Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1303/2024-T
Data da decisão: 2025-05-16  IRS  
Valor do pedido: € 17.045,25
Tema: IRS de 2022 e 2023. ADT Portugal vs. Dinamarca. Nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 92/2018, de 13.11. Tonnage tax.
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SUMÁRIO

O artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei 92/2018, de 13 de novembro, que prevê a isenção de IRS aplicável aos tripulantes, deve ser interpretado no sentido de exigir que os navios ou embarcações se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime de tonnage tax português ou por um outro regime análogo em vigor num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., NF..., residente na Rua ..., n.º ...,  ..., Vila Nova de Famalicão, (doravante designado por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, n.º 1, alínea a), e 10º, nºs 1 e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular, com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios: (1) n.º 2023..., respeitante ao ano de 2022, da qual resultou um valor a pagar de 4.564,82 € e (2) n.º 2024..., respeitante ao ano de 2023, da qual resultou um valor a pagar de 677,01€, totalizando € 5 241,83.

O Requerente termina pedindo ao Tribunal Arbitral: 

a)     {C}{C}{C}{C}Que seja declarado ilegal o ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios n.º 2023..., respeitante ao ano de 2022, da qual resultou um valor a pagar de 4.564,82 €; 

b)    {C}{C}{C}{C}Que seja declarado ilegal o ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de juros compensatórios n.º 2024..., respeitante ao ano de 2023, da qual resultou um valor a pagar de 677,01€; 

c)     {C}{C}{C}{C}Que seja condenada a Autoridade Tributária a restituir os montantes indevidamente penhorados/cobrados, acrescidos de juros indemnizatórios, contados, à taxa legal, sobre esses montantes, desde a data do pagamento indevido até ao momento do efetivo e integral reembolso desses montantes.

Em 14.02.2025, o Requerente veio requerer a ampliação do PPA primitivo, alegando que no decorrer do presente processo, e relativamente aos anos aqui em crise, foram promovidas novas declarações oficiosas que deram origem às  liquidações de IRS nº 2025..., da qual resultou um montante de imposto a pagar de 11 129,18 € e nº 2025..., da qual resultou um montante de imposto a pagar de 5 916,07 €, referentes ao período de 2022 e 2023, respectivamente, colocando em causa as liquidações oficiosas do IRS do período de 2022, considerando o rendimento global de 59 869,75€ e do ano de 2023, considerando o rendimento global de 50 153,40€, valores que considera errados, pois que:

a.     {C}{C}{C}{C}Os rendimentos de trabalho auferidos pelo requerente e esposa, durante o ano de 2022 foram, não os indicados 59 869,75€, mas sim 41 096,64 €;

b.     {C}{C}{C}{C} Os rendimentos de trabalho auferidos pelo requerente e esposa, durante o ano de 2023 foram, não os indicados 50 153,40€, mas sim 36 142,86 €;

E terminou referindo que as segundas liquidações de 2022 e de 2023 “padecem ... de ilegalidade”, pedindo que seja considerado procedente o pedido de ampliação, e consequentemente ser declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS):

        i.         nº 2025..., referente ao período de 2022, da qual resultou um montante de imposto a pagar de 11 129,18 €, e 

      ii.          nº 2025... referente ao período de 2023, da qual resultou um montante de imposto a pagar de 5 916,07 €.

Tudo num total de € 17 045,25.

O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT em 10/12/2024.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29/01/2025 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 18/02/2025.

Por Despacho Arbitral de 19/02/2025, nos termos do previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, foi notificada a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando dever ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo.

A Requerida depois de ter peticionado a prorrogação do prazo para responder e de lhe ter sido conferido prazo suplementar de 10 dias, apresentou, em 10.04.2025, a Resposta e, na mesma data, remeteu cópia do Processo Administrativo.

Na resposta a AT invocou:

·      {C}{C}{C}{C}A questão prévia de revogação das duas primeiras liquidações de IRS de 2022 e 2023;

·      {C}{C}{C}{C}E a excepção de litisconsórcio necessário activo uma vez que o Requerente apresentou o PPA desacompanhado do seu cônjuge.

Notificado o Requerente para se pronunciar sobre a matéria da questão prévia e da excepção aduzida, por despacho de 11.04.2025, veio responder em 24.04.2025 propugnando pelas suas improcedências.

Por despacho de 12.05.2025 foi dispensada a reunião de partes e bem assim a apresentação de alegações escritas, a menos que uma das partes viesse referir, no prazo de 10 dias, que não prescindia da sua apresentação, o que não se verificou.

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo, face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O pedido e a sua ampliação são tempestivos (esta por ter sido deduzida antes da constituição do Tribunal) e o processo não enferma de nulidades.

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

A)   O Requerente, durante os anos de 2022 e 2023 prestou a atividade profissional de marinheiro de 1ª classe, ao abrigo de um contrato individual de trabalho e ao serviço da entidade empregadora denominada “B... A/S”, com sede na Dinamarca – conforme artigo 1º do PPA e Documento nº 1 em anexo ao PPA;

B)   A empresa B... A/S aderiu na Dinamarca, nos anos de 2020, 2021 e 2022, ao regime especial de determinação da matéria coletável, designado por Tonnage Tax - conforme artigo 2º do PPA e Documentos 2 e 3 em anexo ao PPA; 

C)   O Requerente exerceu a sua atividade profissional a bordo de embarcação da B... A/S, relativamente aos anos de tributação em causa, por um período superior a 90 dias por cada ano - conforme artigo 3º do PPA e Documentos nºs 3 e 4, em anexo ao PPA;

D)   B..., emitiu declaração escrita referindo que o Requerente, auferiu em 2022 um valor total sujeito a tributação de € 29 714,18 e em 2023 de € 24 552,79 – conforme documentos 3 e 5 em anexo ao requerimento de ampliação do pedido, uma vez que coincidem com os valores que ambas as partes consideram terem sido obtidos nesses anos como rendimento do trabalho dependente;

E)   C... SA, emitiu declaração escrita referindo que D..., cônjuge do Requerente, auferiu em 2022 um valor total sujeito a tributação de € 11382,48 e em 2023 de € 11 590,07 – conforme documentos 4 e 6 em anexo ao requerimento de ampliação do pedido, uma vez que coincidem com os valores que ambas as partes consideram terem sido obtidos nesses anos como rendimento do trabalho dependente;

IRS DE 2022

F)   {C}{C}{C}{C}O Requerente apresentou a declaração Modelo 3 do IRS de 2022 -...-2022-...-..., em cujo quadro 4 do Anexo H consta o seguinte:

 

 

conforme PA junto pela AT (IRS 2022);

G)  Em 30.10.2024 a AT abriu um procedimento de divergências onde concluiu quanto à “Tonnage Tax” nomeadamente que “o regime especial de determinação da matéria coletável, apenas se aplica aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), com sede ou direção efetiva em Portugal e que exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial relacionadas com o transporte marítimo de mercadorias ou de pessoas, legalmente habilitados para o efeito, aos quais não seja aplicado o regime simplificado de determinação da matéria coletável previsto no artigo 86-A.º do Código de IRC” – conforme folhas 4/98 a 12/98 do PA junto pela AT;

H)  Em resultado da declaração apresentada indicada em F) foi efetuada a liquidação 2023... de 12.07.2023, constando o valor aí indicado como rendimentos englobados para determinação da taxa, obtendo-se um valor de IRS a pagar de € 4 564,82 - conforme PA junto pela AT (IRS 2022);

I)     {C}{C}{C}{C}Em 07.09.2023 o Requerente interpôs a reclamação graciosa nº ...2023... contra a liquidação referida na alínea anterior, a qual veio a ser indeferida por despacho 11.04.2024, contendo a seguinte fundamentação: 

17.           Consultando o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nomeadamente, na aplicação "Sistemas Integrado de Trocas de Informação --- SITI", verifica-se que, à presente data ainda não se encontram registados os rendimentos de trabalho auferidos pelo Reclamante na Dinamarca, no ano civil de 2022.

...

23. Ou seja, o Regime especial de determinação da matéria coletável, apenas se aplica aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), com sede ou direção efetiva em Portugal e que exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial relacionadas com o transporte marítimo de mercadorias ou de pessoas, legalmente habilitados para o efeito, aos quais não seja aplicado o regime simplificado de determinação da matéria coletável previsto no artigo 86-A.º do Código de IRC.

...

25. Face ao anteriormente exposto, conclui-se que o regime de determinação da matéria coletável com base na tonelagem de navios (tonnage tax) se aplica exclusivamente a empresas sujeitas a tributação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e consequentemente, a isenção de pagamento de IRS, aproveita, somente, a tripulantes de navios pertencentes a entidades a que se aplica o citado regime especial de tributação.

26. No entanto, no ano civil de 2022, conforme alegações do Reclamante "prestou a atividade profissional de marinheiro de 1ª classe, ao abrigo de um contrato individual de trabalho e ao serviço da entidade empregadora denominada B... AIS, com sede na Dinamarca" ou seja, como tripulante de navio pertencente a empresa com sede na Dinamarca e aí  registada, não sujeita a tributação em Portugal pelo regime instituído pelo DL com o nº 92/2018,  assim, face ao exposto, não pode beneficiar de isenção de IRS ao abrigo do citado diploma legal” – conforme folhas 23/98 a 68/98 do PA;

J)    {C}{C}{C}{C}Em 23.01.2025 a AT emitiu uma declaração oficiosa/DC, retirando € 29 714,18 do quadro 4 do Anexo H e passando a constar no Anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro), quadro 4, a saber:

- conforme PA junto pela AT (IRS 2022);

K)  Em 31.01.2025, em resultado da declaração atrás referida foi emitida pela AT a liquidação oficiosa nº 2025 ... de que resultou um valor a pagar de € 11.129,18, não constando na nota de liquidação qualquer rendimento isento para determinação da taxa - conforme PA junto pela AT (IRS 2022);

IRS DE 2023

L)   {C}{C}{C}{C}O Requerente apresentou a declaração Modelo 3 do IRS de 2023 -...-2023-...-..., em cujo quadro 4 do Anexo H consta o seguinte:

 

 

E no quadro 4 do Anexo J consta o seguinte:

- conforme PA junto pela AT (IRS 2023);

M) Em 30.10.2024 a AT abriu um procedimento de divergências onde concluiu quanto à “Tonnage Tax” nomeadamente que “o regime especial de determinação da matéria coletável, apenas se aplica aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), com sede ou direção efetiva em Portugal e que exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial relacionadas com o transporte marítimo de mercadorias ou de pessoas, legalmente habilitados para o efeito, aos quais não seja aplicado o regime simplificado de determinação da matéria coletável previsto no artigo 86-A.º do Código de IRC – conforme folhas 13/98 a 21/98 do PA junto pela AT;

N)   Em resultado da declaração apresentada foi efetuada a liquidação 2024 ... de 28.06.2024, constando o valor indicado em L) (primeira parte) como rendimentos englobados para determinação da taxa, obtendo-se um valor de IRS a pagar de € 677.01 - conforme PA junto pela AT (IRS 2023);

O)  {C}{C}{C}{C}Em 10.10.2024 o Requerente interpôs a reclamação graciosa nº ...2024 ...contra a liquidação referida na alínea anterior, a qual veio a ser indeferida por despacho 11.04.2024, contendo a seguinte fundamentação: 

17.           Consultando o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nomeadamente, na aplicação "Sistemas Integrado de Trocas de Informação --- SITI", verifica-se que, à presente data ainda não se encontram registados os rendimentos de trabalho auferidos pelo Reclamante na Dinamarca, no ano civil de 2023.

...

23. Ou seja, o Regime especial de determinação da matéria coletável, apenas se aplica aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), com sede ou direção efetiva em Portugal e que exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial relacionadas com o transporte marítimo de mercadorias ou de pessoas, legalmente habilitados para o efeito, aos quais não seja aplicado o regime simplificado de determinação da matéria coletável previsto no artigo 86-A.º do Código de IRC.

...

25. Face ao anteriormente exposto, conclui-se que o regime de determinação da matéria coletável com base na tonelagem de navios (tonnage tax) se aplica exclusivamente a empresas sujeitas a tributação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e consequentemente, a isenção de pagamento de IRS, aproveita, somente, a tripulantes de navios pertencentes a entidades a que se aplica o citado regime especial de tributação.

26. No entanto, no ano civil de 2023, conforme alegações do Reclamante "prestou a atividade profissional de marinheiro de 1ª classe, ao abrigo de um contrato individual de trabalho e ao serviço da entidade empregadora denominada B... AIS, com sede na Dinamarca" ou seja, como tripulante de navio pertencente a empresa com sede na Dinamarca e aí  registada, não sujeita a tributação em Portugal pelo regime instituído pelo DL com o nº 92/2018,  assim, face ao exposto, não pode beneficiar de isenção de IRS ao abrigo do citado diploma legal”.

- conforme folhas 70/98 a 97/98 do PA junto pela AT;

P)   Em 23.01.2025 a AT emitiu uma declaração oficiosa/DC, retirando € 24 552,79 do quadro 4 do Anexo H e passando a constar este valor no Anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro obtidos na Dinamarca), no quadro 4, o seguinte:

                        - conforme PA junto pela AT (IRS 2023);

Q)  {C}{C}{C}{C}Em 31,01.2015, em resultado da declaração atrás referida foi emitida pela AT a liquidação oficiosa nº 2025 ... de que resultou um valor a pagar de € 5.916,07, não constando na nota de liquidação qualquer rendimento isento para determinação da taxa - conforme PA junto pela AT (IRS 2023);

 

R)  {C}{C}{C}{C}

A...

Durante o ano de 2023, o Requerente esteve embarcado durante 188 dias, a saber:

 

 

 

 

conforme artigo 35º do PPA e Documento nº 4 em anexo ao PPA;

 

S)    {C}{C}{C}{C}Em 16-12-2024, o Requerente apresentou no CAAD o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no SGP do CAAD.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto 

 

Não há factos relevantes que não se tenham considerado como provados.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. 

            Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

É pacífico na doutrina e jurisprudência que “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, p. 321 e, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.03.2020, processo n.º 19/17.2BCLSB).  

Considera este Tribunal que a prova documental apresentada tem valor objetivo e a respetiva informação se tem por verdadeira.

 

3.     {C}{C}{C}{C}Posição das Partes

No essencial, o Requerente considera que as liquidações de IRS de 2022 e 2023 padecem de desconformidade com a lei, uma vez que:

(1)  não tiveram em conta a isenção prevista no nº 1 do artigo 4º, conjugado com o nº 2 do artigo 2º, ambos do Decreto – Lei 92/2018 de 13.11, que estabelece, além do mais, um regime fiscal e contributivo aplicável aos tripulantes; 

(2)  e quanto ao IRS de 2023 não se teve em conta que durante esse período, porque esteve embarcado 188 dias, foi não residente em Portugal, pelo que face ao estabelecido nos artigos 15º e 16º do CIRS, os rendimentos auferidos no estrangeiro não deveriam ter sido tributados.

Invoca o Requerente em favor do seu ponto de vista as decisões arbitrais CAAD P. 355/2023-T e 667/2023-T, quanto à primeira questão e as decisões arbitrais CAAD P. 36/2022-T e 217/2013-T quanto à segunda questão.

Em termos gerais, a AT propugna o seguinte:

(1)  Quanto à primeira questão colocada pelo Requerente, que “Requerente não demonstra, nem alega, que o navio em que foi tripulante, optaram pelo regime especial de determinação da matéria coletável previsto no Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro. Pelo contrário, não figura a entidade B... A/S, como sujeito passivo de IRC, nem, tão pouco, terá optado pelo regime previsto no Decreto-Lei n.º 92/2018, de 13 de novembro”. Ou seja, entende que o benefício fiscal apenas e só se aplica aos tripulantes de navios de empresas que sejam sujeitos de IRC em Portugal (artigos 31º a 48º da Resposta), o que está em sintonia com a fundamentação adoptada em sede de procedimentos de divergências e de reclamações graciosas.

(2)  Quanto à segunda questão - faz apelo ao facto do Requerente estar inscrito no cadastro de contribuintes em Portugal com um domicílio fiscal em Portugal e às suas “relações intersubjectivas” (avocando subliminarmente o estado de casado com o sujeito passivo B em sede de IRS a trabalhar em Portugal) para concluir que residiu em Portugal nos períodos em que não esteve embarcado. Invoca ainda que o navio é um local de trabalho e não de residência (artigos 49º a 75º da resposta).

4. Matéria de direito

4.1 – Quanto à ampliação do pedido

No âmbito do instituto processual da ampliação do pedido, e atento o preceituado no artigo 265º nº 2 do CPC (aqui aplicável subsidiariamente por força da alínea e) nº 1 do artigo 29º do RJAT e da alínea e) do artigo 2º do CPPT), a lei não define expressamente o que se entende por “desenvolvimento” ou por “consequência” do pedido primitivo, devendo entender-se que a ampliação do pedido será processualmente admissível, quando o novo pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicialmente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos.

O pedido formulado na ampliação, não decorre dos pedidos anteriores se estivermos perante um pedido subsidiário porque, sendo um pedido subsidiário, logicamente não se encontra contido no pedido anterior, pois que o pedido subsidiário só se aprecia no caso de sucumbência dos pedidos principais.

Ora, no caso, as liquidações inicialmente impugnadas pelo Requerente vieram a ser corrigidas por outras, aliás, estas novas liquidações foram adoptadas em consonância com o que a AT tinha decidido no âmbito do procedimento de divergências como se demonstra da matéria de facto provado. O que não ocorreu nas primeiras liquidações que, de facto, parece terem respeitado os valores declarados pelo Requerente tal como constam no Modelo 3 apresentado, em desacerto com a decisão do procedimento de divergências.

Estamos perante uma situação em que a própria AT considera que as liquidações iniciais, se consideradas como causa de pedir “... foram corrigidas, tendo sido substituídas pelas liquidações de IRS n.ºs 2025... e 2025...”. 

Ou seja, como se infere do referido pela AT, a ampliação do pedido impetrada pelo Requerente, pressupõe a mera “correcção” das anteriores liquidações por novas liquidações, ocorridas na pendência da causa, mas antes da constituição do Tribunal, correcções essas que estão em conformidade e são consequência da própria fundamentação que consta, percute-se, do que foi decidido no âmbito dos procedimentos anteriores.

Por outro lado, do próprio pedido de ampliação feito pelo Requerente, retira-se que aceitou como válida (porque nada referiu) a fundamentação das duas novas liquidações, ocorridas em 31.01.2025, adoptadas, quer no âmbito do procedimento de divergências, quer no das reclamações graciosas, ambos relativos às duas anteriores liquidações de 12.07.2023 e 28.06.2024 (alíneas H) e N) dos factos provados). Ou seja, também configurou que as novas liquidações mais não eram do que a mera correcção face às liquidações anteriores.

Não estamos, pois, no âmbito de uma alteração ou ampliação da causa de pedir (em sentido próprio) mas no âmbito da sua correcção.

Mesmo que se considere que o pretendido pelo Requerente corresponde a uma alteração do pedido e da causa de pedir, sempre tal pedido se configura admissível, pois que, muito embora a instância se inicie com a propositura da acção, este acto só produz efeitos a partir do momento da citação, ou seja, no caso, a partir da notificação da AT para contestar (artigo 259º do CPC) e pela razão de que tal “ampliação” foi requerida antes de ser constituído o Tribunal Arbitral

Por outro lado, sempre seria de aplicar o regime do nº 6 do artigo 265º do CPC, por integração analógica, pois o ato de propositura da acção não tinha ainda produzido efeitos na esfera da Requerida, logo não será curial falar-se em acordo para permitir a alteração da causa de pedir.

Seja como for, sempre ao Tribunal Arbitral no âmbito do poder/dever contido no princípio da autonomia na condução do processo e na determinação das regras a observar, com vista a uma decisão sobre o mérito da questão de fundo (alínea c) do artigo 16º do RJAT) competirá, neste caso concreto, observar o princípio “pro actione” que é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efectivo à justiça, que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.

Nestes termos, admite-se a ampliação do pedido, pressupondo a mera correcção das liquidações anteriores por novas (estas sim em consonância com a fundamentação expressa pela AT nos procedimentos de divergências e depois reiterada nos actos de indeferimento das reclamações graciosas).

4.2 – Quanto à questão prévia

Refere a AT “que as liquidações em menção foram corrigidas, tendo sido substituídas pelas liquidações de IRS n.ºs 2025... e 2025... . Nessa conformidade, as liquidações de IRS nºs 2023... e 2024..., relativas aos anos de 2022 e 2023 já não subsistem na ordem jurídica, em virtude da revogação operacionalizada, o que se argui, com as devidas consequências legais”.

Ora, como resulta do anteriormente referido em 4.1, não se atinge as “consequências legais” que possam advir, para além da aceitação da impetrada ampliação do pedido (considerando ter ocorrido mera “correcção” das liquidações iniciais pelas novas liquidações), um vez que se admite que ocorreu, como se configura a este Tribunal, uma mera correcção (ajustamento) das liquidações, repondo-as em consonância com a fundamentação adoptada em procedimentos de divergências e depois reiterada nos actos de indeferimento das reclamações graciosas.

As liquidações iniciais, subsistem como factos na ordem jurídica enquanto liquidações que foram corrigidas por outras, estas emitidas em sintonia com a fundamentação adoptada pela AT em sede de procedimentos anteriores. Aliás, é por isso mesmo que constam na base instrutória. 

Nesta linha de pensamento, com a decisão adoptada no ponto anterior, fica prejudicada a apreciação desta questão.  

4.3 – Quanto à excepção de litisconsórcio necessário activo

Configura-se que da leitura conjugada das disposições constantes dos artigos 21º-1 e 22º-1 da LGT e artigo 9º-1 do CPPT, o Requerente tem legitimidade activa para agir em Juízo sem intervenção processual do cônjuge, em processo onde se discute a legalidade do acto tributário de liquidação de IRS resultante de uma declaração apresentada por ambos, com englobamento de rendimentos.

A decisão que venha a ser adoptada produz os efeitos (imediatos e mediatos) quando aos dois cônjuges, tal como produziria se fossem ambos os demandantes processuais.

Estando a matéria regulada nas normas de direito tributário não há que recorrer, neste caso, ao artigo 34º do CPC (litisconsórcio necessário), conforme resulta do artigo 2º do CPPT. 

Note-se ainda que, em termos factuais, apenas e só é objecto de dissídio, a tributação dos rendimentos auferidos pelo Requerente e não os auferidos pelo respectivo cônjuge.

Nestes termos improcede a alegada excepção.

4.4 – Quando às questões de fundo colocadas no PPA

Da aplicação do artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018, de 13.11

Esta questão (com o mesmo Requerente, apenas alterando os anos de sujeição a IRS que no caso eram de 2020 e 2021) já foi objecto de apreciação e julgamento no âmbito de um Tribunal constituído no CAAD, constituído no âmbito do processo P. 667/2023-T.

            Uma vez que a situação é em tudo idêntica, em termos de factos, opta por este Tribunal, em aderir ao que aí foi referido/decidido, a saber (sublinhando-se a parte divergente):

“O Requerente invoca, em suma, que tem enquadramento nos pressupostos, objetivos e subjetivos, exigidos pelo artigo 4.º do DL 92/2018 e, com efeito, deverá aplicar-se-lhe o regime de isenção de IRS previsto naquele diploma legal para os períodos de 2022 e 2023

Por sua vez, a Requerida alega que o Requerente não demonstrou que os navios em que foi tripulante, optaram pelo regime especial de determinação da matéria coletável previsto no DL 92/2018 e, em consequência, não figurando a entidade B... A/S, como sujeito passivo de IRC, não tendo optado pelo aludido regime, não poderá o Requerente beneficiar da aplicação da referida isenção de IRS. 

Neste contexto, a questão que cabe apreciar e decidir prende-se em determinar se o Requerente preenchia, para os períodos de 2022 e 2023os requisitos para beneficiar da aplicação do benefício fiscal de IRS aplicável aos tripulantes dos navios ou embarcações, nos termos do artigo 4.º do DL 92/2018

Ora, nos termos do preâmbulo do DL 92/2018, que institui um regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem dos navios e embarcações, um regime fiscal e contributivo aplicável aos tripulantes e um registo de navios e embarcações simplificado (designado por “tonnage tax”), refere-se que este regime visa «(…) promover a marinha mercante nacional, com vista a potenciar o alargamento do mercado português de transporte marítimo e o desenvolvimento dos portos nacionais e da indústria naval, a criação de emprego, a inovação e o aumento da frota de navios que arvoram a bandeira portuguesa, com o consequente aumento da receita fiscal.» 

Assim, nos termos do artigo 1.º do DL 92/2018, este regime «(…) institui um regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem dos navios e embarcações, um regime fiscal e contributivo aplicável aos tripulantes e um registo simplificado de navios e embarcações.» 

No que respeita aos benefícios fiscais aplicáveis a tripulantes, o artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018 determina que «Estão isentas do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) as remunerações auferidas, nessa qualidade, pelos tripulantes dos navios ou embarcações consideradas para efeitos do regime especial de determinação da matéria coletável.» 

Contudo, o artigo 4.º, n.º 2, do DL 92/2018, clarifica que «(…) quando estejam em causa navios que efetuam serviços regulares de passageiros entre portos do Espaço Económico Europeu, só podem beneficiar do regime previsto no presente artigo os respetivos tripulantes que tenham nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.». Nestes casos, a isenção fica condicionada à permanência do tripulante a bordo pelo período mínimo de 90 dias em cada período de tributação, nos termos do n.º 3 da referida disposição legal. 

Por sua vez, no preâmbulo destaca-se que «A criação de um regime fiscal especial («tonnage tax») para as empresas detentoras de navios que sejam estratégica e comercialmente geridos a partir de um Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e estejam afetos ao exercício da atividade de transporte marítimo de mercadorias e pessoas incide num aspeto essencial da decisão dos agentes económicos e incentiva de forma direta o investimento, potenciando o alargamento do mercado português de transporte marítimo, a inovação, a criação de emprego e o aumento da receita fiscal e da frota de navios que arvoram a bandeira portuguesa, contribuindo igualmente para o aumento da competitividade do transporte marítimo europeu. 

O regime fiscal proposto para os tripulantes e a fixação de uma taxa contributiva global reduzida visam incentivar o investimento e promover o trabalho no setor do transporte marítimo em Portugal, criando oportunidades para os jovens e fomentando a formação de um número suficiente de marítimos que obste à atual escassez de recursos humanos com as habilitações necessárias, devido em parte à inexistência de saídas profissionais.» 

Importa, ainda, salientar que o artigo 2.º, n.º 2, do DL 92/2018 explicita que o capítulo III (onde se insere o mencionado artigo 4.º) é aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações registadas no registo convencional português ou num outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável e afetos às atividades previstas neste regime. 

Ora, conforme decorre dos factos assentes, o Requerente foi tripulante de um navio ou embarcação nos períodos de 2022 e 2023, tendo permanecido a bordo, em cada um daqueles períodos de tributação, pelo período igual ou superior a 90 dias, preenchendo, desta forma, os requisitos ínsitos no artigo 4.º, n.º 3, do DL 92/2018. 

O navio ou embarcação, no qual o Requerente foi tripulante no referido período, é elegível para efeitos do regime de tonnage tax, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018” quanto ao ano de 2022. 

Por fim, a B... A/S, no período em referência, optou e encontrava-se abrangida pelo regime de tonnage tax dinamarquês. 

Neste plano, conforme decorre do artigo 2.º, n.º 2, do DL 92/2018, o artigo 4.º do DL 92/2018, é aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações registadas no registo convencional português ou num outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável e afetos às atividades previstas neste regime. 

Neste sentido, e ao contrário do que alega a Requerida, da leitura conjugada do artigo 2.º, n.º 2, do DL 92/2018 com o preâmbulo deste mesmo diploma, não resulta a obrigatoriedade de sujeição a imposto em Portugal, por parte das entidades responsáveis pelas atividades elegíveis. 

Aliás, o preâmbulo do DL 92/2018 salienta que «O regime fiscal proposto para os tripulantes e a fixação de uma taxa contributiva global reduzida visam incentivar o investimento e promover o trabalho no setor do transporte marítimo em Portugal, criando oportunidades para os jovens e fomentando a formação de um número suficiente de marítimos que obste à atual escassez de recursos humanos com as habilitações necessárias, devido em parte à inexistência de saídas profissionais.» (sublinhado nosso) 

Ou seja, no que ao regime fiscal especial para tripulantes diz respeito, o objetivo da sua aprovação foi o de promover o trabalho no setor do transporte marítimo em Portugal, criando oportunidades de trabalho, para os sujeitos passivos residentes em território nacional, independentemente de as entidades que exercem essas atividades se encontrarem, ou não, estabelecidas em Portugal ou serem aqui sujeitas a imposto. 

Por outro lado, importa destacar que o artigo 4.º, n.º 1 do DL 92/2018, que prevê a isenção de IRS aplicável aos tripulantes, exige, apenas, que os navios ou embarcações se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável. 

Deste modo, não especificando aquela disposição legal que as referidas entidades têm de ter exercido a opção pelo regime de tonnage tax português, o artigo 4.º, n.º 1 do DL 92/2018 deverá ser interpretado no sentido de o mesmo ser aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações que se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime de tonnage tax português ou por um outro regime análogo em vigor num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu. 

Ademais, entende este Tribunal que a eventual condição da sujeição a imposto em Portugal, apenas deverá reporta-se às disposições relativas à fiscalidade da atividade de transporte marítimo (i.e., ao artigo 3.º do DL 92/2018) e não, também, aos benefícios fiscais e contributivos aplicáveis aos tripulantes. Ou seja, apenas a aplicação do artigo 3.º do DL 92/2018, referente ao regime especial de determinação da matéria coletável aplicável às atividades de transporte marítimo, está dependente de a pessoa coletiva se encontrar sujeita a imposto em Portugal e ter optado pelo regime de tonnage taxportuguês aprovado pelo DL 92/2018”. 

 

Em face do exposto procede o PPA, pois que a liquidação a que se alude na alínea K) da matéria de facto encontra-se em desconformidade com o artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018 de 13.11.

Não residência em Portugal no ano de 2023

Provou-se, documentalmente, que o Requerente esteve embarcado em navio de bandeira dinamarquesa 188 dias, conforme alínea R) dos factos assentes.

A AT considera que o Requerente deve ser considerado residente em Portugal, (1) devido ao facto de estar inscrito no cadastro de contribuintes em Portugal com um domicílio fiscal em Portugal, (2) devido e às suas “relações intersubjectivas” avocando subliminarmente o estado de casado com o sujeito passivo B em sede de IRS a trabalhar em Portugal) e (3) porque o navio é um local de trabalho e não de residência.

Quanto à inscrição no cadastro de contribuintes com domicílio fiscal em Portugal:

A obrigação declarativa prevista no artigo 19.º, n.º 3, da LGT não é uma formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem, em princípio, impacto em termos de tributação. 

...

Para prova da residência fiscal ou não residência fiscal, em Portugal, são admissíveis quaisquer meios legalmente admissíveis em direito (sumário da decisão CAAD P. 149/2023-T).

 

Ou seja, o facto do Requerente não ter alterado o domicílio fiscal (podendo estar sujeito a coimas) não acarreta que fica impedido de provar que tinha outro domicílio em 2023, mormente fora de Portugal, como no caso se verificou.

 

Quanto à questão das “relações intersubjectivas” face ao nº 5 do artigo 16º do CIRS que refere “a residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado”, não se configura que possa ser determinante para dirimir a questão em dissídio, face à prova objectiva e documental (corpus) que o Requerente logrou fazer.

Não residência fiscal” resulta a contrário do próprio Código do IRS. Quem não preencher um dos critérios para ser residente, previstos no artigo 16.º do Código do IRS, é não residente fiscal em Portugal” (sumário da decisão CAAD P. 149/2023-T).

 

E de facto, o Requerente provou que durante o ano de 2023 não preencheu objetivamente o requisito da alínea a) nº 1 do artigo 16º do CIRS.

Quanto ao facto do navio ser um local de trabalho e não de residência – tratando-se de navio mercante civil, de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, será de concluir que as guarnições dos navios mercantes civis dispõem de aposentos apropriados que são usados enquanto ocorre a navegação, mas também quando o navio está atracado nos portos, podendo a guarnição permanecer a bordo.

Por outro lado, os navios e aeronaves, são uma extensão da soberania territorial dos estados da bandeira (pavilhão civil) que usam, razão pela qual só se consideram obtidos em Portugal os rendimentos do trabalho pagos por entidades com residência, sede ou direcção efectiva no território nacional (alínea c) do nº 1 do artigo 18º do CIRS).

            Tendo em conta o poder/dever consignado no nº 3 do artigo 5º do CPC, o julgador não está sujeito às alegações das partes no que alude à “indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, razão pela qual não se releva o referido pela Requerente no artigo 39º do PPA quando considera ser residente em França durante o ano de 2023, invocando o facto de ser nesse país que o navio em que estava embarcado como marítimo, prestou serviço, o que está em desacerto com o facto do navio ter pavilhão civil dinamarquês indicativo da nacionalidade da embarcação da marinha mercante.

***

Em face do exposto há que concluir que o Requerente, face à prova produzida, deve ser considerado não residente fiscal em Portugal no ano de 2023, pelo que, quanto aos rendimentos obtidos fora de Portugal nesse ano deverá ser-lhe aplicado o regime do nº 2 do artigo 15º do CIRS.

 

5. Restituição das importâncias indevidamente pagas e juros indemnizatórios

 

Restituição

O Requerente pede que a AT seja condenada a restituir dos montantes indevidamente penhorados/cobrados, acrescidos de juros indemnizatórios, contados, à taxa legal, sobre esses montantes, desde a data do pagamento indevido até ao momento do efetivo e integral reembolso desses montantes.

No entanto, não alegou, nem provou quais os valores em concreto que pagou ou lhe foram penhorados. Nem indicou as datas ou outros elementos relevantes.

No artigo 6º do requerimento em que o Requerente se pronunciou sobre a questão prévia e a excepção é referido “... à data em que apresentou o presente PPA encontrava-se a pagar em prestações a liquidação e a AT recebeu o respectivo valor — conforme deverá constar do processo administrativo”, sendo que, esta alegação não afastara o ónus de alegar e provar os factos em concreto que sustentam o seu pedido.

Anulando-se, como se vai anular (parcialmente), as liquidações em causa (e por arrasto os actos que as fundamentam), o Requerente tem direito ao reembolso dos valores indevidamente pagos em dissonância com o aqui decidido.

No entanto, face ao acima exposto, a determinação dos valores em concreto a restituir (e por arrasto a data a partir são devidos juros) será relegado para execução de sentença.

Juros

Nos termos da alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Isto está, pois, em perfeita sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

          O direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

...

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.

 

         É aqui aplicável aos juros indemnizatórios o nº 1 do artigo 43º da LGT.

         A liquidação oficiosa relativa ao ano de 2022 foi levada a efeito pela AT, por sua iniciativa, com base em declaração oficiosa por si emitida, em situação que aqui se apurou estar em desconformidade com a lei, daí ocorrer erro imputável aos serviços.

         Já quanto à liquidação oficiosa relativa ao ano de 2023 não pode considerar-se existir erro imputável aos serviços pois o Requerente incumpriu o dever de actualizar, junto da AT, o seu domicílio fiscal face ao estabelecido, nomeadamente, nos nºs 3 e 4 do artigo 19º da LGT.

6. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)     {C}{C}{C}{C}Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral e anular parcialmente os actos de  liquidação de IRS indicados em K) e Q) dos factos provados:

(1)    Quanto a 2022 - na parte resultante da inconsideração da isenção do artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018, de 13.11, quanto ao valor auferido pelo Requerente de € 29 714,18;

(2)   Quanto a 2023 – na parte resultante da inconsideração de que o Requerente era não residente em Portugal, quanto aos valores de € 9 955,25 e € 24 552,79;

b)    Julgar procedente o pedido de restituição das importâncias que se venha a apurar terem sido indevidamente pagas a determinar em execução se sentença;

c)     Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios contados a partir do pagamento dos valores que tenham sido indevidamente pagos, apenas relativamente à parte do ponto (1) da alínea a) desta decisão, a determinar em execução se sentença

d)    Anular as decisões que recaíram sobre as reclamações graciosas na parte correspondente às liquidações aqui anuladas.

e)     Julgar improcedente o PPA na parte remanescente e absolver do pedido, nessa parte, a AT.

 

7. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 17 045,25, resultante da soma das duas liquidações impugnadas.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 73,65% (€ 901,48) a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e 26,35% (€ 322,52) a cargo do Requerente. em função dos decaimentos.

Lisboa, 16 de Maio de 2025

 

O Árbitro, 

 

Augusto Vieira