Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1080/2024-T
Data da decisão: 2025-05-19  IVA  
Valor do pedido: € 1.008.850,55
Tema: IVA – Acordo Apifarma -CEIF. Regularização do IVA
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SUMÁRIO

 

1.     A contribuição financeira prestada pela Requerente, ao abrigo do Acordo APIFARMA, não tem natureza tributária e não constitui um modo diverso de pagamento da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF).

2.     A contribuição aceite no quadro de um acordo entre o Estado e as empresas da indústria farmacêutica, com vista a devolver uma parcela da sua despesa com medicamentos, deve ser reconhecida como redução de preço e dar lugar à redução do valor tributável dos fornecimentos.

3.     O pagamento da contribuição financeira devida pela Requerente ao abrigo da adesão ao Acordo APIFARMA, mediante a emissão de notas de crédito às entidades do SNS suas devedoras, consubstancia uma redução do valor tributável em IVA e, em consequência, autoriza-a a regularizar a seu favor o IVA mencionado naquelas notas.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.A..., LDA., contribuinte ..., com sede na..., ..., ...–... ..., Oeiras, apresentou, em 30-09-2024, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2024... que teve por objecto as liquidações de IVA e juros compensatórios n.º 2023..., relativa ao período de 2022/01, n.º 2023..., relativa ao período de 2022/02, n.º 2023..., relativa ao período 2022/03, n.º 2023...., relativa ao período de 2022/11 e n.º 2023..., relativa ao período 2022/12, no valor global de 1.008.850,55 €.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-10-2024.

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

3.2. Em 20-11-2024 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 10-12-2024.

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

3.5. A Requerente foi notificada, por despacho de 06-02-2025, para indicar quais os pontos da matéria de facto sobre os quais pretendia produção de prova testemunhal, tendo em resposta requerido, em alternativa, o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 948/2024-T.

3.6. Face à não oposição pela Requerida, a tal aproveitamento de prova, foi, por despacho de 06-03-2025, determinado o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo n.º 948/2024-T, tendo sido dispensada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e sido solicitado ao CAAD a disponibilização da transcrição dos depoimentos efectuados naquele processo, o que foi feito.

3.7. Tendo as partes sido notificadas para apresentaram alegações reiteraram nas mesmas as posições anteriormente assumidas.

4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidações adicionais de IVA impugnados, sustentando, em suma, que:

         É uma empresa do Grupo B... que se dedica à venda de especialidades farmacêuticas, comercialização de medicamentos de prescrição médica obrigatória e outros de venda livre, cosméticos e dispositivos médicos.

         É uma empresa da indústria farmacêutica associada da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA).

         Enquanto titular da autorização de introdução no mercado de diversos produtos farmacêuticos, a Requerente vende estes produtos a entidades do SNS.

         Pelo fornecimento de produtos farmacêuticos (mormente medicamentos) às entidades do SNS, a Requerente emite, maioritariamente, faturas com IVA à taxa reduzida de 6%, nos termos da verba 2.5 da Lista I, anexa ao Código do IVA.

         No âmbito da sua actividade, e à semelhança do que sucedeu com a grande maioria das empresas da indústria farmacêutica, a Requerente aderiu ao Acordo celebrado em 2016 entre o Estado e a Indústria Farmacêutica.

         Em resultado de subfinanciamento do SNS, em particular desde os anos 90, o Estado teve necessidade de criar instrumentos económicos e financeiros com vista a acautelar a sustentabilidade do SNS e o acesso aos medicamentos.

         Foi neste contexto que, em 1997, o Estado e a APIFARMA, esta última em representação da Indústria Farmacêutica, deram início a um processo de colaboração com vista à celebração de protocolos que permitissem garantir a sustentabilidade orçamental e financeira do SNS e o acesso dos cidadãos a medicamentos.

         Inicialmente, aqueles protocolos visavam essencialmente controlar o crescimento dos encargos do SNS. Porém, a partir de 2012, o grande objectivo passou a ser o da redução da despesa do SNS com medicamentos.

         Em 2012 foi celebrado um Acordo entre os Ministérios da Saúde, da Economia, do Emprego e das Finanças e a indústria farmacêuticanos termos do qual as empresas aderentes se comprometeram a colaborar numa redução da despesa com medicamentos no valor de 300 milhões de euros e a prestar uma contribuição na parte que excedesse os objectivos de despesa pública com medicamentos.

         Em 2013 tal Acordo foi objecto de um Aditamento, nos termos do qual as empresas farmacêuticas aderentes se comprometiam a efectuar uma contribuição de 122 milhões de euros para a redução da despesa pública com medicamentos, mediante o pagamento de uma contribuição em valor proporcional à sua quota de mercado, calculada por referência ao mercado hospitalar total, o qual veio a ser objecto de alterações e prorrogações.

         Por fim, em março de 2016, foi celebrado entre os Ministérios das Finanças, da Economia e da Saúde e a APIFARMA, em representação da Indústria Farmacêutica, um novo Acordo referente ao triénio 2016-2018 (“Acordo APIFARMA”), através do qual as empresas aderentes se vincularam a uma contribuição financeira no valor de 200 milhões de euros, com a possibilidade de acréscimo na medida da respetiva proporção, caso a empresa aderente fosse representativa de uma quota superior a 75% dos encargos totais do SNS. Caso o valor da despesa pública fosse ultrapassado, as empresas aderentes pagariam ainda o montante que excedesse o objectivo máximo, durante o primeiro trimestre de 2017, na proporção da sua responsabilidade pelo aumento da despesa pública, e com limites máximos expressamente previstos.

         O pagamento da contribuição era realizado mediante a emissão de notas de crédito aos hospitais e/ou pagamento à ACSS, I.P.

         O regime da CEIF, instituído pela Lei do Orçamento do Estado para 2015 e aprovado pelo artigo 141.º da Lei n. º 42/2016, de 28 de dezembro – aqui referido apenas para efeitos de contextualização –, criou uma obrigação tributária.

         Conforme dispõe o artigo 5.º, n.º 2 daquele Regime, estão isentas do pagamento da CEIF as empresas do sector farmacêutico que aderem ao Acordo APIFARMA. Quer isto dizer que as empresas do sector que não assumam o compromisso voluntário de colaborar na sustentabilidade do SNS no quadro de acordos celebrados com o Estado, estão sujeitas à contribuição extraordinária.

         As contribuições decorrentes do Acordo APIFARMA podem ser realizadas: i) através da emissão de notas de crédito às entidades do SNS – estas notas de crédito compensam as facturas mais antigas anteriormente emitidas a estas entidades (no pressuposto de existirem facturas vencidas e não pagas); ou ii) através de transferência bancária a favor da ACSS, I.P. (um instituto público tutelado pelo Ministério da Saúde). Assim:

i)       {C}{C}O cálculo do montante destas contribuições é definido por uma fórmula fornecida pela APIFARMA e que corresponde à aplicação de uma percentagem ao valor da despesa pública com medicamentos, com base em indicadores fornecidos pelo Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (“INFARMED”) relativamente a compras de medicamentos efectuadas por hospitais.

ii)      {C}{C}Esta fórmula determina que cada empresa associada e aderente ao Acordo APIFARMA deve contribuir com um montante proporcional à despesa que o SNS teve com os seus medicamentos, seja através do consumo hospitalar destes medicamentos ou da comparticipação dos mesmos aos pacientes.

         Os valores apurados são comunicados, numa base trimestral, às entidades associadas da APIFARMA, sendo efetuados quatro pagamentos trimestrais durante o ano e um pagamento de acerto no final.

         Conforme resulta da cláusula 5.ª do Acordo APIFARMA e da declaração de adesão ao mesmo, a Requerente concretiza a sua contribuição mediante a emissão de notas de crédito em benefício das entidades do SNS.

         Estas notas de crédito, que configuram documentos rectificativos de facturas anteriormente emitidas às entidades do SNS, são emitidas em concretização do objectivo de redução da despesa pública com a aquisição de medicamentos, nos termos previstos no art.º 5.º do Acordo APIFARMA.

         Há, portanto, uma relação directa entre as notas de crédito emitidas ao abrigo do Acordo APIFARMA e a redução do preço que é devido pelas entidades do SNS à Requerente pelo fornecimento de medicamentos.

         Ora, tendo em conta que estamos perante a redução de um preço inicialmente praticado e que, portanto, se verificou uma alteração do valor tributável e do valor do imposto devido ao Estado, a Requerente considerou as notas de crédito por si emitidas às entidades do SNS nas suas declarações periódicas de IVA.

         Traduzindo-se estas notas de crédito em verdadeiras reduções do preço, a Requerente regularizou, a seu favor, o IVA liquidado nas facturas inicialmente emitidas às entidades do SNS pelo fornecimento de medicamentos – imposto que a Requerente entregou nos cofres do Estado, mas que nunca chegou a receber das entidades do SNS –, em estrito cumprimento do disposto no artigo 78.º do Código do IVA e nos artigos 73.º e 90.º da Directiva IVA.

         No âmbito do procedimento inspectivo de que foi objecto, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária com correcções em sede de IVA indevidamente regularizado pela Requerente, a seu favor, contido em notas de crédito emitidas às entidades do SNS ao abrigo do artigo 5.º do Acordo APIFARMA.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:

         A Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF), é como resulta do seu regime jurídico, uma contribuição financeira a favor de entidade pública, a que se refere artigo 3.º, n.º 2 da LGT.

         As entidades aderentes ao Acordo a que se refere o artigo 5.º, ainda que isentas da CEIF, ficam igualmente sujeitas ao pagamento de uma contribuição financeira.

         Ainda que a Requerente actue no âmbito do designado Acordo, estamos perante uma contribuição financeira (tal como vem qualificada na cláusula 3.ª do mesmo Acordo), a qual se encontra fora do âmbito de aplicação do IVA [cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea a) “a contrario” do Código do IVA].

         A propósito do conceito de prestação de serviços a título oneroso, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), já se pronunciou no sentido de que as operações tributáveis, no âmbito do sistema do IVA, pressupõem a existência de uma transação entre as partes com a estipulação de um preço ou contravalor, pelo que, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável não estando, portanto, estas prestações sujeitas a IVA (vide Acórdão de 1 de abril de 1982, caso Hong Kong Trade, processo 89/81, n.ºs 9 e 10.

         O TJUE também esclareceu que a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado e que, deste modo, uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (Acórdão de 8 de março de 1988, caso Apple and Pear, processo 102/86, n.ºs 11 e 12).

         No presente caso, estamos perante uma actividade difusa, que aproveita a todo um sector da indústria farmacêutica, sendo impossível imputar ao produtor individual as vantagens que dela resultam. Também falta uma relação clara entre a contribuição devida pelos produtores e as vantagens que os serviços prestados pela ACSS, IP lhes possam trazer.

         Tratando-se de operações não sujeitas a IVA, não colhe a tese que vem defendida pela Requerente. Com efeito, nem o regime da CEIF nem o Acordo prevêem quaisquer descontos ou abatimentos, reduções ou anulações de vendas.

         Os termos "descontos" e "abatimentos" não foram definidos na Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977), nem estão definidos na Diretiva IVA.

         No entanto, o TJUE já se pronunciou no sentido de que “(…) a concessão de um desconto ou de um abatimento de preço pressupõe a entrega de um bem a título oneroso. Com efeito, os próprios termos «abatimento» e «desconto» fazem referência a uma redução apenas parcial do preço total acordado. Em contrapartida, quando a redução representa 100% do preço, está-se, na realidade, perante uma entrega a título gratuito” (cfr. Acórdão de 27 de abril de 1999, caso Kwait Petroleum (GB), processo C-48/97, n.º 16).

         Quando se concede um desconto na venda de um produto ou na prestação de um serviço, no momento da transação, para efeitos do cálculo do IVA a liquidar, ao preço inicial da operação, deduz-se o valor do desconto concedido; nas situações em que o desconto é concedido após a emissão da factura, seja qual for a natureza desse desconto - comercial ou financeiro -, há a possibilidade de corrigir o valor inicial tributável da operação. A regularização de IVA, nestas circunstâncias, é uma opção do fornecedor ou prestador dos serviços.

         Ao contrário do que sucede nos descontos concedidos no momento da emissão da factura, não existe nenhuma obrigatoriedade do valor do desconto concedido pós-factura afectar o montante de IVA liquidado. A regularização de imposto é uma faculdade, que pode ser exercida nos termos e prazos estabelecidos no artigo 78.º, n.ºs 2 e 5 do Código do IVA.

         As notas de crédito posteriormente emitidas e que aqui estão em causa referem-se à contribuição financeira, que é contratualmente estabelecida com a indústria farmacêutica, calculada segundo regras que remetem e que vêm previstas no regime da CEIF.

         Conclui-se, assim, que toda a narrativa que é conduzida pela Requerente assenta na falsa convicção que a contribuição financeira a que está sujeito e não isento é uma redução de um preço inicialmente praticado e que se verificou uma alteração do valor tributável e do valor que será devido ao Estado.

         A Requerente encontra-se isenta do pagamento da CEIF, mas o que tem de pagar é ainda uma contribuição financeira (obrigatória), que se encontra excluída do âmbito do IVA.

         Por conseguinte, o IVA foi indevidamente mencionado nas notas de crédito, não conferindo o direito à regularização de imposto, mostrando-se devidas as correções contestadas e respetivos atos tributários.

         

 

II – SANEAMENTO

 

6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. Não foram suscitadas excepções que obstem à apreciação da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

A) Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para apreciação e decisão da causa, os seguintes factos:

a)     {C}{C}A Requerente é uma empresa do Grupo B... que se dedica à venda de especialidades farmacêuticas, comercialização de medicamentos de prescrição médica obrigatória e outros de venda livre, cosméticos e dispositivos médicos.

b)    {C}{C}É uma empresa da indústria farmacêutica associada da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA).

c)     {C}{C}Enquanto sujeito passivo de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal mensal de entrega de declarações periódicas.

d)    {C}{C}Sendo titular de autorização de introdução no mercado de diversos produtos farmacêuticos, a Requerente vende estes produtos a entidades do SNS.

e)     {C}{C}Pelo fornecimento de produtos farmacêuticos, designadamente medicamentos, às entidades do SNS, a Requerente emite, maioritariamente, facturas com IVA à taxa reduzida de 6%, nos termos da verba 2.5 da Lista I, anexa ao Código do IVA.

f)     {C}{C}No exercício da sua actividade, a Requerente aderiu ao acordo celebrado, no ano de 2016, entre o Estado e a indústria farmacêutica, à semelhança do que sucedeu com a grande maioria das empresas da indústria farmacêutica.

g)    {C}{C}Em resultado de subfinanciamento do SNS, em particular desde os anos 90, o Estado teve necessidade de criar instrumentos económicos e financeiros com vista a acautelar a sustentabilidade do SNS e o acesso aos medicamentos.

h)    {C}{C}Foi neste contexto que, em 1997, o Estado e a APIFARMA, em representação da indústria farmacêutica, celebraram protocolos com vista a garantir a sustentabilidade orçamental e financeira do SNS e o acesso dos cidadãos a medicamentos.

i)      {C}{C}Em 2012 foi celebrado um Acordo entre os Ministérios da Saúde, da Economia, do Emprego e das Finanças e a indústria farmacêutica, nos termos do qual as empresas aderentes se comprometeram a colaborar numa redução da despesa com medicamentos no valor de 300 milhões de euros e a prestar uma contribuição na parte que excedesse os objectivos de despesa pública com medicamentos.

j)      {C}{C}Em 2013 tal Acordo foi objecto de um Aditamento, nos termos do qual as empresas farmacêuticas aderentes se comprometiam a efectuar uma contribuição de 122 milhões de euros para a redução da despesa pública com medicamentos, mediante o pagamento de uma contribuição em valor proporcional à sua quota de mercado, calculada por referência ao mercado hospitalar total, o qual veio a ser objecto de alterações e prorrogações, e ainda se mantém em vigor.

k)    {C}{C}O cálculo do montante de tais contribuições é definido por uma fórmula fornecida pela APIFARMA e que corresponde à aplicação de uma percentagem ao valor da despesa pública com medicamentos, com base em indicadores fornecidos pelo Infarmed relativamente a compras de medicamentos efetuadas por hospitais.

l)      {C}{C}O pagamento da contribuição atrás referida é concretizado através da emissão de notas de crédito aos hospitais e/ou com pagamento à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (“ACSS, I.P.”).

m)   {C}{C}Por via quer da emissão de notas de crédito, quer pelo envio de receita adicional, como meio de financiamento, as entidades do SNS diminuem a sua dívida às empresas farmacêuticas fornecedoras dos medicamentos, como é o caso da Requerente.

n)    {C}{C}O referido Acordo começou a produzir efeitos na esfera da Requerente na data da assinatura da declaração de adesão, em 30- 03-2016.

o)    {C}{C}As notas de crédito emitidas pela Requerente, em cumprimento do aludido Acordo, fazem referência ao Acordo APIFARMA.

p)    {C}{C}Através do extracto das notas de crédito emitidas para o Acordo APIFARMA, é possível estabelecer uma relação entre o valor da contribuição que é devido pela Requerente, concretizado mediante a emissão de tais notas de crédito, e a parte que respeita a cada entidade.

q)    {C}{C}Por considerar estar-se perante a redução de um preço inicialmente praticado e que, portanto, se verificou uma alteração do valor tributável e do valor do imposto devido ao Estado, a Requerente considerou as notas de crédito por si emitidas às entidades do SNS nas suas declarações periódicas de IVA.

r)     {C}{C}Ao abrigo da Ordem de Serviço OI2023..., de 26-06-2023, a Requerente foi objecto de inspeção tributária interna, de âmbito parcial, em sede de IVA, com referência ao ano de 2022.

s)     {C}{C}Em resultado de tal procedimento inspectivo, a Requerente foi notificada de correcções no âmbito de IVA, constando do respectivo RIT:

- “ (…) 

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades Correção ao Imposto – IVA

1 Os factos

Da análise das operações realizadas pela A..., Lda, em 2022 constatou-se que, cerca de 98% das operações ativas são tributadas à taxa reduzida de imposto ao abrigo da alínea a) do ponto 2.5 da Lista I anexa ao Código do IVA (produtos farmacêuticos e similares).

Quanto às operações passivas, as mesmas consubstanciam-se essencialmente na aquisição de produtos farmacêuticos, sendo uma parcela mais reduzida referente a outros bens e serviços sobre os quais incide a taxa normal de IVA.

O IVA inscrito no campo 40 da Declaração periódica de IVA dos meses de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro de 2022 tem por base, maioritariamente, as notas de crédito por si emitidas, com o descritivo “Protocolo” e nos comentários “No âmbito do Acordo de 2022”, relativas a comparticipações / contribuições resultantes da adesão da MSD, como associada da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), aos Acordos assinados entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica.

No âmbito desse Acordo, a MSD emitiu em janeiro, fevereiro, novembro e dezembro de 2022, a título de contribuição financeira, notas de crédito nos montantes, respetivamente, de € 5.009.602,72, € 2.283.390,00, € 5.474.524,74 e € 4.689.596,00 (com IVA incluído) e

regularizou a seu favor o imposto que mencionou nas mesmas, no montante total de 988.138,50, ver anexo 1 e quadro seguinte:

[…]

As notas de crédito emitidas em janeiro respeitam ao valor da comparticipação apurada no 3º trimestre de 2021, as emitidas em fevereiro respeitam ao valor da comparticipação apurada no 4.º trimestre das parcelas de 2021, as emitidas em novembro respeitam ao valor da comparticipação apurada na 1.ª e 2.ª parcelas de 2022 e as emitidas em dezembro respeitam ao valor da comparticipação apurada na 3.ª parcela de 2022 conforme se constata do descritivo dos lançamentos contabilísticos e respetivos documentos (ver anexo 2).

[…]

3 Reflexos Financeiros do Acordo na MSD no exercício de 2022

Nos termos previstos pelo Acordo celebrado entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica (representada pela APIFARMA) e respetivos Anexos de adesão do ano de 2022 (ver anexos 7 e 8), a APIFARMA comunica a cada empresa aderente, o montante da contribuição calculada com base nos valores de encargos do SNS veiculados pelo INFARMED (ver anexos 9 a 12).

Nas comunicações da APIFARMA para a MSD designadas por “Contribuições a realizar no âmbito do Acordo Governo – APIFARMA 2022” (ver anexo 9), encontra-se estipulado que, e passa a citar-se: “Deverá, a partir da data desta comunicação, e com a maior brevidade possível, efetuar o pagamento, podendo proceder ao mesmo por duas formas:

a)      Emissão de notas de crédito aos hospitais do SNS, as quais devem ser identificadas inequivocamente quanto ao âmbito, com a frase “No âmbito do Acordo de 2022”.

b)      Pagamento em numerário à ACSS, I.P., por transferência bancária (…).”

No âmbito do Acordo e conforme se encontra estipulado no Anexo de adesão, foi determinado que o pagamento, cujo total corresponde ao valor da comparticipação calculada pela APIFARMA, se materializasse através da emissão de notas de crédito aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, com o descritivo “No âmbito do Acordo de 2022”.

As contribuições financeiras, apuradas nos termos do Acordo e respetivo Anexo de Adesão, com base nos valores de encargos do SNS, e comunicadas pela APIFARMA à MSD, cifram-se em 2022 no montante total de € 17.457.113,46.

A MSD optou pela emissão de notas de crédito, com IVA incluído, sendo o valor líquido desse imposto, em 2022 de € 16.468.974,96 (17.457.113,46/1,06), o qual contabilizou a débito na conta 688800 – “Outros gastos não especificados - Sales Rebates Government Manual Adjustments” (ver anexo 2).

[…]

4.3     Comparação entre a CEIF e o valor resultante da adesão ao Acordo

O princípio da igualdade concretiza-se na proibição do legislador adotar um tratamento desigual para um grupo de destinatários da norma em relação a outro grupo de destinatários, não obstante a inexistência de qualquer diferença justificativa do tratamento desigual.

Como se expôs anteriormente, a Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF) criada em 2015 e os Acordos estabelecidos entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica desde 2012, têm ambos como objetivo garantir a sustentabilidade orçamental e financeira do Serviço Nacional de Saúde (SNS), baixando a despesa pública em medicamentos.

Quanto à fórmula de cálculo do valor da contribuição verificamos que, depois da introdução da CEIF em 2015, os Acordos e Declarações de adesão foram revistos no sentido de acomodar os critérios de apuramento previstos na CEIF, até porque o regime da Contribuição tem uma norma que isenta do seu pagamento as empresas sujeitas e aderentes aos Acordos (artigo 5.º

- Acordo para a sustentabilidade do SNS). Como já referimos anteriormente, no respetivo Anexo ao Aditamento ao Contrato, o ponto 4.2 relativo à forma de repartição e apuramento da contribuição pelos aderentes é inequívoco quanto à remissão para o Regime da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica: “4.2. As percentagens a aplicar são as constantes no Regime da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, aprovadas pelo artigo 141.º, da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.”

Conclusão semelhante se encontra presente no Parecer n.º 32/2015-C da PGR de 22 de novembro de 2016, onde se confirma que “quer a contribuição prevista no Acordo celebrado em 21 de novembro de 2014, entre os Ministérios das Finanças e da Saúde e a Indústria Farmacêutica, por intermédio da APIFARMA, quer a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica, cujo regime foi estabelecido pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014 de 31 de dezembro, (…), são determinadas em função do volume de vendas das empresas da indústria farmacêutica e, sendo o valor da despesa pública com medicamentos previsto naquele Acordo ultrapassado, as empresas aderentes apenas serão responsáveis pela parte que lhes for imputável no aumento verificado”.

Como vimos anteriormente, o princípio de igualdade subjacente à aplicação das contribuições financeiras manifesta-se pelo princípio da equivalência, muito embora nos casos em que as mesmas assentam em bases ad valorem, se verifique uma aproximação ao princípio da capacidade contributiva presente nos impostos.

Este princípio aplicado ao caso da contribuição financeira que incide sobre a indústria farmacêutica implica uma tendência para a existência de uma correlação entre o que cada empresa paga ao SNS a título de contribuição e o custo que provoca na comunidade (despesa em medicamentos) ou na medida do benefício que a comunidade lhe proporciona (receita decorrente da sua faturação ao SNS).

Portanto, as duas contribuições prosseguem os mesmos objetivos, são apuradas de forma idêntica e contribuem, embora de uma forma não direta, para a melhoria da situação económica e financeira das empresas a ela sujeitas (pela existência de contrapartidas como sejam o saneamento das dívidas dos hospitais, diminuição das barreiras administrativas na política do medicamento…). Assim sendo é espectável e indispensável que ambas as contribuições sejam equivalentes nos resultados obtidos e respeitem o princípio da igualdade dos tributos.

Se os objetivos, assim como a forma de apuramento, se apresentam como sendo idênticos, então o seu efeito financeiro também tem de ser rigorosamente idêntico, não podendo o contribuinte através da sua operacionalização obter qualquer vantagem.

Isso implicaria que o princípio de equivalência entre as duas contribuições não se concretizasse.

Para efeitos de pagamento, o mecanismo utilizado no Acordo é o seguinte:

- No caso do montante das faturas vencidas e não pagas ser superior ao montante apurado da contribuição, as notas de crédito são emitidas a favor das entidades do SNS proporcionalmente ao valor faturado pelas empresas da indústria farmacêutica, sendo que essas notas de crédito são compensadas por liquidação das faturas mais antigas vencidas e não pagas;

- No caso de não existirem faturas vencidas e não pagas, o valor correspondente a contribuição deverá ser efetivamente pago através de transferência bancária à ACSS, I.P.

4.4     Conclusão interlocutória

Com este mecanismo, e consoante as duas situações distintas que podem ocorrer, o SNS diminui a sua dívida para com os fornecedores de medicamentos, quer seja por via das notas de crédito que regularizam as dívidas mais antigas, quer seja pela realização de uma receita adicional que lhe servirá de meios financeiros, provavelmente, para proceder a pagamentos atuais ou futuros relacionados com despesas de medicamentos.

Mas o que constatamos é que o mecanismo utilizado pela empresa MSD origina um tratamento fiscal desigual face às empresas que pagam CEIF.

A MSD, como aderente ao Acordo estabelecido entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica, procede à emissão de notas de crédito aos hospitais do SNS, com regularização do IVA, como se fosse um abatimento ao valor das suas vendas, recuperando parte do IVA anteriormente liquidado.

Com a utilização deste mecanismo, a MSD reverte a seu favor, sob a forma de crédito de imposto, uma parte do valor da contribuição (correspondente ao valor do IVA) que deveria entregar ao Estado.

[…]

5        Enquadramento jurídico-tributário da contribuição constante do Acordo

Encontra-se estipulado no Acordo assinado entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica (APIFARMA), assim como na declaração de adesão e comunicados efetuados pela APIFARMA aos seus associados (ver anexo 8) que o pagamento da contribuição se realiza de duas formas alternativas:

-  Emissão de nota de crédito no montante da contribuição apurada (proporcionalmente ao valor faturado a cada entidade do SNS no período objeto de pagamento) contra a liquidação de faturas (emitidas ao SNS) não pagas e vencidas por critério de antiguidade;

- Pagamento por transferência bancária a favor da ACSS da contribuição apurada, no caso do valor das faturas não pagas e vencidas ser inferior ao valor da contribuição.

Assim, só no caso do valor das faturas emitidas ao SNS que se encontram em dívida para a empresa aderente ser inferior ao valor apurado para efeitos de contribuição, se verificará um fluxo financeiro de saída, da empresa aderente para a ACSS e consequentemente um recebimento efetivo por parte desta entidade a título de contribuição no âmbito do Acordo.

Caso contrário, apenas se verifica uma diminuição da dívida do SNS para com a empresa aderente em valor equivalente ao da contribuição por via do efeito da emissão das notas de crédito.

Quer isto dizer que, com base no acordo, a MSD em vez de entregar ao Estado o quantitativo a que está obrigada, vai receber menos esse montante por parte dos seus clientes (hospitais do SNS).

Como está bem claro no Acordo a forma de pagamento não consubstancia qualquer desconto relativamente a vendas efetuadas anteriormente.

Os efeitos obtidos pelo Estado são equivalentes em termos de resultado final (quer sejam emitidas notas de crédito quer haja pagamentos efetivos): no primeiro caso, diminui o saldo da dívida do SNS em medicamentos; no segundo caso, o montante em dinheiro recebido permitirá fazer face aos compromissos financeiros do SNS, ou seja, com grande probabilidade, solver dívidas dos fornecedores de medicamentos.

Em ambos os casos, o objetivo de melhorar a sustentabilidade financeira e orçamental do SNS é atingido, assim como se espera também que o impacto económico e financeiro nas empresas aderentes seja equivalente. Se assim não fosse, ou seja, se o resultado económico não fosse igual para ambos os casos (menos recebimento = não pagamento), violar-se-iam os princípios da equivalência e da igualdade subjacentes ao pagamento da contribuição a favor do Estado, entre aderentes ao Acordo consoante esses tivessem créditos vencidos ou não ao SNS.

Para que essa desigualdade não aconteça, a nota de crédito deve funcionar apenas e tão só como um documento de quitação dos créditos não pagos e vencidos, e não como um documento de desconto do valor da faturação anteriormente emitida. Em concreto, o que se verifica é uma liquidação das faturas mais antigas em dívida e não uma retificação do valor tributável das mesmas, ou seja, o pagamento da contribuição por parte da MSD concretiza-se através do não recebimento dos valores faturados mais antigos, vencidos e não pagos.

Como já se referiu, a forma de cálculo da contribuição de cada aderente baseia-se no volume de vendas de medicamentos que esse realizou no período (trimestre) correspondente ao período de pagamento da contribuição.

Refira-se novamente que, através da emissão das notas de crédito, a MSD apenas liquida uma parte dos créditos em dívida por parte do SNS em montante igual ao valor da contribuição que teria de entregar ao Estado (caso não estivesse no Acordo).

Ora esta situação não se enquadra nas situações previstas no n.º 7 do artigo 29.º do CIVA em conjugação com n.º 2 do artigo 78.º do mesmo diploma, pois, em termos práticos, a operação de pagamento da contribuição não se consubstancia num abatimento ou desconto sobre o valor das suas vendas uma vez que não se verifica uma diminuição do valor tributável das operações ativas anteriormente realizadas conforme previsto no artigo 16.º do CIVA.

O valor da faturação anteriormente realizada ao SNS e sobre a qual o sujeito passivo liquidou o respetivo IVA, não sofreu qualquer diminuição, apenas foi objeto de liquidação financeira por parte do SNS através do mecanismo da emissão de um crédito em seu favor, a título de contribuição financeira (leia-se a título de substituição da CEIF – contribuição a que a MSD está sujeita, face à atividade exercida).

A emissão destas notas de crédito traduz o pagamento da contribuição financeira a que a A... está obrigada e como tal nunca poderão dar lugar à regularização de IVA, por parte do fornecedor, pois não tem enquadramento nas situações previstas no artigo 78.º ou em qualquer outro artigo do Código do IVA.

A situação em que o credor prescinde do recebimento da contraprestação, em substituição de um não pagamento, não é uma situação em que tenha havido uma alteração do valor tributável da operação que ocorreu anteriormente, tal como se verificaria se estivéssemos perante um desconto ou devolução dos produtos anteriormente faturados. Também não se trata de um caso de incobrabilidade do valor faturado por um dos processos referidos no artigo 78.º n.º 7 ou no n.º 4 do artigo 78.º-A, ambos do CIVA.

É a própria forma de apuramento da contribuição financeira em favor do SNS que, como já foi referido, segue a metodologia preconizada na CEIF, a qual determina que a sua base tributável incide sobre o total das vendas de medicamentos realizadas em cada trimestre, sendo que esse valor de venda “corresponde à parte do preço de venda ao público, deduzido do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).” (alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º do regime da CEIF).

Ora, se a contribuição financeira a liquidar ao ACSS se materializa em meios monetários, sendo por isso uma operação excluída da sujeição a IVA, então, forçosamente a nota de crédito que a concretiza não tem enquadramento em sede deste imposto.

A emissão de nota de crédito aqui em crise é equivalente, em termos de produção de efeitos, a uma entrega em dinheiro por parte da MSD ao Estado, tal como o faria se pagasse a CEIF.

A acontecer a sua emissão não pode a mesma ser objeto de liquidação de IVA dada a natureza da operação que lhe está subjacente: “Contribuição no âmbito do acordo Governo-APIFARMA 2022” (leia-se “contribuição financeira devida pelo acordo de 2022”) (ver anexos 9 a 12).

Tal acontece porque a contribuição em questão não tem enquadramento nesse imposto por se encontrar fora do âmbito da sua aplicação.

[…]

6 - Conclusão […]

No caso concreto da MSD e porque a mesma aderiu ao Acordo (já amplamente explicado) verificámos que:

- De acordo com os valores comunicados pela APIFARMA a empresa estava obrigada a contribuir para o SNS em € 17.457.113,46;

- O que a MSD fez, foi a emissão de notas de crédito pelo valor a que está obrigada, contabilizando-as em contas de gastos e de IVA liquidado (a débito) por crédito da diminuição da dívida dos hospitais.

- Os procedimentos adotados pelo sujeito passivo tiveram como consequência o não pagamento por parte do Estado (à MSD) do valor em causa, o qual seria exatamente igual ao que a MSD teria de entregar nos cofres do Estado (e não o fez) sob a forma de CEIF.

Conclui-se assim que a empresa deduz / regulariza indevidamente IVA a seu favor, infringindo os artigos 19º e 20.º do Código do IVA, uma vez que a contribuição financeira devida pelos aderentes ao Acordo, não constitui a contrapartida de uma prestação de serviços ou transmissão de bens, tal como definidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, tratando-se de uma operação fora do âmbito de aplicação do imposto.

O entendimento jurídico-legal aqui apresentado foi recentemente confirmado no âmbito da apreciação do recurso hierárquico (processo n.º ...2021...) (ver anexo 13) apresentado pelo sujeito passivo em resposta ao indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021...relativamente às liquidações de IVA emitidas pela AT, no seguimento do procedimento inspetivo ao exercício de 2019 sobre a mesma questão.

Neste documento conclui-se que “tem de haver-se como correto o entendimento preconizado no RIT, que subjaz aos atos tributários reclamados” e que “as notas de crédito emitidas pela Recorrente reportam-se à contribuição financeira devida nos termos do mencionado Acordo, a qual, conforme referem os SIT, não se encontra sujeita a IVA.”

Deste modo, propõe-se a correção do IVA regularizado a favor do sujeito passivo no campo 40 das declarações periódicas de IVA de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro de 2022, nos montantes, respetivamente, de € 283.562,44, € 129.248,47, € 309.878,76 e € 265.448,83 (perfazendo um total de € 988.138,50), uma vez que, conforme já referido, as operações refletidas nas notas de crédito emitidas pela MSD não resultam de situações enquadráveis na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA por respeitarem a operações fora do campo de incidência desse Imposto.

A título complementar, refere-se que a correção dos valores inscritos no campo 40 das declarações periódicas de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro de 2022, irá originar uma retificação dos valores do imposto apurado nestes meses, assim como o crédito de imposto reportado para os meses seguintes, sendo possível que daí se verifiquem valores de imposto a pagar nos períodos de IVA subsequentes.

A correção inicialmente proposta na importância de € 988.138,50 passou para € 978.852,61, na sequência do exercício do direito de audição, conforme o Ponto X. do presente relatório.

[…]

Da análise aos elementos enviados pelo sujeito passivo, verificámos que:

- A nota de crédito n.º ... emitida em 7 de janeiro de 2022, no montante total de € 556,09 (€ 524.61 + € 31,48 (IVA)) foi anulada através da nota de débito n.º ... emitida em 31 de janeiro de 2022, no montante total de € 556,09 (€ 524.61 + € 31,48 (IVA));

- A nota de crédito n.º ... emitida em 7 de janeiro de 2022, no montante total de € 163.494,63 (€ 154.240,22 + € 9.254,41 (IVA)) foi anulada através da nota de débito n.º... emitida em 31 de janeiro de 2022, no montante total de € 163.494,63 (€ 154.240,22 + € 9.254,41 (IVA)).

Conforme referido no ponto V. deste relatório, o IVA contido nas notas de crédito n.ºs ... e ... encontra-se contabilizado a débito na conta 243310 e refletido no campo 40 da DP de IVA 2022/01.

O IVA contido nas notas de débito n.ºs ... e ... encontra-se contabilizado a crédito na conta 243310 - Ver anexo 15 - e refletido no campo 4 da DP de IVA 2022/01. Estas notas de débito foram declaradas no e-fatura.

Face ao exposto, o valor das notas de crédito emitidas em janeiro de 2022, no âmbito do Acordo assinado entre o Estado Português e a Indústria Farmacêutica, a título de contribuição financeira ascende a € 4.845.552,00 e não a € 5.009.602,72.

A MSD não se pronunciou sobre as correções propostas aos meses de fevereiro, novembro e dezembro de 2022, pelo que se as mesmas se mantêm inalteradas.

Resumindo, a MSD emitiu em janeiro, fevereiro, novembro e dezembro de 2022, a título de contribuição financeira, notas de crédito nos montantes, respetivamente, de € 4.845.552,00, € 2.283.390,00, € 5.474.524,74 e € 4.689.596,00 (com IVA incluído) e regularizou a seu favor o imposto que mencionou nas mesmas, no montante total de 978.852,61, ver anexo 14 e quadro seguinte:

[…]

  Em face do exposto, a correção inicialmente proposta de € 988.138,50, conforme ponto V. do relatório, é alterada para o montante de € 978.852,61.

t)      {C}{C}A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.º 2023..., relativa ao período de 2022/01, n.º 2023..., relativa ao período de 2022/02, n.º 2023..., relativa ao período 2022/03, n.º 2023..., relativa ao período de 2022/11 e n.º 2023..., relativa ao período 2022/12, no valor global de 1.008.850,55 €.

u)    {C}{C}A Requerente pagou tais notas de liquidação.

v)    {C}{C}A Requerente apresentou, em 11-04-2024, relativamente a tais liquidações, reclamação graciosa a qual foi tramitada sob o n.º ...2024... .

w)   {C}{C}Tal reclamação mereceu despacho de indeferimento, de 25-06-2024, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de subdelegação de competências, o qual foi notificado à Requerente por ofício expedido em 26-06-2024.

x)    {C}{C}O referido despacho de indeferimento aderiu aos fundamentos constantes do RIT.

 

B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como pelos depoimentos prestados no processso n.º 948/2024-T.

 

- Matéria de Direito

 

Constitui objecto mediato do presente pedido arbitral a legalidade das liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2022, decorrente de vício por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Questão decisiva para a decisão da causa consiste em apurar se o pagamento da contribuição financeira devida pela Requerente ao abrigo da Adesão ao Acordo APIFARMA, mediante a emissão de notas de crédito às entidades do SNS suas devedoras, consubstanciou uma redução do valor tributável em IVA. 

Sendo a resposta positiva, tal implicará ser legítima a regularização por parte da Requerente, a seu favor, do IVA constante das notas de crédito por ela emitidas.

Sustenta a Requerida que as notas de crédito não suportam reduções ao preço dos medicamentos vendidos ao SNS, mas antes uma contribuição financeira fora do âmbito de incidência do IVA, por não configurar uma contraprestação de uma prestação de serviço ou de entrega de bens, mas uma mera transferência entre as partes signatárias daquele Acordo e, por isso, uma operação fora do campo do imposto.

É inequívoco que, como resultado da emissão das notas de crédito, a Requerente deixa de receber (e a entidade destinatária das notas de crédito deixa de pagar) a totalidade do preço reflectido nas facturas anteriormente emitidas às entidades que integram o SNS.

E é em resultado deste nexo, consubstanciado na redução do valor das operações tituladas por aquelas facturas, que a Requerente, sustentando-se no disposto no artigo 78º do CIVA, regularizou a seu favor o IVA anteriormente liquidado.

O que, desde já avançamos, se afigura como procedimento correcto.

Esta questão foi já objecto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, através dos Acórdãos proferidos nos Processos C-462/16, C-717/19 e C-248/23.

Em adenda ao parecer junto a este último processo, refere a Prof. Clotilde Palma:

- “Atendendo ao exposto não nos resta senão concluir que o recente Caso Novo Nordisk vem militar no sentido sufragado pela Consulente e já acolhido pelo TJUE e pelo Tribunal Arbitral na mencionada jurisprudência anterior do TJUE, reforçando-o, de que estamos no caso vertente perante uma redução de um preço inicialmente praticado tendo-se verificado uma alteração do valor tributável e do valor do imposto devido ao Estado. Destarte, tal como adequadamente as associadas da APIFARMA aderentes ao Acordo têm considerado, é nosso entendimento que as notas de crédito consubstanciam verdadeiras reduções do preço, sendo totalmente legítimo o procedimento de regularização do imposto adotado em observância do disposto no artigo 78.º do Código do IVA, conforme o previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA.

(…) 

No Caso Novo Nordisk, como vimos, o Tribunal veio reiterar esta jurisprudência clarificando que, ainda que estejamos perante o pagamento de um imposto a uma autoridade pública, o sujeito passivo tem o direito de reduzir a posteriori o valor tributável a título dos montantes entregues.

A assim não suceder desvirtua-se a característica básica da neutralidade deste tributo e são onerados consumos não verificados, arrecadando o Estado um montante a que não tem, naturalmente, direito”.

Do mesmo modo, várias decisões arbitrais se pronunciaram no mesmo sentido, designadamente o acórdão 644/2024-T o qual, esclarecendo o regime decorrente dos Acordos Apifarma e da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica – CEIF (criada pelo artigo 5º da Lei 82-B/2014, de 31 Dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2015), passamos a transcrever: 

- “A previsão contida artigo 5.º, n.º 1, do Regime da CEIF não foi propriamente inovadora, uma vez que, já desde 2012, que o Estado e Apifarma, em representação da Indústria Farmacêutica, haviam estabelecido procedimentos de cooperação visando a celebração de protocolos visando garantir a sustentabilidade orçamental e financeira do SNS e o acesso dos cidadãos aos medicamentos.

Com efeito, em 2012 foi celebrado o Acordo entre os Ministérios da Saúde, da Economia, e do Emprego e das Finanças e a Indústria Farmacêutica, segundo o qual o objectivo de despesa com medicamentos para o ano de 2012 foi fixado em 2038 milhões de euros e as empresas aderentes comprometeram-se a colaborar numa redução da despesa no valor de 300 milhões de euros, face aos valores verificados no ano anterior, e, nos termos da clausula quinta do Acordo, a prestar uma contribuição correspondente à parte que exceder os objectivos de despesa pública com medicamentos, tendo sido celebrados novos Acordos todos os anos.

Ou seja, tais acordos têm sido, desde então, celebrados anualmente entre o Estado português e a Apifarma.

Como referem JOANA BRANCO PIRES e RITA COIMBRA DE OLIVEIRA (Cadernos IVA 2020 – Almedina 2021, pag 323) «Os pressupostos subjacentes à celebração do acordo (e que se têm mantido ao longo dos vários anos) assentam, essencialmente, em 2 pilares fundamentais: a gestão dos recursos de forma eficiente e sustentável e a partilha do risco entre as entidades públicas e a indústria farmacêutica, sempre que ocorram situações extraordinárias, em que o estado necessite de aumentar a despesa com medicamentos e/ou produtos farmacêuticos».

Trata-se, como aquelas Autoras referem, de uma contribuição financeira, de tal forma que «cada empresa associada e aderente ao acordo deve pagar uma contribuição proporcional à despesa que o SNS teve com os seus medicamentos, seja através do consumo hospitalar destes medicamentos ou da comparticipação dos mesmos aos pacientes».

(…)

Na redacção conferida pela Lei n.º 98/2017, de 24 de Agosto, o regime da CEIF define, no seu artigo 2.º, sob a epígrafe «incidência subjectiva» os respectivos sujeitos passivos: “Estão sujeitas à contribuição as entidades que procedam à primeira alienação a título oneroso, em território nacional, de medicamentos de uso humano, sejam elas titulares de autorização, ou registo, de introdução no mercado, ou seus representantes, intermediários, distribuidores por grosso ou apenas comercializadores de medicamentos ao abrigo de autorização de utilização excecional, ou de autorização excecional, de medicamento».

Decorre daqui que são sujeitos da CEIF todas as entidades ali enumeradas - nas quais se inclui a Requerente.

Porém, nos termos do artigo 5.º, nrs. 2 e 3, do referido regime:

2 - Ficam isentas da contribuição as entidades que venham a aderir, individualmente e sem reservas, ao acordo a que se refere o n.º 1 nos termos do número seguinte, mediante declaração do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP.

3 - A isenção prevista no presente artigo produz efeitos a partir da data em que as entidades subscrevam a adesão ao acordo acima referido e durante período em que este se aplicar em função do seu cumprimento, nos termos e condições nele previsto

(…)

A contribuição financeira prestada pela Requerente, ao abrigo do acordo APIFARMA, não tem natureza tributária e não constitui um mero modo diverso de pagamento da CEIF.

Como doutamente se escreveu na Decisão arbitral deste CAAD, processo n.º 216/2023-T:

«De todo o exposto, resulta cristalinamente que não é irrelevante se o pagamento é feito ao abrigo do Regime da CEIF, ou nos termos dos Acordos APIFARMA, nem tão pouco é irrelevante qual o método de pagamento escolhido pelas entidades aderentes, ao abrigo deste último, uma vez que se trata de regimes substantivamente diferentes, com implicações distintas, não existindo quaisquer indícios de que o legislador pretendia que assim não fosse.

Nesta matéria, invoca-se o elemento literal das normas, enquanto ponto de partida e limite de toda a interpretação, o qual assume duas funções: (i) uma função negativa ou de exclusão, que consiste em eliminar os sentidos que não tenham apoio na letra da lei; e (ii) uma função positiva ou de seleção, que consiste em favorecer o sentido técnico-jurídico (cf. neste sentido, entre outros, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1987, página 187; A. SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra Editora, 5.ª edição, página 335 e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 701/10).

De facto, a letra da lei é um elemento irremovível da interpretação, não podendo em circunstância alguma, quer seja por lapso ou desídia do legislador, ser afastado, conforme resulta expressamente do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil que consagra que «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (…).».

E, de acordo com o elemento literal, resulta que o legislador, ao criar a Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, não pretendeu que a mesma substituísse as disposições do Acordo APIFARMA em vigor. Contrariamente ao defendido pela Requerida, do teor literal dos regimes não se extrai que o custo para as entidades sujeitas à Contribuição Extraordinária tenha, ou deva, ser semelhante ao custo suportado pelas entidades aderentes ao Acordo APIFARMA.

Pelo contrário, resulta notoriamente da letra de ambos os regimes que estes são distintos, prevendo métodos de apuramento do montante a pagar, e meios de pagamento, diferenciados.

Conforme decorre do artigo 11.º, n.º 1, da LGT “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”. Dispõe o artigo 9.º do Código Civil que: «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Sucede que o entendimento da Requerida, ao referir que “(…) é irrelevante se a contribuição é paga ao abrigo da Contribuição Extraordinária da Indústria Farmacêutica ou ao abrigo do Acordo, nem se a mesma é paga por encontro de contas (emissão de notas de crédito aos hospitais do SNS) ou em numerário. O custo tem de ser semelhante para toda a Indústria Farmacêutica.” …, não só não tem qualquer respaldo na letra da lei, como não decorre tão pouco dos elementos históricos e sistemáticos da interpretação»”.

Por outro lado, o TJUE pronunciou-se, em diversas ocasiões, sobre as regras de determinação do valor tributável das operações e as regularizações do IVA, salientando que o disposto no artigo 90º, n.º 1, da Directiva IVA, constitui uma garantia fundamental do princípio da neutralidade, procurando que o valor tributável de uma operação corresponda ao valor efetivamente recebido como contrapartida dos serviços e ou bens fornecidos.

Se assim não fosse, o Estado estaria a receber, a título definitivo, em virtude da realização de uma operação tributável, um montante de IVA superior ao efectivamente recebido pelo fornecedor, por parte do adquirente, violando o princípio da contraprestação efectiva, constante do artigo 73.º da mesma Directiva.

Ora dispõe o n.º 2 do artigo 78º do CIVA: “se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável”.

Donde se conclui ser absolutamente legítimo o procedimento de regularização do imposto adoptado pela Requerente, dado estarmos perante uma redução do preço inicialmente praticado e, consequentemente, uma alteração do valor tributável e do valor do imposto devido ao Estado, o que é traduzido pela emissão das notas de crédito.

Pelo que tem de se concluir pela procedência total do pedido.

REENVIO PREJUDICIAL

A Requerente deduziu, a título subsidiário, um pedido de reenvio prejudicial.

O reenvio prejudicial para o TJUE só se justifica quando o julgador tenha dúvidas quanto ao sentido e alcance de alguma disposição do direito da União Europeia e, quando tal dúvida não exista, deve o tribunal limitar-se a aplicar o direito da União Europeia, mesmo que alguma disposição de direito interno com ele se mostre desconforme.

Entende este tribunal arbitral que não se colocam quaisquer dúvidas quanto à conformidade com o direito comunitário da decisão tomada, designadamente face ao teor do Acórdão do TJUE no Proc C-248/23, acima referido, pelo que não se justifica o pedido de reenvio prejudicial.

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Ora, o direito a juros indemnizatórios, vem consagrado no artigo 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido. 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.

A este propósito decidiu o STA, no acórdão proferido em 19-11-2014 – Proc. 0886/14 que “.. tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que «existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada”. 

Quer dizer que tendo ocorrido, in casu, erro de direito na liquidação em causa, assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)    Declarar a ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de IVA, referentes ao ano de 2022, ora impugnadas, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa de que aquelas foram objecto.

b)    Condenar a Requerida na restituição do montante do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios

c)    Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 1.008.850,55 , nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 14.076,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento. 

 

Lisboa, 19 de Maio 2025

 

Os Árbitros

 

 

Fernando Araújo

(Presidente)

 

 

Pedro Guerra Alves

(Vogal)

 

 

 

 

António A. Franco

(Vogal, Relator)