Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 671/2024-T
Data da decisão: 2025-05-29  IVA  
Valor do pedido: € 37.295,56
Tema: IVA – direito à dedução; Processo de fusão
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Sumário

 

  • O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA sendo garante de uma correta aplicação do princípio basilar da neutralidade do imposto e não pode, em princípio, ser limitado, de onde decorre que qualquer limitação ao mesmo deve ser interpretada restritivamente.
  • Em conformidade com a jurisprudência do TJUE, ainda que possa não existir uma ligação direta e imediata das operações a montante com as operações a jusante, a dedução do IVA será ainda assim permitida desde que as operações a montante possam ser enquadradas no conjunto das despesas gerais relacionadas com a atividade económica do sujeito passivo.
  • Resulta dos factos provados que as prestações de serviços cuja dedução do IVA é controvertida foram efetuadas e eram necessárias para a aquisição da participação no capital social de outra empresa, no contexto de um processo de fusão, pelo que as despesas relativas à realização de serviços que extravasam nesse âmbito devem ser dedutíveis.

 

 

Decisão Arbitral

 

O árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 1 de agosto de 2024, Marisa Almeida Araújo, decide o seguinte:

 

I.         Relatório

 

A..., S.A., com o NIPC..., com sede na ..., ... a ..., ...-... ..., na qualidade de entidade incorporante da sociedade B...- UNIPESSOAL LDA, com o NIPC... de ora em diante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente. 

 

A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e dos respetivos atos de liquidação de IVA emitidos relativos aos anos de 2021 e 2022, com as devidas consequências legais, nomeadamente a anulação da decisão de indeferimento do pedido de reembolso formulado na declaração periódica referente a março de 2022.

Peticiona, ainda, a Requerente que, sendo necessário, se recorra a reenvio prejudicial.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 22 de maio de 2024 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 23 de maio de 2024 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o árbitro aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo.

 

Em 15 de julho de 2024, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 1 de agosto de 2024. 

 

A Requerida defendeu-se por impugnação em 29 de setembro de 2024, pugnando pela absolvição dos pedidos. 

Em 16 de outubro de 2024 a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo.

 

Notificada para identificar a matéria de facto a que as testemunhas arroladas pela Requerente iriam depor, esta veio responder e foi, por despacho proferido em 28 de janeiro de 2025 agendada a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

A reunião realizou-se, com a inquirição de testemunhas, no dia 21 de fevereiro de 2025 e as partes foram convidadas a apresentar alegações finais escritas.

 

A Requerente apresentou as suas alegações em 10 de março de 2025 e a Requerida em 11 de março de 2025.

 

Posição da Requerente

 

            A Requerente alega, sumariamente, que é um sujeito passivo enquadrado no regime geral de IVA, desenvolvendo a sua atividade nas “indústrias da pesca e de conservas de peixe”.

Por sua vez, a sociedade B..., entretanto incorporada na Requerente, era igualmente um sujeito passivo enquadrado no regime geral de IVA, tendo por objeto a “prestação de serviços de consultoria estratégica e financeira a empresas, a análise de negócios com vista à realização de investimentos, a elaboração de avaliações de empresas e a prestação de serviços de formação na área financeira”.

            Ambas as sociedades faziam parte integrante do mesmo grupo societário e económico e, em junho de 2022, na sequência de processo de reestruturação da sociedade B..., foi esta sociedade incorporada, através de operação de fusão, na sociedade A... .

            A reestruturação, prendeu-se, segundo a Requerente, com motivos de racionalização de uso dos recursos, e consequentemente da redução dos custos operacionais, administrativos e financeiros, tendo em consideração as sinergias resultantes da unificação destas duas unidades societárias distintas.

            A operação de fusão em causa configurou uma fusão inversa, conforme resulta do projeto de fusão das referidas sociedades: “A mencionada operação de reorganização será realizada através da fusão das referidas sociedades (…) na modalidade de fusão por incorporação inversa”.

            Segundo a Requerente, no âmbito do referido processo de reestruturação, e por forma a determinar a solução mais eficiente e, bem assim, por forma a concretizar as operações necessárias a essa reestruturação (designadamente, no caso, a aquisição das participações sociais da ora REQUERENTE), afigurou-se necessária a aquisição, por parte da sociedade B..., de serviços de consultoria jurídica e financeira.

            A sociedade B... reportou, a título de imposto dedutível, nas respetivas declarações periódicas o valor do IVA, o valor do IVA suportado nas faturas de aquisição de serviços e, na Declaração Periódica de IVA respeitante ao período de março de 2022, a sociedade B... solicitou o reembolso do montante de € 37.283,54, que integrava, em parte, o IVA respeitante aos supra referidos serviços. 

            Na sequência do referido pedido, a sociedade B... foi objeto de uma ação de inspeção tributária por parte dos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Lisboa (Ordens de Serviço OI2022... e OI2022...) e a Autoridade Tributária considerou que a ora REQUERENTE não tem direito ao reembolso pedido, tendo em consideração que o IVA deduzido pela B... nas suas declarações periódicas, não é passível de dedução. 

            Segundo a Requerente, os serviços de inspeção consideram que o IVA em causa foi suportado pela sociedade B... na aquisição de serviços referentes à aquisição das participações sociais da sociedade ora REQUERENTE, sendo que a única operação realizada pela referida sociedade foi, precisamente, a aquisição de tais participações. Acrescentando que, de acordo com os referidos serviços de inspeção, a aquisição de participações sociais não se enquadra, no caso da sociedade B..., no conceito de atividade económica, pelo que o IVA suportado para efeitos de realização da referida operação não é suscetível de dedução.

            Consequentemente, foi o pedido de reembolso indeferido, no valor de EUR 37.283,54, do total de crédito de imposto solicitado na referida declaração periódica de março de 2022 e, na sequência das referidas correções, a Autoridade Tributária procedeu à emissão dos atos de liquidação de IVA referentes aos anos de 2021 e 2022, através dos quais foi desconsiderado o crédito de imposto apurado nas declarações periódicas de IVA. A sociedade B... foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de reembolso, com base na insuficiência de crédito em conta-corrente.

            Por não se conformar com o entendimento subjacente aos referidos atos de liquidação, a REQUERENTE apresentou, em 23 de fevereiro de 2023, a competente Reclamação Graciosa. 32.º Por Ofício n.º..., datado de 19 de fevereiro de 2024, da Direção de Finanças de Faro, da decisão, a Requerente foi notificada da decisão emitida pelo Diretor desta última entidade, que indeferiu a referida Reclamação Graciosa.

            A Requerente não concorda com a decisão já que, o processo de reestruturação que implicou, a final, a incorporação da B... na ora REQUERENTE, implicou a incorporação que foi realizada através de uma operação de fusão inversa, através da qual a sociedade mãe (detentora do capital social) é absorvida pela sociedade filha (cujo capital é detido); Para efeitos da referida fusão, a B... adquiriu 100% das participações sociais da REQUERENTE; e da referida aquisição das participações sociais, a sociedade B... adquire serviços de consultoria jurídica e financeira. Por fim, a B... suportou IVA na aquisição dos referidos serviços.

            A Requerente não concorda com a posição da Requerida que alega que o IVA em apreço diz respeito a serviços realizados numa atividade não económica (aquisição das participações sociais da ora REQUERENTE) e logo não relevante para efeitos de dedutibilidade de IVA; e que a B... não realizou qualquer operação ativa no âmbito da sua atividade relacionada com o IVA que suportou na aquisição dos serviços de consultoria aqui em causa.

            A Requerente entende qu,e contrariamente ao que pretende a Autoridade Tributária, os serviços de apoio adquiridos pela B... com vista à aquisição das participações sociais da ora REQUERENTE (e cujo IVA foi deduzido pela B...) não podem ser vistos de forma isolada, ignorando todo o processo de reestruturação em causa e, acima de tudo, o facto de que, como consequência da referida aquisição de participações sociais, aquela entidade se ter vindo a incorporar na esfera jurídica da ora REQUERENTE. Os referidos serviços de consultoria jurídica e financeira (cujo IVA está aqui em causa) foram adquiridos no âmbito de uma reestruturação societária que teve por objetivo a fusão das duas sociedades, em que a B... foi integrada na atividade económica da ora REQUERENTE, com vista a uma maior eficiência económica e financeira decorrente da racionalização dos recursos de ambas as entidades, permitindo a eliminação de custos que não se traduzem em qualquer valor acrescentado para os seus clientes e permitindo a prestação de um serviço de crescente qualidade.

            E, contrariamente ao que invoca a Autoridade Tributária, o facto de não ter sido realizada qualquer operação ativa pela B... após a aquisição dos serviços em causa não é determinante para se manterem as conclusões atrás aduzidas.

            Concluindo a Requerente que deverá ser reconhecido o direito à dedução do IVA, serem anulados a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, os atos de liquidação aqui também impugnados, com as consequências legais.

            

 

 Posição da Requerida

 

            Entende a Requerida que a aquisição de participações sociais da Requerente por parte da B... não consubstancia uma operação decorrente de uma atividade económica, no âmbito da incidência objetiva do IVA, pelo que o imposto suportado com a aquisição de serviços de apoio jurídico para a realização daquela operação, não é dedutível. 

            Acrescenta que, conforme apurado em ação inspetiva, a totalidade do IVA deduzido pela B..., até ao final do período do reembolso de IVA, encontra-se exclusivamente associado a despesas afetas á operação de fusão realizada - aquisição das participações sociais da Requerente, situada fora do campo do imposto. 

            Ademais, deixou de estar registada para o desenvolvimento de qualquer atividade económica na sequência da fusão pelo que não pode, segundo a Requerida, ao contrário do alegado pela Requerente, considerar que mantém o exercício de uma atividade tributada futura, a partir da A... (em resultado da fusão). 

            Conclui a Requerida que devem os atos de liquidação adicionais manter-se intatos na ordem jurídica, devendo a presente ação ser julgada totalmente improcedente.

 

As partes apresentaram alegações e, sumariamente, mantiveram as suas posições.

 

 

II.        Saneamento

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e o processo não enferma de nulidades.

Não existe matéria de exceção que obste ao conhecimento do mérito da causa.

 

            III.      Fundamentação

 

            III. I. Matéria de facto 

 

A.   Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

1.     A Requerente é um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal de IVA, desenvolvendo a sua atividade “nas indústrias de pesca e de conserva de peixe”.

2.     A B... adquiriu a ora requerente (por incorporação inversa), em agosto de 2022 e era igualmente um sujeito passivo enquadrado no regime normal do IVA, tendo por objeto social a prestação de serviços de consultoria estratégica e financeira a empresas, a análise de negócios com vista à realização de investimentos, a elaboração de avaliações de empresas e a prestação de serviços de formação na área financeira.

3.     Ambas as sociedades faziam parte do mesmo grupo societário e, através de uma operação de fusão, a sociedade B... adquiriu e foi incorporada na Requerente, por motivos de racionalização de uso dos recursos e consequente redução dos custos operacionais, conforme resulta do projeto de fusão.

4.     Era objetivo da B..., a aquisição de uma sociedade do sector da indústria de pesca e conservas de peixe, sociedade esta que acabou por ser a ora REQUERENTE.

5.     Para concretizar esta operação de restruturação e de forma a determinar a solução mais eficiente para o concretizar, afigurou-se necessária a aquisição, pela B..., de serviços de consultoria jurídica e financeira.

6.     Tais serviços, que consistiram em estudos de mercado, avaliação de ativos, análise das sociedades que operam no sector da indústria de pesca e de conservas de peixe e na concretização jurídica da aquisição, constituem know-how relevante para futuras reestruturações e aquisições societárias;

7.     O IVA suportado na fatura de aquisição destes serviços foi por deduzido e foi solicitado o seu reembolso na declaração periódica (DP) de 2022 03T.

8.     O pedido de reembolso foi objeto de ação inspetiva por parte dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2022... e OI2022... .

9.     O pedido de reembolso foi indeferido, ao considerar-se que o IVA suportado na aquisição dos referidos serviços não era passível de dedução, porque esta operação económica de aquisição de participações sociais não se enquadrava no conceito de atividade económica sujeita a IVA.

10.  Não se verifica, no caso concreto, qualquer situação fraudulenta ou abusiva.

11.  Os atos de liquidação resultam das correções constantes do Relatório Final de Inspeção Tributária.

12.  Os atos de liquidação determinam a desconsideração de crédito de imposto, num valor total de € 37.295,96: 

 

LIQUIDAÇÃO                PERÍODO                  CRÉDITO DESCONSIDERADO

...                                        03/2021                                             € 35,98 

...                                        06/2021                                             € 37.142,91 

...                                        12/2021                                             0 

...                                        03/2022                                             € 117,07

 

13.  Foi deduzida reclamação graciosa n.º ...2023... contra as liquidações adicionais de IVA, no sentido da declaração da sua ilegalidade e dos atos de liquidação adicional de IVA, emitidos em 11 de outubro de 2022.

14.  A Requerente foi notificada, por Ofício n.º ..., de 19 de fevereiro de 2024, da Direção de Finanças de Faro, da decisão, emitida pelo Diretor desta última entidade, que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado.

15.  O pedido de pronuncia arbitral foi apresentado em 22 de maio de 2024.

 

 

B.   Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a sua convicção ficou formada, sobretudo, com base nas peças processuais e nos documentos juntos pelas Partes, mormente o processo administrativo.

O tribunal formou a sua convicção tendo em conta os documentos juntos pela Requerente e as explicações apresentadas pelos representantes da parte que, no essencial, confirmaram os serviços prestados e a relevância dos mesmos para 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, bem como as declarações da parte, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

            III.II. Matéria de Direito

 

            Tendo em conta a posição assumidas pelas partes e vertidas nas suas doutas peças processuais a questão a apreciar nos presentes autos é aferir da dedutibilidade do IVA, nos termos do disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, relativo à aquisição de serviços de consultoria jurídica e financeira contratados para efeitos de aquisição de participações sociais e subsequente fusão por incorporação da REQUERENTE (Sociedade Incorporante) com a sociedade B...– UNIPESSOAL Lda. (“B...”) (Sociedade Incorporada).

 

            Conforme sufraga a Requerente, entende-se que deve ser reconhecido o direito à dedução do IVA suportado na aquisição de serviços com vista à aquisição de participações sociais que conduziu a uma operação de fusão por incorporação.

            No caso em concreto, face à prova produzida, verifica-se uma relação entre os serviços prestados e a operação de fusão subsequente sendo que, conforme a citada jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) (e.g. Caso Abbey National), não é relevante, para efeitos de admissibilidade da dedução do IVA relativo a serviços adquiridos para efeitos da aquisição de participações sociais e posterior fusão, que a aquisição de participações sociais faça parte do objeto da sociedade que adquiriu tais serviços, nem que a sociedade incorporada deixe de existir e de praticar operações sujeitas a imposto, contanto que os serviços estejam diretamente relacionados com a aquisição de participações sociais que conduziu à operação de fusão que se veio a realizar. 

Ora, no caso sub judice, os serviços adquiridos pela sociedade B... para efeitos de aquisição de participações sociais sem as quais não seria possível a realização da operação de fusão que se veio a concretizar com a ora REQUERENTE.

            Resulta ainda do Processo Arbitral n.º 18/2013-T, que, desde que as sociedades envolvidas numa fusão por incorporação não tenham limitações no seu direito à dedução e que a sociedade incorporante não seja um sujeito passivo misto, realizando apenas operações tributadas que conferem direito à dedução, o facto de não se liquidar IVA na transmissão não prejudica nem produz qualquer impacto no direito à dedução do IVA suportado a montante para efeitos dessa operação de transmissão de património.

            No caso em apreço, como é dado como provado, os serviços de assessoria adquiridos pela B... com vista à aquisição das participações sociais da ora REQUERENTE (e cujo IVA foi deduzido pela B...) não podem ser vistos de forma isolada – no sentido de concluir que tais serviços não estão relacionados com a atividade da B... e que esta não praticou mais nenhuma operação ativa, como defende a Requerente. Não se pode ignorar o facto de que, como consequência da referida aquisição de participações sociais, aquela entidade se ter vindo a incorporar, através de operação de fusão, na esfera jurídica da ora REQUERENTE. 

Os serviços de consultoria aqui em causa tiveram como principal desiderato a aquisição por parte da B... das participações sociais da ora REQUERENTE e a subsequente fusão destas duas empresas e, nessa medida, os serviços aqui em causa devem ser considerados como fazendo parte das despesas gerais da atividade da B..., com vista à aquisição das participações sociais da Requerente que conduziu à fusão destas duas entidades.

Sendo que as fusões se regem por um princípio de continuidade da atividade, assumindo a sociedade incorporante o exercício da atividade geral, congregando os ativos, os recursos humanos e as valências técnicas e financeiras de ambas as entidades envolvidas na fusão, ainda que o sujeito passivo que suportado o IVA não realize mais quaisquer operações em virtude da sua incorporação por via de tal fusão, seguindo a linha de raciocínio da Requerente a que se adere.

Desta forma, assistindo à B... o direito à dedução do IVA é ilegal a correção que determinou a emissão dos atos de liquidação aqui impugnados e da consequente decisão de indeferimento do pedido de reembolso formulado pela REQUERENTE, determinando-se, consequentemente, a anulação destes mesmos atos e decisão.

 

            Do reenvio prejudicial

            

            Por não se apresentar qualquer questão suscetível de desencadear o mecanismo não se determina o recurso ao reenvio prejudicial.

 

 

            Dos juros indemnizatórios

 

A Requerente, peticiona a restituição da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, que, no seu n.º 1 dispõe que estes são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

O direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral como resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT e da jurisprudência consolidada.

Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena

 da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente

 a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento da Reclamação Graciosa, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC [ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT], será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida. 

 

            IV. Decisão

 

Nestes termos, o Tribunal Arbitral 

a)    Julga totalmente procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e dos atos de liquidação de IVA, com as consequências legais, incluindo o reembolso do montante pago indevidamente, acrescido dos juros indemnizatórios;

b)    Condena a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

 

V.        Valor do Processo 

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 37.295,96, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido – Cfr. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VI.          Custas 

            

            Custas no montante de € 1.836,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 29 de maio de 2025

 

O árbitro,

 

 

 

Marisa Almeida Araújo