Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1170/2024-T
Data da decisão: 2025-05-12  IVA  
Valor do pedido: € 68.426,19
Tema: IVA – Dedução – Requisitos Formais, Arts. 19.º e 36.º do CIVA – Isenção para Exportadores Nacionais DL 198/90, de 19.06
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Sumário

 

I.            A inobservância de alguns requisitos formais das faturas não torna inevitável o afastamento do direito à dedução. Este direito mantém-se no caso de o sujeito passivo demonstrar os pressupostos substantivos das operações tituladas pelas faturas e fornecer as informações necessárias à determinação da taxa de IVA aplicável e à conexão dos serviços com as suas operações tributáveis. 

II.          A lei não exige um tipo de prova específico, nomeadamente a documental, para a demonstração da materialidade das operações, pelo que devem ser admitidos os meios gerais de prova, incluindo a prova testemunhal. 

III.        A falta de menção do número de identificação fiscal do sujeito passivo português (a Requerente) em faturas emitidas por fornecedores ou prestadores estabelecidos noutro Estado Membro da União Europeia, sem estabelecimento ou registo (de IVA) em Portugal, aplicando-se o regime de autoliquidação de IVA, não impede a dedução pelo adquirente que autoliquida o imposto, uma vez que, nessa situação, a emissão de fatura não está sequer sujeita às regras estabelecidas no Código do IVA (artigo 35.º-A). O risco de evasão fiscal é muito reduzido, nas circunstâncias, como a dos autos, em que a fatura identifica corretamente o adquirente pela sua denominação e sede e este procede à autoliquidação do IVA que também deduz. 

IV.        A posse de um certificado de exportação no prazo de 90 dias a contar da data da emissão da fatura é um requisito constitutivo do regime de isenção para exportadores nacionais, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 198/90, pelo que o incumprimento deste prazo implica a liquidação de IVA (artigo 6.º, n.º 7 deste diploma) ao adquirente (exportador) que poderá, porém, recuperar, por via da dedução, este imposto, na medida em que lhe assista tal direito. 

V.          A indemnização por prestação de garantia indevida prevista nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT só é aplicável às situações de garantia bancária ou equivalente. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), A. Sérgio de Matos e José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem este Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 8 de janeiro de 2025, acordam no seguinte:

 

 

              I.           {C}{C}Relatório

 

A... S.A., doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ... e sede na ..., n.º ..., ..., ...-... ..., veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa a liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e juros compensatórios, referentes ao ano 2019, que calcula no valor global de € 68 426,19, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. 

 

A Requerente pretende a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e a anulação das liquidações adicionais de IVA impugnadas, com as consequências legais, nomeadamente a indemnização por prestação de garantia indevida e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios – v. artigos 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 43.º, n.º 1 da LGT. 

 

Em 31 de outubro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e, de seguida, notificado à AT.

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. Em 17 de dezembro de 2024, o Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo sido manifestada oposição. 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 8 de janeiro de 2025. 

 

Em 6 de fevereiro de 2025, a Requerida juntou o processo administrativo (“PA”), tendo apresentado a Resposta em 12 de fevereiro de 2025.  

 

Em 27 de março de 2025, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram prestadas declarações de Parte e inquiridas as duas testemunhas arroladas pela Requerente. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, e, bem assim, a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até ao termo do prazo de alegações. O Tribunal fixou o prazo para a decisão até ao dia 7 de julho de 2025 (v. ata e gravação áudio disponíveis no SGP do CAAD). 

 

Requerida e Requerente apresentaram alegações em 7 de abril de 2025, nas quais reafirmaram as posições assumidas nos anteriores articulados. 

 

Posição da Requerente

 

A Requerente começa por invocar a violação do princípio do inquisitório por não terem sido inquiridas, no decurso do procedimento, testemunhas essenciais para a descoberta da verdade material – v. artigo 58.º da LGT e 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”). Omissão que considera ser também violadora do direito de participação da Requerente (v. artigo 60.º da LGT, ex vi artigo 8.º do RCPITA).

 

Por outro lado, entende que foi violado o dever de fundamentação, por a limitação do direito à dedução pela AT ser suportada em termos genéricos, sempre por remissão para os argumentos invocados em sede de IRC para impedir a dedutibilidade dos gastos (v. artigos 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da Constituição), e, no caso da falta de menção do número de identificação fiscal da Requerente em duas faturas emitidas pelo fornecedor B... GMBH, por esta não ter cabimento na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA invocada no Relatório de Inspeção, sendo certo que a fundamentação insuficiente equivale à falta de fundamentação (v. artigo 153.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”). Acrescenta que é proibida a fundamentação a posteriori dos atos de liquidação, não podendo ser atendidas razões que não constam da fundamentação contemporânea daqueles. 

 

Noutro plano, argui vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Apela ao princípio da prevalência da substância sobre a forma sufragado pelo Tribunal de Justiça. Sob a égide do princípio da neutralidade do IVA, preconiza que este imposto deve ser dedutível se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, como afirma ser o caso, dada a prova produzida. 

 

Assim, o entendimento da AT de que o direito à dedução deve ser limitado por irregularidades formais das faturas dos fornecedores, ao abrigo do disposto nos artigos 19.º, n.º 2, alínea a) e 36.º, n.º 5, alínea b), ambos do Código do IVA, deriva de erro de interpretação. Acrescenta que, em fase de reclamação graciosa, a AT apresentou um fundamento adicional, sobre a indeterminação do tipo e extensão dos serviços descritos nas faturas, que, contudo, foram tributadas à taxa de 23%, ou seja, sem qualquer risco para os interesses do credor tributário, além de que a descrição das faturas permite perceber a natureza dos serviços prestados e que o legislador não impôs que as faturas contivessem uma descrição detalhada e exaustiva dos serviços prestados, bastando que permita a determinação da taxa aplicável. 

 

         Em relação aos serviços de advocacia adquiridos, defende que a AT desconsiderou as razões de sigilo profissional subjacentes aos descritivos, sem prejuízo de ter junto os elementos documentais que permitem identificar os processos e os serviços em causa. 

 

Na situação específica das faturas da B... GMBH, com autoliquidação de IVA pela Requerente na qualidade de adquirente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça é ainda mais flexível, pois o risco de evasão fiscal associado a estas operações é reduzido.

 

Sobre a oportunidade das prestações de serviços, aspeto que a AT também coloca em causa, a Requerente afirma que esta não tem legitimidade e competência legal para realizar esse tipo de juízos. 

 

Por fim, no que se refere à isenção para exportadores nacionais prevista no Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de junho, a Requerente suscita o erro, e consequente ilegalidade, da interpretação da AT segundo a qual, apesar de os bens exportados terem saído do território aduaneiro da União Europeia dentro do prazo de legalmente estipulado, a isenção do imposto é inaplicável pelo simples facto de o certificativo comprovativo da exportação ter uma data de emissão que ultrapassa o prazo de 90 dias. Sustenta que o citado Decreto-Lei consagra uma presunção implícita, afastada por prova do contrário (v. artigo 73.º da LGT). Adicionalmente, a emissão tardia do certificado é um exemplo de falta de celeridade administrativa violadora do dever de boa administração (v. artigos 5.º do CPA e 41 da CDFUE) e a consequência da perda de isenção viola o princípio da proteção da confiança e da boa-fé e os princípios da proporcionalidade e da igualdade (v. artigos 55.º da LGT e 266.º, n.º 2 da Constituição). Esta interpretação infringe ainda o Direito Europeu, ao inverter o modelo de tributação no destino e violar os princípios da substância sobre a forma e da proporcionalidade. 

 

Posição da Requerida

 

A Requerida mantém as correções de IVA efetuadas à Requerente, relativas às deduções indevidas deste imposto, por entender que as faturas em causa não reúnem os requisitos formais legalmente exigidos (v. artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5 do Código do IVA), não tendo a Requerente realizado prova suplementar, que deve ser documental, que permita aferir o tipo e extensão dos serviços prestados. 

 

Acrescenta que a Requerente não apresentou um único documento que corrobore os factos alegados no pedido arbitral. 

 

Segundo a Requerida, as faturas em questão não permitem o efetivo controlo do imposto, i.e., se e em que medida os bens e serviços adquiridos foram utilizados para a realização de operações tributadas pela Requerente, cabendo-lhe tal prova, de acordo com o disposto no artigo 74.º da LGT.  

 

De igual modo, em linha com os Serviços de Inspeção Tributária, a Requerida considera ser inaplicável o regime de suspensão de IVA previsto no Decreto-Lei n.º 198/90 para exportadores nacionais de mercadorias nas situações, como a dos autos, em que a emissão do certificado de saída é realizada além do prazo de 90 dias a contar da data da fatura a que corresponde, por incumprimento do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea c) do citado Decreto-Lei. O ónus da prova recai sobre o exportador, que deve assegurar a documentação apropriada para sustentar a isenção de IVA. Não está em causa a materialidade das operações, mas o incumprimento de requisitos para beneficiar da isenção do IVA, sendo devida a liquidação deste imposto à taxa de 23%. 

 

Sobre a violação do princípio do inquisitório, argui que a dispensa das testemunhas se deveu ao facto de terem sido consideradas irrelevantes, por não poderem contribuir para o esclarecimento dos factos, tendo em conta que não seriam suscetíveis de suprir a falta de prova documental que reputa indispensável. 

 

Por outro lado, em relação à violação do princípio da participação, aduz que o contribuinte apresentou a sua perspetiva e argumentos durante a inspeção, o que não significa que a AT com aquele tivesse que concordar. 

 

No tocante à falta (insuficiência) de fundamentação, sustenta que o Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) contém os factos e as razões que levaram às correções impugnadas, de forma clara, congruente e suficiente e que resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato. Sem conceder, refere ainda que, a verificar-se uma situação de falta de fundamentação, a Requerente podia lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT. 

 

Conclui pela improcedência total dos pedidos. 

 

 

           II.           {C}{C}Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo, dirigido à anulação de atos tributários de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios conexos (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT). 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da notificação, Via CTT, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, datada de 16 de julho de 2024, tendo a ação arbitral dado entrada em 29 de outubro de 2024 (v. artigo 39.º, n.º 10 do CPPT[1]).

 

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito. 

 

        III.           {C}{C}Questões a Apreciar

 

São a decidir por este Tribunal as seguintes questões: 

-     {C}{C}Violação do princípio do inquisitório; 

-     {C}{C}Violação do direito de participação da Requerente;

-     {C}{C}Violação do dever de fundamentação;

-     {C}{C}Direito à dedução do IVA por incumprimento de requisitos formais da faturas;

-     {C}{C}Inaplicabilidade de isenção de IVA por obtenção de certificado de exportação com data de emissão superior a 90 dias, contados da data da fatura;

-     {C}{C}Indemnização por prestação de garantia indevida e juros indemnizatórios. 

 

 

        IV.           {C}{C}Fundamentação de Facto

 

1.             Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

A.    {C}{C}A A..., S.A.aqui Requerente, é um sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal, e opera, a título de atividade principal, sob o CAE 08113 – Extração de calcário e cré, e a título secundário, sob o CAE 008111 – Extração de mármore e outras rochas carbonatadas, CAE 046732 – Comércio por grosso de materiais de construção (exceto madeira) e equipamento sanitário, CAE 008121 – Extração de saibro, areia e pedra britada, CAE 008112 – Extração de granito ornamental e rochas similares e CAE 023992 – Fabricação de outros produtos minerais não metálicos diversos, n.e. – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA.

B.     {C}{C}A Requerente tem em funcionamento duas unidades de extração de rocha ornamental em ... e ... . As duas outras unidades em ... e na ... não estão a ser exploradas. O principal mercado até ao Covid 19 era a China. Atualmente, está num processo de diversificação e tem o objetivo de reduzir a dependência do mercado chinês para 50% – cf. declarações de parte. 

C.    {C}{C}A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva respeitante ao exercício de 2019, realizada ao abrigo da Ordem de Serviço externa n.º OI2022..., de 12 de abril de 2022. Inicialmente de âmbito parcial, o seu objeto foi alargado para geral, após notificação efetuada a 14 de março de 2023 – cf. RIT.

D.    {C}{C}A ação foi iniciada em 15 de novembro de 2022 e prorrogada por mais três meses, por notificação pessoal de 26 de abril de 2023, tendo terminado em 1 de setembro de 2023, com a emissão do Relatório de Inspeção, após exercício do direito de audição da Requerente relativamente ao projeto, com proposta de correções de IRC e IVA, estando aqui em causa apenas o IVA – cf. RIT.

E.     {C}{C}No RIT definitivo são propostas correções de IVA para o ano 2019, na importância total de € 59.781,10, com dois fundamentos: 

                            i.       {C}{C}Dedução indevida do imposto por incumprimento de requisitos formais das faturas, no valor de € 35.626,27, ao abrigo do disposto nos artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5, ambos do Código do IVA; 

                           ii.       {C}{C}Falta de liquidação de imposto em operação não enquadrável nos pressupostos do regime de isenção previstos no Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de junho, para vendas de mercadorias a exportadores nacionais, no montante de € 24.154,83.

F.     {C}{C}Em relação à dedução indevida do imposto, fundamenta o RIT que os documentos de suporte às operações apresentam vícios que vão desde a falta de indicação do número de identificação de pessoa coletiva do sujeito passivo, à apresentação de um descritivo excessivamente sucinto do objeto de faturação “não fazendo qualquer referência ao modo de cálculo dos valores dos serviços prestados, sendo omissos no que respeita às quantidades subjacentes àquelas operações económicas. 

Concluindo-se que as faturas anteriormente identificadas não cumprem com a lei, na medida em que não referem as quantidades de base e os preços unitários aplicáveis aos apuramento de valores cobrados à A..., para além de não conterem informação suficiente que permita assacar da relação daqueles inputs com a atividade da empresa.

G.    {C}{C}Estão em causa as faturas e recibos constantes da tabela seguinte – cf. RIT: 

 

Fornecedor

Data da 

Fatura

Base Tributável

IVA

Descritivo da fatura

Motivo para a não dedução

1

C..., Lda.

01.02.2019

15 000,00

3 450,00

FT2019/1

“Prospecção de negócio e acessória”

Descritivo insuficiente

2

D... Unipessoal, Lda.

27.05.2019

10 000,00

2 300,00

FA 2019/6

“Assessoria jurídica a contratos internacionais de venda de pedra”

Descritivo insuficiente

3

E...

09.08.2019

13 500,00

3 105,00

 

 

 

 

FA 40/2019

“Substituição das faturas n.º 35, 36, 37, 38 e 39 emitidas com NIF incorreto e creditadas pela N/C 2. Promoção e Prospeção”

Descritivo insuficiente

 

Para o mesmo serviço e mesma quantidade o prestador pratica preços diferenciados

 

 

30.08.2019

2 700,00

621,00

FA 41/2019

“Agosto 2019. Promoção e Prospeção”

30.09.2019

2 700,00

621,00

FA 43/2019

“Setembro 2019. Promoção e Prospeção”

31.10.2019

2 700,00

621,00

FA 44/2019

“Outubro 2019. Promoção e Prospeção”

28.11.2019

3 600,00

828,00

FA 45/2019

“Novembro 2019. Promoção e Prospeção”

30.12.2019

3 600,00

828,00

FA 46/2019

“Dezembro 2019. Promoção e Prospeção”

4

F...– Sociedade de Advogados

31.01.2019

3 000,00

690,00

Recibo 99

“Serviços de Advocacia”

Descritivo insuficiente 

 

Não é respeitada a emissão cronológica dos documentos

 

28.02.2019

2 500,00

575,00

Recibo 101

“Serviços de Advocacia”

09.04.2019

12 195,00

2 805,00

Recibo 103 

“Serviços de Advocacia”

06.05.2019

2 500,00

575,00

Recibo 104

“Serviços de Advocacia”

03.06.2019

2 500,00

575,00

Recibo 108

“Serviços de Advocacia”

02.07.2019

2 500,00

575,00

Recibo 111

“Serviços de Advocacia”

02.08.2019

4 000,00

920,00

Recibo 119

“Serviços de Advocacia”

__.09.2019

3 000,00

690,00

Fatura 16

“Serviços de Advocacia”

01.10.2019

3 000,00

690,00

Fatura 8

“Serviços de Advocacia”

04.11.2019

5 000,00

1 150,00

Fatura 11

“Serviços de Advocacia”

 

 

29.11.2019

24 047,18

5 530,00

Fatura 14

“Serviços de Advocacia”

 

03.12.2019

8 000,00

1 840,00

Fatura 13

“Serviços de Advocacia”

5

B… GMBH

 

01.02.2019

14 427,00

3 318,21

 

 

Não menciona o número de identificação fiscal da Requerente

01.02.2019

14 427,00

3 318,21

 

 

H.    {C}{C}Em relação à fatura de C..., Lda. (1), a mesma respeita a serviços de prospeção e assessoria na aquisição de imóveis (terrenos e prédios) localizados em áreas e perímetros previamente identificados pela Requerente como suscetíveis de utilização no âmbito da sua atividade operacional de extração de pedra, i.e., imóveis aptos a serem utilizados como pedreiras e local de armazenagem (parques de blocos) da pedra extraída. Os serviços referidos nesta fatura não respeitam a um negócio específico, mas à atividade desenvolvida com vista à concretização de diversos negócios – cf. descritivo da fatura (p. 43 do RIT) conjugado com as declarações de parte e o depoimento da segunda testemunha. 

I.       {C}{C}Se a Requerente tivesse sido ab initio identificada como adquirente direta junto dos proprietários dos terrenos/prédios pretendidos, o preço seria significativamente inflacionado por estes, cerca de três a quatro vezes mais, dada a elevada reputação e visibilidade que a Requerente detém localmente, pois era, e continua a ser, a maior empresa do sector (com um volume de negócios de, aproximadamente, 45 milhões de euros) – cf. declarações de parte e depoimento da segunda testemunha. 

J.      {C}{C}Assim, os serviços de assessoria de C... na aquisição de imóveis, foram essenciais à sua aquisição por um preço razoável, pois consultava e abordava o mercado sem divulgar que estava a agir por conta da Requerente. Acresce que, frequentemente, a área pretendida adquirir pertencia a inúmeros titulares, alguns desconhecidos, e envolvia situações jurídicas complexas, nomeadamente derivadas de heranças e de identificação de proprietários, sendo essencial um interlocutor de proximidade, como o Sr. G..., que conhecia a área e as pessoas, tinha  a confiança destas e conseguia desenvolver conjuntamente com aquelas os procedimentos burocráticos necessários à concretização dos negócios, o que implicou um trabalho de vários anos – cf. declarações de parte e depoimento da segunda testemunha. 

K.    {C}{C}A comunicação e reporte dos resultados da atividade desenvolvida pelo prestador de serviços C... ao longo dos anos ocorreu através de conversas e contactos pessoais realizados com os representantes da Requerente – cf. declarações de parte e depoimento da segunda testemunha. 

L.     {C}{C}Em certos casos, o prestador adquiriu os imóveis em nome próprio e revendeu-os à Requerente – cf. RIT, declarações de parte e depoimento da segunda testemunha.

M.   {C}{C}A propriedade da maior parte dos imóveis afetos à exploração da Requerente é da sociedade relacionada “H...”, que os arrenda à Requerente para o exercício da atividade de extração de pedra desta última – cf. RIT. 

N.    {C}{C}No decurso do procedimento inspetivo, a Requerente informou que C... é um prestador que estabelece contactos com os pequenos proprietários de terrenos da zona de ..., para aquisição desses prédios. Procedeu ainda à junção de um texto contratual, datado de 2015, que estabelece que este prestador “se compromete a apoiar e aconselhar a primeira na gestão e rentabilização da sua actividade e dos seus ativos e património, procurando oportunidades de negócio adequadas, e, uma vez apresentadas à primeira e por ela aprovadas, acompanhando e efetuando as respectivas negociações, implementação e concretização, em nome e no interesse da primeira. O pagamento dos serviços prestados será efetuado pela A..., SA à C..., Unipessoal, Lda em função do tempo despendido, dos negócios apresentados e aprovados e da rentabilidade concretizada ou projetada” – cf. RIT.

O.    {C}{C}A AT constatou que em 2019 foram adquiridos dois imóveis pela Requerente a este prestador (C..., Lda.) e ao seu sócio-gerente – cf. RIT.

P.     {C}{C}Em relação à fatura emitida à Requerente pela D.... Unipessoal, Lda. (2), com o descritivo de assessoria jurídica a contratos internacionais de venda de pedra, a Requerente, no decurso da inspeção, declarou: “É um jurista de negócios, muito prestigiado, deputado na Assembleia da República, prestou consultoria jurídica verbal à A..., por isso lhe foi pago o montante respeitante a assessoria jurídica a negócios internacionais, para a expansão das exportações. O recibo foi emitido pela “D...” por decisão do aludido consultor.” A Requerente não juntou qualquer elemento de prova dos serviços relativos a esta fatura, quer no âmbito do procedimento inspetivo, quer da presente ação arbitral. 

Q.    {C}{C}As faturas emitidas pelo prestador E... referem-se à partilha do know-how adquirido ao longo de dezenas de anos como empresário e comerciante de pedra ornamental, setor de que é profundo conhecedor, a nível mundial. Neste âmbito, desenvolveu de forma continuada (numa base mensal) atividades de organização e melhoria de processos da Requerente, para que o produto correspondesse às exigências e expectativas dos clientes, e de gestão comercial na vertente de identificação de oportunidades de negócio e promoção de vendas, contactos e relações com clientes, incluindo a abordagem do mercado asiático, nomeadamente japonês, do qual também era conhecedor – cf. declarações de parte e depoimento da primeira testemunha. 

R.    {C}{C}Os serviços de E... inseriram-se na estratégia de expansão mundial e diversificação de clientes da Requerente, por forma a reduzir a dependência do mercado chinês – cf. declarações de parte e depoimento da primeira testemunha. 

S.     {C}{C}Foi estabelecido com o prestador E... (3) um acordo de remuneração mensal de € 2 700,00 que foi aumentado para € 3 600,00 a partir de novembro de 2019, inclusive – cf. Documento 27. 

T.     {C}{C}As faturas de E... referentes a março, abril, maio, junho e julho de 2019, no valor unitário de € 2 700,00 (excluindo o IVA), foram substituídas pela fatura n.º 40, no valor de € 13.500,00 (= € 2 700,00 * 5 meses), por terem sido emitidas com número de identificação fiscal incorreto – cf. Documentos 16 a 21. 

U.    {C}{C}No decurso do procedimento inspetivo, a Requerente informou que “O Senhor E... prestou consultoria em negócios internacionais designadamente no mercado chinês e japonês. É um conhecedor do mercado da China. É um grande empresário, com grande experiência, que foi utilizada pela A... . Auxiliou esses negócios internacionais, designadamente na angariação de clientes – promoção e prospeção de novos negócios.” – cf. RIT.

V.    {C}{C}A AT concluiu quanto aos serviços prestados por E... que “não é possível validar os serviços efetivamente prestados, sua oportunidade e adequabilidade no âmbito da atividade desenvolvida pelo SP ou até aferir das variáveis e respetiva fórmula de cálculo que contribuem para o apuramento do valor final a faturar.” – cf. RIT.

W.  {C}{C}Quanto às faturas da sociedade de advogados F... (4), estas respeitam a serviços jurídicos em diversas áreas, cujo detalhe consta de notas de despesas e honorários, periodicamente remetidas à Administração da Requerente, e de um relatório (anual) preparado pela sociedade de advogados remetido ao Revisor Oficial de Contas com a identificação dos processos em curso – cf. Documentos 39 a 51 e declarações de parte.

X.    {C}{C}Os documentos de débito da sociedade de advogados eram emitidos com regularidade mensal, no final de cada mês ou no início do mês seguinte, permitindo a correspondência (incluindo temporal) entre as notas de honorários e os documentos de débito/recibos a que respeitam – cf. Documentos 39 a 50 e declarações de parte.

Y.    {C}{C}No decurso do procedimento inspetivo, a Requerente informou que “O escritório de advogados,  F..., presta serviços à A... desde 2004. Presta assessoria jurídica e exerce mandato judicial, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços verbal. Entrega mensalmente à A... relatório detalhado de todos os serviços efetuados, dos trabalhos prestados e descrição do ponto de situação de cada um dos assuntos/processos.” – cf. RIT.

Z.     {C}{C}A AT concluiu quanto aos serviços prestados por aquela sociedade de advogados que “No caso em concreto, não sendo possível validar que gastos efetivamente se relacionam com a atividade da A... e que gastos se relacionam com interesses de terceiros, que capacidade instalada evidencia o prestador de serviços e de que forma a mesma se coaduna com os seus restantes índices de atividade declarados e/ou que oportunidade e adequabilidade se reconhecem aos gastos em causa no âmbito do exercício da atividade do próprio SP. 

Pela ausência de discriminação conveniente, é vedada à AT a hipótese e o direito que lhe assiste na tomada de conhecimento dos serviços e respetivos preços individualizados e unitários de cada um dos itens concorrentes para a formação do preço global final. – cf. RIT.

AA.      {C}{C}As notas de despesas e honorários da sociedade de advogados e o relatório anual de processos preparado para o revisor oficial de contas não foram juntos no decurso do procedimento inspetivo, tendo-o sido na ação arbitral – cf. RIT.

BB.       {C}{C}O apoio jurídico prestado pela sociedade de advogados abrangeu cerca de noventa processos, sendo cinco respeitantes a três trabalhadores da Requerente. Tal sucedeu porque a Requerente disponibiliza (e suporta os encargos com o) apoio jurídico aos seus colaboradores, como benefício incluído no seu pacote de contratação e fator de retenção diferenciado dos seus recursos humanos, numa área em que é particularmente difícil recrutar profissionais e colaboradores – cf. declarações de parte.

CC.      {C}{C}Duas faturas emitidas pela entidade B... GMBH (5), por aquisições efetuadas pela Requerente “nos países comunitários”, no valor global de € 28 854,00 (sem IVA), não contêm o número de IVA da Requerente, pelo que a AT entendeu estar omisso um elemento fundamental da fatura e desconsiderou o IVA deduzido pela Requerente, que a própria tinha autoliquidado quando da receção daquelas faturas – cf. RIT.

DD.      {C}{C}Estas duas faturas emitidas pela B... GMBH contêm a denominação da Requerente (como adquirente) e a sua sede social. Indicam também o número de cliente da Requerente (1...) que é igual ao mencionado noutras faturas emitidas à Requerente pelo mesmo operador económico, com indicação do número fiscal da Requerente – cf. RIT. 

EE.       {C}{C}Conclui o RIT pela indedutibilidade do IVA, por considerar que globalidade dos documentos acima identificados apresentam vícios que vão “desde a falta de indicação do NIPC do SP, passando pelo facto de apresentarem um descritivo sucinto do objeto de faturação não fazendo qualquer referência ao modo de cálculo dos valores dos serviços prestados, sendo omissos no que respeita às quantidades subjacentes àquelas operações económicas.  

Concluindo-se que as faturas anteriormente identificadas não cumprem com a lei, na medida em que não referem as quantidades de base e os preços unitários aplicáveis aos apuramentos de valores cobrados à A..., para além de não conterem informação suficiente que permita assacar da relação daqueles inputs com a atividade da empresa. 

Entrando o SP, deste modo em incumprimento com o disposto no art.º 19º, nº 1 e nº 2 al. a) por força do art.º 36º, nº 5, al. b) todos do CIVA […]”. 

FF. {C}{C}A Requerente emitiu a fatura n.º 221, com data de 29-07-2019 e valor de € 105 021,00, relativa à venda de “82 Blocos...”, sem liquidação de IVA, ao cliente I..., S.A., sociedade com sede em território nacional, que, por seu turno os exportou para país terceiro. Nessa fatura invocou como motivo de não liquidação de IVA o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de junho. O certificado comprovativo da exportação (“CCE”) referente a esta fatura foi emitido em 22 de novembro de 2019, sob o número 2019PT... – cf. RIT e Documentos 55 a 57. 

FATURA N.º 221

Data

Montante

Data de

apresentação

Data de saída

Data de emissão do certificado de exportação

29.07.2019

105 021,00

30.07.2019

16.08.2019

22.11.2019

 

GG.  {C}{C}A AT procedeu à correção do IVA não liquidado na fatura que antecede, à taxa de 23%, com fundamento no incumprimento do prazo de 90 dias para emissão do certificado (a contar da data da fatura), ao abrigo do previsto no artigo 6.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 198/90, de 19 de junho, que estabelece um regime de suspensão de IVA nas transmissões efetuadas a exportadores nacionais de mercadorias – cf. RIT.

HH.  {C}{C}Em sede de exercício do direito de audição, a Requerente solicitou aos serviços de inspeção a inquirição, como testemunhas, do representante legal da sociedade C... Unipessoal, Lda. e de E..., para fazer prova dos serviços por estes prestados, diligência que não foi atendida, considerando a AT que os factos em causa apenas eram passíveis de prova documental – cf. RIT.

II.    {C}{C}Na sequência do mencionado procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários e demonstrações de acerto de contas, reportados aos seguintes períodos mensais de 2019, perfazendo o total de € 68 966,49 (€ 59 781,09 de IVA e € 9 185,40 de juros compensatórios) – cf. Documento 2:

a)     {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao período 201902, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023 ...  e n.º 2023 ..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, € 3 450,00 e € 609,46;

b)     {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao período 201905, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023 ... e n.º 2023 ..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, € 13 581,42 e € 2 271,25

c)     {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ..., ambas referentes ao período 201906, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023 ... e n.º 2023..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, € 574,99 e € 94,01;

d)     {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ..., ambas referentes ao período 201907, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023 ... e n.º 2023..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, € 575,00 e € 92,18;

e)     {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao período 201908, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023... e n.º 2023..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, € 4 646,00 e € 730,63;

f)      {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao período 201909, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023 ... e n.º 2023 ..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, respetivamente, € 621,00 e € 94,86;

g)     {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao período 201910, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023 ... e n.º 2023..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, € 1 311,00 e € 196,97;

h)     {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao período 201911, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023 ... e n.º 2023 ..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, € 32 353,68 e € 4 715,65;

i)       {C}{C}Liquidação adicional n.º 2023 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao período 201912, e correspondentes demonstrações de acertos de contas, associadas às compensações n.º 2023... e n.º 2023..., através das quais foi apurado imposto a pagar no montante de, respetivamente, € 2 668,00 e € 380,39. 

JJ.  {C}{C}Inconformada com tais atos de liquidação de IVA e juros compensatórios, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa, que foi indeferida por despacho de 16 de julho de 2024, do Chefe de Divisão de Direção de Finanças de Santarém – cf.  Documento 1. 

KK.  {C}{C}Em discordância das liquidações adicionais de IVA e juros acima identificadas, referentes ao ano 2019, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 29 de outubro de 2024, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD. 

LL.       {C}{C}Para fazer face à suspensão do processo de execução fiscal associado a uma parte dos atos de liquidação controvertidos, a Requerente apresentou garantia voluntária traduzida num penhor de inventários, no âmbito dos seguintes processos de execução fiscal que correm termos no serviço de finanças de ...: ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024... e ...2024...– cf.  despacho de deferimento de constituição de garantia do serviço de finanças de Ourém e escritura de constituição de penhor juntos como Documentos 61 e 62, respetivamente.

MM.   {C}{C}Em relação aos processos de execução fiscal n.ºs ...2023... e ...2023..., também relacionados com os atos de liquidação em discussão nestes autos, a ora Requerente foi notificada da decisão do órgão de execução fiscal de proceder ao penhor legal do direito de crédito de IVA no montante de € 32.627,53 e € 13.732,41, respetivamente – cf.  Documentos 63 e 64.

NN.      {C}{C}No tocante às dívidas associadas aos processos de execução fiscal n.ºs ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., ...2024..., a AT procedeu à compensação “automática” do direito de crédito de IVA da Requerente – cf.  Documentos 63 e 65.

 

         2.      Factos não Provados

 

Não se provou que a emissão do certificado comprovativo da exportação referente à fatura n.º 221 da Requerente além do prazo de 90 dias a contar da data da fatura se deva a facto imputável à Requerida. Com efeito, esse certificado é emitido a pedido do exportador, inexistindo nos presentes autos qualquer evidência da data em que este o solicitou.

 

Com relevância para a causa não existem outros factos alegados que se tenham considerado não provados.

 

3.       Motivação da Decisão da Matéria de Facto 

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão. 

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes, nas declarações de Parte de J... e no depoimento das duas testemunhas arroladas pela Requerente, E... e G... . 

 

A prova testemunhal revelou-se fundamental, uma vez que os inquiridos foram os próprios prestadores de serviços de faturas cujo IVA foi desconsiderado e relataram com razão de ciência direta e pessoal as atividades e tarefas desenvolvidas em prol da Requerente na origem dessa faturação. Os depoimentos foram objetivos e circunstanciados, tendo o Tribunal Arbitral ficado convencido da sua veracidade e fidedignidade, com a consequente demonstração da materialidade das operações (serviços prestados), da sua extensão e do nexo de conexão com a atividade tributável de extração de pedra da Requerente e o seu desígnio de expansão e diversificação da carteira de clientes internacionais. 

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

           V.           {C}{C}Do Direito

 

1.      {C}{C}Violação dos Princípios do Inquisitório e da Participação

 

2.      {C}{C}Violação do Dever de Fundamentação 

 

3.      {C}{C}Da Indedutibilidade do IVA por Incumprimento de Requisitos Formais das Faturas

 

3.1. Descritivo insuficiente

 

3.2. Falta de NIF

 

4.      {C}{C}Isenção do Decreto-Lei n.º 198/90 – Exportadores Nacionais

 

5.      {C}{C}Indemnização por Prestação de Garantia Indevida 

 

6.      {C}{C}Juros Indemnizatórios 

 

* * *

 

1.    Violação dos Princípios do Inquisitório e da Participação

 

No decurso do procedimento inspetivo a AT desenvolveu diligências instrutórias, tendo solicitado à Requerente elementos documentais que esta, em grande medida, não satisfez, como se verificou com as notas de honorários e o relatório anual de processos da sociedade de advogados F..., que só no âmbito da ação arbitral foram juntos pela Requerente.

 

As diligências instrutórias constituem uma importante prerrogativa da AT para o exercício da atividade inspetiva e para o cumprimento do dever de “realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” – v. artigo 58.º da LGT e 29.º, n.º 1, alínea g) do RCPITA. 

 

Por força deste princípio, a AT deve desenvolver, sem subordinação à iniciativa do sujeito passivo, todas as diligências relevantes para a averiguação da realidade factual que é pertinente para a decisão administrativa em atenção às normas tributárias aplicáveis e à realização do interesse público em consideração (v. decisão do processo arbitral n.º 458/2019).

 

Em decorrência do princípio do inquisitório, deve, em particular, a Administração Tributária recolher e considerar as provas que lhe sejam apresentadas ou solicitadas pelos interessados quando as mesmas apresentem um mínimo de pertinência em atenção à factualidade relevante. Não obstante, o mesmo não abrange uma atividade da AT que vise suprir o ónus, que a Requerente não satisfaça, de demonstrar os pressupostos de facto da pretensão por esta deduzida. 

 

Como nota o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de fevereiro de 2013, processo n.º 01764/08.9BEPRT, do “princípio do inquisitório não resulta que a administração tributária tem o dever de ir tão longe quanto possível na instrução do procedimento e esgotar as diligências cuja relevância não possa ser a priori excluída” pois “a demanda pela completude instrutória implicaria um esforço moroso, oneroso, concentrado e desproporcionado, submetendo os contribuintes visados a um calvário sem fim de investigações e impedindo a alocação de recursos a outros contribuintes nas mesmas circunstâncias, o que acabaria por comprometer a eficiência da ação inspetiva, mas também introduzir desequilíbrios acentuados no tratamento dispensado a uns e a outros. Para além do mais, seria sempre um objetivo irrealizável: seria sempre possível idealizar mais alguma coisa que poderia ser feita para despistar erros na leitura ou avaliação dos factos”.

 

         Na situação sub judice, argui a Requerente que a não inquirição, pelos serviços inspetivos da AT, das duas testemunhas por si indicadas em fase de direito de audição comprometeu o apuramento da verdade material, pois o seu depoimento permitiria esclarecer os serviços prestados pelos prestadores C...e E... Efetivamente, a audição destas testemunhas na presente ação arbitral contribuiu para a determinação do teor e extensão dos serviços em causa. No entanto, a AT dispõe de alguma margem para decidir sobre a instrução do procedimento. 

 

         Como salienta a decisão arbitral no processo n.º 14/2021, de 21 de novembro de 2021[2]: “[…] do princípio do inquisitório não resulta a obrigação, por parte da administração tributária, de realizar todas diligências requeridas pelo contribuinte no decurso do procedimento ou realizar todas aquelas que o interessado venha a entender a posteriori como necessárias face ao conteúdo da decisão final que tenha sido adotada. O principal efeito jurídico da insuficiência das diligências instrutórias a realizar pela Administração no âmbito do procedimento tributário traduz-se, em sede de impugnação judicial, num non liquet probatório sobre os factos materiais da causa, implicando que o tribunal emita uma pronúncia desfavorável em relação à parte a quem incumbia fazer a prova dos factos, à luz dos critérios de repartição do ónus da prova do artigo 74.º da LGT (SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, Vol. I, Coimbra, 2017). Como vício invalidante do ato tributário, a preterição do princípio do inquisitório (e, consequentemente, do princípio da verdade material) apenas pode ser considerada na situação limite em que os serviços omitam diligências essenciais à averiguação da situação tributária de tal modo que não se encontre justificação plausível para a correção fiscal.

 

           

         Não é esse o caso quando a AT fundamenta as correções em factualidade devidamente suportada em elementos documentais que permitem retirar as conclusões alcançadas e justificadas no RIT. A que acresce não ter a Requerente juntado praticamente nenhuma prova documental sobre as prestações de serviços, com exceção de um texto contratual genérico e sucinto relativo aos serviços de C... . 

 

         Assim, sem prejuízo de se constatar que a inquirição das duas testemunhas foi relevante para prova de alguns dos serviços adquiridos pela Requerente cujo IVA foi corrigido pela AT, esta circunstância não deve produzir vício invalidante do procedimento inspetivo (pela não audição daquelas testemunhas).

 

         Com efeito, as correções em apreço foram devidamente justificadas e suportadas pela AT nos elementos documentais de que dispunha, esta desenvolveu iniciativas para obtenção de documentação adicional e a decisão de rejeitar a prova testemunhal, em tais circunstâncias, inscreve-se na margem de decisão administrativa que lhe assiste. Por outro lado, interessa notar que os factos relatados pelas testemunhas se restringem aos serviços por si prestados, não abrangendo a totalidade, ou sequer a maioria, das correções de IVA efetuadas. 

 

         Deste modo, impõe-se julgar improcedente a alegada invalidade dos atos tributários por violação do princípio do inquisitório.

 

         Sobre o princípio da participação, este consubstancia-se no dever de assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, assistindo-lhes o direito de audição antes da emissão dos atos decisórios negativos/impositivos (v. artigos 60.º, n.º 1, alíneas a) e b) da LGT e 45.º do CPPT). 

 

         Resulta dos autos que a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição em relação ao Projeto de Relatório (“PRIT”) e teve a possibilidade de expor os seus esclarecimentos, juntar documentos e indicar meios de prova. Não exige a lei, para este efeito, que a AT concorde com a conceção do contribuinte, quanto aos pressupostos de facto e/ou de direito, ou que realize as diligências instrutórias de acordo com as orientações e interesses deste. Exprimir as razões e valorações é diferente de as impor. 

 

         

         Assim, não pode deixar de considerar-se acautelada a garantia procedimental de participação do sujeito passivo na formação da decisão tributária, emanação do princípio de origem processual audi alteram partem, questão que não se confunde com a validação dos pressupostos das liquidações efetuadas e do seu mérito, pelo que improcede a alegada violação deste princípio. 

 

2.      Violação do Dever de Fundamentação 

 

         A Requerente suscita o vício de fundamentação das liquidações em crise, em relação à alegada indedutibilidade do IVA. 

 

         A este respeito, interessa assinalar que o dever de fundamentação dos atos da Administração Pública que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes deriva de imperativo constitucional, abrangendo os atos lesivos e impositivos (v. artigo 268.º, n.º 3 da Constituição, 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e 153.º, n.º 2 do CPA). Este dever de fundamentação, desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu. 

 

         No caso vertente, e contrariamente ao que a Requerente alega, o Relatório de Inspeção Tributária é explícito em relação às razões que justificam as correções operadas, tendo a Requerida dado a conhecer as razões da sua atuação e as normas em que se alicerça, pelo que, do ponto de vista formal, e independentemente dos seus méritos, o ato se encontra suficientemente justificado com a enunciação clara e percetível dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo. Relatório que foi adequadamente compreendido pela Requerente, que o refuta de forma pormenorizada na presente ação arbitral. 

 

         De salientar que apesar de a Requerente remeter para os vícios dos documentos de suporte assinalados na secção do RIT referente ao IRC, não deixa de explicitar as irregularidades das faturas para efeitos de IVA e as normas em que se alicerça, em concreto, os artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5 do Código do IVA. Naturalmente, para evitar repetições inúteis e fastidiosas, remeteu para as insuficiências dos documentos já assinaladas em sede de IRC, sem que isso todavia diminua a clareza e perceção da respetiva argumentação. 

 

         Por outro lado, no que se refere à falta de menção do número de identificação fiscal da Requerente nas duas faturas da B... GMBH, e da indedutibilidade do IVA por esta omissão, o argumento é, de igual modo, percetível de forma cristalina. O facto de ter sido mencionada a alínea b) em vez da alínea a) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, não se afigura determinante, tratando-se de um mero lapso que não compromete a inteligibilidade do argumento. 

 

         Questão distinta é a da validade, já não formal (relativa à enunciação dos motivos), antes substancial dos fundamentos do ato, que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato”, quer por os factos não corresponderem à realidade, quer por terem sido extraídas conclusões erradas ou não serem “suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa (VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231)” – v. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de abril de 2014, processo n.º 1690/13, e de 21 de novembro de 2019, processo n.º 0404/13.9BEVIS. 

 

         Tendo a Requerente sido notificada do Relatório de Inspeção Tributária contendo a fundamentação circunstanciada das razões subjacentes às liquidações de IVA aqui discutidas, conclui-se que foram observados os requisitos de fundamentação previstos no artigo 77.º da LGT e 153.º do CPA, não se constatando a este respeito a ilegalidade formal suscitada pela Requerente. 

 

3.      Da Indedutibilidade do IVA por Incumprimento de Requisitos Formais das Faturas

 

O direito à dedução constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela União Europeia e garante o princípio da neutralidade da carga fiscal de todas as atividades económicas sujeitas a IVA. Não pode, em princípio, ser limitado, exceção feita aos casos expressamente previstos pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”). No entanto, o seu exercício está condicionado ao cumprimento de um conjunto de pressupostos de natureza formal e material. No primeiro caso, respeitam ao conjunto de formalidades a que deve obedecer a emissão das faturas, no segundo, à efetividade das operações e respetiva conexão com atividades exercidas pelos sujeitos passivos que confiram tal direito. 

         Os requisitos formais das faturas são os enumerados pelo artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, que dispõe, para o que aos autos releva, o seguinte: 

 

“Artigo 36.º

Prazo de emissão e formalidades das faturas

[…]

5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a)      Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; 

b)      A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; […]” (negrito nosso)

 

         Acresce referir o prescrito no artigo 19.º, n.ºs 2 e n.º 6 do compêndio do IVA:

“Artigo 19.º

Direito à dedução

– […]

2 – Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: 

a) Em faturas passadas na forma legal; 

[…]

6 – Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos. […]

 

         Em sentido semelhante dispõe a Diretiva IVA, nos seus artigos 226.º e 178.º, parcialmente transcritos na parte aplicável:

 

“Secção 4

Conteúdo das faturas

Artigo 226.º

Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º o são as seguintes:

1)      A data de emissão da fatura;

2)      O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a fatura de forma unívoca; 

3)      O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços; 

4)      O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual foi efetuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º; 

5)      O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário; 

6)      A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados; […]”

CAPÍTULO 4

Disposições relativas ao exercício do direito à dedução

Artigo 178. º

Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições: 

a)   {C}{C}Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI; 

[…]”.

 

         Em linha com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, de que faz eco a jurisprudência dos nossos tribunais superiores e também a arbitral, o incumprimento de algumas formalidades das faturas não torna inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação do artigo 226.º da Diretiva IVA, sendo essas falhas formais supríveis, sem prejuízo de situações de fraude ou má-fé dos agentes, as quais no presente processo nunca foram sequer invocadas.

 

A este respeito, declara o paradigmático acórdão Barlis, C-516/14, de 15 de setembro de 2016, que “a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA” e é à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas respeitam as exigências do artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA (v. n.ºs 26, 27 e 28 do acórdão). De notar que estas exigências podem ser supridas através de documentos conexos com as faturas, que a estas possam ser equiparados, nos termos do artigo 219.º da referida Diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca (v. acórdão Barlis, n.º 34).

 

         Deste modo, descritivos genéricos como “serviços de advocacia” ou “promoção e prospeção” abrangem um vasto acervo de prestações e não são suficientemente e detalhados para permitir aquilatar da natureza dos serviços em causa e da respetiva extensão.

 

         Porém, a apontada imperfeição formal não implica necessariamente a indedutibilidade. Para o Tribunal Europeu, “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).” – cf. acórdão Barlis, n.º 42.

 

         No mesmo sentido, veja-se a síntese da posição do Tribunal de Justiça e da doutrina que consta da decisão do CAAD no processo n.º 96/2018-T, de 30 de outubro de 2018, infra transcrita: 

“[…] o TJ conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos – cf. acórdão Barlis, n.º 43 e dispositivo.

Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada nos acórdãos de 30 de setembro de 2010, Uszodaépito kft, C-392/09; de 21 de outubro de 2010, Nidera, C-385/09; de 1 de março de 2012, Kopalnia (ou Polsky Trawertyn), C-280/10; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10; de 8 de maio de 2013, Petroma, C-271/12; de 18 de julho de 2013, Evita-K EOOD, C-78/12; de 6 de fevereiro de 2014, SC Fatorie, C-424/12 e de 11 de dezembro de 2013, Idexx Laboratories, C-590/13. Esta jurisprudência constante do TJ afirma que, sem prejuízo da importante função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades não pode, em princípio, levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este “garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos” – cf. acórdão Uszodaépito kft, n.º 38). 

Na interpretação do TJ, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura – cf. n.º 48 do acórdão Kopalnia. 

Acresce, neste ponto, e conforme referido na decisão arbitral n.º 3/2014-T, de 6 de dezembro de 2016, convocar o acórdão de 12 de julho de 2012, EMS Bulgaria, C-284/11, “que coloca a questão dos efeitos associados ao incumprimento de formalidades no domínio sancionatório e não no plano (bem distinto) dos efeitos impeditivos ou extintivos do exercício do direito (substantivo) à dedução”.  

O referido entendimento tem sido reforçado em jurisprudência posterior, designadamente no acórdão de 15 de novembro de 2017, Rochus Geissel, C-374/16, que recorda que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e que o regime de deduções visa libertar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas, pelo que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (n.ºs 40 a 46 do acórdão Rochus Geissel). 

De igual forma, o Acórdão de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, reitera a anterior posição antiformalista e perfilha o entendimento de que, caso ocorra a retificação de faturas que contenham erros (ou omissões), a mesma produz efeitos (retroativos) à data em que as faturas foram inicialmente elaboradas – acórdão Senatex, n.ºs 35 a 43 e dispositivo. 

[…] 

A doutrina nacional é parametrizada pela jurisprudência europeia. Segundo Sérgio Vasques, «[a] complexidade que reveste o regime das faturas e a margem de liberdade que ainda é deixada aos estados-membros nesta matéria têm levado à multiplicação de litígios junto do TJUE relativos aos requisitos formais para o exercício do direito à dedução do IVA. Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da fatura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178.º da Diretiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações, sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado» – cf. O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp. 340-345 (excerto de p. 341). 

Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, também com apoio na jurisprudência comunitária, consideram que os vícios formais apenas são passíveis de impedir o direito à dedução se puserem «razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e de fiscalização pelas autoridades tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo» – cf. “Jurisprudência do TJUE sobre Exigências de Forma das Faturas e Direito à Dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015, pp. 191-211 (o excerto de p. 194).

No mesmo sentido Cidália Lança refere que «de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal [TJ], o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais» – cf. Anotação ao artigo 36.º do Código do IVA: Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coord. e Organização Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, p. 340.

 

         À face do exposto, importa aferir se, no caso concreto, a Requerente logrou provar, por outros meios de prova, nos quais se incluem a prova testemunhal, a materialidade, natureza e extensão das operações mencionadas nas faturas e a sua conexão à sua atividade tributável (v. artigo 74.º da LGT). 

 

         Salienta-se a este respeito que, ao contrário do preconizado pela Requerida, a lei não prevê restrições aos meios de prova, pelo que estes não se limitam à prova documental, podendo ser testemunhal ou de outro tipo. 

 

         Acresce assinalar que não têm suporte legal as afirmações tecidas no RIT sobre a oportunidade e adequabilidade dos gastos e o escrutínio do modo de cálculo dos valores dos serviços prestados à Requerente e quantidades subjacentes. Não cabe à AT, pois para tal não tem habilitação legal, decidir ou criticar que gastos foram bem ou mal realizados, nem analisar e/ou avaliar o modo de formação e cálculo dos preços estabelecidos entre as partes e/ou a sua adequação. Os mesmos serviços podem ter preços diferentes, ou, diversamente, serviços distintos podem ter o mesmo preço (é o que sucede frequentemente com as denominadas “avenças”[3]), sem que tal possa comprometer a dedução do imposto correspondente. Nem a Diretiva IVA, nem o n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA exigem que o sujeito passivo enuncie o modo de formação do preço dos serviços prestados. 

 

         Por outro lado, o legislador também não impôs que a fatura deva conter uma descrição detalhada e exaustiva dos serviços prestados. Exige-se tão-só a indicação da “extensão e natureza dos serviços prestados” (Diretiva IVA), que o Código do IVA reformula como “quantidade” e “denominação usual” dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável. Não há, no caso dos serviços, qualquer referência (na maioria dos casos, nem faria qualquer sentido), a preço unitário, apesar de o RIT lhe fazer sistematicamente apelo.

 

3.1.       {C}{C}Análise concreta: descritivo insuficiente

 

A.  {C}{C}C...    

         Começando pela fatura de C..., Lda., cujo IVA de € 3 450,00 foi desconsiderado pela Requerida, ficaram plenamente demonstrados nos autos os serviços que, através do seu sócio-gerente,  G..., foram prestados à Requerente. 

         C... atuava com um mandato sem representação, no interesse da Requerente, e a sua atividade consubstanciava-se na identificação e contacto dos proprietários dos imóveis/terrenos que a Requerente pretendia adquirir, na área previamente delimitada por esta, para extração de pedra e armazenagem. A sua “intermediação” não era divulgada aos proprietários dos imóveis/terrenos, para que estes não inflacionassem consideravelmente o preço de transação desses imóveis. 

 

         Além disso,  G..., pessoa conhecida na zona de ..., onde se localizavam os terrenos em questão, assistia na resolução de situações complexas de contitularidade, mormente derivadas de heranças, desenvolvendo conjuntamente com os proprietários a adoção dos procedimentos burocráticos necessários à concretização dos negócios. 

 

         Os serviços de C... resultaram em diversos processos bem sucedidos de aquisição de imóveis, ao longo de alguns anos (desde 2016 a 2021). Dada a atividade principal da Requerente, de extração de pedra ornamental, a aquisição de pedreiras é manifestamente uma condição essencial da sua prossecução, sendo inequívoca a conexão dos serviços descritos com a realização de operações tributáveis pela Requerente.  

 

         Note-se que o facto de uma outra sociedade relacionada com a Requerente, a “H...”, também ser proprietária de imóveis que arrenda à Requerente para o desenvolvimento da sua atividade de extração de pedra ornamental não afasta os serviços prestados por C... à Requerente, tendo ficado provado (consta do próprio RIT) que aquele vendeu dois imóveis à Requerente (e não à H...). Porém, mesmo na hipótese (que não se demonstrou nos presentes autos) em que esses serviços se relacionassem com imóveis a adquirir pela H..., a Requerente não deixaria de ter um interesse direto nos mesmos, atendendo a que tais imóveis, em última análise, se destinavam à sua atividade, sem os quais esta não tem qualquer viabilidade. 

 

À face do exposto, conclui-se que a Requerente cumpriu o ónus que sobre si recaía de demonstrar a substância e extensão dos serviços que lhe foram prestados pela sociedade C..., Lda., bem como a sua conexão à atividade desenvolvida, pelo que lhe assiste o direito à dedução do IVA (de € 3 450,00) relativamente à fatura que os titula. 

B.   {C}{C}D... Unipessoal, Lda. 

         

         Apesar de se insurgir contra as correções de IVA dedutível propostas no RIT, nas quais se incluem a relativa à fatura da D... Unipessoal, Lda., com IVA no valor de € 2 300,00, a Requerente não invocou qualquer factualidade ou argumento referente à mesma. Constata-se inexistir no ppa qualquer alegação de facto ou de direito respeitante a esta fatura, cujo descritivo refere, genericamente, assessoria jurídica a contratos internacionais de venda de pedra. 

 

         Atenta a falta de alegação especificada da Requerente, conclui-se que em relação aos serviços da D... Unipessoal, Lda. debitados à Requerente, esta não fez prova da natureza dos serviços e da indispensável conexão à atividade desenvolvida, pelo que, neste segmento, o pedido é improcedente. 

 

C.  E...    

         Em relação às faturas emitidas por E... foi, pela Requerente, feita prova cabal dos serviços prestados, abrangendo tarefas de organização,  de melhoria de processos e de gestão comercial. Foi destacado, em particular, o desenvolvimento de iniciativas junto de potenciais clientes e contactos em mercados, como o japonês, do qual E... era conhecedor, dada a sua anterior atividade, exercida durante dezenas de anos, de comercialização de pedras ornamentais. Estes serviços foram contratados com base numa remuneração mensal de valor fixo e enquadraram-se na estratégia de crescimento e expansão internacional da Requerente e de diversificação da sua dependência do mercado chinês. 

 

         Não subsistem a este Tribunal Arbitral quaisquer dúvidas sobre os serviços prestados e o seu préstimo para a Requerente. Adicionalmente, não se verificam incongruências quanto aos valores faturados, sendo a discrepância de valores apontada no RIT resultante da incompreensão, por parte da AT, de que a fatura de € 13 500,00 resultou da substituição de 5 faturas mensais de € 2 700,00, cujo NIF estava incorretamente mencionado. O valor da remuneração mensal foi aumentado para € 3 600,00 a partir de novembro de 2019.

 

         Nestes termos, julga-se procedente o pedido da Requerente nesta parte, considerando-se dedutível o IVA constante das faturas emitidas por este prestador, na importância de € 6 624,00, dada a prova da natureza e efetividade dos serviços prestados e da sua conexão com a atividade tributável da Requerente. 

 

D.  {C}{C}F...– Sociedade de Advogados 

         

         Também em relação aos serviços jurídicos faturados pela sociedade de advogados da Requerente, esta demonstrou, de forma detalhada, através de documentos complementares juntos aos autos – notas de honorários e relatório anual de processos para o revisor oficial de contas – a natureza e extensão dos mesmos. Os referidos documentos apresentam correspondência temporal e de valores com as faturas e recibos a que respeitam, ficando assegurado o controlo por parte da AT. 

         Desta forma, o IVA relativo aos serviços de advocacia, no valor de € 16.615,00 deve ser considerado dedutível, enfermando as liquidações impugnadas de vício material (erro nos pressupostos), pelo que, neste segmento, devem ser anuladas.

 

         Sem prejuízo do exposto, importa notar que os documentos comprovativos dos serviços acima referidos só foram exibidos pela Requerente na ação arbitral, não tendo ficado disponíveis para a AT no decurso do procedimento inspetivo e da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais em crise. 

 

3.2.        Falta de NIF

 

         Sobre a indedutibilidade do IVA autoliquidado pela Requerente, no valor de € 6 636,42, em serviços intracomunitários adquiridos à B... GMBH, entidade sem sede, estabelecimento ou domicílio em território nacional, com o único fundamento de que em duas faturas por esta emitidas não consta o número de identificação fiscal da Requerente (sem por em causa que estes encargos estejam relacionados com a atividade desta), tal conclusão não é de sufragar por este Tribunal. 

 

         Desde logo, o entendimento da AT ignora que apesar de não constar das faturas o número de IVA da Requerente esta se encontra identificada pela sua denominação social e sede, pelo que a referida omissão não é passível de comprometer a identificação do sujeito passivo adquirente, nem de inibir ou facultar o controlo da Administração Tributária. De igual modo, colide com a jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça e nacional de que falhas nos requisitos formais impeçam o direito à dedução quando se comprove a materialidade das operações e a sua conexão à atividade tributável dos sujeitos passivos (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de dezembro de 2020, processo n.º 01432/10.1BELRS). 

 

         Por outro lado, tratando-se de imposto autoliquidado pela Requerente, os requisitos formais de dedução do IVA são mais flexíveis, conforme declarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, dado o risco associado a estas operações ser mais reduzido – v., a título exemplificativo, os acórdãos do Tribunal de Justiça nos processos C-424/12, de 6 de fevereiro de 2014 (SC Factorie SRL) e C-280/10, de 1 de março de 2012 (Polsky Trawetyn). 

 

         Por fim, acresce que a posição da AT viola o disposto no artigo 35.º-A do Código do IVA, segundo o qual, no caso de prestadores estrangeiros com IVA autoliquidado pelo adquirente em Portugal, a emissão de fatura não está sujeita às regras estabelecidas no Código do IVA, como resulta do seu n.º 3: “a emissão de fatura por sujeito passivo que não possua no território nacional a sua sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio a partir do qual a transmissão de bens ou prestação de serviços é efetuada, não está sujeita às regras estabelecidas no presente Código quando a obrigação de liquidação do imposto recai sobre o sujeito passivo adquirente dos bens ou destinatário dos serviços.”

 

         Assim, nestes casos, a dedução do IVA não depende do cumprimento das regras do artigo 36.º do Código do IVA, à semelhança do que sucede com as aquisições intracomunitárias de bens (v. artigo 20.º, n.º 2 do RITI), pois os prestadores/fornecedores estão fora do território nacional e não lhes é exigível a emissão de faturas de acordo com a lei portuguesa. 

 

         À face do exposto, conclui-se pela ilegalidade da correção assente na indedutibilidade do IVA autoliquidado nestas faturas, procedendo, nesta parte, a pretensão anulatória da Requerente. 

 

4.      {C}{C}Isenção do Decreto-Lei n.º 198/90 – Exportadores Nacionais

 

         O regime estabelecido pelo artigo 6.º deste Decreto-Lei visa agilizar a tesouraria dos sujeitos passivos que sejam exportadores nacionais de mercadorias (a I..., S.A.), permitindo-lhes beneficiar do regime de isenção de IVA nas compras efetuadas a fornecedores nacionais (no caso, a Requerente), com a inerente desoneração deste imposto, sem terem de passar por um processo de reembolso. 

 

         Este regime pressupõe, no entanto, que as mercadorias vendidas sejam, “de imediato”, exportadas para fora da União Europeia, no mesmo estado, impondo-se, neste âmbito, as seguintes condições cumulativas (artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 198/90): 

a)   “A aceitação da declaração aduaneira de exportação ocorra até 30 dias, a contar da data da fatura emitida pelo fornecedor; 

b)   A saída das mercadorias do território aduaneiro da Comunidade ocorra até 60 dias, a contar da data de aceitação da declaração aduaneira de exportação; e 

c)   O certificado comprovativo da exportação (CCE) seja entregue ao fornecedor no prazo de 90 dias, a contar da data da fatura por ele emitida.”

 

         Está em causa a não liquidação de IVA em relação à fatura n.º 221 emitida pela Requerente, cuja data de emissão é 29 de julho de 2019, tendo o certificado sido emitido 116 dias após, no dia 22 de novembro de 2019, ou seja, sem observar o requisito da alínea c) supra

 

         A Requerente opõe-se à perda da isenção, por entender que a situação é geradora de desigualdade em relação a fornecimentos similares em que seja respeitado o prazo de 90 dias na emissão do certificado, desde que seja cumprido o prazo de saída do território aduaneiro da União nesses 90 dias. 

 

         Não tem, porém razão. Desde logo, importa esclarecer que a saída do território aduaneiro da União tem de verificar-se no prazo de 60 dias e não 90 dias, ou seja, a lei não estabelece o mesmo prazo para a saída dos bens e para a obtenção do certificado, marcando uma diferenciação entre os requisitos aplicáveis a cada um deles. 

 

         É certo que na situação vertente as mercadorias foram expedidas dentro do prazo de 60 dias, mais concretamente no dia 16 de agosto de 2019. No entanto, reitera-se, a Requerente não cumpriu a condição referente ao certificado. E, neste caso, o texto legal não deixa margem para hesitações, como se pode constatar da leitura do n.º 7 do artigo 6.º do diploma em apreço: 

“Se o fornecedor não estiver na posse do CCE, validado pelos serviços aduaneiros, no prazo de 90 dias a contar da data da fatura por ele emitida, deve, no prazo referido no n.º 1 do artigo 36.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, proceder à liquidação do imposto, debitando-o ao exportador em fatura ou documento equivalente emitido para o efeito.“

 

         A relevância autónoma atribuída à posse do certificado como requisito constitutivo da isenção justifica-se como medida preventiva de evasão fiscal e de garantia de cobrança do imposto que seja devido, que reclama o apertado controlo destas operações, envolvendo diversas partes/intervenientes, em que o fornecedor nem sequer é a entidade que procede à exportação, pelo que não tem acesso direto aos documentos que a comprovem, podendo ser inclusivamente iludido pelo adquirente dos bens. 

 

         Com efeito, o certificado de exportação é requerido e obtido pelo exportador, no caso a I..., S.A., sendo essencial, por razões de monitorização e controlo, que o vendedor, a aqui Requerente, que não liquidou o IVA e que não tem relação direta com as autoridades aduaneiras (que está na esfera do exportador), fique na posse desse certificado, como único meio de que dispõe para assegurar a verificação dos pressupostos da isenção. 

 

         A Requerente invoca o tratamento desigual de situações idênticas, ilustrando o caso em que a expedição das mercadorias para fora da União Europeia ocorreu dentro do prazo e o certificado foi emitido dentro dos 90 dias, cuja isenção não foi posta em causa, e a fatura 221 em que a única diferença é o incumprimento do prazo de emissão do certificado que atribui à AT. 

 

         Só que, na verdade, não são idênticas as situações em que o certificado é emitido dentro do prazo de 90 dias e aquelas em que este prazo não é respeitado (no nosso caso foi emitido em 116 dias), pelo que se justifica o tratamento também diferenciado.

 

         Convém notar que estamos perante uma condição constitutiva do regime de isenção, e não de uma mera declaração certificativa de um facto. A seguir a perspetiva da Requerente, também se poderia invocar que é desigual isentar vendas de mercadorias exportadas dentro do prazo de 60 dias e não isentar aquelas que o sejam no prazo de 61 dias ou 65 dias … Não pode acolher-se esta linha de raciocínio. O regime excecional de suspensão da liquidação do IVA em análise é concedido atendendo à celeridade da transação subsequente, da saída dos bens com destino a um país/território terceiro e da obtenção do certificado comprovativo da exportação, cabendo na margem de liberdade do legislador fixar o(s) prazo(s) apropriados. 

         E este regime também acautela a perspetiva do fornecedor nacional (a Requerente), pois, no caso de fixação de prazos alargados, poderia ocorrer que já não lhe fosse possível repercutir no exportador o IVA se se verificasse o incumprimento das condições da isenção.  

 

         Nem colhe a alegação da Requerente, que não o demonstrou, que a responsabilidade pela emissão tardia do certificado é da AT. Como acima referido, o certificado tem de ser requerido pelo cliente da Requerente, o exportador, que tem o ónus de o solicitar, não existindo qualquer evidência nos autos sobre o momento em que o certificado foi pedido e que exista algum atraso imputável à Requerida. 

 

         Em síntese, ultrapassado o prazo de 90 dias, a cominação legal é a da liquidação do IVA que a Requerente devia ter repercutido ao seu cliente, ressarcindo-se do respetivo valor. Consequência que nem sequer é particularmente gravosa, pois este IVA é dedutível na esfera do exportador, que o deve recuperar, existindo, no máximo, um efeito temporal associado à dedução do imposto em causa. 

 

Termos em que, não estando preenchido um requisito essencial da isenção de IVA, devia a Requerente ter liquidado o imposto, pelo que não procede a ilegalidade suscitada relativamente a esta correção de IVA no valor de € 24.154,83. 

 

5.      Indemnização por Prestação de Garantia Indevida 

 

         Os artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT preveem indemnização por prestação indevida de garantia bancária ou equivalente. A prestação de garantia que a Requerente refere no ppa (artigos 194.º a 197.º) é um penhor de inventários e um penhor legal de crédito de IVA. 

         

         Nenhum destes casos consubstancia uma garantia bancária ou equivalente.

 

         Assim, em linha com o STA numa situação de hipoteca – acórdão 0528/12, de 24 de outubro de 2012, é inaplicável o regime dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT. Isto sem prejuízo de em ação autónoma (através do meio próprio, que não é arbitral) poder ser efetuado um pedido indemnizatório. Pelo que improcede o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida. 

 

6.      Juros Indemnizatórios 

 

         Afigura-se que só residualmente haverá juros indemnizatórios uma vez que: 

 

a)             Na parte em que a ação improcede não há lugar a juros indemnizatórios (IVA não dedutível de € 2.300 da fatura da D... e de € 24.154,83 de IVA não liquidado pela Requerente na venda a exportador nacional);

 

b)            Quanto ao IVA das faturas da sociedade de advogados (€ 16 615,00), apesar de a ação ser procedente, não se verifica o pressuposto de erro imputável aos serviços (artigo 43.º, n.º 1 da LGT), pois não foi feita a prova devida pela Requerente no decurso da ação inspetiva, nem com a apresentação Reclamação Graciosa. A Requerente só na ação arbitral juntou documentos comprovativos, as notas de honorários e o relatório com o detalhe dos processos;

 

c)             Na parte dos atos de liquidação de IVA que poderia suscitar juros indemnizatórios, de € 16 711,27, interessa ver qual a proporção que foi garantida por penhor. É que, quanto às dívidas garantidas não se pode afirmar que ocorreu o pagamento por parte da Requerente. Ora, de acordo com o artigo 43.º da LGT só há juros quando ocorra o pagamento da prestação tributária; 

 

d) Assim, só em relação ao IVA pago por compensação automática do crédito de IVA (artigos 198.º e 199.º do ppa), e somente na parte / proporção em que este respeite ao IVA não deduzido de € 16 711,27 é que serão devidos juros indemnizatórios.

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Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, como as da violação do princípio da proporcionalidade, da proteção da confiança e da boa fé e da igualdade, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

 

     

                 VI.         Decisão 

 

         Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação arbitral parcialmente procedente e, em consequência:

 

a)   Anular as liquidações adicionais de IVA emitidas à Requerente, referentes a 2019, no valor de € 33 326,27, e os juros compensatórios correspondentes, mantendo-se no remanescente;

b)   Anular parcialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que manteve os atos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios na parte ora anulada, mantendo-se no remanescente;

c)   Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida;

d)   Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios na parte residual em que foi efetuada a compensação do crédito de IVA, na proporção respeitante às liquidações anuladas de € 16 711,27,

 

Tudo com as legais consequências.

 

 

               VII.         Valor do Processo 

 

         Fixa-se ao processo o valor de € 68 426,19 (sessenta e oito mil quatrocentos e vinte e seis euros e dezanove cêntimos), que corresponde à importância do IVA liquidado cuja anulação a Requerente peticiona e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VIII.  Taxa de Arbitragem 

 

         Custas no montante de € 2 448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), sendo € 1 370,88 (56%) a suportar pela Requerida e € 1 077,12 (44%) a cargo da Requerente, na proporção do respetivo decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de  maio de 2025

 

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins 

 

 

 

A. Sérgio de Matos

 

José Coutinho Pires 

 

 



[1] Dispõe esta norma o seguinte: “As notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas, sendo que a contagem só se inicia no primeiro dia útil seguinte, no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar.”

[2] No mesmo sentido, v. também a decisão arbitral o processo n.º 16/2022, de 30 de dezembro de 2022.

[3] Quando esteja em causa um preço mensal fixo dos serviços, a extensão e unidade de medida correspondem ao período mensal de cada fatura, pois qualquer que seja a dimensão e intensidade dos serviços, a faturação é a mesma.