SUMÁRIO: 

I – O regime descrito no artigo 64º do CIRC é aplicável a ambos os contraentes, é este o valor que prevalece, quer para o alienante, quer para o adquirente.

II - O artigo 64º do CIRC constitui uma presunção legal no sentido de que os alienantes e adquirentes nas transmissões de imóveis celebrem nos respetivos contratos de compra e venda valores que se aproximem tanto quanto possível dos respetivos valores de mercado, sendo, para esse efeito, estabelecido como valor de referência o valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel objeto de transmissão.

III – O legislador consagrou, no artigo 139.º do Código do IRC, um mecanismo administrativo próprio para que se possa ilidir a presunção legal antes referida, ou seja, para que se possa provar que nas transmissões em causa foram praticados valores abaixo do VPT.

IV - No caso em apreço, este mecanismo foi despoletado pelo alienante dos imóveis tendo-se apurado que, efetivamente, o valor de venda dos imóveis transacionados era inferior ao VPT. Ora, quando assim acontece, o adquirente dos imóveis, não pode aplicar a presunção antes mencionada, devendo proceder na determinação do lucro tributável, às correções que se mostram devidas.

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (na qualidade de relator, Alexandra Iglésias e Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte: 

 

DECISÃO ARBITRAL

     I.         RELATÓRIO

A..., S.A., doravante abreviadamente designada por “requerente” ou “A...”, pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ..., veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a V. Exa. a Constituição de Tribunal Arbitral.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 30 de setembro de 2024. 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 18 de novembro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. 

O TAC encontra-se, desde 6 de dezembro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 15 de janeiro de 2025. 

Por despacho de 5 de fevereiro de 2025, o TAC proferiu o seguinte despacho: 

“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

A Requerente respondeu às exceções.

 

 II.           DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1       Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

a.     Em períodos de tributação anteriores ao aqui em causa, mais concretamente em 2018 e em 2019, a requerente adquiriu um conjunto de imóveis à B..., S.A. (doravante B...) e ao C..., S.A. (C... doravante), empresas do grupo bancário D... (Doc. n.º 10, Doc. n.º 11, Doc. n.º 12, Doc. n.º 13 e Doc. n.º 14), aquisições estas que originaram as notificações da AT que supra se deixaram já como Docs. n.ºs 1, 3 e 5.

b.     Para uma visão completa destas compras (Doc. n.º 10, Doc. n.º 11, Doc. n.º 12, Doc. n.º 13 e Doc. n.º 14, e notificações da AT supra juntas), e das vendas subsequentes no exercício aqui em causa de 2020 (Doc. n.º 15, Doc. n.º 16, Doc. n.º 17, Doc. n.º 18, Doc. n.º 19, Doc. n.º 20 e Doc. n.º 21) e respetivo tratamento fiscal, deixa-se aqui o Doc. n.º 22 e respetivos Anexos, ao qual se voltará nos artigos seguintes.

c.     Prosseguindo, importa referir que essas aquisições de conjuntos de imóveis em 2018 e 2019 à B... e ao C... objeto das notificações da AT atrás juntas, foram escrituradas por preços abaixo dos valores patrimoniais tributários (VPT doravante) de cada um desses imóveis, conforme síntese constante do Doc. n.º 22, designadamente do seu Anexo I [anexo este onde só constam os imóveis relevantes, isto é, os (i) vendidos em 2020 (i) e que foram objecto das notificações da AT].

d.     Pelo que nos termos do artigo 64.º do CIRC, tem e tinha a compradora em 2018 e 2019 e ora requerente de considerar o VPT, e não o valor da escritura, na sua declaração de rendimentos na hora da revenda (no caso estão em causa as revendas em 2020 e respetiva declaração Modelo 22). 

e.     Com respeito às revendas em 2020 e respetivo exercício fiscal de 2020, o total destas deduções em cumprimentos do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC (diferença positiva entre VPT e preço de aquisição), devia ascender a € 16.721.961,91, parte dos quais relativos às aquisições à B... e ao C... a que se referem exclusivamente as notificações da AT supra juntas.

f.      No Doc. n.º 22 encontra-se o detalhe deste valor, designadamente no seu Anexo II, onde se encontra a totalidade das revendas ocorridas em 2020, tenham ou não sido objeto das notificações da AT supra identificadas, e a título de exaustão juntam-se ainda aqui as escrituras de aquisição não abrangidas pelas três notificações da AT atrás juntas, respeitantes a revendas ocorridas no exercício de 2020 (Docs. n.ºs 23 a 28), e bem assim as escrituras destas restantes revendas (Docs. n.ºs 29 a 44),  em complemento das escrituras atrás juntas (relevantes também para 2020) abrangidas pelas citadas três notificações.

g.     Em suma, o cumprimento em 2020 do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, originava um montante a deduzir no processo de apuramento do lucro tributável, no campo 772 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22, no montante de € 16.721.961,91 (cfr. o Anexo II do Doc. n.º 22).

h.     Mas em razão de três sucessivas notificações da AT, foi determinado à requerente que desaplicasse o artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, o que tinha por consequência alterar o montante de € 16.721.961,91 que em 2020 se apurava em sua aplicação para inscrição no campo 772 do Quadro 07 da Modelo 22.

i.      Olhemos então agora a essas três sucessivas notificações da AT e impacto que tiveram nas Modelo 22 da requerente para o exercício de 2020 (que está detalhado no Anexo I do Doc. n.º 22). 

j.      Com data de 29 dezembro de 2020, através do ofício n.º..., foi a A... notificada pela AT, na qualidade de adquirente (em 2018) de imóveis à B..., que esta entidade “veio requerer, nos termos do n.° 1 do artigo 139.° do CIRC, a abertura do procedimento com vista a fazer a prova do preço efetivo da transação.

k.     Efetuado o debate contraditório, foi considerado ter sido feita prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões dos direitos reais sobre os imóveis supra identificados foram inferiores aos valores patrimoniais tributários que serviram de base à liquidação do IMT ou que serviriam, no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

l.      Sendo caso disso, deverão V. Exas. proceder às necessárias correções, tendo em atenção o procedimento previsto na alínea b) do n.° 3 e n.° 5 do artigo 64.° do CIRC.” (Doc. n.º 1).

m.   Isto é, notifica a AT a A... para que anule a aplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, no que aos imóveis adquiridos à B... em 2018 respeita listados na notificação, aplicando ao apuramento dos seus resultados tributáveis em eventual (re)venda já ocorrida destes imóveis, designadamente no exercício de 2020 agora aqui em causa, o preço de aquisição ao invés do VPT, não obstante ser aquele inferior a este. 

n.     Em cumprimento desta notificação, procedeu a A... logo na sua primeira Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 para o exercício de 2020, apresentada em 15 de Julho de 2021, à inscrição a deduzir no campo 772 do Quadro 07, de apenas € 11.209.563,60 (Doc. n.º 2), ao invés dos € 16.721.961,91 que resultariam da aplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, a todos os imóveis revendidos em 2020 (Doc. n.º 22, seu Anexo II).

o.     Uma redução da dedução, e consequente aumento da sua base tributável, pois, no montante de € 5.512.398,31 (ver o detalhe no Doc. n.º 22, Anexo I).

p.     Redução esta em consequência da citada notificação da AT junta como Doc. n.º 1, e que resulta da desaplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, a todos os imóveis (i) constantes desta notificação da AT e (ii) revendidos em 2020.

q.     No Anexo I do Doc. n.º 22 encontra-se o detalhe da desaplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, a todos os citados imóveis (i) constantes da notificação da AT datada de 29 dezembro de 2020 (Doc. n.º 1) e (ii) revendidos em 2020, segregado pelo impacto das três notificações da AT nas declarações de Rendimentos IRC Modelo 22 para 2020.

r.      Com data de 23 de Setembro de 2021, através do ofício n.º..., foi a A... novamente notificada pela AT, novamente na qualidade de adquirente (agora em 2019) de imóveis à B..., para que anulasse a aplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, no que respeita aos imóveis listados nesta segunda notificação adquiridos à B... em 2019 (Doc. n.º 3), aplicando consequentemente ao apuramento dos seus resultados tributáveis em eventual (re)venda já ocorrida destes imóveis, designadamente no exercício de 2020 aqui em causa, o preço de aquisição ao invés do VPT, não obstante ser aquele inferior a este. 

s.     Em cumprimento desta notificação, procedeu a A... à correção da sua Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 para o exercício de 2020, apresentando a sua segunda declaração, primeira de substituição, em 24 de Fevereiro de 2022, na qual reduziu a dedução efetuada no campo 772 do Quadro 07, dos anteriores € 11.209.563,60 (Doc. n.º 2), para € 10.266.602,71 (Doc. n.º 4).

t.      Uma redução adicional da dedução, e consequente aumento da sua base tributável, pois, no montante de € 942.960,89 (ver o detalhe no Doc. n.º 22).

u.     Finalmente, com data de 13 de Dezembro de 2022, através do ofício n.º ..., foi a A... uma terceira vez notificada pela AT, novamente na qualidade de adquirente em 2019 de imóveis, agora ao C..., para que anulasse a aplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, no que respeita aos imóveis listados nesta terceira notificação adquiridos ao C... em 2019 (Doc. n.º 5), aplicando consequentemente ao apuramento dos seus resultados tributáveis em eventual (re)venda já ocorrida destes imóveis, designadamente no exercício de 2020 aqui em causa, o preço de aquisição ao invés do VPT, não obstante ser aquele inferior a este. 

v.     Em cumprimento desta notificação, procedeu a A... a nova correção da sua Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 para o exercício de 2020, apresentando a sua segunda declaração de substituição em 3 de Março de 2023, na qual reduziu a dedução efetuada no campo 772 do Quadro 07, dos anteriores € 10.266.602,71 (Doc. n.º 4), para € 8.729.412,55 (Doc. n.º 6).

w.   Uma nova redução adicional da dedução, e consequente aumento da sua base tributável, pois, no montante agora de € 1.537.190,16 (ver o detalhe no Doc. n.º 22).

x.     Na sequência destas três notificações da AT, foi, pois, aumentada a base tributável no montante total de € 7.992.549,16, por redução da dedução resultante do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, no campo 772 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 para o exercício de 2020, dos iniciais € 16.721.961,91 (Doc. n.º 22, em especial Anexo II), para os finais, com a segunda e última declaração de substituição, € 8.729.412,55 (Doc. n.º 6).

y.     Aumento de base tributável este e respetivo imposto adicional consequente que se reputa de ilegal.

z.     Mas antes disso quer-se deixar aqui a síntese do impacto destas três sucessivas notificações da AT e entendimento da lei que lhes subjaz, na autoliquidação de IRC do exercício de 2020 da requerente, e num segundo quadro o somatório do impacto destas três sucessivas notificações (que se deixam em anexo também como Doc. n.º 45):

 

 

aa.  As autoliquidações de IRC que por via das três declarações apresentadas a requerente efetuou (duas das quais de substituição – autoliquidações adicionais), com aumento da base tributável nas operações de revenda em 2020 de imóveis adquiridos à B... em 2018 e 2019, resultante de desaplicação do artigo 64.º do CIRC, só encontram respaldo nas três notificações recebidas da AT que desencadearam esta desaplicação do artigo 64.º do CIRC, e no Ofício-circulado n.º 20136/2009 emitido pela AT com respeito aos artigos, em 2009, 58.º-A e 129.º do CIRC (Doc. n.º 46), hoje numerados como artigos 64.º e 139.º do CIRC.  

bb.  Mas esta doutrina interna, administrativa, da AT, não repousa por sua vez em lei que a sustente. E tinha que repousar em lei da Assembleia da República ou em Decreto-Lei emitido sob autorização de lei da Assembleia da República, para poder ser imposta, como foi, ao contribuinte.

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

            POR EXCEÇÃO

Da extemporaneidade do presente PPA

a.     Começando pelo princípio, em 2021-07-15, a Requerente submeteu e entregou a declaração de rendimentos modelo 22, em que declarou um resultado líquido do exercício no montante de €7.509.481,28.

b.     Entre outros ajustamentos ao resultado por si apurado, deduziu no campo 772 - "Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão", da mesma declaração, o valor de €11.209.563,60, apurando um lucro tributável no valor de €6.998.983,33, tendo sido a M22 liquidada, transferida para cobrança e emitida a Nota de Cobrança n°2021... .

c.     Em 2022-02-24, a Requerente submeteu e entregou a declaração de rendimentos modelo 22, de substituição, n° ...-2022-..., em que procedeu à alteração dos valores inicialmente declarados nos campos 795 e 772.

d.     No Campo 772, alterou o valor de €11.209.563,60 para €10.266.602,71, apurando um lucro tributável no valor de €8.011.083,13, tendo sido a M22 liquidada, transferida para cobrança e emitida a Nota de Cobrança n°2022... .

e.     Em 2023-03-03, a Requerente submeteu e entregou, nova declaração de rendimentos modelo 22, de substituição, n°...-2023-..., em que procedeu à alteração dos valores declarados nos campos 795 e 772.

f.      No campo 772, alterou o valor de €10.266.602,71 para €8.729.412,55, apurando um lucro tributável no valor de €9.629.253,65.

g.     Na mesma data, ou seja, 2023-03-03, foi recolhida, pelos serviços, a declaração de correção n° ...-2023-..., onde se mantiveram todos os valores declarados pela Requerente na declaração modelo 22 n° ...-2023-..., tornando-a liquidável e a qual foi transferida para cobrança e emitida a respetiva Nota de Cobrança.

h.     Tudo com base nos elementos levados à Requerida pela Requerente.

i.      No que concerne ao pedido de revisão relativo às autoliquidações de IRC do ano de 2020, ora em crise, nos termos do n.° 1 do art.° 78° da Lei Geral Tributária, doravante apenas LGT, a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou, pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação e com fundamento em qualquer ilegalidade (n.° 1, 1.ª parte), ou no prazo de quatro anos após a liquidação por iniciativa da Administração Tributária ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago com fundamento em erro imputável aos serviços (n.° 1, in fine).

j.      Assim, tal pedido de Revisão em cujo indeferimento tácito a Requerente assenta, agora, o presente PPA foi, nos termos da primeira parte do n° 1 do art.° 78° da LGT e nos termos do art.° 70°, conjugado com o n° 1 do art.° 131° do CPPT, intempestivo, uma vez que, à data da sua apresentação, 04/03/2024, se encontrava decorrido há muito o prazo de 2 anos após a data da apresentação da primeira declaração de rendimentos, a qual ocorreu em 2021-07-15.

k.     Igualmente é de afastar a aplicação da segunda parte do n° 1 do art.º 78° da LGT, ou seja, a possibilidade de alargamento do prazo para apresentação do pedido de revisão para quatro anos.

l.      Isto porque, nos termos da 2ª parte do n° 1 do art.° 78° da LGT, o pedido de revisão pode ser ainda apresentado no prazo de quatro anos após a liquidação por iniciativa da Administração Tributária ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago com fundamento em erro imputável aos serviços.

m.   No entanto, no caso em apreço não existe erro dos serviços, na medida em que a Requerida agiu de acordo com os normativos legais, emitindo as liquidações impugnadas com base nos elementos declarados pela Requerente e só por ela, na medida em que:

n.     A requerente submeteu, em 2021-07-15, a declaração de rendimentos modelo 22 - ...-2021- ...-..., em que declarou/deduziu no campo 772 da declaração modelo 22 o montante de €11.209.563,60 e, pretendia deduzir o montante de €16.721.940,61, que intentava ver considerado no cálculo do resultado fiscal.

o.     No entanto, por consequência do procedimento de prova do preço efectivo previsto no artigo 139° do CIRC, iniciado pela "B...", a Requerente foi notificada pela Requerida para proceder às correções necessárias decorrentes da decisão do referido procedimento, e, em 2022-12-13, novamente notificada, para proceder às correções necessárias decorrentes da decisão do referido procedimento, o que se verificou.

p.     Ora, considerando que a sociedade "B..." instaurou um pedido de revisão para fazer prova do preço efetivo da transação (alienação dos imóveis por valor inferior ao VPT), os serviços (a Requerida) estavam obrigados, nos termos da lei, a notificar o adquirente dos imóveis do resultado do referido procedimento, conforme resulta do n°22 do Ofício-circulado n.° 20136/2009 de 2009-03-11.

q.     E, o "sujeito passivo adquirente, na posse da decisão ..., pode, então, optar pelo procedimento previsto na alínea b) do n.º 3 e no n.º 5, ambos do artigo 58.º-A, atual 64°, do Código do IRC", o que não se verificou, conforme n°23 do mesmo ofício circulado.

r.      O que a Requerente podia ter feito. Mas não fez.

s.     Foi a Requerente que fez as correções que bem entendeu, como bem entendeu, logo, não é legítimo que venha, agora, impugná-las, transferindo a responsabilidade das mesmas para a Requerida.

t.      Assim, face às normas e aos factos que se acabam de expor, os serviços agiram em conformidade com os normativos a que estavam obrigados, e procederam à liquidação das declarações de substituição entregues pela Requerente nos exactos termos em que ela as apresentou, pelo que não se verifica qualquer erro imputável aos serviços que possa justificar o alargamento do prazo de apresentação da revisão em cujo indeferimento tácito o presente PPA se estriba.

u.     Assim, fica demonstrado que não existe erro imputável aos serviços, dado que a Requerida agiu em conformidade com os elementos declarados por parte da Requerente, pelo que, não poderia ser a situação revista ao abrigo da segunda parte do n.º 1 do art.º 78.° da LGT por falta de pressuposto legal que não existia e que não pode, agora, por uma questão de equidade servir de base a qualquer PPA.

v.     De excluir é, também, a possibilidade de recurso ao disposto no n.º 4 e n.°5 do art.º 78.° da LGT para alargamento do prazo para o pedido de revisão cujo indeferimento tácito fundamenta o presente PPA.

w.   Dispõe o art.º 78.º, n.º 4 e 5 da LGT que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.”

x.     Assim, a matéria coletável só poderá ser revista, desde que, cumulativamente, respeite os requisitos suprarreferidos.

y.     Ora, ao abrigo da referida disposição legal, verifica-se que no caso em apreço, não se encontravam ultrapassados, em 03/04/2024, os supracitados 3 (três) anos, no entanto, os atos de liquidação aqui controvertidos, foram efetuados com base nos elementos de que a Requerida dispunha e que foi a própria Requerente a fornecer.

z.     Quanto à existência de injustiça grave e notária que pudesse fundamentar um alargamento do prazo para apresentação de pedido de revisão oficiosa esclarece o n.°5 do artigo 78.º da LGT que, "para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional".

aa.  Por "grave" deve-se considerar aquela situação de injustiça que lese fortemente os interesses do sujeito passivo, designadamente quando a matéria coletável for marcadamente exagerada e desproporcionada com a realidade em termos de poder causar perturbações na vida do sujeito passivo ou da sua empresa.

bb.  Cabe ao sujeito passivo provar a gravidade ou notória injustiça, o que não se verificou, pelo que, não estão verificados os pressupostos do pedido de revisão previstos no n.º 4 do art.º 78.° da LGT.

cc.  Como já se deixou dito acima, a AT agiu em conformidade com disposições legais a que estava obrigada, e procedeu à liquidação das declarações de substituição entregues pela Requerente, em estrita e rigorosa observação dos elementos por ela declarados, pelo que não se verifica qualquer erro imputável aos serviços que pudesse dilatar o prazo de apresentação do procedimento de revisão previsto no art.º 78.º da LGT.

dd.  Quanto ao pedido de revisão relativo à liquidação adicional de juros compensatórios e moratórios, resultado da substituição da declaração de rendimentos modelo 22 entregue em 2023-03-03, sempre se dirá que o mesmo se apresenta como intempestivo, nos termos da 1ª parte do n° 1 do art.º 78° da LGT, atendendo a que a data limite para pagamento voluntário das prestações tributárias acima referidas ocorreu em 2023-10-23 e que o pedido foi entregue em 2024-03-04, ou seja, fora do prazo para apresentar reclamação graciosa nos termos do art.° 70°, conjugado com o n.º 1 do art.º 102.°, ambos do CPPT.

ee.  A Requerente apresenta o PPA sob resposta estribando-o num prazo que já não lhe assistia.

ff.    Prazo este, para apresentação do pedido de revisão de ato, que há muito estava ultrapassado e que, como tal, já não permitia qualquer contagem do art.º 10º, nº1, al. a) do RJAT., pois tal faculdade já não lhe assistia.

gg.  Se assim não se entender, hipótese que se coloca por mero efeito de raciocínio sem conceder, abrem-se portas para que nenhum prazo do art.º 10º do RJAT necessite de ser observado e para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais findaram já os respectivos prazos de contestação.

hh.  Basta a mera apresentação de pedido de revisão de ato, independentemente de serem observados ou não os prazos, apenas com o intuito de alcançar um indeferimento a partir do qual se possa partir para o recurso à arbitragem independentemente do hiato de tempo decorrido sobre os factos.

ii.    O ato de revisão apresentado pela Requerente junto da Requerida que está na base do presente PPA é extemporâneo, assim como, também terá de ser entendido que já não lhe assistia o direito, por extemporaneidade, de recorrer, agora, à arbitragem,

jj.    Motivo pelo qual será de entender como extemporâneo o presente PPA.

kk.  A extemporaneidade constitui exceção peremptória, nos termos do art. 576.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo art. 29.º do RJAT), que importa a absolvição da A.T. quanto ao pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente.

Da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, para validar os valores de imposto apurados pela requerente

a.     A requerente pretende que seja declarada a ilegalidade das autoliquidações adicionais (e serem consequentemente anuladas) referentes ao exercício de 2020, no montante de € 1.678.435,40 quanto ao IRC, de € 282.361,56 quanto à derrama estadual, e de € 119.888,24 quanto à derrama municipal, num total de €2.080.685,20 e que em consequência, seja reconhecido o direito ao reembolso deste montante total de € 2.080.685,20, conforme cálculos por si efetuados e que não foram confirmados pela AT, relembre-se que o ato impugnado é um ato silente interposto contra autoliquidações promovidas pelo próprio sujeito passivo.

b.     Ora, ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer de uma hipotética execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do presente PPA, o que no caso não acontece, o que é certo é que tal pedido extravasa a competência do presente Tribunal.

c.     Na verdade, o âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao peticionado pela Requerente.

d.     Isto porque, a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

e.     Para além da competência para a apreciação direta da legalidade dos atos de liquidação ali elencados, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos.

f.      Inexiste no âmbito do RJAT, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no mesmo RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade.

g.     Por outro lado, como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

POR IMPUGNAÇÃO

a.     Deverão considerar-se impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil - CPC, ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT.

 

 

 III.         SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 IV.         FUNDAMENTAÇÃO

IV.1.     Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

a)     Com data de 29.12.2020 foi a requerente notificada pela AT, na qualidade de adquirente dos imóveis, para que alterasse os valores resultantes da aplicação do artigo 64.º do CIRC, na sequência da conclusão de procedimento de prova de preço da iniciativa do alienante (Doc. n.º 1).

b)    E em 15 de Julho de 2021, a ora requerente procedeu à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao seu exercício de 2020 (Doc. n.º 2), que conteve a alteração ao campo 772 do Quadro 07 instada pela notificação anterior da AT. 

c)     Com data de 23.09.2021 foi a requerente na qualidade de adquirente de imóveis, novamente notificada pela AT para que alterasse com respeito a um novo conjunto de imóveis os valores resultantes da aplicação do artigo 64.º do CIRC, na sequência da conclusão de novo procedimento de prova de preço da iniciativa do alienante (Doc. n.º 3).

d)    E em 24 de Fevereiro de 2022, na sequência desta segunda notificação da AT, apresentou a requerente uma declaração de substituição (Doc. n.º 4), que conteve a alteração ao campo 772 do Quadro 07 instada por esta segunda notificação da AT.

e)     Com data de 13.12.2022 foi a requerente na qualidade de adquirente de imóveis, notificada pela terceira vez pela AT para que alterasse os valores resultantes da aplicação do artigo 64.º do CIRC, com respeito a mais um conjunto de imóveis, e na sequência da conclusão de mais um procedimento de prova de preço da iniciativa do alienante (Doc. n.º 5).

f)     E em 3 de Março de 2023, na sequência desta terceira notificação da AT, apresentou a requerente uma segunda declaração de substituição (Doc. n.º 6), que conteve a alteração ao campo 772 do Quadro 07 instada por esta terceira notificação da AT.

g)    A discordância com a AT que aqui se traz diz respeito precisamente ao imposto adicional gerado por estas três notificações da AT e seu reflexo nas três declarações de rendimentos IRC Modelo 22 para 2020 (primeira, e duas de substituição), e correspondentes juros compensatórios e de mora conforme demonstrações de liquidação produzidas pela AT na sequência das autoliquidações adicionais de IRC produzidas pelas duas declarações de substituição, que aqui se juntam, respectivamente, como Doc. n.º 7(respeitante à autoliquidação adicional/declaração de substituição  junta como Doc. n.º 4) e Doc. n.º 8(respeitante à autoliquidação adicional/declaração de substituição junta como Doc. n.º 6).

h)    Em 4 de Março de 2024 a requerente apresentou pedido de revisão oficiosa (cfr. o Doc. n.º 9 que aqui se junta) do imposto adicional desencadeado por estas três notificações da AT, vertido/liquidado nas três declarações de rendimentos IRC Modelo 22 atrás juntas (duas das quais de substituição) respeitantes ao exercício de 2020.

i)      Mantém-se até hoje por decidir o referido pedido de revisão oficiosa.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1]“o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

IV.2.A. Quanto às exceções

 

A)   Quanto à extemporaneidade do pedido de revisão vem invocar a Requerida o seguinte:

a.     No que concerne ao pedido de revisão relativo às autoliquidações de IRC do ano de 2020, ora em crise, nos termos do n.º 1 do art.º 78.° da Lei Geral Tributária, doravante apenas LGT, a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou, pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação e com fundamento em qualquer ilegalidade (n.°1, 1.ª parte), ou no prazo de quatro anos após a liquidação por iniciativa da Administração Tributária ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago com fundamento em erro imputável aos serviços (n.º 1, in fine).

b.     Assim, tal pedido de Revisão em cujo indeferimento tácito a Requerente assenta, agora, o presente PPA foi, nos termos da primeira parte do n° 1 do art.° 78° da LGT e nos termos do art.° 70.°, conjugado com o n° 1 do art.º 131.° do CPPT, intempestivo, uma vez que, à data da sua apresentação, 04/03/2024, se encontrava decorrido há muito o prazo de 2 anos após a data da apresentação da primeira declaração de rendimentos, a qual ocorreu em 2021-07-15.

c.     Igualmente é de afastar a aplicação da segunda parte do n° 1 do art.º 78° da LGT, ou seja, a possibilidade de alargamento do prazo para apresentação do pedido de revisão para quatro anos.

d.     Isto porque, nos termos da 2ª parte do n° 1 do art.° 78° da LGT, o pedido de revisão pode ser ainda apresentado no prazo de quatro anos após a liquidação por iniciativa da Administração Tributária ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago com fundamento em erro imputável aos serviços.

e.     No entanto, no caso em apreço não existe erro dos serviços, na medida em que a Requerida agiu de acordo com os normativos legais, emitindo as liquidações impugnadas com base nos elementos declarados pela Requerente e só por ela.

Ora, na essencialidade, vem a Requerida afirmar a este respeito que "(...) tal pedido de Revisão em cujo indeferimento tácito a Requerente assenta, agora, o presente PPA foi, nos termos da primeira parte do n° 1 do art.° 78.° da LGT e nos termos do art.° 70.°, conjugado com o n.° 1 do art.° 131.° do CPPT, intempestivo, uma vez que, à data da sua apresentação, 04/03/2024, se encontrava decorrido há muito o prazo de 2 anos após a data da apresentação da primeira declaração de rendimentos, a qual ocorreu em 2021-07-15".  

Não podemos concordar.

Em primeiro lugar, porque estas declarações (incluindo as de substituição) só se consolidam com a última autoliquidação que data de 3 de março de 2023.

Em segundo, e em especial:

·      Quanto à declaração de 15 de julho de 2021 e a primeira autoliquidação (de substituição) de 24 de fevereiro de 2022, o indeferimento tácito tem os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso. A este respeito já teve a jurisprudência arbitral ocasião de se pronunciar no sentido que indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa implica a apreciação (tácita) da liquidação subjacente, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral (v.g. decisão arbitral de 05-05-2021 no processo arbitral 8/2020-T). 

·      Por seu turno, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 04-03-2024 (Doc. n.º 9 do PPA e artigo 38.º da contestação da AT) e o momento determinante para consolidação da várias autoliquidações de IRC foi provocado pela 3.ª notificação da AT, é de 03-03-2023 (Doc. n.º 6 do PPA), ela está bem dentro, pois, do prazo de dois anos previsto no artigo 131.º do CPPT para as reclamações graciosas contra autoliquidações, e sem carecer, por conseguinte, de invocar erro imputável aos serviços e o acompanhante prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, segundo a Requerente. 

Ora, no que diz respeito à interpretação do artigo 78.º, n.º 1 2.ª parte, recorda-se constituir jurisprudência assente que a revisão dos atos tributários pela Administração Tributária pode ser também requerida, pelos sujeitos passivos, no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços.  Neste sentido, veja-se o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 04- 05-2016 (proferido no processo nº 407/15), nos termos do qual se refere que “é hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (…), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento”.  Quer isto significar que a Requerente pode e deve invocar sempre que necessário erro imputável aos serviços, sob pena da sua insindicabilidade.

Pelo que improcede a exceção de extemporaneidade do pedido arbitral.

 

B)   Quanto à questão da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, para validar os valores de imposto apurados pela requerente

 

Pretende a Requerida sustentar que a  requerente pretende que seja declarada a ilegalidade das autoliquidações adicionais (e serem consequentemente anuladas) referentes ao exercício de 2020, no montante de € 1.678.435,40 quanto ao IRC, de € 282.361,56 quanto à derrama estadual, e de € 119.888,24 quanto à derrama municipal, num total de €2.080.685,20 e que em consequência, seja reconhecido o direito ao reembolso deste montante total de € 2.080.685,20, conforme cálculos por si efetuados e que não foram confirmados pela AT, relembrando-se que o ato impugnado é um ato silente interposto contra autoliquidações promovidas pelo próprio sujeito passivo.

Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

No caso de erro na autoliquidação, o artigo 131.º especifica que a impugnação judicial “será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração”. Essa disposição, tem o sentido inequívoco de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa.

Por outro lado, a exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreaciação da legalidade do ato impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder ser suscitar um litígio judicial.

É ainda de fazer notar que a lei permite que o sujeito passivo, por sua iniciativa, possa solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, da LGT).

O pedido de revisão constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 131.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do ato tributário, e que pode ser deduzido no mesmo prazo e desencadear, em idênticos termos, em caso de indeferimento, o recurso à via contenciosa.

Conferindo a lei ao interessado dois meios alternativos de reação administrativa contra o ato tributário, dentro do mesmo prazo e com idênticos efeitos de direito, nenhum motivo existe para que não possa estabelecer-se a equiparação entre esses meios para o efeito de sujeitar o litígio à arbitragem.

A questão em análise foi já dirimida nesse mesmo sentido por jurisprudência amplamente maioritária dos tribunais arbitrais (entre muitos, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 617/2015-T, 429/2020-T e 840/2021-T, e veio a ser sufragada pelo acórdão de 27 de abril de 2017 do TCA Sul, no Processo n.º 08599/17).

Tendo sido apresentado, no caso vertente, um pedido  revisão oficiosa contra atos de autoliquidação, e sendo esse um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, a questão está na limitação que a lei estabelece quanto aos prazos que resulta dos dois segmentos normativos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT: o sujeito passivo, por sua iniciativa, pode solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1, primeira parte); a Administração Tributária, por sua iniciativa, pode proceder à revisão oficiosa no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, possibilidade que se torna extensiva ao contribuinte por força do n.º 7 do artigo 78.º da LGT.

Conforme já referido na apreciação da exceção anterior, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 04-03-2024 (Doc. n.º 9 do PPA e artigo 38.º da contestação da AT) está bem dentro, pois, do prazo 

·      de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, com invocação do erro imputável aos serviços, quanto à primeira declaração e primeira declaração de substituição, datada de 24 de fevereiro de 2022;

·      de dois anos previsto no artigo 131.º do CPPT para as reclamações graciosas contra autoliquidação (2.ª declaração de substituição) de 3 de março de 2023, e sem carecer, por conseguinte, de invocar erro imputável aos serviços.

Pelo que improcede a exceção de incompetência do Tribunal arbitral em razão da matéria.

 

 

IV.2.B. Quanto ao Thema decidendum

 

Em debate está a questão de saber se, relativamente à transmissão onerosa de imóveis, há lugar à correcção tributária correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, em aplicação do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do Código do IRC.

Em causa está o facto de a Requerente na sequência destas três notificações da AT, foi, pois, aumentada a base tributável no montante total de € 7.992.549,16, por redução da dedução resultante do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, no campo 772 do quadro 07 da Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 para o exercício de 2020, dos iniciais € 16.721.961,91 (Doc. n.º 22, em especial Anexo II), para os finais, com a segunda e última declaração de substituição, € 8.729.412,55 (Doc. n.º 6).

A Requerente, em síntese, defende que, as autoliquidações de IRC que por via das três declarações apresentadas a requerente efetuou (duas das quais de substituição – autoliquidações adicionais), com aumento da base tributável nas operações de revenda em 2020 de imóveis adquiridos à B... em 2018 e 2019, resultante de desaplicação do artigo 64.º do CIRC, só encontram respaldo nas três notificações recebidas da AT que desencadearam esta desaplicação do artigo 64.º do CIRC, e no Ofício-circulado n.º 20136/2009 emitido pela AT com respeito aos artigos, em 2009, 58.º-A e 129.º do CIRC (Doc. n.º 46), hoje numerados como artigos 64.º e 139.º do CIRC.  

Acrescenta que esta doutrina interna, administrativa, da AT, não repousa por sua vez em lei que a sustente. E tinha que repousar em lei da Assembleia da República ou em Decreto-Lei emitido sob autorização de lei da Assembleia da República, para poder ser imposta, como foi, ao contribuinte.

A Requerente solicita que sejam anuladas as autoliquidações de IRC referentes ao exercício de 2020, motivadas pelas entregas por si efetuadas de três ( 3 ) DM22, no segmento da autoliquidação referente aos ajustamentos negativos que foram sendo efetuados pela Requerente na qualidade de adquirente, ao valor das deduções declaradas no campo 772 do Quadro 07 [Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º3, al. b)], em resultado de notificação pela AT efetuado no âmbito do desfecho de processos de revisão efetuados ao abrigo do artigo 139º do CIRC, interpostos pela sociedade alienante “ B....“, relativamente a diversos imóveis adquiridos pela Requerente àquela empresa durante 2018 e 2019, e alienados em 2020.

 Quanto a este argumento, a Autoridade Tributária refere:

a)    Da conjugação dos artigos 64° e 139° do CIRC e o Ofício-circulado n.° 20136/2009 de 2009-03-11 temos que as referidas normas se aplicam, igualmente, ao alienante e ao adquirente, cabe ao sujeito passivo alienante o impulso para a abertura de procedimento de produção de prova do preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis e cabe ao sujeito passivo adquirente, após conhecimento da decisão, optar pelo procedimento previsto na alínea b) do n.° 3 e no n.° 5, ambos do artigo 64° do CIRC.

b)    Nesta sequência, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação, uma vez que os serviços procederam, no âmbito das suas atribuições, à correta aplicação da legislação e das decisões administrativas relacionadas com as suas atribuições e propuseram as medidas que se revelaram adequadas ao caso aqui em concreto.

Para dilucidar a questão em análise interessa ter presente as referidas disposições dos artigos 64.º do Código do IRC e 139.º do CIRC.

A primeira dessas disposições, na parte que mais releva, sob a epígrafe “Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, prescreve o seguinte:

 1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

   a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

  b) O sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

Por sua vez, o mencionado artigo 139.º do CIRC, tem a seguinte redacção:

 1 - O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objetivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário. 

3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Autoridade Tributária e Aduaneira. 

5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei. 

6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização. 

7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correções efetuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa. 

8 - A impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.

A Requerente alega que as 3 DM22 apresentadas não devem produzir quaisquer efeitos, porquanto, em seu entender, “da leitura do artigo 64º do CIRC, não se impõe ao adquirente a correção dos valores inscritos no campo 772, quando haja sido requerido pelo anterior alienante, a abertura do procedimento nos termos do artigo 139º do CIRC. “

O artigo 64.º do CIRC, estipula no seu n.º 1 que: “Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.”

Constitui o preceito legal em apreço uma medida para que os valores declarados nas transmissões de imoveis se aproximem tanto quanto possível da realidade dos valores praticados no mercado.

Para isso, “quando o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável” (vide n.º 2 do mesmo artigo 64.º do CIRC).

Ora, conforme diz a Requerida, que acompanhamos, não se aplicando o disposto no nº 2 do artigo 64.º do CIRC, tanto ao alienante como ao adquirente nos termos do n.º 1 do art.º 139.º do CIRC, também não releva o consignado no n.º 3 desse mesmo artigo 64.º, que, para o adquirente impõe na sua alínea b) que, para aplicação do n.º 2 do art.º 64.º “o sujeito passivo adquirente deve adotar o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.”

A Requerente não tem assim razão, pois, quando afirma (art.º 68.º do PPA) que, “o artigo 139.º não constitui norma legal base que prescreva para o adquirente a anulação do disposto para si no artigo 64º do CIRC”, pois, como se verifica, da conjugação dos dois preceitos legais em referência (artigos 64.º e 139.º, ambos do CIRC) norteia-se um procedimento a levar a cabo tanto pelo alienante como pelo adquirente dos imóveis em causa, os intervenientes naquelas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis objeto do procedimento do artigo 139.º do CIRC.

Posto isto, o que se verifica no caso em concreto foi que, a empresa alienante dos imóveis “B..., SA”, fez despoletar o procedimento de prova do preço efetivo desses bens transmitidos à Requerente, conforme disposto no referido artigo 139.º do CIRC.

E o resultado desse procedimento foi o de que, na verdade, os preços efetivamente praticados nas transmissões dos direitos reais sobre os imóveis pela “B..., SA“, foram inferiores aos Valores Patrimoniais Tributários que serviram de base à liquidação do IMT ou que serviriam, no caso de não haver lugar à liquidação desse imposto.

Assim sendo, nesta situação, tendo sido feita prova do preço efetivo na transmissão dos imóveis, e sendo estes inferiores aos respetivos VPT, deixa o sujeito passivo adquirente (no caso a Requerente) de estar obrigada para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, a aplicar nos valores de aquisição dos mesmos bens esses VPT.

A Requerente enquanto entidade adquirente nas transmissões dos imóveis em apreço, recebeu por parte da AT as comunicações referentes ao resultado do procedimento, a AT procedeu à notificação conforme resulta do n.º 22 do Ofício - Circulado n.º 20136/2009, de 11.03, e em face disso resolveu proceder à entrega das Declarações de Substituição, retificando os valores antes mencionados.

Ora, do tudo o antes exposto resulta não se verificar nenhuma ilegalidade nas autoliquidações de IRC motivadas pelas DM22 de Substituição apresentadas pela Requerente, com referência ao exercício de 2020, tendo sido efetuada uma correta aplicação da legislação e instruções administrativas relacionadas com o assunto em apreço.

Refere ainda a Requerente que, a entender-se que o procedimento previsto no artigo 139.º, nº 1, do CIRC, também se aplicaria ao adquirente, existe falha grave na regulamentação deste procedimento, porquanto, o adquirente tinha de ser ouvido em tal procedimento. Acrescentando ainda que, caso se considere que o esse direito de audição não necessita de estar previsto no regime do artigo 139.º do CIRC, por estar previsto expressamente no artigo 60º da LGT, conclui a Requerente verificar-se vício de violação da Lei, por não se ter dado ao mesmo adquirente o direito de audição.

Não podemos concordar.

Ora, o artigo 64.º do CIRC constitui uma presunção legal no sentido de que os alienantes e adquirentes nas transmissões de imóveis celebrem nos respetivos contratos de compra e venda valores que se aproximem tanto quanto possível dos respetivos valores de mercado, sendo, para esse efeito, estabelecido como valor de referência o valor patrimonial tributário atribuído ao imóvel objeto de transmissão.

No entanto, o legislador consagrou, no artigo 139.º do Código do IRC, um mecanismo administrativo próprio para que se possa ilidir a presunção legal antes referida, ou seja, para que se possa provar que nas transmissões em causa foram praticados valores abaixo do VPT.

No caso em apreço, este mecanismo foi despoletado pelo alienante dos imóveis ( B..., SA), tendo-se apurado que, efetivamente que o valor de venda dos imóveis transacionados era inferior ao VPT. Ora, quando assim acontece, o adquirente dos imóveis (no caso a Requerente), não pode aplicar a presunção antes mencionada, devendo proceder na determinação do lucro tributável, às correções que se mostram devidas.

Resultando daqui o estrito cumprimento da Lei, a AT não tem de facultar ao adquirente, o direito de audição previsto no disposto no artigo 60.º da LGT[2].

É certo que a alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º, n.º 1, da LGT dispõe que: “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; (…)” Contudo, prevê a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo que: “É dispensada a audição: a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável (…)”;.

In casu, não houve lugar a qualquer liquidação oficiosa por iniciativa da AT, mas a entrega da respetiva modelo 22 do IRC pela própria Requerente e suas declarações de substituição.

Pelo que, dúvidas não restam que, de acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, há dispensa de audição prévia. Veja-se a título meramente exemplificativo o Acórdão TCA-Norte, 26/04/2018, proc. n.º 00828/12.9BEAVR, onde foi entendido que existe violação do dever de audiência no caso de liquidação oficiosa e não em caso de declaração apresentada pela impugnante.

Como refere o acórdão do STA de 19 de outubro de 2022 (Processo n.º 077/22), tirado em recurso por oposição de julgados entre decisões arbitrais, segundo o artigo 64.º, n.º 2, do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável nas transmissões onerosas de imóveis, sempre que o valor do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo, é este que deve ser considerado tanto para o adquirente como para o alienante, sendo que, nos termos da alínea a) do n.º 3, o sujeito passivo alienante deve efetuar “uma correção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato”.

Nestes termos, o regime descrito no artigo 64.º do CIRC é aplicável a ambos os contraentes, é este o valor que prevalece, quer para o alienante, quer para o adquirente.

Não pode deixar de entender-se, face a todo o exposto, que havendo uma diferença negativa, na transmissão onerosa de bens imóveis, entre o valor patrimonial tributário e o valor constante do contrato, esta disposição se aplica à mesma operação de compra e venda de imóveis, e, por conseguinte, ao alienante e ao adquirente dos bens alienados.

Como se deixou esclarecido, as disposições dos n.ºs 2 e 3 do artigo 64.º do CIRC aplicam-se a ambos os contraentes no âmbito de uma mesma transmissão onerosa de imóveis, e, no caso, a Requerente, intervindo no contrato na qualidade de alienante, não pode beneficiar simultaneamente de uma correção que só seria aplicável ao cocontratante, na sua condição de adquirente.  É, por conseguinte, irrelevante que a Requerente tenha sido a adquirente dos imóveis que foram alienados, porquanto as regras do artigo 64.º destinam-se a determinar o resultado tributável obtido com a transmissão de imóveis, quer relativamente ao alienante, quer relativamente ao adquirente que tenham sido intervenientes nessa operação. 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser totalmente improcedente, com as legais consequências.

 

   V.         DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral;

b)    Condenar a Requerente ao pagamento das custas.

 

 VI.         VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 2.080.685,20, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII.         CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 27.234,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 21 de maio de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(Alexandra Iglésias)
 

 

 

(Amândio Silva) 

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Refira-se aliás no âmbito do Ofício-circulado, 20136/2009, datado de 11-03- 2009,  a AT densifica, não falando em audição prévia, de que forma deve ser dada relevância ao VPT definitivo do imóvel na definição da situação tributária, tanto do alienante, como do adquirente, explicando que “(…) cabendo ao primeiro a iniciativa de desencadear o procedimento previsto no artigo 129.º do Código do IRC (…), a Direção de Finanças, após a recepção do requerimento por este apresentado, deve dar conhecimento do facto ao  adquirente” (a AT nenhum conhecimento deu senão do facto final e consumado “decisão favorável ao alienante no procedimento por este desencadeado e no qual só este interveio”).