Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 508/2014-T
Data da decisão: 2015-01-29  Selo  
Valor do pedido: € 13.046,15
Tema: IS – verba 28 da TGIS; terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Processo n.º 508/2014-T

 

Requerente : A, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I – Relatório

 

1. No dia 23 de Julho de 2014, A, S.A., sociedade anónima com NIF nº …, com sede na Avenida …, Oeiras, veio nos termos previstos nos arts. 2º, nº1, al. a), e 10º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime da Arbitragem Tributária - RJAT) e dos artigos 99º e seguintes do CPPT, requerer a constituição de tribunal arbitral e deduzir impugnação do acto de liquidação e cobrança de imposto do selo relativo ao ano de 2013, no montante global de € 13.046,15 (treze mil quarenta e seis euros e quinze cêntimos) relativo ao prédio urbano …, da União de freguesias de … e …, … e …, concelho de Oeiras, pedindo que seja julgado nulo ou anulado o acto impugnado, condenando-se a Administração Tributária ao reembolso das quantias pagas, com devolução da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

2. No Pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

4. O tribunal arbitral ficou constituído em 29 de Setembro de 2014.

5. Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º do RJAT, a Administração Tributária e Aduaneira (AT) veio, em 30 de Outubro de 2014, apresentar Resposta e um requerimento onde, tendo em conta a ausência de qualquer excepção e de necessidade de produção de prova adicional, propunha a dispensa de reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

6. A Requerente, notificada para o efeito, declarou não se opor à dispensa de reunião do artigo 18º do RJAT e, atenta a jurisprudência existente sobre a matéria, dispensou-se de apresentar alegações adicionais.

7. Tendo em conta a posição manifestada pelas Partes, o tribunal decidiu em 26 de Novembro de 2014 dispensar quaisquer outras formalidades e proferir decisão até ao dia 29 de Janeiro de 2015.

8. Verificando-se a falta de elementos probatórios invocados pela Requerente e atendendo à falta de envio pela AT de processo administrativo, foram notificadas as partes em conformidade, tendo a Requerente vindo juntar, em 15 de Janeiro de 2015, documentos invocados no Requerimento inicial.

 

9. O Pedido de Pronúncia

No Requerimento de pronúncia arbitral a Requerente diz, em síntese:

-          Que, devido à sua actividade de compra e venda de bens imóveis, realização de urbanizações e construção de edifícios e compra para revenda de imóveis adquiridos para esses fins, é proprietária do terreno com o artigo …, da União de freguesias de … e …, … e ….  

-          Esse terreno é um lote de terreno para construção, correspondendo-lhe o Lote nº … criado pelo alvará de loteamento com o nº …, emitido em 15 de Abril de 2004, pela presidente da Câmara de Oeiras, que autoriza a construção de um edifício de habitação, comércio e serviços, compreendendo 1.304,00 m2 de área a afectar a comércio e 1.100,00 m2 de área a afectar a serviços.

-          A edificação prevista implica a criação de 17 fogos susceptíveis de utilização independente.

-          Os efeitos da licença de loteamento ficaram suspensos devido a processos interpostos pelo MP no TAF de Sintra com vista à declaração de nulidade do referido alvará de loteamento, inviabilizando obras no referido prédio;

-          Em Março de 2014, foi notificada da liquidação de imposto do selo (verba 28) relativa ao ano de 2013 respeitante ao citado lote e pagou as correspondentes importâncias mas a liquidação é ilegal.

-          Os lotes de terreno afectos a construção não se encontram abrangidos na base de incidência da nova verba 28 da TGIS, já que um “terreno para construção” não é um prédio urbano com afectação habitacional, até porque não se encontra habitável, não sendo apto para outra afectação que não seja a construção, e só uma vez esta realizada, no futuro, poderá existir um edifício afecto a habitação (e/ou comércio, serviços ou outros fins).

-          Dos nºs 1, 2 e 3 do art. 6º do CIMI resulta a distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção e que os fins ou afectações de habitação, comércio, indústria ou serviços, apenas se encontram previstos para prédios que sejam edifícios e não para “terrenos para construção”.

-          Com a introdução deste imposto especial do selo o legislador instituiu como base de incidência apenas os “prédios habitacionais”, como resulta da referência a casas de luxo, não pretendeu tributar os instrumentos de trabalho das sociedades que se dedicam à construção civil onerando-as com um imposto incidente sobre rendimentos futuros, mas contribuintes que possuam na sua esfera patrimonial imóveis residenciais de elevado valor económico sujeitando manifestações de riqueza a uma tributação acrescida.

-          Por isso excluiu também os prédios afectos a usos comerciais, serviços, logística ou armazenagem.

-          Os terrenos para construção não evidenciam a capacidade contributiva das sociedades que os adquirem como matéria-prima, sendo que no caso presente nem havia garantia de que a construção se faria devido às acções pendentes.

-          E ainda que tal construção seja realizada, resultarão diversos fogos habitacionais com distintas matrizes, cada uma delas com valor patrimonial inferior a € 1.000.000, 00.

-          Em qualquer caso o lote de construção prevê ocupação com comércio e serviços, áreas que não podem ser tidas como habitacionais.

-          O próprio facto da Lei do OE para 2014 ter alterado a redacção da verba 28.1. da TGIS prova que anteriormente não se encontrava prevista a liquidação e cobrança deste imposto relativamente a terrenos para construção, pelo que há lugar a reembolso do imposto pago e pagamento de juros indemnizatórios.

 

10. A Resposta

A Requerida responde, em síntese:

-          Com a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10/2012, no artigo 1.º do CIS, e aditamento da verba 28 à TGIS, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a €1.000.000,00.

-          Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, mandado aplicar subsidiariamente pelo art. 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo.

-          Terá que se ter em conta o conceito de prédio do n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, assim como o disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIMI, sobre as espécies de prédios urbanos existentes (integrando neste conceito os terrenos para construção).

-          A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar o valor do imóvel em causa por isso a noção de afectação do prédio urbano assenta na avaliação dos imóveis, devendo ter-se em conta o art. 45.º, n.º 2, do CIMI que manda ter em conta o “…valor das edificações autorizadas”, sendo por conseguinte aplicável o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI .

-          Assim, se para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, não pode ser ignorada a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.

-          O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, mas “afectação habitacional” cujo sentido tem de se encontrar não no art. 6.º, n.º1, alínea a), do CIMI, mas no art.45.º do CIMI que distingue a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir e a área de terreno livre; apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% como prevê o n.º 2 da referida norma, em virtude de a construção ainda não estar efectivada.

-          O valor do terreno adjacente à área de implantação é apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano.

-          É possível, antes da efectiva edificação do prédio, apurar e determinar a afectação do terreno para construção tendo em conta o regime de urbanização e edificação, RJUE e Planos Directores Municipais.

-          A Constituição da República, não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas discriminações arbitrárias, irrazoáveis, sem justificação e fundamento material bastante, mas a verba 28 da TGIS não viola a CRP porque sustenta o diferente tratamento dos imóveis (habitação/serviços/comércio), em opção do legislador, por razões políticas e económicas.

-          A tributação em sede de imposto do selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a €1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis, encontrando-se legitimada enquanto mecanismo de obtenção de receita, e não violando o princípio da proporcionalidade ao aplicar-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a €1.000.000,00.

-          A liquidação não padece de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.

 

11.Objecto do pedido

A questão jurídica suscitada no presente pedido de apreciação da legalidade da liquidação de Imposto do Selo consiste em saber se um terreno para construção deve ser considerado “prédio com afectação habitacional”, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

12. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

 

II Fundamentação

 

13. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

13.1.  A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da União de freguesias de … e …, … e …, concelho de Oeiras, sob o artigo … (Documento nº1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

13.2. O referido prédio foi objecto do alvará de loteamento nº …, emitido em 15 de Abril de 2004, pela Presidente da Câmara de Oeiras, que concedeu autorização para construção de edifício de habitação, comércio e serviços (Documento nº 1 junto aos autos pela Requerente em 15/01/2015, cujo teor se dá como reproduzido; artigos 4º, 5º e 6º do Pedido de pronúncia não contestados pela Resposta).

13.3. Na sequência de despachos de autorização das obras de construção para os lotes abrangidos pelo Alvará nº…, foram interpostas, pelo Ministério Público contra o Município de Oeiras, acções ao abrigo do artigo 51º do ETAF e artigos 9º, nº 2 e 55º, nº 1 do CPTA, invocando a nulidade de actos de autorização, derivada da nulidade do próprio acto de licenciamento por violação de normas do RPDM, tendo havido suspensão dos efeitos da licença de loteamento (Documentos nºs 2 e 3 juntos pela Requerente em 15/01/2015, cujo teor se dá como reproduzido; artigo 7º e 8º do Pedido não contestado pela Resposta).

13.4. Foi julgada improcedente a acção nº… (de impugnação do acto de licenciamento do loteamento - deliberação da CM de Oeiras de 8/10/2013 que aprovou o projecto de loteamento - e de todos os actos consequentes), por sentença do TAF de Sintra, confirmada por Acórdão de 12/04/2012, do TCAS, o que terá levado a improcedência das acções dependentes daquela, como foi o caso da acção nº …, 3ª UO (Documento nº 4 junto pela Requerente em 15/01/2015, cujo teor se dá como reproduzido).

13.5. Em 2014, a Requerente foi notificada pelo DUC nº 2010… da liquidação de Imposto do Selo datada de 18/03/2014, referente ao ano de 2013, resultante da aplicação da taxa de 1% prevista na verba da TGIS 28.1. ao prédio identificado em 13.1, inscrito sob o artigo …, freguesia de … e …, com valor patrimonial tributário de € 1.304.614,00 (Documento nº1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

13.6. A Requerente pagou, em 29/04/2014, a importância de € 4.348,73, correspondente à primeira prestação da colecta total de € 13.046,15.

 

14. Factos não provados

Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

15. Fundamentação da matéria de facto provada

A fixação da factualidade baseou-se nos documentos juntos (apenas) pela Requerente aos autos, cuja autenticidade e correspondência com a realidade não foram postas em causa pela Requerida.

 

16. Apreciação de direito

16.1. A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS)

A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), foi aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, com o seguinte conteúdo:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

 

Segundo resulta das alterações ao CIS, introduzidas pelo artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, o Imposto do Selo previsto na verba 28 da TGIS incide sobre uma situação jurídica (nº 1 do artigo 1º e nº 4 do artigo 2º do CIS), em que os respectivos sujeitos passivos são os referidos no artigo 8.º do CIMI (nº 4 do artigo 2º do CIS), aos quais cabe o encargo do imposto (alínea u) do nº 3 do artigo 3º do CIS). 

 

O disposto no CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), conjugados com o artigo 1º do CIMI, consideram o prédio em si como o facto tributário (a situação que desencadeia a tributação) desde que atinja o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo, independentemente do número de sujeitos passivos, possuidores (enquanto proprietários, usufrutuários ou superficiários) dos bens em causa.   

 

A verba 28.1, na redacção vigente ao tempo dos factos, refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

Esta questão tem sido objecto de apreciação quer pelos tribunais arbitrais [1], quer pelos  tribunais administrativos e fiscais, existindo já uma quantidade apreciável de decisões proferidas ao mais alto nível [2] (Secção de Contencioso Tributário do STA), verificando-se grande unanimidade de posições.

 

Não podemos deixar de concordar com a apreciação feita nessas diferentes decisões pelo que citaremos alguns excertos das mesmas que nos parecem responder às questões aqui levantadas.

 

Recorde-se que, em síntese, a Requerente defende que nem os prédios habitacionais se confundem com terrenos para construção nem o terreno para construção de que é proprietária é prédio habitacional com valor patrimonial elevado, como as “habitações de luxo”, que o próprio Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá declarado, no discurso efectuado no Parlamento, que se pretendia atingir com o aditamento à verba 28 da TGIS.

 

Já a AT, considera que o sentido de o legislador não utilizar a expressão “prédios destinados a habitação”, mas com “afectação habitacional”, tem de se encontrar não no artigo 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI mas no art.45º do CIMI, na interpretação da expressão “afectação habitacional”, noção que assenta na avaliação dos imóveis. O artigo 45.º, n.º 2, do CIMI ao mandar ter em conta o “…valor das edificações autorizadas”, remete para o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI, que teria que ser tida em conta para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.

           

Analisando exactamente este tipo de argumento, disse-se na decisão arbitral proferida no proc. 53/2013-T:“No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.”[3]

 

Também as decisões arbitrais nºs 158/2913-T e 288/2013-T, rejeitaram a tese da AT sobre a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral aos terrenos para construção, o que torna aplicável, a tais imóveis, o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI, da seguinte forma:

 “ É certo que o CIMI determina a aplicação, à avaliação dos terrenos para construção, da metodologia de avaliação aplicável aos edifícios construídos, incorporando para tal, no valor do terreno, o valor estimado do edifício a construir; e que este valor é determinado, por sua vez, pelo tipo de afetação prevista para os prédios a edificar. Posto em termos mais simples, a lei (CIMI) diz que para determinar o valor patrimonial dos terrenos para construção, incorpora-se neste uma parte do valor estimado dos edifícios a construir; e para estimar o valor dos edifícios a construir, tem-se em conta a afetação prevista para os mesmos. Ao contrário do que sustenta a AT, resulta precisamente da letra destes preceitos a inaplicabilidade do conceito de “afetação” aos terrenos para construção. A afetação que é tida em conta, para efeitos de avaliação, mesmo dos terrenos para construção, é sempre e apenas a afetação dos edifícios a construir. A afetação prevista para os edifícios a construir influencia o valor patrimonial tributável dos terrenos para construção, mas nada mais. Da norma relativa à determinação do valor dos imóveis que determina que, no valor dos terrenos para construção se incorpora o valor estimado dos edifícios a edificar, o qual, por sua vez, é influenciado pela afetação futura dos mesmos edifícios, não pode retirar-se que a afetação em causa é uma afetação dos próprios terrenos, e isto por duas razões: A primeira, porque esta interpretação seria contrária à própria literalidade dos preceitos que mandam ter em conta, na avaliação dos terrenos para construção, a afetação dos prédios a edificar; E a segunda, porque o modo como a lei manda avaliar uma determinada realidade patrimonial não pode ser determinante da natureza ou da qualificação jurídica da mesma realidade, tendo em vista, sobretudo, o princípio da tipicidade das normas de incidência tributária. O facto de a lei mandar aplicar a uma realidade patrimonial a mesma metodologia de avaliação que é aplicada a outra realidade diferente não faz que a primeira realidade passe a comungar da natureza da segunda. Assim, se é certo que o valor das edificações autorizadas ou previstas influenciam o valor real dos terrenos de construção, devendo por isso aquele valor ser refletido no valor patrimonial dos mesmos terrenos, daí não decorre que um terreno passe a ter afetação habitacional ao estar prevista a construção, nele, de prédios habitacionais, extraindo-se esta distinção de modo claro das próprias normas de avaliação do CIMI.”

 

Também a argumentação da AT tem sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Administrativo, reproduzindo-se, por todas, excerto de uma decisão (Acórdão de 14-05-2014, in proc. 0317/14) que, também ela refere outras decisões: “Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador. E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cf. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI). Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”

 

Este tribunal subscreve as análises contidas nos excertos reproduzidos.

 

E também se julga que esta interpretação é confirmada pela alteração, pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), da letra da verba 28.1, que passou a dizer: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI “.

 

Com efeito, esta alteração de redacção significa que se quis mudar o texto para abarcar o que antes não se encontrava nele incluído.

 

E se alguém tinha querido anteriormente abranger a realidade defendida pela AT, tal desiderato não só não encontrava qualquer expressão na letra da lei como era contrariado pelo elemento histórico, através do relato dos trabalhos parlamentares.

 

As declarações do SEAF acima transcritas são disso a prova: o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou serem expressão determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional.

 

Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”. (...)[4] “A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal."

 

Ora se o legislador revelou, claramente, querer tributar casas de luxo afectas a habitação, não é possível retirar da letra da lei, com a redacção aprovada em 2012, a interpretação que sustenta que a tributação abrange os terrenos para construção de edificações, ainda que afectas a habitação.

 

Citando de novo o Acórdão do STA proferido no rec. nº 317/14 : “a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI)”.

 

Portanto, a redacção dada à verba 28.1. com o OE para 2014 é claramente inovadora, não se pondo a questão da sua aplicação a anos anteriores. Que o legislador nem tentou, repete-se.


16.2. Conclusão

Tendo em conta que o prédio da Requerente se configura como um terreno para construção (embora não facultada a caderneta predial, tal situação resulta das peças processuais das partes e dos factos dados como provados), não se está perante prédio com afectação habitacional actual, pelo que não incide sobre o mesmo o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS, na redacção vigente ao tempo dos factos.

 

Por isso, a liquidação cuja apreciação de legalidade e declaração de invalidade se requer, enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

17. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais, nomeadamente o reembolso do montante total de imposto pago pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 24º, nº 5, do RJAT, do artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT.

 

18.Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 13.046,15.

 

19. Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 29 de Janeiro de 2015

 

 

A árbitro

 

 

 

Maria Manuela Roseiro

 

 [Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo ortográfico de 1990, com excepção eventual de citações].

 

 



[1] No âmbito do CAAD é possível consultar grande número de decisões sobre, precisamente a aplicação da verba 28.1 aos terrenos para construção (cf. processos nºs 42/2013-T;48/2013-T;49/2013-T; 53/2013-T; 75/2013-T;144/2013-T;158/2013-T;178/2013-T;180/2013-T;189/2013-T;191/2013-T; 207/2013-T; 215/2013-T; 231/2013-T; 240/2013-T;242/2013-T;288/2013-T; 308/2013-T; 310/2013-T; 2/2014-T; 10/2014-T; 12/2014-T; 56/2014-T; 66/2014-T; 151/2014-T; 202/2014-T; 210/2014-T; 276/2014-T).

[2] Cf. publicados em www.dgsi.pt, acórdãos do STA (Secção CT): em 2014, os Acórdãos de 9 de Abril (processos nºs 1870/13 e 48/14); 23 de Abril (processos nºs 270/14; 271/14; 272/14); 14 de Maio (processos nºs 1871/13, 46/14; 55/14; 274/14; 317/14); 28 de Maio (processos nºs 395/14; 396/14 e 425/14); 2 de Julho (proc. 467/14); 9 de Julho (proc. 676/14); e em 2015, o Acórdão de 14 de Janeiro, proc. 541/12.

[3] A mesma decisão também concluiu que: “deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.” E “Que é este o sentido da expressão «afectação», no mesmo contexto de classificação de prédios que faz o CIMI, confirma-se pelo artigo 3.º em que, relativamente aos prédios rústicos, se faz referência aos que «estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas», que evidencia que a afectação é concreta, efectiva. Na verdade, como se vê pela parte final deste texto, um prédio pode ter como destino uma determinada utilização e estar ou não afecto a ela, o que evidencia que a afectação é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante”.

 

[4] Decisão arbitral no proc. 219/2013-T e decisões aí citadas (proc. 48/2013-T e 50/2013-T).