Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1041/2024-T
Data da decisão: 2025-05-16  IVA  
Valor do pedido: € 85.475,92
Tema: IVA – Fusão-cisão; Direito à dedução; Atividades preparatórias
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Sumário: 

 

O direito à dedução, conforme previsto nos artigos 19º e 20º do Código do IVA, assume-se como um dos pilares para o correto funcionamento do mecanismo do imposto, enquanto garante do princípio da neutralidade do IVA, pelo que tal direito é, por princípio, igualmente admissível, ainda antes de iniciada a atividade económica tributável a desenvolver pelo sujeito passivo. 

 

DECISÃO ARBITRAL 

 

Os árbitros Dr.ª Alexandra Coelho Martins (Árbitra Presidente), Prof.ª Doutora Nina Aguiar (Árbitra Adjunta) e Dr. Luís Sequeira (Árbitro Adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 19.11.2024, acordam no seguinte:

 

 

I.              Relatório

A..., S.A., titular do NIPC..., com sede social na ..., n.º..., ..., ...-... Amadora, (doravante designada “A...” ou “Requerente”), veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no art.º 2, n.º 1, art.º 10 e art.º 15, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugado com os art.ºs 102 e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por “Requerida” ou “AT”.

 

A)   O pedido

A Requerente solicita a anulação das decisões de indeferimento dos procedimentos de reclamação graciosa autuados sob o n.º ...2023... e ...2023... bem assim a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativas aos períodos de tributação de outubro de 2021 (2021/10) com o n.º 2023 ... e de dezembro de 2021 (2021/12), com o n.º 2023..., as quais constituem o objeto imediato daqueles procedimentos, respetivamente.

A Requerente peticiona, ainda, o pagamento dos valor indevidamente não reembolsado pela AT em função do resultado apurado de tais liquidações adicionais, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal.

 

 

B) Tramitação

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite em 12.09.2024. 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que o Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, que aceitaram. 

As partes não se opuseram a tais designações. 

 

O Tribunal encontra-se, desde 19.11.2024, regularmente constituído. 

A Requerida, apresentou a sua Resposta, em 07.01.2025 e bem assim o respetivo Processo Administrativo instrutor.

Após prolação de despacho para tal efeito, veio a realizar-se reunião arbitral a que alude o artigo 18º do RJAT e produzida a prova requerida pela Requerente.

Foi nesta diligência fixado prazo – 15 dias - para formulação de alegações escritas e para a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, tendo sido designado até ao dia 19.05.2025, o prazo para a prolação da presente decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 18º do RJAT 

As alegações escritas de Requerente e Requerida foram apresentadas em 02.05.2025. 

 

 

 

C) Da posição das partes:

 

Da Requerente:

Em síntese, sustenta a Requerente que:

As liquidações resultam da recusa pela AT do direito à dedução do IVA suportado em despesas com serviços de assessoria jurídica, financeira e de gestão, bem como em encargos com arrendamento de instalações, todas relacionadas com atividades preparatórias e investimentos iniciais da sua atividade económica;

 

A atividade da A..., S.A. teve início logo após a sua constituição, em outubro de 2020, ainda que a cisão-fusão com a B... SA apenas tenha produzido efeitos práticos em setembro de 2021;

 

As despesas suportadas estavam diretamente ligadas ao arranque da atividade e ao investimento preparatório, pelo que o IVA incorrido é dedutível;

 

A atuação da AT violou o princípio da neutralidade do IVA, ínsito no artigo 2.º, n.º 1, alínea c), artigo 8.º, n.º 1 e artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, bem como o disposto nos artigos 167.º, 168.º e 173.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE);

 

A AT também violou o artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao atuar sem observar os princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade;

 

Mais invoca violação dos princípios da proteção da confiança e da colaboração leal entre a administração e os particulares, com respaldo no artigo 6.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);

 

Em sede de alegações, veio a Requerente a reiterar o posicionamento vertido em sede de PPA, concluindo no sentido da anulação dos despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas, das liquidações adicionais de IVA de outubro e dezembro de 2021 e da restituição pela AT do valor não reembolsado em virtude da desconsideração de tal direito à dedução do imposto e bem assim a peticionar o pagamento de juros indemnizatórios desde 06/01/2022, sobre o valor de € 71.357,37, e desde 21/03/2022, sobre o valor de € 14.118,55, até ao efetivo pagamento.

 

Da Requerida:

Respondeu a Requerida, sustentando exceção de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer do pedido de reembolso de IVA, por entender que a decisão de indeferimento de pedido de reembolso de IVA deve ser impugnada por via própria, nos termos do artigo 22.º, n.º 13 do Código do IVA e artigo 93.º do CIVA, e não através de arbitragem tributária;

 

Cita jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do próprio CAAD no sentido de que os atos de indeferimento de reembolso não equivalem a atos de liquidação e não são sindicáveis em sede arbitral (ex: processos CAAD n.º 137/2017-T e 295/2019-T).

 

Por impugnação, defende a Requerida que não pode o pedido anulatório merecer provimento, assente na seguinte argumentação.

 

As liquidações impugnadas resultam da recusa da AT em admitir a dedução de IVA suportado em serviços jurídicos e arrendamento de espaços, por se considerar que esses encargos respeitavam, na realidade, à sociedade B... SA (sociedade objeto de reestruturação no âmbito do PER) e não à A... (Requerente);

 

Sustenta que, até 1 de setembro de 2021, data de produção de efeitos da operação de cisão-fusão, a A... era uma entidade sem atividade operacional autónoma, sem meios próprios, sem rendimentos, atuando apenas como sociedade gestora de participações sociais, financiando a B...;

 

Defende que a Requerente não preenchia, até essa data, os requisitos para o exercício do direito à dedução de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA e do artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma;

 

A AT refere que os serviços jurídicos e de arrendamento visavam a reestruturação da B... no âmbito do PER e que, como tal, o IVA suportado deveria ter sido deduzido exclusivamente por esta e não pela A...;

 

Sustenta ainda que a Requerente não apresentou prova bastante do alegado direito à dedução, faltando documentos que demonstrassem a afetação dos serviços jurídicos e de instalações diretamente à sua atividade económica;

 

Notificada para formular alegações escritas, veio a fazê-lo, reiterando o entendimento vertido em sede de Resposta, defendendo, por exceção, a manifesta falta de competência material do Tribunal Arbitral para decidir do reembolso em causa, pelo que deverá a Requerida ser absolvida da instância, o que obsta ao conhecimento do pedido, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

 

Ainda assim e cautelarmente, aduziu, por impugnação, que a Requerente não tinha ainda iniciado a sua atividade operacional antes de 1 de setembro de 2021, data da cisão/fusão, os serviços jurídicos e outras despesas foram contratados e usados pela B... e não pela Requerente, pelo que o IVA não é dedutível na esfera desta, não podendo as liquidações merecer censura legal, porquanto as mesmas apenas serem o reflexo de tal não dedutibilidade nos termos legais.  

 

II.        Saneamento

 

1. Da exceção de incompetência material do tribunal arbitral

 

A Requerida sustenta a exceção de incompetência material argumentando que o objeto do pedido de pronúncia arbitral se consubstancia na condenação da AT ao reembolso do imposto recusado, sendo que as liquidações corretivas subsequentes às duas ações inspetivas não apresentam qualquer valor a pagar, mas sim um menor valor a reembolsar, pelo que o meio próprio de defesa não é o próprio, sendo, isso sim, aplicável o disposto no n.º 13 do artigo 22º do CIVA.

 

Importa, antes de mais, identificar os atos que são objeto de controvérsia neste processo arbitral.

 

A Requerente, na sua petição inicial, fundamenta o pedido de pronúncia arbitral, dividindo-o nos seguintes termos: 

 a) Serem anulados os despachos de indeferimento das reclamações graciosas, com as respetivas consequências legais; 

b) Serem anuladas as liquidações adicionais de IVA supra devidamente identificadas, no valor de €41.758,87 e de €6.302,61, por referência, respetivamente, aos períodos de 2021/10 e de 2021/12, com as respetivas consequências legais;

c) Ser a AT condenada ao reembolso do IVA no valor de €71.357,37, referente ao período de tributação de 2021/10, acrescido de juros indemnizatórios contados desde o dia 06/01/2022, bem como, do IVA no valor de €14.118,55, referente ao período de tributação de 2021/12, acrescido de juros indemnizatórios conta- dos desde o dia 21/03/2022, ambos até ao efetivo e integral reembolso; 

 

Contraditou a Requerente, pugnando pela manifesta competência do presente Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT, devendo improceder a exceção dilatória de incompetência suscitada pela Requerida 

 

Vejamos, estão em discussão dois atos de liquidação adicional de IVA, relativos aos períodos de 2021/10 e 2021/12, os quais resultaram das correções efetuadas em ordens de serviço de procedimento de inspeção externo, motivadas por dois pedidos de reembolso submetidos pela Requerente.

 

Ora, no âmbito de tais ações inspetivas externas visando a aferição da legalidade dos pedidos de reembolso de IVA formulados, entenderam os serviços da AT não ser dedutível o IVA suportado pela Requerente relativamente a dois prestadores de serviços – C... e D... .

 

De tais correções, emergiram, como supra referido, as liquidações adicionais de IVA melhor identificadas na matéria de facto provada; 

 

Liquidações adicionais essas, que alteraram (por diminuição) o valor do imposto suscetível de ser reembolsado à Requerente.

 

Inconformada, a Requerente veio a deduzir reclamações graciosas sobre tais atos tributários, as quais vieram a ser expressamente indeferidas.

 

Tais decisões de indeferimento das reclamações graciosas formam assim o objeto imediato destes autos e constituem uma mera consequência da confirmação por parte da AT quanto à legalidade das correções apuradas inspetivamente em matéria de IVA dedutível e bem assim da conformidade legal das consequentes liquidações adicionais que materializaram na ordem jurídico-tributária as versadas correções ao IVA dedutível.

 

Ora, da leitura do PPA, designadamente do pedido a final formulado, resulta objetiva e expressamente que a Requerente visa anular quer as liquidações de imposto, por ilegalidade das mesmas, e bem assim das respetivas decisões de reclamação graciosa, por não terem reconhecido a ilegalidade das correções espelhadas nessas mesmas liquidações adicionais de imposto, bastando para tal conclusão atentar no teor do pedido em apreço.

 

 Mas tal conclusão flui não só do pedido, mas igualmente se colhe, de forma congruente, de todo o processado inicial, onde fica clarificada a respetiva causa de pedir a estes pedidos subjacentes: o inconformismo demonstrado pela Requerente quanto à ilegalidade das correções em matéria de IVA dedutível, corporizadas nas liquidações adicionais constantes dos documentos 3 e 4 do PPA. 

 

Ora, da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, normativos que  definem a competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, decorre que os tribunais arbitrais são competentes para conhecer das pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos…”.

 

Ou seja, a legalidade de tais atos é suscetível de ser apreciada e enquadra-se, diretamente, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD, pelo que, atenta a pretensão anulatória formulada pela Requerente quanto aos atos tributários de liquidação, não pode a invocada exceção de incompetência em razão da matéria erigida pela Requerida deixar de improceder.

 

É que, com esta configuração, o pedido arbitral enquadra-se inequivocamente no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral, conforme previsto no artigo 2.º do RJAT, uma vez que visa a apreciação da legalidade de atos de liquidação adicional de IVA, sendo a eventual anulação das decisões de indeferimento das reclamações graciosas uma mera consequência do não anterior reconhecimento de tal apontada desconformidade legal dos atos tributários em sede administrativa, por banda da AT, razão pela qual não pode a exceção por incompetência em razão da matéria invocada, deixar de ser julgada improcedente. 

 

Nestes termos, conclui-se que o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT. 

 

2. Demais pressupostos processuais:

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT. 

 

As partes estão devidamente representadas, têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.

 

A cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral em que estão em causa duas decisões de indeferimento de Reclamação Graciosa e de atos de liquidação de um mesmo imposto (IVA), as quais estão assentes em similar base factual e nas mesmas regras de direito – direito à dedução do IVA incorrido – pelo que se encontra plenamente conforme o princípio da economia processual consagrado no artigo 3º do RJAT para efeitos de tal cumulação.

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades e não existem questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III. Matéria de facto 

 

1. Factos provados 

 

Dão-se como provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

A)   A Requerente foi constituída em 27 de outubro de 2020, tendo por objeto social atividades de fornecimento e montagem de instalações elétricas e mecânicas, infraestruturas diversas, indústria de engenharia elétrica, metalomecânica, galvanização e representações, fabrico, construção e instalação de equipamentos industriais hidromecânicos, assim como atividades relacionadas com a respetiva conceção, gestão e exploração. 

B)   A constituição da Requerente, surge no contexto do plano de revitalização (PER) da sociedade B..., S.A. (B..., SA), ficando a dever-se ao objetivo de assegurar a continuidade e viabilidade de parte relevante da atividade operacional até aí levada a efeito pela B..., SA, desiderato este que se alcançaria através de operação de cisão-fusão em que a Requerente passaria a deter e gerir parte dos recursos que até essa operação (de cisão-fusão) eram pertença da B..., SA. e a desenvolver (em grande parte) a atividade desta última.  

C)   A Requerente é um sujeito passivo de IVA, enquadrada no Regime Normal Mensal desde 10 de dezembro de 2020, encontrando-se igualmente sujeita ao regime geral em sede de IRC. 

D)   No âmbito do PER da B..., SA foi negociada a entrada de um investidor externo – o Grupo G... – através de participada do Fundo E..., S.A.- a qual demonstrou interesse na aquisição da futura atividade operacional a transferir da B... SA para a Requerente.

E)   Em face das necessidades de tesouraria de curto prazo da B..., SA foi assinado, em 5 de outubro de 2020, um acordo de gestão e supervisão com emissão de obrigações convertíveis em ações da Requerente entre esta, a B... SA e a F... (sociedade do Grupo G...), em que, entre outros termos, a primeira se obrigou a emitir obrigações convertíveis, obrigando-se a F... a proceder à subscrição de uma tranche dessas mesmas obrigações convertíveis, de modo a financiar essas mesmas necessidades de tesouraria da B..., SA, ficando a F..., nos termos acordados, a poder em qualquer momento, proceder à respetiva conversão de tal tranche de obrigações em ações representativas do capital social da Requerente – cfr Doc. 4 do PPA.

F)    A entrada do Grupo F... na operação de reestruturação em apreço ficou refletida na celebração de um acordo de gestão e supervisão com emissão de obrigações convertíveis em ações da Requerente entre esta, a B... SA e a F... SA (G...), sociedade do Grupo G..., em que a primeira se obrigou a emitir obrigações convertíveis, obrigando-se a F... a proceder à subscrição de uma tranche dessas mesmas obrigações convertíveis e a poder, em qualquer momento, proceder à respetiva conversão de tal tranche de obrigações em ações da Requerente – cfr Doc. 4 do PPA;

G)   Com efeitos reportados a 30 de outubro de 2020, a B... SA e a Requerente assinaram contrato de associação em participação, em que, entre o mais, se acordaram os seguintes termos – cfr. Doc. 5 do PPA:

- A Requerente associou-se às atividades económicas da B..., SA em conjunto com os ativos com elas relacionadas, contribuindo para a aportação de meios financeiros no valor de € 1.200.000,00, assessoria administrativa, de gestão e estratégica e apoio comercial às atividades da. B..., SA, com vista a assegurar a sua continuidade e manutenção a curto prazo;

- A Requerente procedeu à nomeação de um “Supervisor de Atividades” da B... SA e bem assim disponibilizou meios humanos especializados em gestão financeira e colaboração  com os meios afetos à atividade de engenharia e montagem de redes e sistemas elétricos da H...;

- Como contrapartida da respetiva contribuição, a Requerente participará em 6% dos lucros das Atividades da B..., SA, nos termos definidos neste contrato;

- A B..., SA atribui à Requerente o direito a comprar de forma global e unitária , através de declaração unilateral, as “Atividades” daquela, a exercer após a homologação do Plano de Recuperação

H)   Para viabilizar a reorganização e a futura aquisição por parte do investidor, foi delineado um modelo de cisão-fusão, através do qual a Requerente receberia os recursos (materiais, financeiros, humanos e operacionais) das unidades de negócio e de suporte da B..., SA, tidos como estratégicos pelo investidor - mantendo esta última a detenção e gestão dos ativos remanescentes, nomeadamente, os localizados na Venezuela e Argélia.

I)     A operação de cisão-fusão por destaque de recursos da B..., SA foi registada em 26 de outubro de 2021, produzindo efeitos económicos a 1 de setembro de 2021, data a partir da qual a Requerente assumiu, formalmente, a atividade operacional da B..., SA nos termos da alínea anterior.

J)    Em dezembro de 2020, a Requerente celebrou contrato de utilização de espaço integrado em parque de escritórios com a sociedade D..., S.A. (D...), no qual esta cedeu à Requerente o espaço do piso 2 do edifício F do centro de escritórios ..., freguesia de ..., recebendo aquela sociedade da Requerente uma retribuição por tal prestação de serviços, no valor mensal de € 13.068,05, acrescido de IVA à taxa legal, prestação de serviços essa que incluía serviços de limpeza, objeto de faturação autónoma. 

K)   Os serviços de utilização de espaço a que se reporta a alínea anterior obrigou a gastos com trabalhos relacionados com obras de adaptação e preparação das instalações, as quais decorreram entre março e agosto de 2021, essencialmente custeados pela D..., com vista à entrada dos colaboradores transferidos da B... SA para a Requerente. 

L)   Os trabalhadores afetos à atividade em Portugal da B..., S.A. foram formalmente transferidos para a Requerente apenas em novembro de 2021, não passando a B..., SA a deter quaisquer colaboradores em Portugal.

M)  Os recursos humanos transferidos da  B..., SA para a Requerente foram progressivamente ocupando as instalações supra identificadas no decurso do ano de 2021, sendo que os encargos salariais dos colaboradores da B..., SA já eram suportados pela Requerente desde setembro de 2021, por redébito daquela a esta última. 

N)   Relativamente às faturas emitidas pela D... pela prestação de serviços de utilização de espaço e de limpeza do mesmo, a Requerente procedeu à dedução do respetivo, IVA liquidado, no valor de € 16.352,87. 

O)   No âmbito do plano de reestruturação do grupo empresarial I... vindo de descrever, o qual pressupunha a visada cisão-fusão preconizada no PER da B... SA, a Requerente contratou a prestação de serviços jurídicos à sociedade de advogados C... .

P)    A prestação de serviços jurídicos a que se refere a alínea anterior teve por objeto a assessoria jurídica na preparação e execução de toda a operação de reestruturação, a qual assentava na cisão-fusão de parte dos recursos da B..., SA para a Requerente, a qual incluía apoio jurídico, de entre outras áreas, ao nível de contratos, licenciamento, fiscalidade e direito laboral, a fim de assegurar a transição de tais recursos e permitir a continuidade das operações até então desenvolvidas pela B..., para a esfera da Requerente e respetiva articulação entre todas as partes envolvidas, a saber: B... SA, Requerente e demais entidades envolvidas do grupo G... (investidor) já supra identificadas nas alíneas anteriores.

Q)   Por tal prestação de serviços jurídicos, a sociedade de advogados C... emitiu as faturas infra identificadas, tendo a Requerente procedido à dedução do respetivo IVA liquidado:

Data Fatura

N.º Fatura

IVA deduzido

Ação Inspetiva

01.03.2021

9000006821

€ 27.830,00

OI2022...

01.04.2021

9000000774

€ 27.174,50

OI2022...

11.06.2021

9000009109

€ 14.118,55

OI2022...

29.10.2021

9000011145

€ 7.811,72

OI2022...

 

 

 

 

R)   A Requerente apresentou um pedido de reembolso de IVA, no montante de € 113.116,24, na declaração periódica de 2021/10, ao qual foi atribuído o nº, 21328897/0 para efeitos de aferição do direito ao reembolso de IVA.

S)    Na sequência deste pedido, foi emitida a ordem de serviço externa (OI) n.º OI2022..., na qual após audição prévia quanto ao teor do Projeto de Relatório, concluiu a AT, em sede de relatório de inspeção (RIT), o seguinte:

B

A...

B

A...

A...

A...

B

A...

 

T)   Na sequência da notificação do RIT, veio a Requerente a ser notificada pela AT da liquidação adicional de IVA do período 2021/10, com o n.º 2023..., da qual resulta um valor a reembolsar de € 41.758,87 – cfr. Doc. 3 junto com o PPA.

U)   A Requerente apresentou um outro pedido de reembolso de IVA, no montante de €20.421,16, desta feita no âmbito da declaração periódica de 2021/12, ao qual foi atribuído o n.º... .

V)   Na sequência deste pedido, para efeitos de aferição do direito ao reembolso de IVA, foi emitida a ordem de serviço externa (OI) n.º OI2022..., na qual após audição prévia quanto ao teor do Projeto de Relatório, concluiu a AT, em sede de relatório de inspeção (RIT), o seguinte:

B...

 

A...

B

B

 

O...

B

 

 

 

C...

 

A...

C...

B

A...

B

 

W) Na sequência da notificação deste RIT, veio a Requerente a ser notificada pela AT da liquidação adicional de IVA do período 202112, com o n.º 2023..., da qual resulta um valor a reembolsar de € 6.302,61 – cfr. Doc. 4 junto com o PPA.

X)   Inconformada com as liquidações adicionais de IVA de 2021/10 e 2021/12 e supra identificadas nos pontos T) e W), a Requerente apresentou as reclamações graciosas às quais couberam, respetivamente, os n.ºs  ...2023... e ...2023..., visando a anulação das correções espelhadas em tais liquidações de IVA.

Y)   Ambas as reclamações foram decididas por despacho de indeferimento, datado de 28 de maio de 2024 – as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas – e notificadas à Requerente em 13 de junho de 2024, assentes na fundamentação que se deixa transcrita:

Reclamação Graciosa n.º ...2023... (período 2021/10):

P...

 

 

 

 

P...

 

P...

 

 

 

 

B

B

B

B...

A...

 

 

 

Reclamação Graciosa n.º 3611202304002539 (período 2021/12):

 

B

A...

B

B

A...

B

A...

A...

B

A...

 

 

B

 

B

B

 

Z)   Inconformada com o indeferimento das supra identificadas reclamações graciosas, veio a Requerente a deduzir, em 11.09.2024, o PPA que está na origem dos presentes autos.

 

2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT). 

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados resultam da prova produzida nos autos e, ou, do acordo, expresso ou implícito (por não impugnação especificada), de Requerente e Requerida, livremente apreciados (nos termos do n.º 7 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) à luz das regras de racionalidade, lógica e experiência comum, segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

No âmbito da apreciação da prova produzida em sede de reunião arbitral, importa analisar e fundamentar a credibilidade atribuída ao depoimento da testemunha K... e às declarações de parte prestadas pelo administrador da Requerente, J..., considerando a sua relevância para a formação da convicção do tribunal.

 

A testemunha K... apresentou o seu depoimento de forma clara, objetiva e coerente, mantendo uma narrativa que, pese embora comedida quanto à extensão das respostas oferecidas, se mostrou constante ao longo da inquirição, sem contradições ou oscilações significativas que permitam colocar em causa a credibilidade do seu depoimento.

 

A testemunha demonstrou conhecimento direto dos factos em discussão, embora nem sempre tivesse presente em detalhe os eventos dos quais teve conhecimento enquanto diretora financeira, conforme ficou demonstrado quer relativamente ao tema da assessoria jurídica, quer quanto à contratação de espaço e transição dos recursos humanos da B..., SA para as novas instalações da Requerente. 

 

Não se apurou qualquer interesse pessoal da testemunha no desfecho da causa, nem se identificou qualquer motivo para que a mesma prestasse depoimento em desfavor de uma das partes. Esta imparcialidade reforça a sua credibilidade.

 

Já quanto às declarações de parte prestadas pelo administrador da Impugnante, J..., são credíveis por resultarem do seu envolvimento direto na gestão e administração da Requerente e também da B..., SA, tendo sido interlocutor e tendo tido intervenção pessoal no essencial dos acontecimentos sobre os quais foi questionado, por força do exercício de tais funções de administração. 

 

O administrador apresentou uma versão dos factos consistente e desenvolvida, aparentemente franca e em harmonia com a documentação junta aos autos e com o depoimento da testemunha inquirida, o que reforça a credibilidade das suas declarações.

 

Mais, prestou declarações com um nível de detalhe que revelam efetivo conhecimento direto sobre a factualidade em discussão nestes autos, não tendo, aparentemente, adotado uma postura defensiva, mesmo em sede de contraditório, antes as explicações oferecidas com aparente franqueza, resultam congruentes e alinhadas com os demais elementos probatórios carreados a estes autos.

 

Nos termos do artigo 466.º do Código de Processo Civil (CPC) e do artigo 396.º do Código Civil, as declarações de parte não têm valor de confissão, mas podem ser valoradas livremente pelo tribunal, em conjugação com os restantes meios de prova. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[1] tem reiterado que as declarações de parte, quando coerentes e compatíveis com a prova documental e testemunhal, devem ser valorizadas como meio de prova.

 

Com base nos elementos acima expostos, o tribunal considerou as declarações da testemunha K... e do administrador da Requerente – J...  - como credíveis e relevantes para a decisão da causa. A sua coerência, conhecimento direto dos factos e ausência de motivos para falsear a verdade justificam que as mesmas sejam valorizadas como prova, em conformidade com os artigos 466.º do CPC e 396.º do Código Civil.

 

3. Factos não provados e fundamentação

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

 

IV.           Do Direito 

 

1. Da legalidade das liquidações adicionais de IVA – Direito à dedução:

 

Nos exatos termos em que os autos se encontram delimitados pelas partes, quer no PPA, quer na respetiva Resposta da AT, o thema decidendum nos presentes autos consiste em saber se a Requerente tem ou não direito à dedução do IVA incorrido relativamente às faturas de prestações de serviço de utilização de espaço e de limpeza do mesmo, emitidas pela sociedade D... e bem assim relativamente às faturas emitidas pela sociedade de advogados C... relativas a prestação de serviços jurídicos, sendo certo que o imposto em causa foi suportado ainda antes de se mostrar iniciada atividade económica tributável.

 

No plano interno, o direito à dedução encontra-se previsto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, os quais, nos trechos tidos por relevantes para a apreciação nestes autos, se passam a citar: 

Artigo 19.º

Direito à dedução

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a)        O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

[…]

Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a)             Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

[…]

 

A respeito do direito à dedução, não podemos deixar de acompanhar o entendimento de Patrícia Noiret da Cunha[2]:

O IVA incide sobre o valor acrescentado a cada bem ou serviço em cada fase de produção ou de distribuição de bens ou serviços, de tal forma que seja o consumidor final a suportar o imposto. (...) o objectivo é atingido mediante a dedução, pelos sujeitos passivos, do IVA que incidiu directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço dos bens ou serviços, e que aqueles suportaram no exercício da sua actividade económica. Tais custos contêm uma parcela de IVA que foi suportado e que, para os sujeitos passivos, na medida em que se trate de elementos necessários para a prossecução de actividades económicas, serão deduzidos do IVA que será repercutido sobre os consumidores dos bens que vendem ou dos serviços que prestam. O imposto que incidiu sobre os elementos que compõem o preço de uma operação (imposto suportado) é desta forma deduzido ao imposto que incide sobre esta operação (imposto repercutido).” 

 

Ou seja, é possível inferir que, para que o imposto que tenha sido incorrido sobre bens ou serviços adquiridos ou utilizados pelo sujeito passivo possa ser deduzido, imprescindível se torna que os mesmos estejam direta e exclusivamente afetos ao exercício da atividade económica por este desenvolvida.

 

Ora, no caso em apreciação nestes autos ressalta que o IVA incorrido em serviços adquiridos respeitará a momentos temporais anteriores ao início do desenvolvimento efetivo da atividade pela Requerente, isto é, aquando da aquisição de tais serviços, a Requerente não tinha (ainda) realizado operações ativas – de transmissão de bens ou prestação de serviços – geradoras de rendimentos.  

 

Impõe-se assim aferir se o IVA suportado relativamente a gastos incorridos por um sujeito passivo do imposto ainda antes de iniciar a sua atividade económica regular, enquanto geradora de proveitos, é suscetível de ser deduzido, mesmo não havendo ainda em curso operações ativas (outputs) tributáveis, tendo presente que o direito à dedução do IVA suportado nos bens e serviços necessários à prossecução da atividade dos sujeitos passivos constitui a peça fundamental, a “trave mestra” do sistema de funcionamento do IVA.

 

A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia[3] (TJUE), tem sido consistente ao longo do tempo, no sentido de considerar que o direito à dedução previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, por princípio, ser limitado, sendo que tal direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que recaiu sobre as operações passivas tidas lugar a montante.

 

Conforme igualmente decorre do decidido pelo TJUE[4] "o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA" (n.º 44). 

 

Prossegue a jurisprudência do TJUE vinda de citar que “Como o Tribunal de Justiça já afirmou nos acórdãos Rompelman, já referido (n.°23), e de 29 de Fevereiro de 1996, INZO (C-110/94, Colect., p. I-857, n.° 16), o princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal suportada pela empresa impõe que as primeiras despesas de investimento efetuadas tendo em vista a formação de uma empresa sejam consideradas atividades económicas, e seria contrário a esse princípio que as referidas atividades só tivessem no momento em que a empresa é efetivamente explorada, quer dizer, no momento em que surge o rendimento tributável. Qualquer outra interpretação […] oneraria o operador económico com a despesa do IVA no âmbito da sua atividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir, […], e faria uma distinção arbitrária entre as despesas de investimento efetuadas antes da exploração efetiva de uma empresa e as efetuadas no decurso da referida exploração.”

 

Pelo que, é possível concluir que não só tal direito à dedução se assume como um dos pilares para o correto funcionamento do mecanismo do imposto, enquanto garante do princípio da neutralidade do IVA, como tal dedução é, por princípio, igualmente admissível ainda antes de iniciada a atividade económica a desenvolver pelo sujeito passivo do imposto, sob pena de criação de uma arbitrária destrinça de tratamento, meramente resultante da circunstância temporal em que as despesas de investimento tenham tido lugar, cuja dedução seria vedada ou não em função de as mesmas serem prévias ou contemporâneas ao início da geração de operações ativas tributáveis. 

 

Conforme vem sendo igualmente entendimento consolidado do TJUE[5], a limitação ou exclusão ao direito à dedução do imposto deve ser sujeita a interpretação restritiva, de molde a assegurar o princípio segundo o qual o direito à dedução deve ser total e imediato, por força da ausência de norma que permita aos Estados-Membros tal exclusão ou limitação.

 

Assim, no Acórdão Rompelman, no seu n.° 23, o TJUE concluiu que “…o regime das deduções instituído visa libertar o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou resultados dessas atividades, na condição de estarem elas próprias, sujeitas ao IVA”.

 

Perante este enquadramento jurisprudencial, importa perscrutar, para além das decisões prolatadas nos processos Rompelman, 268/83, de 14.02.1985, Inzo, C-110/94, de 29.02.1996, também no Acórdão Gabalfrisa, processo C-110/98, de 21.03.2020, quanto à matéria específica do direito à dedução a que se referem as comumente denominadas «atividades preparatórias», importando trazer os versados arestos à colação para efeitos da dilucidação jurídica nos presentes autos ante a questão a decidir de fundo na presente lide se fundar em saber se os gastos incorridos em atividades ou operações sobre as quais a Requerente deduziu o respetivo IVA e que foram temporalmente anteriores à existência de operações ativas tributáveis, se devem considerar «preparatórias» de atividade económica e se reuniam, em concreto e em face da prova aqui produzida, as condições para essa mesma dedutibilidade.

 

O princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal suportada impõe, ante a interpretação do TJUE, que as primeiras despesas de investimento efetuadas tendo em vista o futuro desenvolvimento de atividade, sejam consideradas atividades económicas, sendo contrário a esse princípio que as operações económicas tributáveis relevassem para efeitos de dedução apenas a partir do momento em que determinados bens e/ou serviços fossem efetivamente explorados ou desenvolvidos (através de operações ativas), isto é, que as despesas tributadas tivessem de ser, inexoravelmente, contemporâneas à exploração ou desenvolvimento da atividade económica tributável. 

 

Em idêntico sentido, veja-se o decidido no Acórdão Gabalfrisa já parcialmente supra citado, nos termos do qual: 

“46. […] o artigo 4.º da Sexta Diretiva não se opõe, no entanto, a que a administração fiscal exija que a intenção declarada de iniciar as atividades económicas que dão origem a operações tributáveis seja confirmada por elementos objetivos. Neste contexto, há que sublinhar que a qualidade de sujeito passivo só é definitivamente adquirida se a declaração de intenção de iniciar as atividades económicas projetadas foi feita de boa fé pelo interessado […]"

47. "[…] daqui resulta que quem tem a intenção, confirmada por elementos objetivos, de iniciar de modo independente uma atividade económica […] e para esse fim efetua as primeiras despesas de investimento deve ser considerado um sujeito passivo. Atuando como tal, essa pessoa tem portanto, […], o direito de deduzir imediatamente o IVA devido ou pago sobre as despesas de investimento efetuadas para os fins das operações projetadas que concedem o direito à dedução, sem ter de esperar o início da exploração efetiva da sua empresa".

 

Decorre objetivamente deste aresto e dos demais que já se deixaram anteriormente identificados, a interpretação segundo a qual o imposto incorrido relativamente a gastos tangentes ao futuro exercício de uma atividade económica tributada é suscetível de conferir, desde logo e pela totalidade, o respetivo direito à dedução do IVA suportado.

 

Importando, no entanto, ter presente que, como decorre do processo Inzo (já identificado supra) e de jurisprudência posterior do TJUE e aqui seguindo de perto o decidido no processo n.º 833/2023-T, sob a égide do CAAD, nos termos do qual o direito à dedução do IVA, uma vez adquirido, apenas assim permanece garantido caso não se verifiquem circunstâncias fraudulentas ou abusivas e sob reserva de eventuais regularizações, em conformidade com as condições estabelecidas na Diretiva IVA, entendendo-se que, quando o sujeito passivo não logra utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributáveis por motivos que são alheios à sua vontade, o direito à dedução deve, ainda assim, permanecer intacto. 

 

Esta proteção é assegurada na junta medida em que inexista qualquer risco de fraude ou abuso que justifique a reposição dos montantes deduzidos.

 

Em contrapartida, em situações de fraude ou abuso - como nos casos em que o sujeito passivo simula o exercício de uma atividade económica específica, mas, na realidade, visa integrar bens no seu património privado que permitem dedução do IVA — a Administração Fiscal tem o direito de exigir retroativamente a devolução dos montantes deduzidos, uma vez que essas deduções foram obtidas com base em declarações falsas.

 

O TJUE clarifica ainda que a verificação de uma prática abusiva depende do preenchimento de dois requisitos cumulativos. Primeiro, as operações em causa, apesar de cumprirem formalmente as condições estabelecidas na Diretiva IVA e na legislação nacional que a transpõe, devem resultar na obtenção de uma vantagem fiscal contrária ao objetivo dessas disposições. Em segundo lugar, deve ficar demonstrado, com base em elementos objetivos, que o propósito essencial dessas operações é o de obter uma vantagem fiscal.

 

As medidas que os Estados-Membros podem adotar ao abrigo do artigo 273.º da Diretiva IVA, visando garantir a cobrança exata do imposto e prevenir a fraude, não devem, contudo, exceder o necessário para atingir esses objetivos, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, nem comprometer a neutralidade do IVA.

 

Neste contexto, o TJUE concluiu que um sujeito passivo, agindo em tal qualidade, ao adquirir um bem de investimento e o integrar no património, tem o direito de deduzir o IVA suportado na sua aquisição no exercício em que o imposto se tornou exigível. Esta dedução é garantida mesmo que o bem não seja imediatamente utilizado para fins de atividade económica tributada, incumbindo ao tribunal nacional avaliar se o sujeito passivo adquiriu o bem com vista ao exercício da sua atividade económica e determinar se existe alguma prática fraudulenta.

 

Resulta assim insofismável que, o direito à dedução do IVA constitui um direito fundamental que apenas pode ser limitado nas situações expressamente previstas pelas normas de Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais do direito aplicáveis nesta matéria, como o princípio do abuso de direito, conforme tem sido reiteradamente afirmado pelo TJUE, não se encontrando as «atividades preparatórias» excluídas do perímetro relativo a esse mesmo direito à dedução.

 

Destarte, face à jurisprudência do TJUE, as administrações tributárias dos Estados-Membros estão vinculadas a agir em conformidade com esta interpretação, em respeito pelo princípio da conformidade do direito nacional com o direito da União Europeia.

 

Nesta esteira, ao nível interno, relevamos, nesta matéria, o acórdão do TCA Sul de 29-04-2021, proferido no processo 372/10.9BELLE, o acórdão proferido pelo STA, no processo n.º 0199/09, de 08.07.2009 e no plano da jurisprudência arbitral, as decisões tiradas dos processos n.º  83/2020-T, 933/203-T, 861/2019-T e 660/2017-T onde, na linha do entendimento do TJUE, se reconhece que as atividades preparatórias realizadas antes do início efetivo das operações tributáveis constituem, elas próprias, atividades económicas, decorrendo tal entendimento do princípio da neutralidade, estando sujeito ao requisito da boa-fé por parte do sujeito passivo que nelas incorre, o que aqui não é posto em crise pela AT. 

 

Nessas circunstâncias, o direito à dedução do IVA pode ser exercido de imediato, mesmo que, nesse período temporal inexistam ainda operações ativas tributáveis.

 

Por último, referência para a Informação Vinculativa nº 3758,  de 2012-06-29[6], nos termos do qual a AT veicula o seguinte entendimento:

“Assim sendo, resulta que o imposto contido nas despesas de investimento prévias à constituição de uma empresa, confirmadas por elementos objetivos que demonstrem a sua relação direta com a atividade a desenvolver, pode ser de imediato deduzido.

17 - Reportando-nos, de novo, ao caso sob análise e, de acordo com a informação disponível no processo, constata-se que a dedução do imposto, contido nas despesas prévias de investimento à atividade projetada, está conforme os preceitos legais supra mencionados e, bem assim, com a jurisprudência comunitária sobre a matéria.”

 

Revertendo o enquadramento supra para os presentes autos, da factualidade provada resulta que a Requerente incorreu em despesas  relativas  a serviços jurídicos, as quais se destinaram a assegurar a transição de parte significativa daquela que era a atividade operacional e respetivos recursos da B..., SA, então em Processo Especial de Revitalização, para a esfera da Requerente, transição essa que dependia da execução do projeto de cisão-fusão através do qual a Requerente receberia os recursos (materiais, financeiros, humanos e operacionais) das unidades de negócio e de suporte da B..., SA, tidos como estratégicos pelo investidor – grupo G... .

 

Ora, a este respeito, as partes não mostraram dissentir, ou seja, a Requerida não coloca em causa que os serviços jurídicos pela sociedade C... tenham sido prestados no âmbito da assessoria a todas as necessárias diligências tendentes à concretização da operação da cisão-fusão a favor da Requerente.

 

Não obstante, a AT considera que, por um lado, relativamente à inadmissibilidade da dedução do IVA atinente à prestação de serviços jurídicos, tal cisão-fusão apenas produziu efeitos económicos a 01.09.2021, pelo que estava excluído, no entender desta, o direito da Requerente a proceder à dedução de IVA incorrido em momento temporalmente anterior aos efeitos económicos dimanantes da transferência de recursos concretizada através da cisão-fusão.

 

A contratação de tal assessoria jurídica mostra-se, ante o cotejo do acervo probatório supra alinhado, consentânea com a exigência técnica e complexidade jurídica – de nível elevado - que uma operação de cisão-fusão como aquela que teve lugar, pelo que não se vislumbra como não assentir num juízo de direta relação entre o gasto incorrido e a atividade económica a desenvolver aquando da concretização de tal transferência de recursos via cisão-fusão, devendo, aliás, ter presente que sem a concretização de tal cisão-fusão, porventura, o início de tal atividade económica pela Requerente ficaria irremediavelmente comprometida.

 

Por outro lado, no que se refere à invocação constante  dos RIT’s segundo a qual o beneficiário de tais serviços ser a B..., SA, não podemos deixar de dissentir quanto a tal perspetiva, uma vez que e desde logo, ante a factualidade dada por demonstrada, a viabilidade da operação que até à cisão-fusão estava na esfera desta, estava dependente da entrada de um novo investidor (grupo G...), entrada essa, que assentava na concretização de tal cisão-fusão a favor da Requerente, para a qual haveria de ser transferida parte significativa da operação até aí era desenvolvida pela B..., SA. 

 

Em face do vindo de expor, não se vislumbra como não possam os serviços de apoio jurídico levados a efeito no âmbito da preparação e implementação da operação de cisão-fusão ser relevados como do interesse e a benefício da Requerente, a qual, como se referiu, efetivamente veio a receber um conjunto relevante de recursos que, justamente, lhe permitiram dar continuidade à operação até aí levada a efeito pela B..., SA e sem os quais, porventura, a Requerente não teria chegado a iniciar a respetiva atividade.

 

De resto, a prova produzida, designadamente, testemunhal e por declarações de parte foi, também, a esse respeito, elucidativa, na medida em que na esfera da B..., SA apenas terão ficado recursos residuais (por não serem do interesse do investidor) – operação em Argélia e Venezuela – não tendo sequer em resultado de tal cisão-fusão a B..., SA continuado com qualquer colaborador em território nacional, dada a transferência de todos os recursos humanos para a orla jurídica da Requerente. 

 

Por último, importa ter presente que a linha de argumentação da Requerida segundo a qual as faturas emitidas pela sociedade C... não conteriam um descritivo que pudesse dilucidar o concreto objeto desses mesmos serviços, tal linha de fundamentação não se mostra sequer expressa, muito menos demonstrada no âmbito de ambos os RIT’s que estão na base das liquidações arbitralmente impugnadas.

 

Ou seja, em momento algum dos RIT’s em causa a Requerida procedeu à fundamentação da não dedutibilidade do imposto assente na eventual não verificação das formalidades de tais faturas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 36º do Código do IVA.

 

Conforme vem sendo jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo[7] :

“ I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.”

 

Em face de tal ausência de fundamentação das correções que em tal eventual desconformidade formal se tenha ancorado, sempre estará prejudicado o conhecimento na presente instância arbitral sobre tal hipotética violação do artigo 36º do CIVA, enquanto potencial obstáculo ao exercício do direito à dedução.

 

Por outro lado, no que se refere à prestação de serviços de utilização de espaço e respetivos serviços de limpeza do mesmo, o qual veio a ser ocupado enquanto escritório da Requerente – em função da transferência do recursos humanos da B..., SA para a aquela – dúvidas não subsistem, ao nível da matéria de facto provada, que a Requerente veio efetivamente a ocupar tal escritório (...), pelo que o alocou a benefício da atividade sujeita e não isenta, a qual passou a desenvolver a partir da produção de efeitos económicos da cisão-fusão – 01.09.2021.

 

A exclusiva circunstância de a contratação de tal espaço de escritórios e respetivos serviços associados, ter ocorrido em momento temporalmente anterior ao início do desenvolvimento de atividade acaba por se tornar, de per se, neutra para efeito de aferição do eventual direito ou não à dedução do imposto incorrido com tais despesas preparatórias.

 

Isto porque, como supra se deixou explanado, essencialmente assente naquela que é a jurisprudência do TJUE em matéria de «atividades preparatórias», o princípio é justamente o contrário daquele que vem defendido pela Requerida, isto é, o IVA incorrido no âmbito de aquisições de bens e/ou de serviços temporalmente anteriores ao início da atividade económica tributável do sujeito passivo não pode deixar de ser suscetível de conferir o direito à dedução, desde que não haja indícios de atuação abusiva ou fraudulenta por parte do sujeito passivo, fito contra legem  este que, em momento algum, é invocado no RIT, pela AT, em defesa das correções inspetivas apuradas.

 

Estando-se, quer no caso dos serviços prestados pela C..., quer ante os serviços prestados pela D..., perante despesas direta e exclusivamente afetas ao exercício da atividade económica que a Requerente viria a desenvolver.

 

E não resultando controvertido que a Requerente, fruto da transferência do acervo resultante da cisão-fusão, veio a dar início a atividade sujeita e não isenta, no âmbito da realização de trabalhos na área das infraestruturas elétricas de média e alta tensão,  não podia a Requerida, in casu, em face da jurisprudência deixada supra alinhada, negar esse direito somente pelo facto de a Requerente ainda não estar a exercer qualquer atividade (operações tributáveis ativas) à data da respetiva dedução, direito esse que, de resto, a AT reconhece nos termos da supra identificada Informação Vinculativa

 

Estando-se, como se está, perante a prossecução de uma atividade sujeita e não isenta de IVA, é assim de concluir que o IVA suportado pela Requerente a montante com os atos preparatórios identificados é dedutível nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIVA.

 

Destarte, é entendimento deste tribunal arbitral dever ser declarada a ilegalidade dos atos de liquidação do IVA com o n.º 2023 ... e 2023..., relativos aos períodos de 2021/10 e 2021/12, respetivamente, dos quais resultaram um montante a reembolsar de € 41.758,87 e de € 6.302,61, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na  violação do direito à dedução previsto nos artigos 19.º, n.º 1, a) e 20.º, n.º 1, a) do Código do IVA, relativamente ao imposto incorrido nas faturas emitidas pela C... e D... supra identificadas, ficando, assim, prejudicada a análise dos restantes vícios que a Requerente imputa aos atos tributários mediatamente impugnados. 

 

De igual modo, e pelas mesmas razões e fundamentos, as decisões de indeferimento das reclamações graciosas não poderão deixar de se reputar de ilegais, por vício de violação de lei já supra densificado, devendo, consequentemente, ser anuladas.

 

2. Pedido de restituição da quantia indevidamente não reembolsada e do pagamento de juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedido de restituição da quantia indevidamente não reembolsada e ainda o pagamento pela AT de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.

 

De harmonia com o disposto na al. b) do art.º 24 do RJAT e no art.º 100 da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT), a decisão arbitral favorável à pretensão do sujeito passivo vincula a AT a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos necessários para o efeito, tendo em vista garantir a imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios.

 

No entanto, importa ter presente que, ao contrário de outros litígios, esta lide se funda em liquidações que não apuraram qualquer pagamento de imposto indevido, na medida em que das liquidações (mediatamente) impugnadas resultava antes um valor a reembolsar, pese embora de valor ao anteriormente peticionado, por via das correções inspetivamente apuradas – no caso, no montante de € 85.475,92.

 

Por subsunção ao caso dos autos vertentes e por se acompanhar o entendimento vertido no âmbito do processo arbitral n.º 781/2020-T, proferido no âmbito do CAAD, não podemos deixar de deixar citado e assim incorporar o aí decidido, no que a esta concreta matéria diz respeito:

“…sem prejuízo de a jurisprudência arbitral reiteradamente afirmar a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, interessa considerar que, na situação concreta dos autos, a consequência da liquidação indevida de IVA não se materializou num pagamento adicional suscitado pelo ato tributário, antes, na anulação indevida do crédito de imposto que a Requerente havia reportado nas suas declarações periódicas de IVA e cujo reembolso havia solicitado, repercutindo-se a jusante na decisão deste procedimento de reembolso.

Tratando-se de quantia pendente de reembolso, objeto de um procedimento administrativo próprio, rege, nesta matéria, a norma especial prevista no artigo 22.º, n.º 8 do Código do IVA, segundo a qual:

“8 – Os reembolsos de imposto, quando devidos, devem ser efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido ou, no caso de sujeitos passivos que estejam inscritos no regime de reembolso mensal, até aos 30 dias

posteriores ao da apresentação do referido pedido, findo os quais podem os sujeitos passivos

solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária.”

Assim, o pedido de juros indemnizatórios deriva do atraso no processo de reembolso de IVA e tem direta conexão com este, pelo que a sua apreciação deve ser efetuada em sede própria, que é a do respetivo procedimento de reembolso (cuja “reabertura” deriva da anulação do ato tributário de liquidação de IVA).

Esta questão não pode ser conhecida e apreciada por este Tribunal Arbitral, por não se incluir nas pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação (ou em pretensões meramente acessórias ou dependentes desta), atenta a delimitação da competência material desta jurisdição constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, podendo ser sindicada nos Tribunais Tributários sob a forma processual de ação administrativa.

Solução idêntica é aplicável ao pedido de restituição da quantia não reembolsada, que implica, de igual modo, uma decisão do pedido de reembolso pela Requerida e não flui diretamente da anulação da liquidação de IVA (embora esta, naturalmente, tenha consequências inevitáveis nessa decisão).”  

 

Aderindo-se in totum a tal entendimento, não poderão deixar de se relegar para a fase de execução da presente decisão as questões relativas ao pedido de restituição da quantia não reembolsada e aos respetivos juros indemnizatórios não obstante, em face do juízo de ilegalidade quanto às liquidações adicionais arbitralmente impugnadas que da presente decisão dimana, não poder deixar de precipitar um eventual acerto relativo ao quantum, a apurar em sede de execução, e o inerente direito a juros ressarcitórios.    

 

 

V.            Decisão

 

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa supra explanada, decide este tribunal arbitral coletivo

a)    Julgar improcedente a exceção de incompetência em razão da matéria erigida pela Requerida;

b)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente, declarar ilegais e anular, por vício de violação de lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, as liquidações de IVA de 2021/10 e 2021/12, com os n.ºs 2023 ... e 2023 ..., respetivamente, por tais atos tributários terem desconsiderado a dedução de IVA, no montante de  €71.357,37 relativamente ao período de 2021/10 e de €14.118,55, referente ao período 2021/12;  e bem assim anular as correspondentes decisões de indeferimento de Reclamação Graciosa com os n.ºs ...2023... e ...2023..., por não reconhecimento da versada ilegalidade;

c)     Não conhecer dos pedidos dependentes relativos à restituição da quantia não reembolsada e a juros indemnizatórios, cuja sede própria é a da execução da presente decisão pela Requerida; 

d)    Condenar a Requerida nas custas pelo decaimento sofrido nestes autos. 

 

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º A n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 85.475,92 (oitenta e cinco mil quatrocentos e setenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos), valor atribuído pela Requerente, não impugnado pela Requerida.

 

 

 

VII. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Requerida

 

Lisboa, 16 de maio de 2025.

 

Os Árbitros, 

 

(Dr.ª Alexandra Coelho Martins, Presidente) 

 

 

 

(Prof.ª Doutora Nina Aguiar)

 

                                                      

(Luís Ricardo Farinha Sequeira, Relator)

 

 

 

 

 

 



[1] Decisão do STJ, de 26 de setembro de 2017, no processo n.º 13769/13.3T2SNT.L1.S2., disponível em www.dgsi.pt

[2]Patrícia Noiret Cunha, in “Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotações ao Código do Imposto sobre o

Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias”, Instituto Superior de Gestão, 2004,

p. 302

[3] Acórdãos de 6 de Julho de 1995, Caso BP Soupergaz, Proc.C-62/93, n.º 18, e de 21 de Março de 2000, Caso Gabalfrisa e o., Proc.s C-110/98 a C-147/98, disponível em www.curia.eu

[4] Acórdão de 21 de março de 2000, Gabalfrisa SL e o C- 110/98 e C-147/98, disponível em www.curia.eu

[5] Acórdão de 8 de Janeiro de 2002, Caso Metropol, Proc. C-409/99 e caso França Vs. Comissão, Acórdão de 21 de Setembro de 1988, Proc. 50/87, disponíveis em www.curia.eu

[7] Ac. do STA, de 28.02.2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT, disponível em www.dgsi.pt