SUMÁRIO:
As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, violam o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 19/12/2024, A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito do Grão-Ducado do Luxemburgo, com o número de identificação fiscal luxemburguês ... e português ..., com sede em..., Luxemburgo, (doravante designado de “Requerente”), representado por B... S.A., na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, solicitando a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) por retenção na fonte ocorridas em 2022, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28 de Fevereiro de 2025.
2. O Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos:
2.1. O Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009.
2.2. O Requerente é administrado pela sociedade B... S.A., entidade igualmente com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, ..., ... Luxemburgo.
2.3. O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo (CEDT Portugal/Luxemburgo).
2.4. Em 2022, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.172.203,00, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:
2.5. As retenções na fonte de IRC em causa, no montante total de € 285.134,25, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ..., ..., ..., ... e ..., pelo BANCO D..., S.A., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal em Portugal ..., e pelo C..., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal em Portugal ..., ambas na qualidade de entidades registadoras e depositárias de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC.
2.6. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo à retenção na fonte objecto da reclamação graciosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo.
2.7. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 20 de Maio de 2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2022, abrigo do disposto nos artigos 137.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRC, 68.º e 131.º a 133.º do CPPT.
2.8. Na referida reclamação graciosa, o Requerente sustentou que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, nº4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
2.9. Na data em que apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral, o referido procedimento de reclamação graciosa encontrava-se pendente junto da Administração Tributária, correndo os seus termos sob o n.º ...2024..., tendo-se formado a presunção de indeferimento tácito.
2.10. No entender do Requerente os OIC não residentes são objecto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e., ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Directiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado- Membro ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.
2.11. O Requerente sustenta o seu entendimento no facto de apenas ter suportado a referida tributação em sede de IRC por se tratar de um OIC não residente em Portugal, não obstante ter sido constituído e operar no Grão-Ducado do Luxemburgo em condições equivalentes aos OIC residentes em Portugal, cumprindo as exigências da Directiva 2009/65/CE.
2.12. Ou seja: um OIC residente em Portugal, constituído e a operar em condições equivalentes ao Requerente, estaria isento de tributação em sede de IRC sobre tais rendimentos, de acordo com o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF.
2.13. Constata-se assim existir uma diferença de tratamento dos OIC, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residentes em Portugal, por comparação com os OIC não residentes em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, na medida em que os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não são sujeitos a retenção na fonte nem tributados em sede de IRC, ao passo que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória.
2.14. Consequentemente, o regime estabelecido no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao restringir a dispensa de retenção na fonte e a exclusão de tributação em sede de IRC aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, discrimina os OIC não residentes, residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, não obstante tais entidades não residentes serem constituídas e operarem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa, ao abrigo da Directiva 2009/65/CE.
2.15. Como tal, o tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno, facto que deverá determinar anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas e a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado ao ora Requerente.
2.16. O princípio do primado do Direito da União Europeia tem sido sucessivamente reafirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia desde os Acórdãos Costa contra Enel (Processo C–6/64, de 15 de Julho de 1964) e Simmenthal (Processo C–106/77, de 9 de Março de 1978).
2.17. A situação pela qual um residente de um Estado-Membro recebe dividendos de uma participação no capital social de uma sociedade residente noutro Estado-Membro constitui uma operação intracomunitária que se encontra abrangida pelo TFUE, conforme foi já por diversas vezes afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos Acórdãos Verkooijen (Processo C-35/98), Manninen (Processo C-319/02), ACT 4(Processo C-374/04) e Denkavit II (Processo C-170/05).
2.18. Conforme afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia nos Acórdãos Baars (Processo C-251/98), Cadbury Schweppes (Processo C-196/04), FII (Processo C-446/04) e ACT 4 (Processo C-374/04), a legislação nacional de um Estado-Membro que determina uma tributação dos dividendos distribuídos a accionistas residentes noutro Estado-Membro é susceptível de bulir, quer com a liberdade de estabelecimento constante do artigo 49.º do TFUE, quer com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.
2.19. Independentemente da liberdade que se mostre concretamente em causa na situação em análise, as conclusões formuladas sobre a existência de uma situação de discriminação serão necessariamente aplicáveis quer no âmbito do artigo 49.º do TFUE, quer do artigo 63.º do TFUE, seguindo, aliás, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão ACT 4 (Processo C-374/04).
2.20. Relativamente às participações detidas por uma sociedade residente num Estado-Membro em sociedades residentes noutro Estado-Membro, e que não confiram uma influência certa nas decisões destas últimas ou não lhes permitam determinar as respectivas actividades, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem considerado que os recebimentos de dividendos, não constituindo, em si mesmos, circulação de capitais, pressupõem a participação em sociedades, a qual constitui uma manifestação inequívoca da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.
2.21. Concretamente no que respeita aos presentes autos e conforme melhor descrito supra, numa situação puramente doméstica – na qual uma sociedade portuguesa distribui dividendos a um OIC residente – não haverá qualquer retenção na fonte, nem qualquer outro tipo de tributação directa pelo Estado português, nos termos dos artigos 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF.
2.22. Diversamente, numa situação intracomunitária – na qual uma sociedade portuguesa distribui dividendos a um OIC residente noutro Estado-Membro da União Europeia, constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE – esses rendimentos encontram-se sujeitos a tributação em Portugal mediante retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC.
2.23. Esta diferença no tratamento fiscal de uma situação puramente doméstica e de outra intracomunitária colocou o Requerente, enquanto OIC accionista residente noutro Estado-Membro, numa situação claramente desfavorável em face dos OIC residentes em Portugal.
2.24. Ora, se de facto o TFUE reconhece, em geral, os elementos de conexão do Direito tributário internacional – residência e fonte –, ou seja, aceita um tratamento diferenciado entre residentes e não residentes – conforme reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos Acórdãos Futura Participations (Processo C-391/97), Marks & Spencer (Processo C-446/03) e Denkavit II (Processo C-170/05) –, a admissibilidade de tal diferenciação restringe-se aos casos em que ambos não se encontrem em situações objectivamente comparáveis.
2.25. Neste contexto, a situação na qual uma sociedade portuguesa paga dividendos a um OIC residente em Portugal é comparável à situação que está na origem dos presentes autos, em que esses dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OIC accionista de sociedades residentes em Portugal, constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo.
2.26. Entendimento que foi aliás corroborado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão Denkavit II (Processo C-170/05) e igualmente neste sentido, o Acórdão ACT 4 (Processo C-374/04).
2.27. Semelhante conclusão é afirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão Emerging Markets de 10 de Abril de 2014 (Processo C-190/12), no qual o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronunciou sobre uma situação idêntica à do Requerente.
2.28. E, bem assim, no Acórdão Fidelity Funds de 21 de Junho de 2018 (Processo C-480/16), pronunciando-se sobre uma situação idêntica à do Requerente.
2.29. Essa situação foi igualmente reconhecida na Decisão Arbitral de 23 de Julho de 2019 (Processo n.º 90/2019-T) e Decisão Arbitral de 27 de Dezembro de 2019 (Processo n.º 528/2019-T). No mesmo sentido, cfr. Decisão Arbitral de 6 de Novembro de 2020 (Processo n.º 11/2020-T).
2.30. Quaisquer dúvidas que, não obstante a referida jurisprudência, pudessem subsistir relativamente à comparabilidade entre os OIC residentes em território nacional e os OIC residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, foram definitivamente superadas por força do Acórdão AllianzGI- Fonds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19).
2.31. Efectivamente, de acordo com as regras e princípios de Direito da União Europeia que prevalecem sobre a legislação nacional, nas situações como a ora em análise, impende sobre o Estado Português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os dividendos auferidos pelo Requerente, tratar os mesmos de modo equiparável aos dividendos auferidos por um OIC accionista residente em situação análoga – ou seja, de não discriminar entre OIC accionistas residentes e não residentes.
2.32. Em face de todo o exposto, inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório decorrente da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2022, conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
2.33. Tudo ponderado, as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas enfermam de vício de violação de lei consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a respectiva anulação, com a consequente restituição do imposto indevidamente retido na fonte, no montante total de € 285.134,25, ao abrigo do artigo 100.º da LGT.
2.34. Padecendo os actos de retenção na fonte do ano de 2022, objecto da reclamação graciosa n.º3085202404010434, que antecedeu os presentes autos, do vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia ínsito nos artigos 4.º § 3 do Tratado da União Europeia e 8.º, n.º 4, da CRP, como amplamente demonstrado, nenhuma dúvida restará que assiste ao Requerente, ao abrigo dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT, o direito ao ressarcimento do prejuízo resultante da indisponibilidade do montante pago, no valor de € 285.134,25, com fundamento em erro imputável aos serviços da Administração Tributária.
2.35. Ou seja: à luz dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT, e 65.º, n.º 1, do CPPT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2.36. No caso em apreço, ao direito a juros indemnizatórios não se opõe o facto de as liquidações impugnadas terem sido operadas por uma entidade privada na qualidade de substituto tributário, porquanto é inequívoco que essa entidade exerce, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do CIRC, um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, tendo as referidas liquidações por retenção na fonte sido operadas no exercício efectivo desse poder.
3. Por sua vez, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta na qual se defendeu nos seguintes termos:
3.1. O pedido de pronúncia arbitral resulta do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º ...2024... remetido para a AT em 20-05-2024, por correio registado (DW...PT), apresentada contra os atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) ocorridos no período tributário de 2022 (entre 18-04-2022 e 21-12-2022), quando da colocação à disposição do Requerente de dividendos, com fonte em Portugal, alegadamente no montante total de € 1.172.203,00, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória.
3.2. A Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país, tendo junto ao processo o respetivo certificado se residência fiscal.
3.3. O Requerente informa que os dividendos auferidos, no montante de
€ 1.172.203,00, foram sujeitos a tributação em Portugal, por retenção na fonte, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, no valor de € 285.134,25, conforme quadro do § 7.º do pedido arbitral.
3.4. A retenção em causa foi, alegadamente, entregue através das guias de RF n.º..., ..., ..., ..., ... e ..., entregues por C... S A, NIPC português ... e D... SA, NIPC ... .
3.5. Apresentando essas guias valores muito superiores ao reclamado, torna-se impossível a confirmação do pedido.
3.6. Efectivamente, a declaração “Modelo 30 – rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes”, relativa ao período tributário de 2022, em que foi entidade declarante D... S. A., NIPC ..., revela rendimentos pagos nos períodos indicados, no montante de € 1.144.076,63, a que corresponde uma retenção na fonte de € 286.019,16, enquanto que o Requerente solicita um reembolso do imposto retido que ascende a € 285.134,25.
3.7. Contudo, note-se que ao conferir os valores da retenção alegadamente entregue pelas guias a que o Requerente faz referência no quadro acima mencionado, temos um valor total de retenções na fonte de € 285.071,25 (inferior ao peticionado em € 63,00).
3.8. Solicitada informação à Direção de Serviços de Relações Internacionais, através da Comunicação Interna n.º ...2025... de 16/01/2025, no sentido de saber se foram pedidos/efetuados quaisquer reembolsos relativos aos rendimentos suprarreferidos, veio aquela Direção de Serviços esclarecer, através da CI n.º ...2025... de 27/01/2025 (enviada também à DSCJC), que consultado o Sistema RELINT/DSRI, não foram encontrados quaisquer processos instaurados em nome do contribuinte supra identificado, de rendimentos de dividendos de 2022, e que consultado o Sistema de Gestão de Reembolsos Internacionais (SGRI), ao abrigo da CDT aplicável, foram encontrados cinco processos instaurados em nome do contribuinte supra identificado, relativos a rendimentos de dividendos.
3.9. Ou seja, o valor do reembolso peticionado em 2022, correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte a titulo definitivo de 25% e o limite convencional de 15%”, pelo que, nesta parte, existe duplicação de pedido: pedido de reembolso junto da DSRI e no âmbito do pedido arbitral.
3.10. Sendo a Requerente um organismo de investimento coletivo (OIC) e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
3.11. Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos directos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
3.12. Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
3.13. Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente.
3.14. Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
3.15. No mesmo sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objetivamente comparável”.
3.16. Pode assim dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença.
3.17. De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
3.18. Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
3.19. Veja-se, aliás, que nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e a coerência do sistema fiscal nacional.
3.20. Ainda no Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes, posição seguida nos Acórdãos do STA, n.º 01435/12, de 20/02/2013 e n.º 0654/13, de 27/11/2013.
3.21. Deste modo, e como se referiu, o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de Janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal.
3.22. Contudo paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
3.23. Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
3.24. Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
3.25. Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
3.26. Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
3.27. E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
3.28. Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois, como se viu, embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não se pode afirmar que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objectivamente comparáveis.
3.29. E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
3.30. Não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma directa e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
3.31. A administração tributária, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias, ex vi artigo 2.º, alínea c) da LGT.
3.32. A administração tributária tem que aplicar o disposto nos códigos fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com o artigo 2.º, alínea b) da LGT, in casu, as normas constantes do Código do IRC e do EBF acima citadas.
3.33. Na verdade, tem a administração tributária que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador doméstico terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional quer internacional, pelo que essas normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à administração tributária a sindicância das normas no que concerne à sua adequação relativamente ao Direito da União Europeia.
3.34. O artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal.
3.35. No entanto, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
3.36. Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores.
3.37. A verdade é que a Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores.
3.38. Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objectivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
3.40. Para efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objetivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados-Membros são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos.
3.41. Só deste modo será possível concluir se a desvantagem de cash-flow criada pela retenção na fonte de IRC, aos fundos de investimentos estabelecidos noutros Estados-Membros da UE, cria um obstáculo ao acesso ao mercado financeiro nacional, colocando-os numa situação desfavorável quando comparada com a situação tributária aplicada aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.
3.42. Para avaliar se a legislação nacional aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos em Portugal é discriminatória relativamente ao tratamento dos fundos de investimentos de outros Estados-Membros não basta olhar apenas o n.º 10 do artigo 22.º do EBF, pois, mesmo quando o que é sindicado é a tributação incidente sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um fundo de investimento estabelecido num estado membro, impõe-se levar em conta todos os ónus fiscais incidentes sobre tais rendimentos e sobre os ativos (in casu, ações) que lhe dão origem.
3.43. Deste modo, embora sobre os dividendos pagos por sociedades residentes aos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF não exista a obrigação de retenção na fonte (cf. n.º 10 do mesmo artigo), a verdade é que estão sujeitos a uma tributação autónoma, à taxa de 23%, por aplicação conjugada do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC e do n.º 8 do mesmo artigo 22.º do EBF, exceto se as correspondentes ações forem detidas, de modo ininterrupto, por período igual ou superior a um ano. Acresce que as ações integram o património dos OIC e, caso os rendimentos provenientes dos dividendos sejam capitalizados, i.e., reinvestidos pelo Fundo, entram para o cálculo do valor tributável em Imposto do Selo, nos termos definidos no n.º 5 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo.
3.44. Consequentemente, reitera-se que, para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em acções de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável.
3.45. Por tudo o exposto, entende a Requerida que devem ser mantidas as retenções na fonte ora impugnadas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA.
3.46. E, inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
4. Por despacho de 9 de Abril de 2025 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT), tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações simultâneas no prazo de dez dias.
5. Apenas o Requerente apresentou alegações, nas quais reiterou o pedido de pronúncia arbitral e se pronunciou sobre as questões prévias de impossibilidade da confirmação do pedido e de impossibilidade originária da lide por falta do seu objecto no segmento em que o imposto supera os 15% de retenção na fonte, nas quais sustentou o seguinte:
5.1. Em sede de Resposta, a AT afirma ser impossível confirmar o pedido formulado pelo Requerente nos presentes autos, na medida em que as guias de retenção na fonte identificadas no pedido de pronúncia arbitral apresentam «valores muito superiores ao reclamado».
5.2. Nessa sede, AT não coloca em causa que a entidade registadora e depositária de valores mobiliários efectuou as retenções na fonte sobre os dividendos distribuídos ao Requerente no ano de 2022, nem que os montantes retidos foram entregues nos cofres da Fazenda Pública através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ..., ..., ..., ... e ..., jamais colocando em causa a veracidade dos documentos juntos aos presentes autos.
5.3. Conclui-se, por isso, que o Requerente, tanto em sede administrativa como nos presentes autos, apresentou os elementos adequados e necessários a identificar os actos tributários subjacentes às retenções na fonte ocorridas em 2022, tendo, nessa medida, cumprido o ónus da prova que sobre si impendia de identificar os atos tributários nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT: (i) a data e o montante dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte; (ii) o montante da liquidação de retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os referidos rendimentos; (iii) o número das guias de retenção na fonte através das quais o IRC liquidado foi entregue nos cofres da Fazenda Pública.
5.4. Salienta-se que é a entidade registadora e depositária de valores mobiliários, nos termos do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC, que é responsável por liquidar o imposto incidente sobre os dividendos, não entrando o Requerente em contacto direto com a AT, sendo esse contacto assegurado na íntegra por essa entidade, na qualidade de substituto tributário, sendo por isso este e a AT – mas não o Requerente – que dispõem da informação relativa às retenções na fonte do imposto subjacente aos actos tributários controvertidos na presente sede.
5.5. Por esse motivo, na Decisão Arbitral do CAAD de 14 de Junho de 2021 (Processo n.º 467/2020-T), declara-se que essa dúvida não pode ser resolvida em desfavor da Requerente, uma vez que sobre ela não impendia o correspondente ónus da prova.
5.6. Nessa medida, a AT – e, em consequência, o Tribunal Arbitral – encontra-se em condições de identificar, pelos seus próprios meios, a partir dos elementos facultados pelo Requerente, nos termos dos artigos 58.º e 74.º, n.º 2, da LGT, o Requerente como beneficiário dos rendimentos em referência e para, por essa via, confirmar o montante do IRC retido na fonte em cada caso, que esse montante foi entregue nos cofres da Fazenda Pública e através de que guias, não tendo o Requerente ao seu alcance outros elementos que lhe permitam pronunciar-se sobre o teor das declarações Modelo 30 subjacentes aos atos tributários controvertidos.
5.7. Neste contexto, sem encetar as diligências necessárias e adequadas com vista à identificação do ato tributário de retenção na fonte objeto de reclamação graciosa ou de revisão oficiosa, não poderá a Administração Tributária abster-se de conhecer o pedido de declaração de ilegalidade formulado nesses procedimentos pelo contribuinte, por falta de identificação do ato impugnado, nos termos do artigo 108.º, n.º 1, do CPPT, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, decorrente do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
5.8. Tão-pouco podem os tribunais (judiciais ou arbitrais) abster-se de conhecer, em sede de impugnação judicial ou arbitral, o pedido de declaração de ilegalidade formulado pelo contribuinte (impugnante) por falta de identificação do ato de retenção na fonte impugnado, nos termos do artigo 108.º, n.º 1, do CPPT, sem antes, no exercício dos seus poderes inquisitórios e de condução do processo, ordenarem que seja apurado junto do substituto tributário a adequada identificação de tal ato impugnado, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, decorrente do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
5.9. Para além disso, a AT invoca a excepção dilatória de impossibilidade originária da lide no segmento correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte sofrida em Portugal (i.e., 25%) e a taxa de retenção na fonte prevista na Convenção para Evitar a Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Francesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CEDT Portugal/Luxemburgo") (i.e., 15%), sustentando o seu entendimento na informação transmitida pela Direção de Serviços de Relações Internacionais no sentido de a restituição dessa diferença ter sido solicitada em pedidos de reembolso apresentado pelo ora Requerente.
5.10. A este respeito, sublinhe-se que a apresentação de pedidos de reembolso e a sua eventual concretização não se afigura relevante para a procedência ou improcedência parcial dos presentes autos, porquanto, reconduzindo-se o pedido principal formulado no presente âmbito à declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos tributários, é indiferente, na presente sede, saber se aos referidos actos se encontram associados pedidos de reembolso e se os mesmos já foram concretizados.
5.11. Neste contexto, ainda que o Requerente tenha apresentado pedidos de reembolso de parte do imposto retido na fonte ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, mantém plena acuidade uma pronúncia arbitral que aprecie a legalidade dos actos de liquidação de IRC por retenção na fonte em crise nos presentes autos.
5.12. Ou seja, o Requerente tem pleno interesse em agir na apreciação da legalidade dos atos de liquidação de IRC por retenção na fonte no seu todo, na medida em que, desde logo, o seu direito a juros indemnizatórios dependerá da declaração de ilegalidade de tais atos tributários.
5.13. Isso mesmo foi reconhecido na Decisão Arbitral de 22 de Outubro de 2024, proferida no processo n.º 187/2024-T, e na Decisão Arbitral de 25 de Novembro de 2024, proferida no processo n.º 390/2024-T.
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
A) Matéria de facto
1) Factos provados.
7. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
7.1. O Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo.
7.2. O Requerente é administrado pela sociedade B... S.A., entidade igualmente com residência no ..., em ... Luxemburgo.
7.3. O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo.
7.4. Em 2022, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.172.203,00, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:
7.5. As retenções na fonte de IRC em causa, no montante total de € 285.134,25, foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte n.ºs ..., ..., ..., ..., ...e ..., pelo BANCO D..., S.A., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal em Portugal ..., e pelo C..., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal em Portugal ..., ambas na qualidade de entidades registadoras e depositárias de valores mobiliários.
7.6. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 20 de Maio de 2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2022.
7.7. Na data em que foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral, o referido procedimento de reclamação graciosa encontrava-se pendente junto da Administração Tributária, correndo os seus termos sob o n.º ...2024..., tendo-se formado a presunção de indeferimento tácito.
7.8. O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 19 de Dezembro de 2024.
2) Factos não provados.
8. Não se considera provado que o Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo à retenção na fonte objecto da reclamação graciosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo.
3) Motivação da matéria de facto.
9. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo junto pela Requerida no âmbito deste processo arbitral.
O facto não provado resulta de não existir qualquer documento que comprove a ausência de atribuição de crédito de imposto relativamente às retenções na fonte.
O Tribunal Arbitral apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.
B) Matéria de direito
10. São as seguintes as questões a apreciar no presente acórdão:
— Da excepção de impossibilidade de confirmação do pedido;
— Da excepção de impossibilidade originária da lide;
— Da conformidade do artigo 22º EBF com o artigo 63º do TFUE.
Examinar-se-ão assim sucessivamente estas questões:
— DA EXCEPÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE CONFIRMAÇÃO DO PEDIDO.
11. A AT invoca a impossibilidade de confirmação do pedido salientando que as guias de retenção na fonte apresentam valores muito superiores ao reclamado neste processo.
Como bem salienta o Requerente, o mesmo cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia de identificar os actos tributários nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT: (i) a data e o montante dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte; (ii) o montante da liquidação de retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os referidos rendimentos; (iii) o número das guias de retenção na fonte através das quais o IRC liquidado foi entregue nos cofres da Fazenda Pública.
Tal implica que se tenha que considerar satisfeito o ónus da prova que incumbia sobre o Requerente, nos termos do art. 74.º, n.º 2, da LGT.
Neste sentido referiu expressamente o Acórdão deste CAAD de 14/6/2021, proferido no processo 467/2020-T o seguinte:
"Na ausência de diligências instrutórias por iniciativa oficiosa da Administração e em face da impossibilidade de o contribuinte obter elementos de informação que se encontravam na posse de uma terceira entidade, por não ser ele também o sujeito passivo do imposto, não pode afirmar-se, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, que era sobre a Requerente que impendia o ónus de juntar aos autos as guias de liquidação de imposto de modo a demonstrar a conexão entre os pagamentos efectuados e os contratos de financiamento.
E era a Autoridade Tributária que, no exercício dos seus poderes inquisitórios, estava em condições de realizar as diligências necessárias e adequadas a apurar a realidade subjacente às operações em causa.
Dito de outro modo, a situação fiscal do contribuinte não pode ser agravada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios".
Julga-se por isso improcedente esta excepção.
— DA EXCEPÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA DA LIDE.
Sustenta ainda a AT que existe impossibilidade originária da lide no segmento correspondente à diferença entre a taxa de retenção na fonte sofrida em Portugal (i.e., 25%) e a taxa de retenção na fonte prevista na Convenção para Evitar a Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Francesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CEDT Portugal/Luxemburgo") (i.e., 15%), sustentando o seu entendimento na informação transmitida pela Direção de Serviços de Relações Internacionais no sentido de a restituição dessa diferença ter sido solicitada em pedidos de reembolso apresentados pela ora Requerente.
Conforme também salientou o Requerente a apresentação de pedidos de reembolso e a sua eventual concretização não é relevante para a procedência ou improcedência parcial dos presentes autos, porquanto, reconduzindo-se o pedido principal formulado no presente âmbito à declaração de ilegalidade e consequente anulação de atos tributários, é indiferente, na presente sede, saber se aos referidos actos se encontram associados pedidos de reembolso e se os mesmos já foram concretizados. Na verdade, o que está em causa é saber se as retenções na fonte se encontram ou não em conformidade com o artigo 63º do TFUE e se por isso as liquidações resultantes das mesmas devem ser anuladas. Para tal não é relevante o pedido de reembolso ao abrigo da convenção.
Efectivamente, e escreveu-se no acórdão de 25/11/2024 deste CAAD, proferido no processo 390/2024-T, em que participou o relator do presente processo o seguinte:
"Há que sublinhar que, no caso de fundos de investimento residentes no Luxemburgo, a respectiva Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital (ADT), permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%.
Acresce que o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos franceses. Estas diferenças podem ser invocadas para sustentar que não se trata de situações comparáveis.
Assim, está em causa determinar se na comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta o pertinente regime jurídico e os ADT entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respectivos investidores. Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos Estados-Membros, a partir dos relevantes ADT, se as houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os accionistas fossem, eles próprios, pessoas colectivas, cada qual residente numa jurisdição diferente.
Neste sentido, o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objectivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os Tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais".
Por esses motivos julga-se igualmente improcedente esta excepção.
— DA CONFORMIDADE DO ARTIGO 22º DO EBF COM O ARTIGO 63º DO TFUE.
Sustenta o Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A Autoridade Tributária contrapõe que o artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias e uma isenção das derramas municipal e estadual, deslocando a tributação para a esfera do imposto do selo, além de que sujeita os OIC às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC. Não podendo afirmar-se, neste condicionalismo, que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos rendimentos de capitais opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os rendimentos de capitais auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os rendimentos de capitais auferidos em Portugal pela Requerente.
A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19, no âmbito do processo 93/2019-T, em que se extrai a seguinte conclusão:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
O citado artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
(…).
Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno, mas tenham sido constituídos segundo a legislação de um outro Estado-membro da União Europeia.
A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.
11. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, o Requerente é um organismo de investimento colectivo constituído segundo o direito luxemburguês, efectuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado que os OIC constituídos de acordo com o direito português.
Alega o Requerente, neste contexto, que a norma do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF, se torna incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).
O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Em relação à liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19, de 10 de Abril de 2014, desencadeado pelo Requerente esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, formulando, na parte que mais interessa reter, os seguintes considerandos:
"36. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (…).
37. No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38. Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE.
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (…).
42. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral".
Quanto à existência de situações objectivamente comparáveis, o Tribunal de Justiça da União Europeia concluiu que o “critério de distinção a que se refere a legislação nacional (…), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes” (considerando 73), havendo de entender-se que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” (considerando 74).
E não há motivo para que o Tribunal Arbitral, face aos elementos factuais conhecidos, deva dissentir do entendimento formulado, quanto a esta matéria, em sede de reenvio prejudicial. A situação é tanto mais aplicável quanto está em causa uma entidade da mesma natureza e a mesma questão relativa à tributação dos dividendos através de retenção na fonte.
Em relação à possibilidade de uma restrição à livre circulação de capitais ser admitida por razões imperiosas de interesse geral, o Tribunal de Justiça declarou que, para esse efeito, “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78). Concluindo que, no caso, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” e a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional (…)” (considerandos 80 e 81).
Em todo este contexto, a doutrina fixada pelo TJUE é aplicável à tributação dos dividendos pagos a organismos de investimento colectivo não residentes através de retenção na fonte.
Decidindo de um recurso por oposição entre acórdãos arbitrais, o STA, em Acórdão de 28 de Setembro de 2023, no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
“Conclusões:
1 — Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;
2 — O art. 63º, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
3 — A interpretação do art. 63º, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art. 22º, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia”.
Acolhendo expressamente, pois, a orientação adoptada pelo TJUE na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19), o STA remove, deste modo, as últimas dúvidas que pudessem subsistir quanto à consagração jurisprudencial da referida orientação.
E isso não pode, evidentemente, deixar de repercutir-se no mérito da presente causa, e na decisão a que este Tribunal chega.
12. É assim claro que o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento imobiliário que constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional, mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.
Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de Fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).
De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu. A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem em consequência decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo n.º 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo n.º 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0464/15.
Os actos de retenção na fonte de IRC impugnados e o indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles apresentada são assim ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.
Termos em que se dá como procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas e, bem assim, do indeferimento tácito da reclamação ordinária do acto tributário.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
13. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objetco da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT
Como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da existência de um acto ilegal, cuja ilegalidade não é imputável ao contribuinte:
– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2001, processo n.º 26167);
– «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da LGT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-11-2001, processo n.º 26404);
– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2001, processo n.º 26415);
– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43.º da LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2001, processo n.º 26223).
À luz desta jurisprudência, não sendo os erros que afectam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à AT. O facto de estarem em causa actos de retenção na fonte, não praticados directamente pela AT, não afasta essa imputabilidade, pois, ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços», devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto (cf. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256 e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão)).
O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:
“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.”
Tratando-se de jurisprudência uniformizada, deve seguir-se o seu entendimento, concluindo-se que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que terminou o prazo para ser apreciada a reclamação nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da LGT, ou seja, 21 de setembro de 2024 (considerando como data da apresentação da reclamação graciosa o dia 20 de maio de 2024).
Em face do exposto, os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor de € 285.134,25, desde 21 de setembro de 2024 e até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de retenção na fonte de IRC impugnados, referentes ao ano de 2022, no montante global de € 285.134,25, bem como o indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida;
b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de jurosindemnizatórios desde 21 de setembro de 2024.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 285.134,25, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor económico do pedido, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00 que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 16 de Maio de 2025,
Os Árbitros
(Alexandra Coelho Martins)
(João Taborda da Gama)
(Luís Menezes Leitão, relator)