Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1325/2024-T
Data da decisão: 2025-05-12  IRC  
Valor do pedido: € 863.557,58
Tema: IRC. Benefício fiscal. Fundo de investimento imobiliário não residente. Liberdade de circulação de capitais. Juros indemnizatórios.
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Sumário: 

As normas do n.º 1, parte final, e do n.º 3 do artigo 22.º  do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, violam o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro Presidente), João Taborda da Gama e André Festas da Silva (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 24 de fevereiro de 2025, acordam no seguinte:

 

I – Relatório

 

     1. A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal..., com sede em ..., ... Frankfurt am Main, Alemanha, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional em 2020, 2021, 2022 e 2023, bem como da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos. 

 

A Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária, sendo sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem estabelecimento estável no país.

 

A Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal, e na qualidade de acionista dessas sociedades, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.

 

Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC (CIRC), tendo suportado IRC por retenção na fonte, no montante total de € 863.557,58.

 

No entanto, tais dividendos, se auferidos por um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, estariam excluídos de tributação, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que entende a Requerente que o tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento consoante a sua residência fiscal, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, que é proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). 

 

Neste sentido, no dia 13 de maio de 2024, a Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC.

 

No entanto, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão no procedimento, pelo que, decorrido o prazo legal para o efeito, presume-se o indeferimento tácito do referido pedido de revisão oficiosa.  

 

Conclui pedindo a procedência do pedido arbitral mediante a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e a anulação dos atos tributários de retenção na fonte, bem como pelo reconhecimento do direito à restituição da quantia paga e do direito a juros indemnizatórios. 

 

2. A Autoridade Tributária, na sua resposta, vem invocar a inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte relativamente aos anos de 2020 e 2021 e a incompetência do tribunal em razão da matéria.

 

Em sede de impugnação, refere que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.

Resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada. 

No caso, embora os sujeitos passivos de IRC se encontrem excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF, o legislador nacional optou por uma tributação na esfera do Imposto do Selo, tendo sido aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, a verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos. 

 

Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. 

 

Ou seja, de acordo com a Autoridade Tributária, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não permite concluir por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois, embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma em IRC, seja em imposto do selo.

 

E, desse modo, não estamos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente. 

 

Acresce que a Requerida encontra-se vinculada ao princípio da legalidade, não lhe competindo apreciar a desconformidade das normas internas com o TFUE, nem desaplicar normas por suposta violação do direito europeu, competência essa que apenas é atribuída aos tribunais.

 

Conclui pedindo a procedência das exceções dilatórias invocadas e, se assim se não entender, a improcedência do pedido arbitral

 

 3. No seguimento do processo, por despacho de 25 de março de 2025, o tribunal determinou a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Autoridade Tributária na resposta. 

 

A Requerente exerceu o direito de contraditório através do requerimento de 9 de abril de 2025.

  

Por despacho de 10 de abril seguinte, o tribunal arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, por considerar que não existem quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24 de fevereiro de 2025.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Saneamento

Incompetência do tribunal em razão da matéria

 

5. A Autoridade Tributária suscitou a exceção dilatória da incompetência do tribunal em razão da matéria, baseando-se no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, quando aí se exceciona da vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, por considerar que não tendo sido deduzida, no prazo legalmente previsto, a reclamação graciosa contra os atos tributários impugnados, o tribunal arbitral carece de competência para conhecer do pedido.

 

Acrescenta que, havendo lugar a um indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, o tribunal não pode conhecer dos pressupostos de aplicação do disposto no artigo 78.º da LGT.

 

Ora, a questão relativa à precedência da impugnação administrativa em relação à impugnação judicial não se prende com a competência do tribunal, mas com a impugnabilidade contenciosa dos atos tributários.  

 

Como refere o artigo 185.º, n.º 1, do CPA, “as reclamações e os recursos administrativos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido”.

 

Quando as reclamações e os recursos administrativos tenham caráter necessário, e não tenham sido utilizados pelo interessado para efeito de recorrerem à impugnação judicial dos atos administrativos lesivos, o que sucede é que esses atos se consolidam na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, tornando-se inimpugnáveis.

 

O que não significa que o tribunal deixe de manter a sua competência para conhecer de processo impugnatório que tenha como objeto ato inimpugnável, tanto mais que, como determina o artigo 608.º, n.º 1, do CPC, cumpre ao tribunal conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam conduzir à absolvição da instância.

 

A segunda ordem de considerações formulada pela Autoridade Tributária não tem também qualquer cabimento.

 

A Requerente apresentou pedido arbitral para a apreciação da legalidade de atos tributários de retenção na fonte, que constitui pretensão que se enquadra na competência do tribunal face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

O pedido de declaração de ilegalidade do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e a anulação desse ato de segundo grau apenas poderá ser consequencial da anulação dos atos tributários de retenção na fonte.

 

E o tribunal não tem, por conseguinte, de se pronunciar sobre a legalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, mas sobre a legalidade dos atos de retenção na fonte.

 

Por todo o exposto, a alegada exceção dilatória de incompetência do tribunal é manifestamente improcedente.

 

Inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte 

 

6. A Autoridade Tributária invoca ainda a inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, por considerar que, em caso de retenção na fonte, o artigo 132.º do CPPT impõe que a impugnação seja precedida de reclamação graciosa no prazo de dois anos, pelo que, tendo sido apresentado o pedido de revisão oficiosa para além desse prazo, esse pedido não pode ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere aquela disposição, relativamente aos atos de retenção na fonte realizados para além do referido prazo de dois anos.

Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte  e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

No caso de erro na retenção na fonte, o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT especifica que  “o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de dois anos a contar do termo do prazo nele referido”.

 

A exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreaciação da legalidade do ato impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado suscitar um litígio judicial.

 

Ora, a lei permite que o sujeito passivo, por sua iniciativa, possa solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, da LGT).

 

O pedido de revisão oficiosa constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 132.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do ato tributário, em momento prévio à via judicial.

 

É verdade que o artigo 132.º do CPPT faz referência à reclamação graciosa e não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da Autoridade Tributária) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. Por isso, concede-se à AT a oportunidade (e o direito) de se pronunciar sobre o erro nas retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo judicial ou arbitral.

 

Efetivamente, a doutrina e a jurisprudência tributária reconhecem o pedido de revisão do ato tributário como um meio impugnatório administrativo com um prazo mais alargado que os restantes, alternativo e perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.

 

De acordo com Carla Castelo Trindade: 

(…) as reclamações graciosas necessárias, previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, justificam-se pela necessidade de uma filtragem administrativa, prévia à via judicial, por estarem em causa actos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, o pedido de revisão oficiosa serve o propósito dessa filtragem administrativa, porque aí a Administração já terá possibilidade de se pronunciar sobre o acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado não foi efectivamente uma reclamação graciosa seria violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, tal como consagrado no artigo 20.º da CRP.

E esta admissibilidade vale, por maioria de razão, tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo previsto para a reclamação graciosa necessária (que é de 2 anos nos termos daqueles artigos do CPPT), como para o pedido que é realizado quando ainda era possível a apresentação de reclamação graciosa.” (cf. “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado” Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97).

 

Do mesmo modo, tem-se pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no acórdão de 12.07.2006, proferido no processo n.º 042/06, ou, mais recentemente, no acórdão de 09.11.2022, no âmbito do processo n.º 087/22.5BEAVR. Neste último aresto, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo que “O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação)”.

 

Também o Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou sobre a mesma questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária quando se reaja ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa, entre outros, no acórdão de 26.05.2022, no âmbito do processo n.º 96/17.6BCLSB, nos seguintes termos: 

O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa. Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15). Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência. Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)(…)”

 

Assim, como referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 608/2024-T, que se acompanha, não se alcança que deva ser outro o propósito da norma de remissão da Portaria de Vinculação que indica expressamente as pretensões “que não tenham sido precedid(a)s de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, ou seja, referindo-se com clareza a um procedimento administrativo prévio e não, em exclusivo, à reclamação graciosa. Por outro lado, seria incoerente e antissistemático que os artigos 131.º a 133.º do CPPT revestissem distintos significados consoante estivessem a ser aplicados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e nos Tribunais Arbitrais.

 

No caso em análise, o que se constata é que a Requerente impugna atos de retenção na fonte realizados entre 15 de maio de 2020 até 25 de agosto de 2023 e apresentou o pedido de revisão oficiosa em 14 de maio de 2024. Agiu, portanto, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa relativamente aos atos de retenção na fonte realizados entre 15 de maio de 2020 e 20 de maio de 2022. Contudo, foi cumprido o prazo de 4 anos permitido pelo n.º 1 do artigo 78.º da LGT.  

 

Neste contexto, a exceção suscitada pela Requerida é totalmente improcedente.

 

III - Fundamentação 

Matéria de facto

7. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

A) A Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.

B) A Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (documento n.º 1).

C) Nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, a Requerente era detentora de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal (documento n.º 2):

 

 

B... SGPS, S.A. 

C... SGPS, S.A. 

D... SGPS, S.A. 

E... SGPS, S.A. 

F… S.A. 

 

D) Nos referidos anos, a Requerente, na qualidade de acionista dessas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, que foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC, conforme se discrimina no quadro abaixo:

 

 

Ano da Retenção 

Valor Bruto do Dividendo 

Data de Pagamento 

Taxa de 

Retenção na Fonte 

Guia de pagamento 

Valor da retenção (€) 

2020 

96 300,00 

15.05.2020 

25% 

... 

24 075,00 

2020 

305 357,76 

15.05.2020 

25% 

...

76 339,44 

2020 

90 674,98 

20.07.2020 

25% 

...

22 668,74 

2020 

238 332,18 

10.12.2020 

25% 

...

59 583,05 

2021 

94 108,02 

17.05.2021 

25% 

... 

23 527,01 

2021 

475 000,00 

20.05.2021 

25% 

...

118 750,00 

2021 

274 988,00 

25.05.2021 

25% 

... 

68 747,00 

2021 

190 000,00 

20.07.2021 

25% 

... 

47 500,00 

2021 

286 824,00 

28.12.2021 

25% 

...

71 706,00 

2022 

91 651,23 

10.05.2022 

25% 

... 

22 912,81 

2022 

573 647,88 

07.06.2022 

25% 

...

143 411,97 

2022 

115 839,36 

20.09.2022 

25% 

...

28 959,84 

2022 

405 158,11 

12.12.2022 

25% 

...

101 289,53 

2023 

104 341,38 

23.05.2023 

25% 

...

26 085,35 

2023 

112 007,34 

25.08.2023 

25% 

... 

28 001,84 

 

 

 

 

TOTAL

863 557,58

 

E) Em 13 de maio de 2024, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra os atos de retenção na fonte dos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, que deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa em 14 de maio de 2024 (documento n.º 4).

F) A Administração Tributária não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado, considerando-se esse pedido tacitamente indeferido em 15 de setembro de 2024.

G) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 12 de dezembro de 2024. 

 

Factos não provados

Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

Motivação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

            Matéria de direito

8. Sustenta a Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º  do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

A Autoridade Tributária limita-se a considerar que a situação dos residentes e dos não residentes não são objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente. 

Refere ainda que se encontra vinculada ao princípio da legalidade, não lhe competindo apreciar a desconformidade das normas internas com o TFUE, nem desaplicar normas por suposta violação do direito europeu, competência essa que apenas é atribuída aos tribunais.

 

A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido no Processo n.º C-545/19, em reenvio prejudicial suscitado no Processo n.º 93/2019-T, em que se extrai a seguinte conclusão:

 

O artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

E não pode deixar de se sufragar esse entendimento, que, aliás, vem na linha de anterior jurisprudência do TJUE, ainda que não sobre a específica questão que está em análise nos presentes autos.

 

O citado artigo 22.º do EBF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:

 

Artigo 22.º 

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

  4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

(…)

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

            (…)

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

 

Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.  Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno mas tenham sido constituídos segunda legislação de um outro Estado-membro da União Europeia.

A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.

 

9. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é um organismo de investimento coletivo mobiliário, constituída segundo o direito alemão, desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento mobiliário de capital variável heterogeridas, efetuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.

 

Alega a Requerente, neste contexto, que as normas do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF se tornam incompatíveis com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

 

Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do TFUE apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).

 

O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

 

Em relação à liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19 de 10 de Abril de 2014, esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, formulando, na parte que mais interessa reter, os seguintes considerandos:

 

36      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (-).

37      No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38      Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39      Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (-).

40      Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41      Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (-).

42      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (-).

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis, o Tribunal de Justiça concluiu que o “critério de distinção a que se refere a legislação nacional (…), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes (considerando 73), havendo de entender-se que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis (considerando 74). 

E não há motivo para que o tribunal arbitral, face aos elementos factuais conhecidos, deva dissentir do entendimento formulado, quanto a esta matéria, em sede de reenvio prejudicial. 

Em relação à possibilidade de uma restrição à livre circulação de capitais ser admitida por razões imperiosas de interesse geral, o Tribunal de Justiça declarou que, para esse efeito, “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78). Concluindo que, no caso, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” e a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional (…) (considerandos 80 e 81).

Em todo este contexto, a doutrina fixada pelo TJUE é a seguinte:

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

10. Revertendo à situação do caso, e como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos mobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97). 

 

O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.

 

Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

 

Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).

 

De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de julho de 2015, Processo n.º 0188/15).

 

Resta acrescentar que o recente acórdão do STA de 28 de setembro de 2023 (Processo n.º 093/19), tirado em recurso por oposição de julgados entre as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 96/2019-T e 90/2019-T, tomando em consideração o citado acórdão do TJUE proferido no  Processo n.º C-545/19, uniformizou a jurisprudência   no sentido de que a interpretação do artigo 63.º do TFUE é incompatível com o artigo 22.º do EBF, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.

 

 Os atos de retenção na fonte dos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 são, assim, ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE, e, consequentemente, é ilegal o ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido.

 

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

11. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente retido, bem como no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Tendo sido determinada a ilegalidade dos atos de retenção na fonte dos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias indevidamente retidas. A retenção na fonte contestada totaliza € 863.557,58 pelo que é esta a quantia a que o Requerente tem direito.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

 

Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de maio de 2017, Processo n.º 01159/14, bem como o acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30 de setembro de 2020, Processo n.º 040/19.6BALSB).

 

De acordo com o Supremo Tribunal Administrativo, para a contagem do prazo de 1 ano deve considerar-se qualquer decisão anulatória quer seja a própria decisão da revisão oficiosa, quer seja uma decisão proferida por um tribunal. Com efeito, decorre dos acórdãos proferidos em 24 de janeiro de 2024 nos processos n.º 062/22.0BALSB e n.º 010/23.7BALSB que “Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado por decisão arbitral, os juros indemnizatórios apenas serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT], motivo por que se a decisão anulatória for proferida dentro desse prazo de um ano, não há lugar a juros indemnizatórios”.

 

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 13 de maio de 2024, pelo que não se verificam os pressupostos previstos na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGR, não sendo, por isso, devidos juros indemnizatórios.

 

III - Decisão

Termos em que se decide:

a) Julgar improcedentes as exceções de incompetência do Tribunal e de inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte dos anos de 2020 e de 2021; 

b) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral e anular os atos de retenção na fonte sobre o IRC, que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional em 2020, 2021, 2022 e 2023 que são impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido;

c) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 863.557,58, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, e 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 12.240,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 12 de maio de 2025,

   

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha (com declaração de voto)

 

O Árbitro Vogal

 



 

 

João Taborda da Gama

 

 O Árbitro Vogal

 

 

                                                     André Festas da Silva

 

                   

                                        Declaração de voto de vencido

 

Teria julgado procedente a exceção de inimpugnabilidade relativamente aos atos de retenção na fonte realizados entre 15 de maio de 2020 e 10 de dezembro de 2020, com os fundamentos que seguem.

Em causa está a interpretação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, diploma que, em aplicação do artigo 4.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), regulamenta o âmbito de vinculação da administração tributária aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Nos termos dessa disposição, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse Regime, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte  e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

No caso de erro na retenção na fonte, o n.º 3 do artigo 132.º do CPPT especifica, à semelhança do que sucede em caso de erro na autoliquidação, a que se refere o artigo 131.º, que a impugnação judicial será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de dois anos a contar do termo do prazo nele referido.

Essa disposição tem o sentido inequívoco de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa.

Esse, aliás, é o princípio geral que resulta do artigo 185.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável no processo arbitral, segundo o qual, “as reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contencioso de impugnação e de condenação à prática de ato devido”.

Tendo sido apresentado, no caso vertente, um pedido  revisão oficiosa contra atos de retenção na fonte, e ainda que se atribua ao pedido de revisão oficiosa o mesmo efeito jurídico da reclamação graciosa, essa equivalência apenas pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado dentro do prazo previsto para aquela forma de impugnação administrativa, isto é, dentro do prazo de dois anos (cfr., neste sentido, os citados acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 840/2021-T e 778/2023-T na situação similar de impugnação no caso de erro na autoliquidação).

Ainda que nos termos das disposições conjugadas n.ºs 1 e 4 do artigo 78.º da LGT possa ser deduzido um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, e mesmo depois de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa, esse pedido não pode ser equiparado à reclamação necessária quando a lei fixa um prazo de 2 anos para a observância desse requisito procedimental. Dito de outro modo, o prazo de 2 anos estabelecido no artigo 132.º, n.º 3, do CPPT para deduzir a reclamação graciosa, como condição prévia à impugnação judicial do ato tributário, não pode ser substituído pelo prazo mais longo previsto, em geral, para a revisão oficiosa.

 As normas dos artigos 131.º e 132.º do CPPT, e qualquer outra que fixe um prazo de 2 anos para a reclamação necessária, como condição de impugnabilidade do ato administrativo, não pode ser objeto de uma interpretação extensiva quando uma tal interpretação não tem um mínimo de correspondência com a letra da lei. O sentido literal determina o limite da interpretação, de tal modo que aquilo que está para além do sentido possível já não com ele compatível (cfr, Karl LarenzMetodologia da Ciência do Direito, 7.ª edição, Lisboa, págs. 457 e segs., e, em especial, pág. 485).

No caso em análise, constata-se que a Requerente impugna atos de retenção na fonte realizados em 15 de maio de 2020 e 25 de agosto de 2023, e apresentou o pedido de revisão oficiosa em 13 de maio de 2023, e, fê-lo, portanto, relativamente aos atos de retenção na fonte realizados entre 15 de maio de 2019 e 10 de dezembro de 2020, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa.

 Sendo assim, é de concluir que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT, relativamente aos atos de retenção na fonte realizados entre 15 de maio de 2019 e 10 de dezembro de 2020, pelo que se verifica a inimpugnabilidade desses atos tributários por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.

 

                 

                           

                                 Carlos Fernandes Cadilha